Nova competência da Justiça do Trabalho à luz da jurisprudência recente do STF

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Introdução


A adoção da Reforma do Judiciário, no ano de 2004, gerou grande expectativa em todos os profissionais atuando junto à Justiça do Trabalho, visto que se especulava sobre a possibilidade da supressão deste ramo da Justiça brasileira.


Ao final, o texto da Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004, representou o inverso do que se temia, a saber: uma expansão considerável da competência da Justiça do Trabalho, garantida pela nova redação do artigo 114 da Constituição Federal.


Sucede que não raras foram as polêmicas suscitadas por esta extensão da competência da especializada trabalhista, o que exigiu da doutrina e jurisprudência considerável esforço para se delimitar os novos marcos da competência trabalhista.


Atualmente, pouco mais de cinco anos após a referida alteração, parece ter havido uma estabilização da nova competência da Justiça do Trabalho, especialmente pela jurisprudência do STF.


Vejamos, a seguir, os principais pontos de divergência e a maneira como a jurisprudência majoritária os resolveu. 


Relação de trabalho e relação de emprego


A grande inovação trazida pela Emenda Constitucional 45 na seara laboral foi, indubitavelmente, a previsão da competência da Justiça do Trabalho para qualquer causa que envolvesse relação de trabalho, abandonando a restrição anterior à relação de emprego.


Esta extensão considerável da competência da especializada trabalhista trouxe, ao bojo da seara laboral, uma série de questões que antes eram resolvidas pela Justiça Comum. Se tal extensão foi vista por muitos como positiva, dada a maior sensibilidade do magistrado trabalhista para julgar temas relacionados ao trabalhador, ela foi igualmente a maior razão de muitas críticas à nova competência trabalhista, pois tantos outros viam esta extensão como exagerada.


Tal controvérsia concretizou-se em várias questões específicas, das quais se destacam as que seguem.


Relação de trabalho e relação de consumo


Primeira das controvérsias criadas foi a relativa à possível competência da Justiça do Trabalho para dirimir lides envolvendo prestação de serviços envolvida numa típica relação de consumo.


Não por acaso o maior foco de cizânia sobre o tema foi a relativa à prestação de serviços do advogado ao cliente, discutindo-se se tal relação passara a ser competência da Justiça do Trabalho.


Após um primeiro momento em que a Justiça do Trabalho tendera a acolher tal competência, a tendência majoritária modificou-se, passando a rejeitar a competência trabalhista para lides envolvendo relação entre advogado e cliente. Note-se, nesse sentido, o cancelamento da OJ n° 138 da SDI-2, pelo TST, em 10 de maio de 2006, que estabelecia a competência da Justiça laboral para cobranças de honorários advocatícios.


O fundamento para tal rejeição foi o mesmo utilizado em outras lides controvertidas: sempre que a prestação de serviços entre as partes se revestisse de características de uma relação de consumo, tendo o tomador de serviços na qualidade de destinatário final da prestação de serviços, tal relação não seria da competência da Justiça do Trabalho.


Este entendimento é o que hoje predomina sobre o tema, tanto na jurisprudência trabalhista quanto na comum, conforme se depreende do texto da Súmula 363 do STJ, que estabelece a competência da Justiça Comum estadual para lides envolvendo profissional liberal e o seu cliente.


Servidores públicos


Ainda mais intrincada foi a cizânia envolvendo a possível competência da Justiça do Trabalho para julgar questões trabalhistas de servidores públicos, o elemento político certamente tendo contribuído para tal animosidade nas discussões sobre o tema.


Desde logo afastou o STF a competência trabalhista para julgar servidores estatutários, em decisão que se tornou definitiva em 10.11.2006, quando do julgamento da ADI 3395.


Um pouco mais complexa foi a evolução da jurisprudência sobre os servidores temporários, na forma do artigo 37, IX da CF, os quais, conforme é cediço, frequentemente são utilizados de forma irregular pelos diferentes entes públicos do país, em descompasso com o texto constitucional.


Em razão desta utilização inadequada da mão-de-obra temporária, a Justiça do Trabalho havia fixado, após a aprovação da Emenda Constitucional 45, entendimento no sentido de admitir a sua competência quando houvesse discussão sobre esta possível irregularidade, como se depreendia da redação da OJ n° 205 da SDI-1 do TST.


Ocorre que, em julgamento da Reclamação Constitucional  n° 4489, em 21 de agosto de 2008, o STF decidiu não ser da competência da Justiça do Trabalho qualquer ação envolvendo servidor temporário, desde que haja lei federal, estadual ou municipal prevendo para o mesmo regime diverso do celetista.


Seguindo esta decisão do STF, o TST veio a se alinhar e cancelou, em 27 de abril de 2009, a sua OJ n° 205 da SDI-1, considerando-se, portanto, incompetente para julgar qualquer lide envolvendo servidores temporários.


Restringe-se, atualmente, desse modo, a competência trabalhista aos casos dos servidores celetistas, pois estatutários e temporários estão excluídos por decisões do STF da competência da justiça laboral.


Organismos internacionais


A jurisprudência trabalhista tinha se firmado no sentido de estabelecer uma nítida distinção envolvendo as pessoas jurídicas de direito internacional: quando se tratasse de atos de gestão das mesmas, ela teria competência para julgar a lide; quando se tratasse de atos de império, a justiça laboral seria incompetente, pois tais atos fariam parte da esfera de soberania do país ou instituição representados.


Sucede que esta jurisprudência trabalhista encontrava-se em descompasso com a jurisprudência majoritária do STF sobre o tema, que estipulava outro tipo de distinção: quando se tratasse de Estados estrangeiros, a distinção da jurisprudência trabalhista seria aplicável, mas não nos casos de organismos internacionais, os quais possuem tratados internacionais, ratificados pelo Brasil[1], afastando a competência da justiça nacional para julgar os seus atos.


Cumpre salientar, todavia, que esta divergência de jurisprudências foi dirimida por decisão recente do TST, a saber: quando do julgamento dos embargos de declaração em recurso de revista do processo n° 900/2004-019-10-00-9, ocorrido em 4 de dezembro de 2009, o TST alinhou-se à posição do STF, passando a estabelecer igualmente a distinção do pretório excelso, ou seja: admitindo a incompetência em qualquer caso quando a lide envolver organismo internacional.


Em resumo, hoje a Justiça do Trabalho somente possui competência para julgar ações envolvendo estados estrangeiros no exercício de atos de gestão, como a contratação de seguranças ou pessoal de limpeza.


Direito de greve


Superadas todas as questões anteriores relativas ao inciso I do artigo 114 da CF, resta analisar outras controvérsias decorrentes da extensão da competência da Justiça do Trabalho.


Uma delas diz respeito ao direito de greve, que comumente envolve questões relacionadas ao direito de propriedade, em razão da ocupação ou deterioração dos bens da empresa durante o movimento paredista. Tais questões tradicionalmente foram alvo de discussão nas searas laboral e comum.


Esta discussão encontrou, entretanto, resultado definitivo com a promulgação, pelo STF, em 11 de dezembro de 2009, da sua Súmula Vinculante n° 23, a qual estabelece competência da Justiça trabalhista para julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve.


Confirmou-se, portanto, a redação do texto constitucional, que prevê a competência trabalhista para qualquer lide envolvendo direito de greve, salvo, obviamente, quando se tratar de questão criminal.


Tratando-se de questão criminal, aliás, as obras de doutrina tradicionalmente citavam um único exemplo em que seria admissível a competência da Justiça do Trabalho para julgar habeas corpus: na hipótese de prisão do depositário infiel do bem dado em garantia da dívida trabalhista, matéria que não deixava de suscitar, todavia, acalorados debates.


Ocorre que novamente a jurisprudência sumulada do STF veio a resolver a controvérsia: a Súmula Vinculante 25 do Pretório Excelso proibiu, definitivamente, qualquer tipo de prisão do depositário infiel, retirando, portanto, a única hipótese mais evidente de julgamento, por um juiz federal do trabalho, de habeas corpus.


Dano moral ou patrimonial


Apesar de freqüentes as contestações de empresas contendo preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho para julgar pedidos autorais de indenização por danos morais e patrimoniais, já pacífica é a jurisprudência trabalhista, após a promulgação da Emenda Constitucional 45, de 2004, no sentido da competência trabalhista para tais pleitos.


Esta posição, pacífica na seara laboral, restou pacificada igualmente na seara comum, através do julgamento, pelo STF, em 14 de agosto de 2009, do Conflito de Competência n° 7545/SC, quando o Pretório Excelso novamente fixou, de maneira clara, a competência da Justiça do Trabalho para julgar danos morais e patrimoniais, decorrentes de relação de trabalho.


Note-se, outrossim, que tal competência abrange pedidos de danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, tendo em vista a competência estabelecida pela nova redação do inciso I do artigo 114 da CF, que inclui o acidente de trabalho na esfera de competência trabalhista. Nesse sentido a Súmula Vinculante 22 do STF, publicada em  11 de dezembro de 2009.


Conclusão


A considerável extensão da competência da Justiça do Trabalho, provocada pela promulgação da Emenda Constitucional n°45, de dezembro de 2004, suscitou, como vimos acima, acirradas controvérsias sobre praticamente todos os novos incisos do artigo 114 da Constituição Federal.


Observa-se, por detrás dos argumentos técnicos, um embate politico pela maior ou menor relevância deste ramo especializado do Judiciário nacional, ainda vítima de forte preconceito por parte dos demais ramos do Judiciário.


Se tal embate politico é inevitável em qualquer esfera do poder, não se pode deixar de lamentar que algumas decisões que restringiram a competência da Justiça do Trabalho, especialmente em relação aos servidores públicos estatutários e temporários, tenham sido tomadas baseadas em fundamentos mais politicos do que jurídicos.


Tal fato não apaga, todavia, a importância da ampliação de competência da Justiça do Trabalho provocada pela Emenda Constitucional mencionada, ampliação que certamente contribuiu para que a Justiça trabalhista se firmasse, de vez, no cenário jurídico nacional. Quiçá não seja exagerado acrescer: como o mais eficaz dos ramos do Judiciário nacional.






Notas: 
[1] Trata-se de três decretos ratificando diferentes tratados, a saber: Decreto 27.784/1950, Decreto 52.288/1963 e Decreto 59.308/1966.  




Informações Sobre o Autor

Xerxes Gusmão

Mestre e Doutor pela Université de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne, Juiz Federal do Trabalho da 8ª Região


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