O consumidor lesado por uma empresa, ludibriado pelos requintes teatrais encenados no oferecimento de seus serviços, ante a falsa promessa de uma prestação eficiente, fará jus ao ressarcimento pelos danos morais suportados e ao ressarcimento?
Causa espanto à quantidade de demandas de consumidores que são constantemente enganados, no momento em que é feita a análise dos contratos de adesão com cláusulas abusivas, oferecidos pelas prestadoras de serviços, lesando a coletividade em larga escala.
A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor é indiscutível. Em muitos casos, é falho o dever de bem informar o contratante, desde o oferecimento dos serviços, causando ao mesmo não só perplexidade, como ainda, danos incomensuráveis. O contratante é colocado em uma situação de desvantagem, o que faz com que o mesmo não veja outra solução senão a de buscar o Judiciário, para se fazer valer o “mínimo sentimento” de mais lídima e salutar justiça.
O primeiro passo é a análise da definição de fornecedor, prevista no artigo 3º, da Lei nº. 8.078/90 (CODECON). O fornecedor é toda pessoa – física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira (inclusive os entes despersonalizados) que produzam, desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importam, exportam, distribuem ou comercializam produtos ou serviços (atividade civil ou mercantil), com habitualidade.
Renan Kfuri Lopes menciona de forma brilhante, seu entendimento acerca da conduta do fornecedor. Vejamos:
“Como é cediço, o CDC adotou o princípio da responsabilidade civil objetiva, calcado na teoria do risco da atividade, como postulado fundamental da responsabilidade civil, ensejadora da indenização dos danos causados ao consumidor. Vale dizer, basta ser fornecedor, basta ter inserido no mercado um produto ou serviço que tenha causado danos para que ele seja responsabilizado. Na responsabilidade objetiva, não há a verificação da conduta do agente, isto é, não se perquire se o fornecedor agiu com dolo ou culpa. A conduta dolosa ou culposa do fornecedor é absolutamente irrelevante para a configuração da responsabilidade pelos danos causados ao consumidor. Vale dizer, o fornecedor irá responder pelos danos causados, independentemente de culpa, pelo simples fato de ter colocado no mercado produto ou serviço que ameace ou lese efetivamente um direito do consumidor. Assim, o consumidor deve, apenas, provar o nexo de causalidade entre o fato danoso e o dano por ele experimentado. Esse fato danoso terá origem num vício ou defeito apresentado pelo serviço ou produto (…). O princípio da boa-fé trazido pelo Código Civil reflete a idéia anterior do CDC, tendo por fim estabelecer um equilíbrio e eqüidade entre os contratantes.[1]
Completando o raciocínio, Sérgio Cavalieri Filho entende:
“O desenvolvimento tecnológico e científico, a par dos indiscutíveis benefícios que trouxe para todos nós, aumentou enormemente os riscos de consumidor, por mais paradoxal que isso possa parecer. Isto porque um só defeito de concepção, um único erro de produção pode causar danos a milhares de consumidores, uma vez que os produtos ou os serviços são fabricados e desempenhados em série, em massa, em grande quantidade”. [2]
Tudo se inicia nas técnicas de marketing implementadas pelas empresas para a publicidade, informação e comunicação passada ao contratante a fim de seduzí-lo e irredá-lo na compra do produto ou na aderência ao serviço, motivo pelo qual não se deve deixar de falar, neste momento, na publicidade, contida no Código de Defesa do Consumidor em capítulo próprio. Conforme previsto no artigo 37, parágrafo 1º, qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, capaz de induzir ao erro o consumidor, caracteriza-se publicidade enganosa. Salienta-se que a propaganda também é enganosa quando é nítida a omissão sobre dado essencial de um produto ou serviço.
Já a publicidade abusiva se define como sendo a considerada discriminatória, que incita a violência, explora o medo e a superstição, se aproveitando da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeitando valores ambientais, ou induzindo o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, conceito este que se distancia do tema em análise.
Iniciando a análise dos contratos de adesão, José da Silva Pacheco, parafraseando Rubens Limongi França, entende que o “contrato de adesão é aquele em que a manifestação de vontade de uma das partes se reduz a mera anuência a uma proposta da outra”. [3]
E complementa, sob a análise do Código Civil Pátrio:
“Consoante o disposto no artigo 424 do novo Código Civil, nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Ninguém pode ser obrigado a renunciar a direito que lhe couber. Logo, se da natureza do contrato advier qualquer direito, ao aderente, será nula a estipulações contidas no formulário, ainda que subscrito pelo aderente. Renunciar previamente a benefício resultante, normalmente do contrato, seria um sacrifício incompreensível e injustificável. Legalmente, pois, ter-se-á qualquer cláusula abdicativa como nula”. [4]
Segue o entendimento de Carlos Alberto Bittar:
“A propósito o direito codificado delimita o alcance dos contratos de adesão e proíbe a inserção de certas cláusulas, que considera abusivas, declarando-as não escritas, e portanto de nenhum efeito vinculatório, a saber: as limitativas e as elisivas de responsabilidade do disponente, as de transferência de responsabilidades à terceiros, às contemplativas de obrigação iníquas ou abusivas, as de intervenção de ônus da prova, as de indicação previa de árbitros”.[5]
Renan Kfuri estende o tema, fazendo um parâmetro dos contratos com o mundo globalizado:
“Os contratos de adesão retratam a realidade de um mundo globalizado, pois seus termos são previamente conhecidos, uniformes, reduzem custos e racionalizam as atividades mercantis. Não se pode dizer que a cláusula abusiva seja uma conseqüência lógica do contrato de adesão. Mas também indisfarçável que o contrato de adesão é território propício para o surgimento das cláusulas abusivas, já que o fornecedor tende sempre a querer assegurar sua posição, colocando condições que romperão com a boa-fé e o equilíbrio entre as prestações de cada parte. O CDC enquadra o contrato de adesão pela desvantagem do mutuário/contratante que tem reduzida a possibilidade de discutir sobre as grandes cláusulas apresentadas que lhes são apresentadas prontas para assinar. Assim, o artigo 51 do CDC prevê a nulidade das cláusulas abusivas contidas no contrato de adesão, suscetíveis de revisão através do Poder Judiciário.”[6]
Partindo para a análise da Lei nº. 8.078/90, percebe-se que a maior parte da insatisfação dos consumidores envolve: a) cláusulas que impossibilitam, exoneram ou atenuam a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. b) Quando subtraem do contratante a opção de reembolso de uma quantia já paga. c) Quando estabelecem obrigações iníquas, abusivas, colocando o elo mais fraco da corrente em desvantagem exagerada, causando-lhe danos, incompatíveis com a boa-fé ou equidade (artigo 6º). d) Quando estabelecem a inversão do ônus da prova, causando-lhes uma gama de desvantagens. e) Quando deixam ao fornecedor, a bel prazer, a opção de concluir ou não o contrato (na forma e condição que bem pretendem). f) Quando coagem os contratantes, obrigando-os a ressarcir custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe tenha sido conferido.
Ao oferecerem seus serviços, os fornecedores enganam os consumidores, sabendo de suas condições, com promessas que, após a contratação, não correspondem à realidade. Ludibriados com as condições oferecidas, assinam um contrato, mas não possuem conhecimento técnico para enxergar a maledicência e o requinte armado pelas empresas.
Em 2008, tivemos uma alteração, através da Lei nº. 11.785/2008, justamente no que concerne aos contratos de adesão. O artigo 54, parágrafo 3º, da Lei nº. 8.078/90, passou a exigir que os contratos de adesão devam ser escritos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze. A finalidade da norma, para Paulo Márcio Reis Santos, é o de facilitar a leitura e compreensão dos contratos de adesão. De fato, a melhor visibilidade dos dispositivos contratuais permite uma relação mais transparente entre o consumidor e o fornecedor. [7]
Sem contar o previsto no artigo 46, que dispõe que os contratos que regulam relações consumeristas não podem obrigar consumidores, se não lhes for dada oportunidade de tomar conhecimento prévio do seu conteúdo, ou se os respectivos documentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão do seu sentido ou alcance. As cláusulas devem ser interpretadas de forma que cause mais vantagem ao consumidor. Como remate, o artigo 54, trata dos contratos de adesão, que são aqueles cujas cláusulas foram estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, seja de produtos, seja de serviços, sem que o consumidor tenha o direito de discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Os contratos escritos, como foi o caso, tem que estar claros, com caracteres ofensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. Todas as cláusulas que impliquem limitação de direito ao consumidor deverão estar destacadas.
Insta salientar ainda, além dos artigos do Código de Defesa do Consumidor citados, a aplicabilidade do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, em seus incisos V e X. Os artigos 927 e 186, do Código Civil Brasil, porque estes, na verdade, tratam do direito à indenização pelos danos sofridos. Podem ser aplicados, ainda, os dispositivos contidos no Novo Código Civil, artigos 424, 166 e 184 – CONTRATOS DE ADESÃO.
Diante da análise doutrinária e dos artigos do CODECON, conclui-se que os magistrados precisam, com iminência, se conscientizarem na aplicação de medidas que coíbam a conduta desenfreada dos prestadores (destaque para as operadoras de telefonia, cursos, instituições financeiras, etc.), pautados na razoabilidade e proporcionalidade, com prudência e equidade, a fim de que a avalanche de processos que abarrotam o Poder Judiciário tenha os seus dias contados.
Vale ressaltar que, recentemente, as operadoras de telefonia móvel firmaram um acordo com o Conselho Nacional de Justiça, visando a realização de negociações dos processos que tramitam na Justiça envolvendo estas empresas em todo o país. Dentre as propostas acordadas, destacou-se a identificação, por empresa, dos processos considerados passíveis de conciliação, tanto por Estado como por comarca. Já estava na hora.
Por outro lado, aliado ao trabalho do magistrado, o profissional militante, indispensável na administração da justiça, deve ser claro e objetivo com o seu cliente, com “olho de lince” nos julgados, para evitar a propositura de ações que, em matéria de fato e fundamento, são literalmente “anêmicos”, movimentando a máquina do Judiciário sem qualquer justificativa.
A aplicação desse caráter, principalmente em processos que envolvam contratos de adesão, falha na prestação dos serviços e cláusulas abusivas, solucionará, em boa parte, a questão dos danos causados de forma reiterada por empresas que extrapolam, a cada dia, o limite do bom senso.
Informações Sobre o Autor
Amanda de Abreu Cerqueira Carneiro
Advogada – Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá – Redatora responsável pelos impressos jurídicos de uma grande editora à nível nacional (COAD) – Membro da Equipe Técnica ADV dessa empresa – Consultora jurídica.