Obrigado pela informação que você não me deu: Uma análise acerca da brevidade dos discursos

Sob um enfoque mais curioso, os profissionais da seara jurídica se vêem atualmente diante de uma árdua tarefa, a de sofrer um constante bombardeio de informações e o hercúleo desafio de filtragem de tantos discursos, em um performático exercício de síntese.


Na verdade, os acadêmicos da nova geração ao se depararem com tantos arrombos de retórica dos antigos manuais jurídicos, bem como o acesso aos rompantes de oratória através dos canais de justiça, devem-se perguntar: Qual realmente é o cerne da questão? Depois de todas as citações jusnaturalistas, do direito comparado, do passeio no latim, francês, alemão, o que realmente é o mérito? Por que tanta tautologia?


Mister dizer, que o vernáculo português é um dos mais ricos e de denso conteúdo, e tem nas obras dos saudosos romancistas, Machado de Assis e José de Alencar, um de seus melhores expoentes, todavia, a linguagem jurídica hodierna, pressupõe respeito ao tempo do interlocutor e entendimento claro e objetivo daquilo que se quer passar, numa autêntica democracia da linguagem.


É bem verdade que há discursos que os ouvintes esgotam e há aqueles que esgotam os ouvintes. Com efeito, os discursos despóticos carregam a pecha de serem enfadonhos e de longo período, nesta linha, os seus fiéis discípulos, Fidel Castro e Hugo Chávez, com recordes causticantes de 8 a 12 horas da mais pura verborragia, e direito a fechamento de emissoras de televisão que se recusam a reproduzí-los.


Sem entrar no mérito de discurso e poder nos moldes foucaltianos e barthesianos, até porque, definitivamente esta não é a proposta, é evidente que a linguagem jurídica jamais pode ser uma ferramenta para o exercício do abuso de poder, ao contrário deve se despir de qualquer arrogância intelectual e exercer a essência de sua gênese, a de servir aos interesses precípuos da democracia processual. O que as partes almejam, de fato e de direito, é a resolução imediata de seus processos, ainda que obstados por uma série de recursos, todavia, o conceito de julgamento justo e injusto, de certo e errado, ainda continua no campo subjetivo e não pode ser supedâneo para as delongas discursivas, tornando, assim, morosa as decisões de nossos Tribunais.


As sessões plenárias dos Tribunais não podem ser confundidas com, data máxima vênia, os átrios cênicos do Senado, ao contrário, devem-se prestar a julgar os casos concretos, vez que, não lhes é permitido inovar, não lhes é facultado exercer alguma capacidade inventiva e/ou criacionista, sob pena de ultrapassarem os limites de suas atribuições.


No antigo tribunal ateniense, conhecido como areópago, o iter processual era bem mais simplificado. A reunião era ao ar livre e à noite. Assim, entendia-se que o réu não se constrangia com a gravidade de suas acusações e os magistrados não eram influenciados pelas lágrimas e eventual arrependimento do réu. Os ouvidos e olhos dos magistrados deveriam ser preservados, numa espécie de assepsia processual e, nenhuma estratégia de homilética era permitida para comover a platéia de magistrados. A princípio, era possibilitado aos réus defenderem a sua própria causa. Mais tarde, e pra suprir a deficiência e/ou insuficiência deste meio, foi-lhes permitido utilizarem defensores, mas estes deveriam se limitar a expor simplesmente os fatos sem recorrer para a comiseração e a piedade. Havia uma preocupação com a imparcialidade dos magistrados e a capacidade de focar as questões realmente pertinentes.


Por evidente, figuras recentemente implantadas no cenário jurídico brasileiro, tal como o amicus curiae, permite o mecanismo de pluralização de debates e discursos, todavia, deve o interessado preparar memorial “sucinto, objetivo e capaz de explicar a repercussão do tema na sociedade” (SANTOS, 2005, p. 4)1. Além disso, em caso de sustentação oral, há ainda a limitação de tempo. Há expressa formalização quanto a impossibilidade de delongas no debate. O laconismo é necessário.


Em recente artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, intitulado “A revolução da brevidade”2, o advogado Luís Roberto Barroso defende a clareza, a simplicidade e a brevidade no discurso jurídico:


“Tenho duas sugestões na matéria. A primeira importa em cortar na própria carne. Petições de advogados devem ter um limite máximo de páginas. Pelo menos as idéias centrais e o pedido têm que caber em algo assim como 20 laudas. Se houver mais a ser dito, deve ser junto como anexo, e não no corpo principal da peça. Aliás, postulação que não possa ser formulada nesse número de páginas dificilmente será portadora de bom direito. Einstein gastou uma página para expor a teoria da relatividade. É a qualidade do argumento, e não o volume de palavras, que faz a diferença. A segunda sugestão corta em carne alheia. A leitura de votos extremamente longos, ainda quando possa trazer grande proveito intelectual para quem os ouve, torna os tribunais disfuncionais. Com o respeito e o apreço devidos e merecidos -e a declaração é sincera, e não retórica-, isso é especialmente verdadeiro em relação ao Supremo Tribunal Federal. Registro, para espantar qualquer intriga, que o tribunal, sob a Constituição de 1988, vive um momento de virtuosa ascensão institucional, com sua composição marcada pela elevada qualificação técnica e pelo pluralismo. Todos os meus sentimentos, portanto, são bons, e o comentário tem natureza construtiva. O fato é que, nas sessões plenárias, muitas vezes o dia de trabalho é inteiramente consumido com a leitura de um único voto. E a pauta se acumula. E o pior: como qualquer neurocientista poderá confirmar, depois de certo tempo de exposição, os interlocutores perdem a capacidade de concentração e a leitura acaba sendo para si próprio.Não há problema em que a versão escrita do voto seja analítica. A complexidade das questões decididas pode exigir tal aprofundamento. Mas a leitura em sessão deveria resumir-se a 20 ou 30 minutos, com uma síntese dos principais argumentos.”


A revolução da brevidade é antes de tudo a revolução da síntese, em meio a revolução de informações e a fogueira de vaidades que jamais se apagará no espírito jurídico.


A par de tais constatações, urge tratarmos nossas peças judiciais, votos e pareceres como de relevante necessidade, todavia, não como um assunto de Estado, os holofotes e aplausos não podem nutrir a verdadeira motivação de nossas intenções. A prestação jurisdicional razoável em seu amplo sentido de adequação, proporcionalidade e celeridade deve constituir a tônica e o manto que envolverá os discursos modernos.


Assim, o espaço jurídico que sempre foi marcado por um acinzentamento de densos discursos reclama o colorido da leveza da brevidade e da solução mais célere dos problemas que foram represados por anos de uma cultura que persistiu em sobreviver ao paradigma da retórica que sufoca e que nada contribui para o real desfecho das situações. Não se pode exigir dos interlocutores e espectadores jurídicos uma reverência e resignação cega a tais discursos.


Por fim, cabe-nos sutil e respeitosamente esquivarmo-nos dos remanescentes jurássicos desta cultura, através de uma breve, porém, revolucionária expressão: Obrigado pela informação que você não me deu!, pois quem sabe assim não haja mais quorum ou platéia neste espetáculo de malabarismos de retóricas repugnantes.


 


Bibliografia

SANTOS, Esther Maria Brighenti dos. Amicus curiae: um instrumento de aperfeiçoamento nos processos de controle de constitucionalidade. Jus Navegandi, Teresina, ano 10, n. 906, 26 dez 2005. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7739>. Acesso em: 28 mar. 2007.

http://www.jusbrasil.com.br/noticias/68669/o-jurista-luis-roberto-barroso-defende-a-brevidade-no-discurso-juridico


Informações Sobre o Autor

Ana Letícia Silva Freitas Figueiredo

Advogada trabalhista da Companhia Energética do Maranhão-CEMAR; -Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão-2003; -Pós Graduanda em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho-RJ


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