Introdução
Direitos humanos são universais e absolutos. São originários da noção construída historicamente de que, independente de sexo, raça, credo, cor, origem ou nascimento, somos todos iguais e, portanto, ninguém é superior a ninguém. Assim, quanto uma pessoa empenha sua força de trabalho para outrem, ela não é inferior a esta, embora o direito reconheça sua condição de hipossuficiente. Ou seja, para assegurar que a igualdade jurídica de ambas permaneça inalterada por diferenças econômicas, há todo um arsenal de leis.
No âmbito do Direito do Trabalho há diversas leis que protegem os direitos humanos dos trabalhadores. Todo este arcabouço legal visa colocar limites ao poder do empregador. Embora seja óbvio que através de seu poder diretivo aquele que contrata dê ordens e exija seu cumprimento, deve haver um limite, imposto pela lei, porém cujo parâmetro se encontra em um plano mais amplo, que é o dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. O poder diretivo é de tal monta que mesmo o poder de punir, que o Estado tomou para si de todos os outros ramos do direito, ainda permanece residualmente no direito do trabalho, residindo na capacidade do empregador de punir o empregado com suspensão e dispensa por justa causa.
Reconhece-se o direito ao trabalho como um Direito Social, contudo a legislação trabalhista vai além e visa garantir os direitos humanos dos trabalhadores.
Histórico dos Direitos Humanos do Trabalhador
O direito ao trabalho foi reconhecido como direito inalienável já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789:
“XVIII
Todo homem pode empenhar seus serviços, seu tempo; mas não pode vender-se nem ser vendido. Sua pessoa não é propriedade alheia. A lei não reconhece domesticidade; só pode existir um penhor de cuidados e de reconhecimento entre o homem que trabalha e aquele que o emprega.”[i]
E também pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgado pela ONU, em 1948:
“Artigo 23
I) Todo o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
II) Todo o homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
III) Todo o homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
IV) Todo o homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.[ii]”
Estes textos basilares dos Direitos Humanos trazem o direito ao trabalho como um direito social. Porém, sua inserção em Cartas de Direitos Fundamentais de reconhecimento global demonstram a importância que o trabalho tem para a questão dos direitos humanos.
Direito à vida
A grande maioria dos doutrinadores vê o direito à vida como o cerne de todo complexo de direitos humanos que se ligam a ele. E é fato que para o Direito só existe pessoa enquanto esta está viva. Assim, não deve causar espanto que o Direito do Trabalho também proteja a vida do trabalhador já que, se na maioria das funções o risco de morte é remoto, em algumas ele está sempre presente.
Assim, em Nossa Constituição a regra de proteção vem enunciada da seguinte forma:
“CF, Art. 7º. (…):
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;”[iii]
A proteção à vida é de tal monta que colocá-la em risco é motivo para rescisão indireta do contrato de trabalho:
“CLT, Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: (…);
c) correr perigo manifesto de mal considerável”;[iv]
Claro que a proteção não se esgota nestes textos legais. Toda norma que proteja a saúde, a segurança e a integridade física do empregado está, em última instância, protegendo sua vida.
Direito à igualdade
No Direito do Trabalho, o direito à igualdade se pronuncia no direito de perceber igual salário, talvez a faceta mais visível deste direito, porém está presente também em ter oportunidades iguais de acesso e permanência no emprego.
No tocante a salário:
“CLT, Art. 5º – A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo”.[v]
Regra assegurada pelo direito do empregado do pleitear a equiparação salarial com colega que, exercendo a mesma função, ganhe salário maior:
“CLT, Art. 461 – Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”.[vi]
Esta norma aparece novamente em nossa Constituição, desta vez com sua feição de princípio:
“CF, Art. 7º. (…):
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;”[vii]
O princípio da igualdade também proíbe a distinção não apenas entre a espécie de trabalho realizado, mas também a diferenciação entre diferentes tipos de trabalhadores:
“CF, Art. 7º. (…):
XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; (…)
XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”.[viii]
Há a criminalização da conduta discriminatória:
“Lei 9.029 de 13 de abril de 1999.
Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.”[ix]
A proteção ao mercado de trabalho da mulher como forma de promoção da igualdade de oportunidades de trabalho independentemente de gênero:
“CLT, Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;
II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;
III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; (…);
V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;” [x]
E assim como a proteção ao mercado de trabalho do idoso:
“Lei 10.741, de 1.ºde outubro de 2003 (Estatuto do Idoso)
Art. 26. O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.
Art. 27. Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir.
Parágrafo único. (..).”[xi]
Direito à liberdade
O direito à liberdade no Direito do Trabalho se manifesta no direito que a pessoa tem de escolher qualquer profissão e também, e principalmente, deve-se dizer, no direito de trabalhar, de receber por este trabalho e de deixar este mesmo trabalho.
O texto constitucional garante o direito a qualquer trabalho desde que atendidas as qualificações exigidas por lei:
“CF, Art. 5º. (…):
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;” [xii]
O direito à livre escolha do trabalho enunciada na legislação que regulamenta o trabalho temporário:
“Lei 6.019 de 3 de janeiro de 1974 (trabalho temporário)
Art. 11 – O contrato de trabalho celebrado entre empresa de trabalho temporário e cada um dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora ou cliente será, obrigatoriamente, escrito e dele deverão constar, expressamente, os direitos conferidos aos trabalhadores por esta Lei.
Parágrafo único. Será nula de pleno direito qualquer cláusula de reserva, proibindo a contratação do trabalhador pela empresa tomadora ou cliente ao fim do prazo em que tenha sido colocado à sua disposição pela empresa de trabalho temporário. (grifo nosso).” [xiii]
A criminalização das condutas que atentam contra a liberdade do trabalhador:
“Redução a condição análoga à de escravo
CP, Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (…)
Atentado contra a liberdade de trabalho
CP, Art. 197 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:
I – a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;
II – a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta
CP, Art. 198 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Atentado contra a liberdade de associação
CP, Art. 199 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.” [xiv]
E a criminalização da conduta que impede o empregado de deixar o trabalho:
Frustração de direito assegurado por lei trabalhista
CP, Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Na mesma pena incorre quem:
I – obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;
II – impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (grifo nosso)[xv]
A liberdade de trabalhar, de escolher seu próprio ofício, de demitir-se de um emprego é uma grande conquista do mundo moderno. Sua afirmação busca assegurar que os trabalhadores sejam livres, não ‘presos’ a determinado ofício como ocorria com os servos na Idade Média ou em sociedades de castas, em que filhos eram destinados a seguir o trabalho de seus pais. E que sejam principalmente livres para ir e vir e não escravos de seus empregadores.
Direito à privacidade
Deve-se ter em mente que o local de trabalho é, sobretudo, um lugar público e que pertence ao empregador, assim o círculo de privacidade do trabalhador, neste ambiente, é reduzido, porém há limites, ditados pela dignidade da pessoa humana, que não devem ser ultrapassados.
Neste sentido, temos a proibição da revista das funcionárias, que os Tribunais têm estendido aos trabalhadores do sexo masculino por aplicação analógica da isonomia (CF, art. 5.º, I).
“CLT, Art. 373-A. (…), é vedado: (…);
VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.” [xvi]
A privacidade do empregado é tão importante que o ataque a ela está elencado como um das causas de rescisão indireta:
“CLT, Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato”; (grifo nosso) [xvii]
Direito à intimidade
A intimidade pode ser definida como aquela parcela da vida privada de alguém que ela e somente ela pode decidir a quem contar o quê. Daí porque sua proteção é estendida ao ambiente de trabalho.
No tocante à proteção ao mercado de trabalho da mulher:
“CLT, Art. 373-A. (…), é vedado: (…);
IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;” [xviii]
No mesmo teor há outro artigo no mesmo texto legal:
“CLT, Art. 391 – Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez.
Parágrafo único – Não serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez”.[xix]
A proteção dada pela legislação trabalhista à intimidade de empregado e também de sua família que ameaça a ela é causa de rescisão indireta:
“CLT, Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: (…)
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;” [xx]
Vale ressaltar que não se excluem aqui eventuais crimes puníveis pela lei penal.
Direito à integridade física
Em algumas funções a ameaça à integridade física do trabalhador é inerente ao tipo de serviço realizado, porém, a legislação trabalhista impõe que se reduza ao máximo estes perigos:
“CLT, Art. 166 – A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.”[xxi]
A regra é repetida de outras formas na CLT:
“CLT, Art . 191 – A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá:
I – com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância;
II – com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.”[xxii]
Sua repetição no mesmo texto legal,reafirma assim aspecto seu princípio:
“CLT, Art. 157 – Cabe às empresas:
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; (….). [xxiii]
Ao próprio empregado também cabe a obrigação de proteger sua própria integridade física, tanto é assim que a não observância desta regra gera justa causa do empregado (par. único):
“CLT, Art. 158 – Cabe aos empregados:
I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; (…).
Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:
a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.”[xxiv]
E a ameaça a integridade física do empregado pelo empregador ou seu preposto, gera justa causa do empregador:
“CLT, Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;” [xxv]
Conclusão
Direitos Humanos são direitos inerentes a todas as pessoas e devem ser garantidos em todas as esferas: doméstica, social e pública. Assegurar a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores é, em última instância, garantir a vida, segurança e integridade física dos cidadãos. Embora estes direitos possam se encontrar ameaçados em qualquer esfera da vida de alguém, não se deve olvidar jamais que é no local de trabalho, onde as pessoas passam a maior parte de seus dias e grande parte de sua vida adulta, que estas ameaças podem se fazer mais presentes.
Este sucinto trabalho não teve a pretensão de esgotar o tema, mas antes de lançar luz sobre o assunto.
A manutenção da dignidade da pessoa humana, a reafirmação do papel do trabalhador como cidadão, passa principalmente pelo respeito aos direitos básicos e fundamentais de todas as pessoas. O trabalhador, pela própria essência do contrato de trabalho – onde, em um dos pólos, encontra-se o empregador com seu poder diretivo, organizacional e disciplinar e, no outro, o empregado, empenhando sua força de trabalho – vê-se em posição de inferioridade. É preciso que a legislação, através de mecanismos protetivos, iguale a posição de ambos. Não se busca assim, acuar o empregador ao proteger seus empregados, mas apenas assegurar que ambos sejam igualmente amparados pelo Estado de Direito.
Informações Sobre o Autor
Léa Elisa Silingowschi Calil
advogada, mestre e doutora em Direito pela PUC/SP, professora do Centro Universitário FIEO – UniFIEO, membro da Asociación Iberoamericana de Derecho de Trabajo y de la Seguridad Social, autora dos livros “História do Direito do Trabalho da Mulher” e “Direito do Trabalho da Mulher”, ambos editados pela LTr.