Relações de gênero: Análise história e jurídica das relações de gênero

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Resumo: Este artigo busca demonstrar as influências que as relações de gênero – na maioria, patriarcais- produzem no direito, seja no momento em que esse é positivado, interpretado, aplicado ou estudado.


Palavras-chave: Gênero. Machismo. Movimento Feminista. Patriarcado.


Abstract: This article aims to demonstrate the influences that gender relations, mostly fathers have on the right, erther at the time it becomes positive, interpreted, applied or studied.


Keywords: Gender. Sexism. Feminist Movement. Patriarchy.


Sumário: Introdução; Relações de gênero-conceito e reflexos no direito; Breve retomada histórico-social da luta pelos direitos das mulheres; Conclusão; Referências.


Introdução


As relações entre os sexos ainda são pautadas por construções sociais que geralmente desvalorizam o feminino em favor do masculino, relegando à mulher uma posição de submissão em relação ao homem. E não é por menos que observamos normas positivas que refletem esse padrão de desequilíbrio, uma vez que o Direito, como fenômeno social que é, não foge às influências oriundas dessas representações sociais e segue uma ordem “natural” de valores que não atende às necessidades de uma minoria que,  em verdade, equivale à metade da humanidade.


Visando uma melhor compreensão da importância de aprofundar o estudo do direito a partir da inserção necessária de análises perpassadas pela compreensão do conceito de gênero, fez-se uma rápida e curial retomada sócio-histórica das lutas ocidentais pela conquista dos direitos femininos e, por fim, mostrou-se a atualidade dessa problemática ao se constatar várias formas constantes de desrespeito aos direitos arduamente conquistados, bem como a exposição de algumas vivências ainda não regidas pelo nosso ordenamento jurídico.


Relação de gênero-conceito e reflexos no direito


O estudo complexo e histórico do direito deve se aliar à necessidade de substituir o tratamento universal e abstrato por um tratamento apto a perceber as especificidades concretas dos sujeitos sociais envolvidos. Norberto Bobbio relaciona à questão feminina o processo de especificação dos direitos, salientando que essa especificação se deu também em relação ao gênero.


O conceito de gênero foi elaborado como uma categoria analítica e histórica que diz respeito às imagens que uma sociedade constrói a partir das diferenças sexuais presentes nos corpos, chegando a representações de gênero em torno do que é masculino e feminino. Vale destacar que essa concepção trabalha com valores sociais e possui caráter relacional, opondo-se ao essencialismo biológico, uma vez que o masculino e o feminino são considerados relacionados à proporção em que são opostos e também complementares.


Esse conceito de gênero é uma construção social, não se apresentando, pois, de maneira uniforme em todas as épocas e lugares. Assim, depende da cultura, dos costumes e das criações oriundas da experiência social, tais como as leis, as religiões, a vida política. Ademais, dentro de uma mesma sociedade encontramos variantes que influem diretamente nesse conceito, tais como a idade, a raça e a classe social.


Como é fruto de uma dinâmica social, é latente o reflexo do conceito de gênero dentro do mundo jurídico. É o que observamos no momento da construção das normas jurídicas, no momento da interpretação e, por último, no momento crucial de sua aplicação. É fundamental que os legisladores tenham a consciência de que é real a desigualdade de valoração entre os sexos, evitando-se, assim, que se perpetue o retrógrado arcabouço legislativo que mantém as mulheres sob o julgo masculino e eleva o patriarcalismo.    


Contudo, não adianta apenas uma legislação isenta das mazelas oriundas do machismo, pois essa divergência de valores se revela também no ato de interpretar e aplicar a norma jurídica. Lamentavelmente, muitos dos operadores do direito, influenciados por suas sociedades, não despertaram para os novos paradigmas da ciência jurídica e continuam a barrar a evolução e a concretização dos direitos femininos por seus preconceitos em relação ao gênero. Várias pesquisas científicas apontam um perfil conservador dos operadores do direito, reforçado pela falta de uma perspectiva de gênero no ensino e na doutrina jurídica, bem como pela própria ordem jurídica, integrada por um complexo sistema normativo que permite a convivência de instrumentos jurídicos contemporâneos (como a Constituição Federal de 1998 e os Tratados Internacionais) ao lado de sistemas legais ultrapassados, como o Código Penal de 1940.


Breve retomada histórico-social da luta pelos direitos das mulheres


Os pesquisadores ainda não são precisos quanto ao início da estrutura social contemporânea que impõe a dominação masculina sobre o gênero feminino; porém, estimam o surgimento do patriarcado há sete mil anos atrás. Essas relações marcadas pela desigualdade entre os sexos são creditadas à sedentarização das comunidades humanas e ao surgimento da propriedade privada, haja vista as conseqüências desses processos: com a sedentarização, o ser humano tornou-se capaz de compreender e dominar aspectos variados da natureza, dentre os quais a reprodução dos animais e do próprio humano, quebrando o antes sagrado laço feminino com as forças da natureza; já com a propriedade, surgiu o direito de sucessão, sendo necessário transmitir a herança aos filhos cuja paternidade fosse indiscutível.


Algumas mulheres, por sua vez, não se calaram frente às mudanças sociais que aconteciam ao seu redor e contribuíram para a desconstrução desse padrão social, almejando superar a cultura patriarcal. Assim, de forma individual ou coletiva, muitas mulheres se destacaram na luta pela conquista de seus direitos numa sociedade maculada pelo machismo irracional. Fazendo-se um resgate histórico, podemos citar as índias que lutaram contra os colonizadores portugueses, as negras que se rebelaram contra a escravidão e as brancas que se opuseram às imposições sociais.


Nesse contexto, o Estado do Rio Grande do Norte tem o privilégio de se vangloriar da guerreira índia Clara Camarão que, liderando outras mulheres indígenas, insurgiu-se contra os holandeses nos idos dos anos 1600. Entrementes, quem ganhou as honrarias, títulos e menções na história potiguar foi apenas seu marido Felipe Camarão. Idêntico esquecimento vislumbramos nas histórias das escravas Aqualtune, avó de Zumbi; Tia Ana, que liderou revoltosos em uma fazenda do Ceará em 1835; de Luiza Mahin e tantas outras.


É imperioso fazer referência também ao movimento feminista ou movimento de mulheres, pois foi através dele que esses direitos foram sendo conquistados e reconhecidos juridicamente. Esse movimento, que visava eliminar as discriminações a que as mulheres estavam sujeitas, surgiu juntamente com outras mudanças estruturais por quais passava a Europa no século XVII, tais como a revolução industrial e francesa. O feminismo, como fato social importante que marcou a história da humanidade devido às mudanças que provocou, surgiu com o manifesto de Olympe de Gouges.


Marie Gouges é considerada por muitos historiadores como a primeira grande feminista e propôs à Assembléia Nacional durante a Revolução Francesa a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã como equiparação à declaração que previa os direitos dos homens já aprovada pela mesma assembléia. O direito ao voto feminino, o direito de liberdade profissional, o reconhecimento pelas leis do Estado das uniões de fato, proteção à maternidade, abolição da escravidão negra e fim da pena de morte eram algumas das principais reivindicações levantadas por essa esplendorosa feminista.


No Brasil o movimento feminista ecoou no Estado do Rio Grande do Norte a partir de Nísia Floresta. Essa potiguar traduziu e publicou a Reivindicação escrita por Wolstoncraft, concretizando o primeiro ato formal do feminismo no Brasil. Ademais, fundou no Rio de Janeiro o Colégio Augusto para meninas, defendeu o direito è educação para mulheres e publicou seus pensamentos em jornais e revistas. Mais um motivo de orgulho para as mulheres norte rio-grandenses.


À medida que o movimento feminista se estruturava, as diferenças de tratamento entre os homens e mulheres na sociedade tornavam-se mais gritantes. Dentre as principais ofensas aos direitos das mulheres merecem destaque a negação aos direitos políticos, a dupla jornada de trabalho feminino, o injustificável salário desigual, a voraz exploração do trabalho assalariado feminino, o desprestígio das tarefas domésticas e a precariedade das leis de proteção à maternidade.


Um momento crucial no processo de conquistas por parte das mulheres foi a Primeira Guerra Mundial, uma vez que foi nesse episódio da história que muitas mulheres foram convocadas a participar com os homens nos campos de batalha. Contudo, com o armistício, conservadores voltaram a pregar a resignação das mulheres ao âmbito doméstico.


O movimento feminista organizado foi marcado por conquistas inegáveis em direção a relações de gênero mais igualitárias. Exemplo dessas conquistas foi o direito ao voto no Brasil em 1932 com o decreto 21.076 de 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, malgrado a mulher casada ainda fosse considerada incapaz. Outro fator marcante foi a entrada em vigor da Lei nº 660 de 1927, do Estado do Rio Grande do Norte, que possibilitou o alistamento eleitoral da natalense Celina Guimarães, primeira mulher da América do Sul a votar. Mais uma vez o Estado do Rio Grande do Norte se destacou pelo seu pioneirismo.


Com a crise econômica de 1929 e a Segunda Guerra Mundial, o cenário internacional estava voltado para assuntos relacionados à problemática conjuntura internacional, tais como o nacionalismo, os problemas econômicos e as alianças entre os Estados em guerra e, conseqüentemente, o movimento feminista foi perdendo espaço. Somente na década de sessenta houve o ressurgimento do feminismo, impulsionado pela publicação de novas obras literárias enfocando a condição da mulher na sociedade e o ponto de partida para essa ressurreição foi indubitavelmente o livro “O segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir. Essa nova fase do feminismo foi marcada por episódios de radicalismo nos países mais ricos, dentre os quais o mais lembrado foi a queima de sutiãs em praça pública.


A criação do Dia Internacional da Mulher também marcou essa nova fase do feminismo. Tinha o objetivo de homenagear as mulheres do mundo inteiro em sua luta pela paz, pela democracia e pelo socialismo. A data oito de março rememora o ano de 1857, quando operárias de uma indústria têxtil de Nova York se rebelaram contra as desumanas condições de trabalho a que eram submetidas e ocuparam a fábrica para reivindicar várias medidas, dentre as quais a redução de jornada de trabalho e a igualdade salarial. Num ato de crueldade, seus patrões fecharam todas as saídas e atearam fogo ao prédio ocupado, queimando vivas cento e vinte e nove mulheres.


A Organização das Nações Unidas (ONU) não esqueceu as mulheres- e não podia ser diferente-, incluindo o dia oito de março em seu calendário oficial de comemorações. O ano de 1975 foi instituído pela ONU como o Ano Internacional da Mulher, inaugurando uma seqüência de Conferências Internacionais elaboradas para discutir a questão. A partir daí, várias ordens internacionais e nacionais reconheceram formalmente alguns direitos das mulheres, dentre os quais o princípio da isonomia sob o brocardo “todos são iguais perante a lei”.


Dando continuidade ao resgate histórico das lutas pela conquista de direitos em prol das mulheres, é preciso versar sobre o conceito de gênero, o qual representou grande avanço nos estudos atuais sobre a condição feminina nas sociedades. No Brasil, o conceito de gênero se alastrou no fim dos anos oitenta, com a publicação do artigo de Joan Scott, autora americana que aprofundou os estudos sobre a categoria analítica em questão.


Não podemos deixar de falar da terceira onda do feminismo. Alguns teóricos pessimistas a definem como pós-feminismo e analisa exatamente o que sobrou para lutar pelos direitos das mulheres no mundo hodierno, ou seja, aqueles direitos a serem conquistados, tais como o direito de envelhecer dignamente, esquecido pelo culto a padrões de beleza artificiais que levam a uma busca constante por parecer sempre jovem e sexualmente desejável. Entretanto, o problema maior gira em torno da efetivação dos direitos já conquistados e de mudanças sociais que libertem as mulheres de padrões de gênero estereotipados.    


Conclusão


É clarividente que as sociedades apresentam diferenças. O tempo, a localização geográfica e a elaboração cultural são fatores determinantes que definem as várias sociedades atuais. Contudo, apesar dessas diferenças, todas elas possuem traços comuns em relação à dominação e à exploração que os homens exercem sobre as mulheres, ou seja, compartilham a mesma natureza do fenômeno chamado patriarcado, malgrado este se dê em diferentes graus.


Um grande problema que acaba por levar a crenças infundadas na igualdade de gênero é a constatação do empoderamento individual de algumas mulheres como exemplo de mudança social. Na verdade, esse empoderamento não é feito em categoria social, pois as mulheres que conseguem se sobressair em uma sociedade hostil ao gênero feminino acabam servindo de álibi para um sistema de discriminação.


A valiosa luta em favor das conquistas femininas redundou na elaboração de leis e políticas públicas e privadas que não possuem um viés ostensivamente discriminatório. Porém, infelizmente, muitas vezes essa repulsa a manifestações preconceituosas é hipócrita, recaindo-se nas formas institucionalizadas e sutis de se afrontar os direitos femininos fazendo com que seja necessário atentar para medidas que, apesar de aparentemente neutras, acabam produzindo impactos nefastos.


Estudos atuais acerca das relações de gênero apontam que ainda há muito para ser feito no sentido de equilibrar essa valoração entre o masculino e o feminino. Enquanto a cada quinze segundos uma mulher for espancada no Brasil devido à violência de gênero; enquanto as mulheres continuarem a ganhar salários menores para desempenhar as mesmas funções que os homens; enquanto 1500 mulheres continuarem a morrer diariamente por causas relacionadas à gravidez, ao parto e ao puerpério; enquanto perdurarem tantas outras formas de violência e discriminação contra o gênero feminino, verdadeiras afrontas aos Direitos Humanos, ainda haverá justas razões para militar em prol dos direitos das mulheres.


Concluímos que alguns direitos já foram conquistados, mas ainda há muito a ser feito. É preciso eliminar de nossa cultura, de uma vez por todas, essa repugnante idéia de que a mulher é um ser submisso, incapaz, como se o homem fosse o dono da razão e da mulher. Não haverá sociedade igualitária, justa e democrática, como preconiza a nossa Carta Magna, enquanto o gênero feminino continuar esquecido e relegado a uma situação de subserviência injustificável.


 


Referências

SAFFIOTI, Heleiethe. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

TOSCANO, Moema e GOLDENBERG, Miriam. A revolução das mulheres. Rio de Janeiro: Revan, 1992.


Informações Sobre o Autor

Delano Câncio Brandão

Defensor Público do Estado do Ceará, pós-graduando em Direito e Processo de Família e Sucessões pela Universidade de Fortaleza


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