Contradições entre a execução da sentença e a Lei de Execuções Penais vigente

Resumo: O presente artigo possui um notável conteúdo religioso, visto que seu norte central é a obra do mestre Carnelutti As Misérias do Processo Penal, entretanto tal fato não elide seu interesse acadêmico, centrando-se na discussão da impossibilidade fática do processo penal ser perfeito, os efeitos de tal imperfeição crônica na humanização do indivíduo acusado e condenado. Usando em sua análise, tanto aspectos jurídicos quanto filosóficos, e, sem dúvida, com um toque literário, que faz de tal obra um livro de leitura agradável ao passo que com uma linguagem simples o autor aborda de forma clara temas delicados como a gana da multidão por sangue, a humanidade do juiz, a falibilidade das provas, a impossibilidade de se apurar de fato a verdade, a estrutura do poder judiciário e a sentença penal além de outros temas relacionados ao processo penal. Tomarei como foco central para o desenvolvimento desse trabalho a sentença penal descrita por Carnelutti fazendo um paralelo com a lei de execuções penais vigente em nossa atual sociedade traçando suas nuances e semelhanças.[1]


Palavras-chave: Sentença, Lei de Execuções Penais, Punição, ressocialização, principio da dignidade da pessoa humana


Abstract: This article has a remarkable religious content, as its north central is the work of master Carnelutti The Miseries of Criminal Procedure, however this fact does not suppress your academic interest, focusing on discussion of the factual impossibility of criminal procedure to be perfect the effects of such chronic flaw in the humanization of the individual accused and convicted. Using his analysis, both legal aspects as philosophical, and certainly with a literary touch, which makes such work a pleasant book to read while in simple language the author deals clearly sensitive topics such as Ghana’s multitude for blood, mankind’s judge, the unreliability of the evidence, the inability to ascertain the truth of fact, the structure of the judiciary and penal sentence and other topics related to criminal proceedings. Take as central focus for the development of this work the criminal sentence described by Carnelutti making a parallel with the existing criminal law plays in our current society by tracing the nuances and similarities.


Keywords: Judgement, Sentence Law, Punishment, resocialization, principle of human dignity


O mestre Carnelutti, faz uma analise do processo penal em sua obra sob uma óptica humanista, fazendo com que o acusado seja visto como aquilo que é, ou seja, um homem, como qualquer outro, malgrado a situação em que se encontra. O autor enfatiza que o processo penal não deve servir de espetáculo circense, a divertir a multidão. Segundo ele o processo é ou deveria ser, antes de tudo, caminho para a aplicação da justiça, admitindo-se a possibilidade desta.


O autor compara a decisão condenatória a um funeral e a penitenciaria a um cemitério com a ressalva de que o condenado é um sepultado vivo. Carnelutti afirma, entretanto que a penitenciaria deveria ser vista como hospital e não como cemitério isso reforça a idéia de ressocialização do condenado visto que para ele a condenação é um diagnostico e deste modo o Juiz passa a ser visto sob esse prisma como um médico e o cárcere como um hospital cheio de doentes do espírito e sendo assim incumbe-lhe a função de curar esses males dos delinqüentes tornado os aptos a voltar à sociedade.


Sob a ótica da obra de Carnelutti cabe comparar a explanação do autor com a nossa Lei de execuções Penais (LEP) Vigente sua promulgação em 1984 pautando-se com ênfase aos valores humanísticos e ressocializadores dos detentos. Aduzida legislação é marcada por fortes traços de correntes evolucionistas da ciência penal e de nobres facções pensantes que prezavam a defesa dos direitos humanos e a valorização do homem, sobretudo, como excluído social.


Da execução da sentença segundo Carnelutti


A cerca da execução da sentença Carnelutti menciona que o processo ao contrario do que pensam os demais juristas acaba com a absolvição do acusado e não tão somente com a pronuncia negativa ou positiva por parte do juiz, porquanto em caso de condenação no entendimento do autor nunca esta dita a ultima palavra, pois o acusado condenado tem direito a revisão e reabertura do processo, significando assim que a condenação não significa exatamente o fim do processo diferentemente da absolvição significa apenas que muda de sede saindo do tribunal e passando para a penitenciária, onde o condenado cumprirá a sentença. Deste modo pode-se compreender que na visão do autor a penitenciaria esta compreendida no palácio da justiça, fato interessante é a analogia que o autor faz entre a penitenciaria e o cemitério querendo mencionar que ao ser encarcerado o individuo passa a ser esquecido pela sociedade tal qual um falecido é nesse ponto que ele tece uma critica ao denominar o preso como um sepultado vivo, na concepção de Carnelutti o correto era assemelhar o presídio a um hospital, onde o juiz se assemelha a um médico ao proferir a sentença esta agindo tal qual o médico ao diagnosticar uma enfermidade em seu paciente, e deste modo a função da penitenciaria devia ser a de um hospital na medida em que os detentos ao entrar ali deveriam obter um tratamento visando sua recuperação tornando o assim um homem honrado, entretanto diferentemente do hospital onde o médico ao se dar conta de alguma modificação no diagnostico ao longo do tratamento pode voltar atrás e retificar o mesmo na penitenciaria uma vez que o juiz prolate a sentença e tramite em julgado será cumprida exatamente a pena decidida mesmo se ao longo do tempo for percebida melhora na conduta do individuo isso não importa deve ser respeitada a pena inicial.


A pena não serve apenas para punir o condenado, mas também para advertir os demais para não praticarem infrações usando a aplicação da pena como meio a intimidar os indivíduos a delinqüir, esse fato, entretanto sinaliza a contradição entre a função repressiva e a função preventiva ao passo que o que a pena deve ser para ajudar o culpado não e o que deve ser para  ajudar os outros, Carnelutti menciona que ao mesmo tempo que a pena deveria servir para intimidar os outros deveria servir para redimir o condenado ou como ele fala curá-lo de sua enfermidade e para tanto é necessário conhecer qual é  a enfermidade a ser tratada.


O autor menciona que delinqüência nada mais é que falta de amizade, ou seja, um ato de inimizade e ele mencionam ao comparar as palavras de cristo que é preciso ser pequeno para compreender que o delito deve-se a falta de amor, para ele os Sábios buscam a origem do delito no cérebro e os pequenos não esquecem que como disse Cristo os homicídios, os delitos as falsificações vem do coração e é ai que devemos chegar para curar os delituosos ao coração, ou seja, é através do amor que se deve encontrar a cura para as falhas humanas, a falta de amor não é preenchida senão com amor “amor com amor se paga” e é essa a cura que necessita o detento a cura através do amor.


Isso não quer dizer segundo a obra que a cura não deva ser imposta através de um pena castigo, pois o castigo não é totalmente incompatível com o amor, pois segundo a Bíblia o pai que não usa o bastão não ama o filho diz a Bíblia e deste modo o amor pelo condenado não extingue a severidade da pena. Entretanto o autor enfatiza que não se pode exigir do Estado o que o Estado não pode dar, para Carnelutti o Estado é um robô gigante do qual a sociedade pode construir-lhe o cérebro mais não o coração, segundo o autor nós somos responsáveis pela redenção do condenado fazendo com que o problema deixe de ser meramente judicial e passe a ser um problema moral e deste modo o comportamento de cada um pode influenciar o curso do processo até a condenação ou absolvição do acusado em suma ele vê cada um de nós como um colaborador invisível dos órgãos da justiça, mas frisa que para tal basta o respeito.


Ao final o condenado é o pobre por excelência, o ser na angustiosa necessidade de amor, ao observá-los envolto no uniforme  penitenciário  feito para diferenciá-los dos demais indivíduos basta observar em seu olhar mesmo ocultando a consciência mortífera de sua inferioridade para que compreenda-se o bem que pode levar a eles um simples  gesto de carinho, uma palavra, esses atos apoderam-se deles conquista-os, tirando de seus corações sentimentos que acreditava-se estarem sepultados. Enfim para o autor o nosso comportamento diante dos condenados é a indicação mais segura da nossa civilidade.


A Lei de execuções Penais Brasileira e a Execução da sentença


Quando se fala em Direitos humanos na atualidade é instantâneo ouvir o senso comum pregar que isso não passa de artifício para proteger bandido ou os poderosos corruptos da cadeia, mas a realidade é bem diversa do que reza o senso comum, a lei de Execuções Penais brasileira abrange não somente o direito do preso e sim a própria dignidade do ser humano e tem como finalidade prioritária reinseri-lo na sociedade e combater a criminalidade de forma humanizada e condizente com os anseios da sociedade atual.


Os direitos humanos do preso ficam sempre em segundo plano esquecido pela sociedade que o quer ver banido da sociedade e punido pelo mal que praticou a ela própria, entretanto não se deve esquecer que o preso é antes de tudo um ser humano e como tal detém direitos inerentes a sua essência e não deixa de ser humano por ter infringido a lei foi sob esse enfoque humanístico que surgiu em 1984 a Lei de Execuções Penai (LEP) que tema  função de disciplinar o cumprimento da pena previamente estabelecida em sentença ou decisão Judicial


A lei nº 7.210/1984, a lei de execuções penais, inicia-se esclarecendo que a integração do preso na sociedade é um dos seus principais objetivos isso vem expresso em seu artigo inicial, deste modo não basta somente a prisão do individuo que cometeu um delito para combater  o crime é necessário uma ressociaização caso contrario ao cumprir sua pena se não estiver devidamente ressocializado voltara a cometer os mesmos delitos anteriores a prisão.


Deste modo percebe-se que a pedra basilar da Lei de execuções penais é a dignidade da pessoa humana devendo assim o preso ser respeitado enquanto ser humano desde o inicio da execução da pena A dignidade da pessoa humana deve ser respeitada desde o inicio do processo observando o artigo 3º da (LEP) percebe-se que o legislador em seu §único declara que não haverá distinção de natureza racial, social, religiosa ou política, e deste modo igualou um negro pobre morador de uma favela a um milionário morador de bairro nobre. Deste modo toda pessoa deve ser tratada de forma igual, sem predileções ou regalias ao ser executada sua pena pelo Estado.


A individualização da pena foi um ponto agraciado pela lei de execuções penais ao passo que é inconcebível colocar na mesma cela um réu primário e um condenado por vários crimes, observando esse fato o legislador e o juiz estão respeitando a individualidade do ser humano principio consagrado na carta magna de 1988. De acordo com a lei A lei nº 7.210/1984 é de responsabilidade do Estado resguardar a integridade do preso bem como prestar-lhe assistência necessária a sua subsistência enquanto interno ao logo de seus artigos a lei especifica os deveres inerentes ao Estado no intuito de fazer do criminoso encarcerado um cidadão apto a ingressar na sociedade após o cumprimento de sua pena. Fazendo uma breve explanação a cerca da Lei de execuções Penais fica notório que a dignidade da pessoa humana é robustamente enlaçada em seus


artigos e em todo o ordenamento jurídico brasileiro. Por fim cita-se com maestria, o art. 199 ratifica a proteção da dignidade humana em todas as condutas sócias afirmando que o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal. Uma conduta que é corriqueira das autoridades  policiais pode denegrir significativamente a dignidade da pessoa humana, fato esse que em tese deve ser evitado no ordenamento vigente


Conclusão


Traçando um paralelo entre a abordagem de Carnelutti em sua obra a cerca da Execução da sentença e a nossa lei de execuções penais vigente , é possível notar semelhanças no que tange a preocupação com o ser humano, Carnelutti ao mencionar o preso como um sepultado vivo quer enfatizar o fato de o mesmo ser colocado em cárcere não como um meio de ressocializá-lo mais sim de isolá-lo da sociedade, ao mesmo tempo que é usado como exemplo de punição para os demais indivíduos no intuito de demonstrar-lhes  o que lhe aconteceria caso transgredisse uma lei, o preso deve ser visto como um doente que precisa de tratamento segundo o autor e esse tratamento só será possível através de atos humanos e não de repudia é nesse sentido que o principio da dignidade da pessoa humana inerente a nossa legislação e presente na Lei de Execuções Penais tenta fazer do encarcerado um ser que mesmo tendo cometido um delito é antes de tudo um ser humano que possui direitos assegurados e que devem ser resguardados


 Carnelutti deixa claro que o fato de dever existir traços de amor e respeito para com a pessoa do encarcerado isso não quer dizer que não deva existir severidade na pena o que não pode existir é uma exacerbada severidade beirando os moldes da crueldade e da desumanidade.


Quando se fala em direitos humanos o senso comum não compreende que o detento precisa ter resguardados alguns direitos fundamentais para sua ressocialização como Carnelutti menciona só o amor gera o amor e deste modo para que um individuo transgressor possa ter uma chance de voltar a ser um cidadão de bem é necessário que seja visto como ser humano e lhe sejam dadas condições mínimas para sua recuperação cabe ao Estado fornecer esses recursos, pois é o Estado o responsável pela organização estatal e deste modo pela ressocialização dos condenados.


Conclui-se, portanto após analise dos textos acima que em tese a nossa lei e o pensamento de Carnelutti tem muito em comum, pois existe nos dois uma grande preocupação com o ser humano e com a preservação dos direitos inerentes ao condenado devendo por esse modo este ser tratado com o mínimo de respeito, entretanto sabemos que na pratica não funciona dessa maneira tão romântica e idealiza, nossos presídios encontram-se abarrotados de presos e não lhes é oferecido o mínimo necessário para sua recuperação, ao contrario nos moldes encontrados atualmente em nosso país devido ao descaso do Estado torna-se cada vez mais difícil a ressocialização e a humanização dos condenados.


 


Referências bibliográficas

CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas:.Russell, 2008.

Lei de Execuções Penais lei nº 7.210/1984

 

Nota:

[1] Trabalho desenvolvido sob a orientação da Profesora Tanise Zago Thomasi, Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade AGES.


Informações Sobre o Autor

Roseli Oliveira Santana

Acadêmica de Direito na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais AGES, Paripiranga/Bahia.


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