Da vedação sanitária ao comércio das chamadas “espuminhas de carnaval


Resumo: Um olhar sobre as normas que tutelam a comercialização das chamadas espuminhas de carnaval, em especial a RDC nº 77/2007 da ANVISA, que autoriza a comercialização de tais produtos em território nacional e as normas de diversos municípios brasileiros, que vedam a sua comercialização.


Sumário: 1 – Introdução, 2 – Dos estudos técnico-científicos acerca do risco à saúde humana proveniente do uso das espuminhas de carnaval, 3 – A inoportuna RDC nº 77/2007 da ANVISA, 4 – Da posição adotada pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, 5 – Da competência municipal para disciplinar a comercialização das “espuminhas de carnaval”, 6 – Da constitucionalidade da posição adotada pelos municípios integrantes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, 7 – Conclusão


1) Introdução


Não é novidade entre os foliões e demais apreciadores das festas momescas, a presença das chamadas “espuminhas” ou “espumas” de carnaval, também conhecidas como “neve artificial”.


De textura símile a do chantilly ou da espuma para barbear, estes produtos vêm acondicionados em bisnagas de alumínio e são propelidos para fora de suas embalagens em spray por força da ação da mistura dos gases butano e propano.


Tais produtos – emulando o efeito que a alegórica serpentina de papel faz ao ser jogada no ar – quando propelidos para fora da bisnaga “serpenteiam” sobre a cabeça dos que estiverem ao redor do apetrecho propelente para depois caírem sobre os mesmos.


Utilizadas freqüentemente com fins lúdicos, as espuminhas de carnaval em aerossol são largamente difundidas entre a população infantil que as utiliza como brinquedo.


Contudo, por trás da aparência inocente das espuminhas de carnaval (repita-se, também conhecida como neve artificial) se escondem riscos à saúde humana que ensejaram a vedação sanitária a sua comercialização.


Nas linhas que se seguirão tentaremos compor uma breve descrição de como a legislação sanitária e alguns estudos técnicos tem tratado a comercialização das espuminhas de carnaval.


2) Dos estudos técnico-científicos acerca do risco à saúde humana proveniente do uso das espuminhas de carnaval


Em estudo publicado na Revista Brasileira de Alergia e Imunopatologia (Vol. 28, nº 01, 2005) sob a alcunha “Efeitos potencialmente deletérios de aerossóis de neve e serpentina artificiais utilizados durante as festas de carnaval”, os pesquisadores Celso H. Oliveira (Universidade de São Francisco, Bragança Paulista-SP e Laboratório de Biologia Molecular da Unicamp, Campinas-SP), Raquel Soares Binotti (Laboratório de Biologia Molecular da Unicamp, Campinas-SP), Gustavo S. Graudenz (USP, SãoPaulo-SP), Rafael E. Barrientos-Astigarraga (USP, São Paulo-SP) e Antônio Condino Neto (Laboratório de Biologia Molecular da Unicamp, Campinas-SP), alertaram para os riscos do uso das “espuminhas de carnaval”, destacando que as mesmas contém …


“… várias substâncias químicas, incluindo a cococbetaína e resinas acrílicas que podem causar irritação e sensibilização à pele e membranas mucosas humanas. Portanto, o contato prolongado dessas substâncias com a pele deve ser evitado. A fim de se evitar tais problemas, quando aplicados sobre a pele ou mesmo nos olhos, esses produtos devem ser lavados o mais rápido possível.”


E é aí que reside um dos maiores problemas (talvez até o maior) com a utilização dos aerossóis de espuminhas de carnaval, vez que, apesar de as pesquisas indicarem que tais produtos não devem ficar em contato com a pele, os olhos ou as mucosas por muito tempo, devendo ser removidos por meio de lavagem das regiões atingidas pelo spray, o que ocorre no carnaval é justamente o oposto, pois, muito frequentemente, não há como as pessoas tomarem as precauções necessárias para evitar o contato prolongado destes produtos com a pele, mucosas e olhos, já que normalmente elas estão em aglomerações que inviabilizam o pronto acesso à água corrente para fins de higienização após o contato com os mesmos.


Destaque-se ainda que o estudo publicado na Revista Brasileira de Alergia e Imunopatologia também chamou atenção para os efeitos da exposição prolongada não só à espuminha de carnaval em si, mas como aos prejuízos à saúde que podem decorrer da exposição em excesso aos gases propelentes das espuminhas, o propano e o butano:


“Propano (C3H8) e butano (C4H10) são propelentes de hidrocarbonetos muito utilizados em aerossóis. As vias de exposição são a inalação, pele e olhos. Os sintomas de exposição ao propano e butano são relacionados com o sistema nervoso central. Assim, a exposição exagerada ao propano pode causar tontura, confusão, excitação e asfixia. Além disso, a exposição ao butano pode causar sonolência, narcose, asfixia, e até intoxicação fatal. O contato com a pele de ambos os propelentes líquidos pode causar queimadura por congelamento local.”


Além do estudo alhures mencionado, cumpre também destacar que, a pedido do Gestor da Rede de Laboratórios Públicos do Estado de Pernambuco, o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) ligada ao Ministério da Saúde promoveu a análise em duas marcas das chamadas espuminhas de carnaval.


Nos laudos de análise de números 234/07 e 235/07 o INCQS atestou que as chamadas espuminhas ou espumas de carnaval, também conhecidas como neve artificial não atendem aos incisos III do artigo 6º e III do parágrafo 6º do artigo 18, ambos do Código de Defesa do Consumidor.


Analisando as substâncias químicas que compõem tais produtos, os surfactantes ou tensoativos, o INCQS afirmou que elas …


“… têm a propriedade de interagir com estruturas biológicas como membranas, proteínas e enzimas. Deste modo, podem causar efeitos locais como a irritação de membranas mucosas e pele e, dependendo da sensibilidade individual, podem causar alergia. Podem ocorrer também efeitos sistêmicos no caso de ingestão, inalação ou penetração cutânea, devido ao contato prolongado do produto com a pele.”


Em face disto, e, considerando que os aerossóis de neve artificial (espuminhas de carnaval) são largamente utilizados por crianças e jovens, cabe à reflexão se os mesmos, em razão do risco à saúde que pode advir do seu uso, devem ter sua comercialização tolerada pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.


3) A inoportuna RDC nº 77/2007 da ANVISA


Causando surpresa aos demais integrantes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, valendo-se da prerrogativa que lhe é conferida pela Lei Federal nº 9.782/99 editou, por meio de sua Diretoria Colegiada, a RDC nº 77/2007, cujo texto é o seguinte:


A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso da atribuição que lhe confere o inciso IV do art. 11 do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 3.029, de 16 de abril de 1999, e tendo em vista o disposto no inciso II e nos §§ 1º e 3º do art. 54 do Regimento Interno aprovado nos termos do Anexo I da Portaria nº 354 da ANVISA, de 11 de agosto de 2006, republicada no DOU de 21 de agosto de 2006, em reunião realizada em 13 de novembro de 2007, e considerando o controle e a fiscalização dos produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública conforme o disposto na Lei n.º 9.782, de 26 de janeiro de 1999,considerando que a Vigilância Sanitária tem como missão precípua a prevenção de agravos à saúde, a ação reguladora de garantia de qualidade de produtos e serviços que inclui a aprovação de normas e suas atualizações, bem como a fiscalização de sua aplicação,


considerando a necessidade de estabelecer critérios para garantir a segurança dos produtos utilizados pela população e minimizar riscos à saúde.


considerando que a legislação sanitária se aplica a produtos nacionais e importados,


considerando as ocorrências de alergia respiratória, irritação de pele, mucosas e olhos provocados pelas espumas de carnaval e similares,


adota a seguinte Resolução da Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente, determino a sua publicação:


Art. 1° Os produtos denominados “espuma de carnaval”, “neve de carnaval”, “neve artificial”, “serpentina”, “teia” ou qualquer outra denominação similar, apresentados na forma de aerossol, que possam entrar em contato direto com a pele, mucosas e/ou olhos somente poderão ser comercializados seguindo critérios de segurança para sua utilização.


Art. 2° A fabricação destes produtos deve atender às medidas e aos mecanismos destinados a garantir ao consumidor a qualidade dos mesmos, tendo em vista sua identidade, pureza e segurança.


Art. 3° As empresas fabricantes e importadoras destes produtos devem realizar os seguintes testes e mantê-los à disposição imediata da Vigilância Sanitária quando solicitados:


Absorção cutânea


Toxicidade oral aguda


Alergenicidade


Irritação primária da pele


Irritação primária dos olhos


Parágrafo único. Os ensaios descritos no caput deste artigo devem seguir os protocolos internacionalmente aceitos e seus resultados não podem traduzir nenhum dano ou agravo à saúde da população exposta.


Art. 4° É vedada a utilização de substâncias proibidas no país, assim como aquelas que apresentem efeito comprovadamente mutagênico, teratogênico e carcinogênico em mamíferos nos produtos abrangidos por este regulamento.


Art. 5° A comercialização dos produtos abrangidos por este regulamento está sujeita à adoção das informações de rotulagem relacionadas no Anexo.


§ 1º Todas as frases e símbolos de inserção obrigatória devem figurar com caracteres claros, bem visíveis, indeléveis nas condições normais de uso e facilmente legíveis pelo consumidor.


§ 2º A informação obrigatória não pode estar escrita sobre partes removíveis para o uso, como tampas, travas de segurança e outras, que se inutilizem ao abrir a embalagem.


§3º É proibido o uso de expressões como: “não tóxico”, “seguro”, “inócuo”, “não prejudicial”, “inofensivo”, ou outras indicações similares.


Art. 6° O descumprimento desta Resolução constitui infração sanitária, ficando o infrator sujeito às penalidades previstas na Lei n° 6437, de 20 de agosto de 1977 e demais normas pertinentes.


Art. 7° Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.


DIRCEU RAPOSO DE MELLO


Como se pode ver, na aludida norma, a ANVISA autorizou a comercialização das espuminhas de carnaval desde que a mesma se desse de acordo com os requisitos previstos na RDC nº 77/2007.


Contudo, provocada pela Vigilância Sanitária do Recife, a Gerência Geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA elaborou um parecer técnico sobre a segurança das chamadas “espuminhas de carnaval”.


No aludido parecer (encaminhado pelo Ofício nº 0948/2009/GGTOXANVISA datado de 15/07/2009) a Gerência Geral de Toxicologia da ANVISA, ao analisar as chamadas “espuminhas de carnaval”, opinou no sentido de que …


“… sob o aspecto toxicológico, a relação risco-benefício revela-se francamente desfavorável a este tipo de produto. Há diversos relatos de reações e efeitos toxicológicos adversos da referida espuma sobre os olhos e pele de adultos e crianças expostas. Um trabalho publicado descreve o potencial de risco desses produtos, inclusive correlacionando com as substâncias mais empregadas em suas formulações. Cabe igualmente destacar as análises realizadas em duas marcas de espumas de carnaval em fevereiro de 2007 pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (FIOCRUZ), cujo resultado dos laudos foi considerado ‘insatisfatório’, para ambas. O analista responsável pelos laudos cita fatores de risco, como a ausência de composição, ausência de informação clara alertando para os perigos do produto e orientações quanto aos primeiros-socorros em caso de intoxicação, ou mesmo, o que é ainda pior, rotulagem inadequada, como as frases ‘produto inofensivo’ e ‘este produto não causa irritação ocular ou dérmica’, o que pode levar o usuário a subestimar seu risco à saúde.


Ademais, há igualmente relatos de agremiações carnavalescas ou da população geral, na grande mídia, testemunhando pela inconveniência do produto. Além de desagradável, deixa manchas indeléveis nas roupas/fantasias especiais utilizadas. Embora nossa preocupação seja com a saúde humana, o que por si só já justifica a imposição de maiores restrições ao produto, estes fatos corriqueiros procuram mostrar que não há, de forma alguma, benefício trazido pelo mesmo que justifique deixar a população conviver com a prevalência dos efeitos nocivos à saúde. (… omissis …)


Concluindo, esta Gerência Geral de Toxicologia entende que este tipo de produto não deveria ser comercializado em território nacional e que, na eventualidade de se encontrar alguma relevância para o produto, que o mesmo se submetesse à avaliação toxicológica, segundo os protocolos internacionalmente aceitos (OECD, EPA, IBAMA, INCQS, entre outros).”


Em razão de tal posicionamento, cremos que a Gerência Geral de Toxicologia parece estar mais irmanada com a política adotada pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária em relação ao comércio das espuminhas de carnaval e que a seguir será mais bem detalhada.


4) Da posição adotada pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária


Vigora em Recife o Decreto Municipal nº 22.646/07 cuja redação é bastante clara:


“DECRETO Nº 22.646 DE 14 DE FEVEREIRO DE 2007


Ementa: Dispõe sobre a proibição das espumas de carnaval no âmbito Município do Recife.


O PREFEITO DO RECIFE no uso de suas atribuições e o que dispõe o art. 4o da lei no 16.004, de 20 de janeiro de 1995, e,


CONSIDERANDO ocorrências de irritação na pele, nas mucosas e olhos provocados pelas espumas de carnaval;


CONSIDERANDO que a utilização das referidas espumas provocam constrangimentos sendo potencialmente gerador de violência;


CONSIDERANDO que referidos produtos estão sob o controle e vigilância da municipalidade nos termos do ar. 72 da Lei 16.004, de 20 de janeiro de 1995;


CONSIDERANDO a necessidade de proteger os recifenses dos perigos da utilização dos referidos produtos;


CONSIDERANDO, ainda, que os estudos realizados no âmbito de universidades de São Paulo e publicados na Revista Brasileira de Alergia e Imunopatologia de 2005, apontam pela presença de substâncias surfactantes que provocam irritação,


D E C R E T A:


Art. 1º Fica proibida comercialização e o uso de espumas conhecidas como espuminha de carnaval, serpentinas e produtos similares acondicionados em aerossol “spray”, no âmbito do Município do Recife.


Parágrafo único. A inobservância do disposto no caput deste artigo importa na aplicação das penalidades previstas no art. 13 do Decreto no 20.727, de 5 de novembro de 2004 que regulamenta o Código Municipal de Saúde.


Art. 2º A fiscalização do disposto neste Decreto será exercida pela Vigilância Sanitária do Recife que na forma referida no Parágrafo único do art. 1o deste Decreto deverá, quando for o caso, apreender os produtos comercializados.


Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.


Recife, 14 de fevereiro de 2007.


JOÃO PAULO LIMA E SILVA


Prefeito do Recife


EVALDO MELO DE OLIVEIRA


Secretário de Saúde


BRUNO ARIOSTO LUNA DE HOLANDA


Secretário de Assuntos Jurídicos


Tal dispositivo recifense não é insular dentre as normas que compõem o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, havendo disposições no mesmo sentido nas prefeituras Municipais de Caraguatatuba (SP) (Lei Municipal nº 1.343/2006), Tietê (SP) (Lei Municipal nº 2.892/2006), Amparo (SP) (Lei Municipal nº 2.898/2003), Bombinhas (SC) (Decreto Municipal nº 822/2006), Rio de Janeiro (RJ) (Lei Municipal 4.563/2007), entre outras.


Para não transcrevemos aqui o texto de todas as normas acima citadas, trazemos à baila, a título de exemplificação, apenas o inteiro teor do Decreto Municipal nº 022/2007 da Prefeitura de Guarapari (ES):


DECRETO Nº 022/2007


PROÍBE O USO E A COMERCIALIZAÇÃO DE ESPUMA EM RECIPIENTE SPRAY NA CIDADE DE GUARAPARI E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.


O PREFEITO MUNICIPAL DE GUARAPARI , Estado do Espírito Santo, no uso de suas atribuições legais, contidas no art. 88, inciso da LOM – Lei Orgânica do Município.


Considerando o estabelecido na Lei Municipal 2657/2006 que autoriza o Poder Executivo a disciplinar, controlar e fiscalizar o uso e a comercialização de tinta em forma de espuma em recipiente do tipo “SPRAY”, no Município de Guarapari;


Considerando que este tipo de produto causa transtornos, conforme denúncias, tais como irritações alérgicas, cutâneas e nos olhos, em ocasiões de festejos, em especial no período do carnaval;


Considerando ainda, a necessidade de exercer o controle e a fiscalização, com o propósito de proibir tal comercialização,


D E C R E T A:


Art. 1º Fica proibida a comercialização e o uso de espuma em recipiente “Spray” em todo o Município de Guarapari.


Art. 2 º – Os estabelecimentos comerciais deverão providenciar a divulgação, através de placas informativas e/ou publicidade, através dos meios de comunicação.


Art. 3º – O estabelecimento comercial que descumprir o presente decreto sofrerá as seguintes penalidades:


I – Multa;


II – Suspensão do Alvará de Funcionamento por 60 (sessenta) dias;


III – Cassação do Alvará de Funcionamento.


Art. 4º – Este decreto entrará em vigor nesta data, publicado no quadro de avisos, existente no átrio da Prefeitura Municipal.


Art. 5º – Revogam-se as disposições em contrário, em especial, o Decreto nº. 010/2007.


Guarapari(ES), 16 de janeiro de 2007.


EDSON FIGUEIREDO MAGALHÃES


Prefeito Municipal”


Destarte, vislumbra-se que, a contrariu sensu da ANVISA, o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária tem vedado a comercialização de espuminhas de carnaval.


5) Da competência municipal para disciplinar a comercialização das “espuminhas de carnaval”


A principal dúvida ensejada pelas legislações municipais que proíbem a comercialização de espuminhas de carnaval seria a de se saber se está sendo violada a competência atribuída à ANVISA pelo art. 7º inciso XV da lei nº 9.782/99:


“Lei Federal Nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências.


Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo: (… omissis …)


XV – proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou do risco iminente à saúde;”


Poder-se-ia dizer que a competência para estabelecer normas que proíbem a comercialização de produtos considerados de risco à saúde da população é da ANVISA, consoante o disposto pelo art. 7º inciso XV da lei nº 9.782/99, que não admite nesta hipótese atuação concorrente de estados e municípios.


Entretanto, eis o que a Magna Carta preconiza acerca das atribuições de competências conferidas ao Sistema Único de Saúde (SUS):


“Constituição Federal de 1988


Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:(… omissis …)


II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;”


A Lei Federal nº 8.080 de 1990, discriminando as competências do Sistema Único de Saúde (SUS), assim dispõe sobre o que pertine aos municípios:


Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:


I – planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;


II – participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS), em articulação com sua direção estadual;


III – participar da execução, controle e avaliação das ações referentes às condições e aos ambientes de trabalho;


IV – executar serviços:


a) de vigilância epidemiológica;


b) vigilância sanitária;


c) de alimentação e nutrição;


d) de saneamento básico; e


e) de saúde do trabalhador;”


Como se vê cabem aos municípios a execução das ações de vigilância sanitária.


Por sua vez, a mesma lei define vigilância sanitária como:


Art. 6º (… omissis …)


§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:


I – o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e


II – o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.”


Assim, fica evidenciado que, valendo-se da competência que lhe é conferida pelas leis que regulamentam o Sistema Único de Saúde, os municípios, ao executarem os serviços de vigilância sanitária, podem promover o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo tais como as chamadas “espuminhas de carnaval”.


No caso específico de Recife, o Código Municipal de Saúde, valendo-se dos permissivos legais já citados, assim dispôs:


Lei Municipal nº 16.004, de 20 de janeiro de 1995 – Cria o Código Municipal de Saúde


Art. 72 – Entende-se por substâncias e produtos de interesse da saúde os alimentos de origem animal e vegetal, produtos dietéticos, gêneros alimentícios, águas minerais e de fontes, medicamentos, produtos fitoterápicos, insumos, cosméticos, perfumes, produtos de higiene, agrotóxicos, materiais de revestimento, equipamentos de proteção individual e todos os demais produtos e substâncias que, direta ou indiretamente, acarretarem agravos à saúde.


Art. 73 – Incluem-se, entre os produtos e substâncias de interesse da saúde,os inseticidas, raticidas e outros produtos e substâncias utilizados em dedetizações, ficando os prestadores desses serviços sujeitos ao controle e fiscalização da Secretaria Municipal de Saúde.


Art. 74 – A Secretaria Municipal de Saúde, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais, no que couber, normatizará e fiscalizará o exercício das atividades que envolvam substâncias e produtos de interesse da saúde, quer de natureza comercial, industrial ou prestação de serviços.


§ 1º – A normatização da SMS abrangerá as condições de funcionamento,tipos de produtos colocados à venda, adequado sistema de  armazenamento, conservação, dispensação e transporte e manipulação, entre outras julgadas pertinentes.


§ 2º – A fiscalização da SMS sobre as atividades referidas no “caput” deste artigo estender-se-á, inclusive, à publicidade e às empresas públicas.”


Fulcrado no art. 72 do Código Municipal de Saúde, o Alcaide da edilidade do Recife editou o Decreto Municipal nº 22.646/07 que veda no âmbito da cidade do comércio de um produto que, no entender do interesse local é nocivo para o consumo da população, descabendo, portanto em se falar em qualquer irregularidade do Decreto recifense que proíbe o comércio das chamadas “espuminhas de carnaval”.


Tal conclusão que aqui se está a propor já foi inclusive prestigiada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em caso análogo, entendeu CONSTITUCIONAL Decreto expedido por município na defesa da saúde dos seus administrados:


Processo No 2008.007.00100


TJ/RJ – QUI 12 JUN 2008 08:16:03 – Segunda Instância – TJ


Tipo : REPRES. POR INCONSTITUCIONALIDADE


Órgão Julgador : ORGAO ESPECIAL


Relator : DES. SERGIO CAVALIERI FILHO


Repdo : EXMO SR PREFEITO DO MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO


Repte : FEDERACAO NACIONAL DE HOTEIS RESTAURANTES BARES E SIMILARES FNHRBS


Legislação : DECRETO Nr 29284 DO ANO 2008 DO MUNICIPIO DE RIO DE JANEIRO –


Origem : TRIBUNAL DE JUSTICA DO RIO DE JANEIRO


Fase atual : LAVRATURA DO ACORDAO


Número do Movimento : 8


Data da Remessa : 10/06/2008


Desembargador : DES. SERGIO CAVALIERI FILHO


ÓRGÃO ESPECIAL


RESPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE Nº 100/2008


RELATOR: DES. SERGIO CAVALIERI FILHO


REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE.


Liminar. Prevalência da Presunção de Constitucionalidade da Lei. Indeferimento.


A suspensão liminar de uma lei, em face da sua presunção de constitucionalidade, é medida drástica, excepcional e só justificável em caso de extrema urgência e verossímil inconstitucionalidade. Havendo justificada dúvida sobre a inconstitucionalidade da norma impugnada, deve prevalecer, até o julgamento da representação, a presunção de constitucionalidade da lei.


VISTOS, relatados e discutidos estes autos de REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE Nº 100/2008, em que é representante Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares – FNHRBS. ACORDAM os Desembargadores que integram o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria de votos, em indeferir a liminar pelas razões que seguem.


O objetivo da presente representação por inconstitucionalidade, proposta pela Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares – FNHRBS -, é o Decreto nº 29.284, 12/05/2008, que proibiu o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos, ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, seja público ou privado, no Município do Rio de Janeiro. Sustenta a representação que o decreto atacado, além de ser inconstitucionalmente autônomo:


(i) viola, flagrantemente, o princípio da legalidade, ao instituir vedação a comportamentos, infrações, impondo, ainda, sanções pecuniárias, sem fundamento em lei (art.145, IV; art.9º; art.77; e art.215 da CERJ c/c art.5º, II e art.84, IV da CF);


(ii) desrespeita, de forma acintosa, as normas de partilha constitucional de competência entre os entes federativos, especialmente a competência federal, já exercida, para dispor sobre normas gerais na matéria (art.358, I, e art.74 da CERJ e arts.30 e 24 da CF);


(iii) contraria, em termos cabais, a regra constitucional da indelegabilidade do poder de polícia a particulares (art.215, caput, da CERJ e art.174, caput, da CF);


(iv) e cerceia, de maneira absolutamente desproporcional e irrazoável, o princípio constitucional da livre iniciativa (art.5º c/c art.16 e art.215 da CERJ, e art.5º, LIV, CF).


Alegando risco de dano iminente, e a presença dos demais requisitos autorizadores da medida, pede a autora que seja concedida a liminar determinando a suspensão dos efeitos do Decreto Municipal nº 29.284/2008, de modo a que não sejam exigíveis nenhuma de suas imposições, nem tampouco aplicadas as suas sanções.


É o relatório.


O mais forte e, pode-se dizer, principal fundamento da representação em comento é o de que se trata de decreto autônomo, criando direitos, obrigações e sanções sem qualquer supedâneo legal. Desse modo, viola direta e imediatamente a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que consagrou, em simetria com a Constituição Federal, o princípio da legalidade. Não obstante as bem lançadas razões expostas pela representante, a alegada autonomia do Decreto impugnado afigura-se pelo menos duvidosa em face da Lei (nacional) nº 9.294/96, cujo art.2º caput dispõe: “Art.2º – É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente.”


Não se pode olvidar, portanto, que há lei de âmbito nacional disciplinando a matéria, na qual se apóia o Decreto questionado. E se esse Decreto, em suas vedações, foi além das restrições estabelecidas na Lei, nessa parte ele seria apenas ilegal, não inconstitucional.


De qualquer sorte, a busca pela ampliação da proteção dos direitos fundamentais, como acontece no presente caso, não pode ser impedida por uma interpretação estreita do princípio da legalidade. Hoje, o referido princípio convive ao lado de outros princípios e direitos fundamentais, não possuindo caráter absoluto e sendo possível a sua relativização a partir de um processo de ponderação pautado pela proporcionalidade.


Os demais fundamentos da representação perdem relevância em face dos arts.30, II e 196 da Constituição Federal. O primeiro dispositivo dispõe:


“Art.30 – Compete aos Municípios:


I. …


II. Suplementar a legislação federa e estadual no que couber.


O segundo – art. 196 da CF – diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”


Partindo-se da premissa de que há lei nacional disciplinando a matéria e que compete ao Município suplementar a legislação federal e estadual no que couber, é plausível entender que o Decreto impugnado busca garantir o direito à saúde a todos, o que é dever do Estado em sentido geral, através de políticas sociais que visam reduzir os riscos de doença causados pelo fumo.


Desta forma, ainda que se entendesse pela competência concorrente da União e dos Estados para legislarem sobre a proteção da saúde (art.24, XII da Constituição Federal), fato é que isso não retira a possibilidade de edição, pela Edilidade, de atos administrativos regulamentares e concretos relativos à proteção da saúde. Lembre-se que, em matéria de saúde, a Urbe tem a sua competência legislativa garantida em outras passagens da Constituição, como no já citado art.30 I e II.


Registre-se, por derradeiro, que a suspensão liminar de uma lei, em face da sua presunção de constitucionalidade, é medida drástica, excepcional e só justificável em casos de extrema urgência. A dúvida quanto à constitucionalidade da lei não basta para justificar a liminar, o que faz prevalecer, até o julgamento da representação, a sua presunção de constitucionalidade.


À conta destas considerações, indefere-se a liminar.


Rio de Janeiro, de de 2008.


DES. SERGIO CAVALIERI FILHO


RELATOR


Havendo Lei Federal que garante a possibilidade de o município promover o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo tais como as chamadas “espuminhas de carnaval” e consoante o que dispõe o art.24, XII da Constituição Federal, só se pode concluir como válidas as normas municipais que vedam a comercialização de espumas de carnaval.


Deve ser ainda ressaltado que NÃO HÁ HIERARQUIA entre a ANVISA e os Órgãos de Fiscalização Sanitária Municipais, prevalecendo, em suas respectivas searas de competência, a vedação à comercialização de espuminhas de carnaval, sendo as normas municipais e não a RDC nº 77/2007 da ANVISA o esteio normativo que deve pautar as Vigilâncias Sanitárias Municipais.


Portanto, não aplicar as normas municipais sobre o tema em detrimento a uma Resolução da ANVISA seria ignorar o Pacto Federativo e negar a competência constitucional dos Municípios no sentido de “Cuidar da Saúde”.


6) Da constitucionalidade da posição adotada pelos municípios integrantes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária


É incontestável que, ao legislarem sobre a proibição de comercialização das espuminhas de carnaval, estão os municípios intervindo na livre iniciativa e na liberdade econômica dos fabricantes de tais produtos, e mais, estão os municípios a criar embaraços à livre circulação de mercadorias, vez que, uma vez consideradas válidas as normas municipais em frente à RDC nº 77/2007 da ANVISA não haveria uma legislação uniforme que vedasse ou autorizasse a comercialização destes produtos, possibilitando as atividades empresarias que os envolvessem se dessem nos municípios em que não houve vedação à comercialização das espuminhas de carnaval.


Tais constatações poderiam tisnar de inconstitucionalidade as normas municipais que vedam a comercialização de espuminhas de carnaval, fazendo com que elas tivessem o mesmo destino da Lei nº 10.813/2001 do Estado de São Paulo que vedava a importação, extração, beneficiamento, comercialização, fabricação e instalação de produtos contendo qualquer tipo de amianto e que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.656-9/SP, cuja ementa é a seguinte:


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI PAULISTA. PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÃO, EXTRAÇÃO, BENEFICIAMENTO, COMERCIALIZAÇÃO, FABRICAÇÃO E INSTALAÇÃO DE PRODUTOS CONTENDO QUALQUER TIPO DE AMIANTO. GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS. LEGITIMIDADE ATIVA. INVASÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO.


1. Lei editada pelo Governo do Estado de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Goiás. Amianto crisotila. Restrições à sua comercialização imposta pela legislação paulista, com evidentes reflexos no economia de Goiás, Estado onde está localizada a maior reserva natural do minério. Legitimidade ativa do Governador de Goiás para iniciar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e pertinência temática.


2. comercialização e extrato de amianto. Vedação prevista na legislação do Estado de São Paulo. Comércio exterior, minas e recursos minerais. Legislação. Matéria de competência da União (CF, artigo 22, VIII e XIII). Invasão de competência legislativa pelo Estado-membro, Inconstitucionalidade.


3. Produção e consumo de produtos que utilizam amianto crisotila. Competência concorrente com outros entes federados. Existência de norma federal em vigor a regulamentar o tema (Lei 9055/95). Conseqüência. Vício formal da lei paulista, por ser apenas de natureza supletiva (CF, artigo 24, §§ 1º e 4º) a competência estadual para editar normas gerais sobre a matéria.


4. Proteção e defesa da saúde pública e meio ambiente. Questão de interesse nacional. Legitimidade da regulamentação geral fixada no âmbito federal. Ausência de justificativa para tratamento particular e diferenciado pelo Estado de São Paulo.


5. Rotulagem com informações preventivas a respeito dos produtos que contenham amianto. Competência da União para legislar sobre comércio interestadual (CF, artigo 22, VIII). Extrapolação da competência concorrente prevista no inciso V do artigo 24 da Carta da República, por haver uma norma federal regulando a questão.”


Contudo, perlustrando o teor de outra ADI, a de nº 3.937-7 SP, o pleno do STF, apreciando medida cautelar contida na ação direta cujo objetivo era de obter suspensão liminar da eficácia da Lei nº 12.684/2007 do Estado de São Paulo (que proíbe o uso, no Estado de São Paulo, de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto ou outros materiais que, acidentalmente tenham fibras de amianto na sua composição), mudou o posicionamento outrora manifestado na ADI nº 2.656-9/SP para afastar, pelo menos em sede cautelar, a inconstitucionalidade de lei local que veda comércio de determinado produto mesmo quando exista lei federal autorizando-o. A seguir, trechos do julgamento da ADI nº 3.937-MC SP:


O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Estamos simplesmente dizendo que o sistema não é tão simples como parece. Basta imaginar alguma coisa que seja reconhecida, extraordinária e incontroversamente, como nociva, e que houvesse legislação federal permissiva da sua produção. Aí se vai dizer o quê? Como a União permite, então seria permitido matar todo mundo, porque nenhum Estado pode impedi-lo!(… omissis …)


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – (… omissis …) O que cumpre perceber é se poderia ou não o Estado de São Paulo, diante de possíveis efeitos nefastos do produto, proibir a comercialização no próprio território, limitando, portanto, a abrangência da lei federal.(… omissis …)


O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – (… omissis …) Diante dos riscos à saúde humana, a questão a ser decidida é a seguinte: os estados estão autorizados a legislar sobre amianto? (… omissis …) Alega-se que os estados da federação têm legislado de forma contrária à Constituição. Estou convencido de que essas normas não são inconstitucionais. (… omissis …) Penso que é inadequado concluir que a lei federal exclui a aplicação de qualquer outra norma ao caso. (… omissis …) em matéria de defesa da saúde, matéria em que os estados têm competência, não é razoável que a União exerça uma opção permissiva no lugar do estado, retirando-lhe a liberdade de atender, dentro de limites razoáveis, os interesses da comunidade. (… omissis …)


A SENHORA MINISTRA CARMEN LÚCIA – (… omissis …) reexaminando a matéria agora, verifiquei, conforme os princípios constitucionais, que especialmente alguns direitos, como o direito à saúde, são não apenas competência concorrente, como realçou aqui tanto o Ministro Eros Grau quanto o Ministro Joaquim Barbosa, mas também de competência comum – é o art. 23, II, da Constituição e, e que, portanto, no exercício dessa competência, aquela norma poderia ter sido editada.


O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – (… omissis …) entendo que esta posição do Ministro Joaquim Barbosa é a que melhor homenageia o princípio federativo que, ao lado do princípio democrático e do princípio republicano, constitui uma das vigas mestras da Carta Magna de 1988. (… omissis …) Em matéria de proteção à saúde, de defesa do meio ambiente, como já foi afirmado aqui, a competência legislativa é concorrente, a teor do art. 24, VI e XII, de nossa Constituição Federal. De outra parte também, a proteção à saúde, conforme estabelece o art. 196 da Carta Magna, é de competência do Estado, do Estado genericamente compreendido. Portanto, não é apenas União, mas também dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios. (… omissis …) Como argumento final, tenho defendido não apenas em sede acadêmica, mas também em algumas decisões que proferi já na corte estadual a qual pertenci, como também tive oportunidade de manifestar esse entendimento nesta Suprema Corte, no sentido de que, em matéria de proteção ao meio ambiente e em matéria de defesa da saúde pública, nada impede que a legislação estadual e legislação municipal sejam mais restritivas do que a legislação da União e a legislação do próprio Estado, em se tratando de municípios.”


Ressalte-se que apesar de a decisão não ter sido unânime (restaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, Menezes Direito e Ellen Gracie), ela reflete que há no STF uma ponderação favorável à hierarquização da defesa e proteção da saúde (que é um dever do Estado e direito de todos nos moldes do art. 196 da CF/88) sobre os interesses econômico-empresariais (que, sob o pálio da livre iniciativa também se encontram guarnecidos pela Magna Carta) e diga-se mais, esta preponderância da defesa da saúde pública autoriza até mesmo Estados e Municípios a legislarem de forma diversa da União, restringindo onde a norma federal não restringiu e destoando do mero papel de norma suplementar.


Desta feita, resta incontroverso que são constitucionais as normas municipais que vedam a comercialização de espuminhas de carnaval.


7) Conclusão


Tendo por base o que se encontra espraiado nos estudos técnico-científicos acima referenciados e analisando-se a legislação sanitária pertinente ao tema, concluímos que é bem fundamentada a vedação sanitária à comercialização de espumas de carnaval, consistindo-se em medida salutar para a preservação da saúde da população.



Informações Sobre o Autor

Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado da UEN de Direito Administrativo do Escritório Lima e Falcão, Assessor Jurídico da Diretoria de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde do Recife e Consultor Jurídico do Departamento de Vigilância Sanitária de Olinda


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