Da necessidade de ampliação do contingente de defensor público no Estado da Bahia como forma de efetivação da ampla defesa criminal voltada a pessoas de baixa renda

Resumo:  A Defesa no processo penal é direito indisponível, não é exclusividade do acusado, cabendo ao Estado zelar pelo seu exercício. Para que a defesa seja de fato ampla, é essencial que seja efetiva e tenha eficácia, de modo que não se deve encará-la apenas como mera formalidade. Por defesa efetiva deve-se entender e exigir a efetiva atuação do defensor em prol dos interesses do acusado, o que poderá ser aferido sempre diante de cada caso concreto, sopesando-se as provas carreadas aos autos pela acusação e a possibilidade real de sua confrontação pela defesa. O ato praticado deve ser de fato efetivo e, em assim não sendo este deverá ser considerado nulo ou no mínimo anulável, tendo em vista o prejuízo que a parte, em regra sem conhecimento jurídico algum, poderá sofrer no curso do processo, em virtude da imperfeição ou defeito daquele. Neste sentido torna-se essencial o aumento do contingente de Defensor Público visando assegurar o direito constitucional da ampla defesa aos acusados em processos crimes, hoje, em sua esmagadora maioria, são os menos desafortunados. Esta situação se dá em razão das defesas apresentadas por advogados dativos que, em regra, são defesas deficitárias, não atendendo aos princípios basilares da ampla defesa.  O presente trabalho visa demonstrar que os réus assistidos por advogados dativos, quando estes não tem compromisso com o processo, restam indefesos, por ausência de defesa técnica deficiente, o que exige do Estado uma atenção especial, no sentido de aumentar o número de Defensor Público, haja vista ser a Defensoria Pública uma instituição essencial, criada com o propósito principal de levar assistência jurídica de qualidade àqueles que não podem custear uma defesa particular. Este trabalho foi orientado pela Professora Especialista Jeane Meira Braga.


Palavras-chave: Direito Processual Penal. Aumento do contingente de Defensor Público. Defesa Técnica eficaz e efetiva. Nulidade do ato.


Abstract: The defense in criminal proceedings is an inalienable right is not exclusive of the accused, while the State ensure that they exercise. For the defense is indeed broad, it is essential to have effective and efficient, so that one should not regard it as a mere formality. For effective defense must be understood and require the effective participation of the defender in the interests of the accused, which can always be calibrated before each case, weighing up the evidence by the prosecution cars to autos and the real possibility of confrontation by his defense. The action taken must be actually effective, and so this should not be void or voidable at least in view of the damage the party, usually without any legal knowledge, could suffer during the process, because of flaw or defect that. In this sense it is essential to increasing the number of Public Defender to ensure the constitutional right of legal defense to defendants in criminal cases today, overwhelmingly, are the less fortunate. This situation occurs because of the defenses presented by lawyers dative, as a rule, defenses are deficient, not meeting the basic principles of defense. This paper demonstrates that the defendants assisted by lawyers dative, when they have no commitment to the process, left defenseless by the absence of defending poor technique, which requires the state to take special attention in order to increase the number of Public Defender , given a public defender be a crucial institution, created with the primary purpose of bringing quality legal assistance to those who can not afford a private defense.


Keywords: Criminal Law Process. Quota Increase of Defender Public. Defense efficient and effective TechnicalNullity of the act.


Sumário: 1 introdução. 2 da defesa. 3 da defesa apresentada por advogado nomeado. 3.1 da nulidade do ato: defesa não efetiva 4 da defensoria pública. 4.1 da defesa apresentada por defensor público. 4.2 da necessidade do aumento do contingente de defensor público 5 considerações finais. Referências.1 INTRODUÇÃO


Questão ainda pouco vista na doutrina e na jurisprudência baiana é a nulidade decorrente de uma falta de defesa realmente efetiva, levando-se em consideração o eminente número de advogados nomeados por Juízes de Direito, sem qualquer remuneração pelos serviços prestados, com a finalidade de patrocinar a defesa técnica de indivíduos, em especial na área penal, desprovidos financeiramente.


Em regra, as defesas patrocinadas por advogado dativo apresentam-se de modo genérico, apenas para atender uma formalidade legal, o que implica numa não efetivação da ampla defesa criminal.


Objetivando sanar referida deficiência, necessário se faz o aumento do contingente de Defensores Públicos, que são concursados e remunerados pelo Estado, a fim de que sejam atendidos todos os municípios do Estado da Bahia. Destaca-se, portanto, a relevância social de que trata o tema, visto que todos estão sujeitos a cometer crimes e consequentemente necessitarem de uma defesa técnica. Soma-se a isto o fato de nossa Carta Maior, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, impor ao Estado o dever de prestar assistência jurídica gratuita e integral àqueles que não podem arcar com despesas advocatícias, de modo que, não havendo prestação jurisdicional pelo Estado, a lei permite a nomeação de Advogado.


Assim, a presença do Defensor, sujeito que realiza os atos em que consiste a defesa, é imprescindível. Ou seja, pouco importa que o acusado esteja ausente, deverá a defesa ser fundamentada, como bem expressa a imperativa determinação do artigo 261 e parágrafo único do CPP[1], de modo a cumprir a garantia constitucional. Assim também manifestou o Supremo Tribunal Federal (STF) ao editar Súmula 523[2] cujo conteúdo é compreendido com clareza, não havendo margem para interpretações diversas daquela que corresponde a simples análise gramatical do texto (“No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta”). Não resta dúvidas que prejuízo há para o réu quando da apresentação de defesa imperfeita ou defeituosa, esta é a regra.


2 DA DEFESA


O Ministério Público, através do seu representante, objetiva apresentar uma acusação com bastante robustez e, não muito raro, invoca o famigerado princípio do in dúbio pro societate, ou seja, insere um indivíduo no banco dos réus com base na dúvida, frise-se, em pleno estado Democrático de Direito e, sequer observa que o processo, por si só, constitui um mal em si mesmo. Soma-se a isto o fato daquele órgão ministerial ser visto como acusador e agir como tal, deixando de lado um preceito fundamental que seria a imparcialidade. Neste sentido assevera Eugênio Pacelli de Oliveira:


“Ao contrário de certos posicionamentos que ainda se encontram na prática jurídica, o Ministério Público não é órgão de acusação, mas órgão legitimado para a acusação, nas ações penais públicas. A distinção é significativa: não é por ser o titular da ação penal pública, nem por estar a ele obrigado, que o parquet deve necessariamente oferecer a denúncia, nem, estando esta já oferecida, pugnar pela condenação do réu, em quaisquer circunstâncias”. (2009, p. 400)


Além do mais, com relação à atividade do defensor, assevera Guilherme de Souza Nucci:


“O defensor não deve agir com a mesma imparcialidade exigida do representante do Ministério Público, pois está vinculado ao interesse do acusado, que não é órgão público e tem legítimo interesse em manter o seu direito indisponível à liberdade. Deve pleitear, invariavelmente, em seu benefício, embora possa até pedir a condenação, quando outra alternativa viável e técnica não lhe resta (em caso de réu confesso, por exemplo), mas visando à atenuação de sua pena ou algum benefício legal para o cumprimento da sanção penal (como penas alternativas ou sursis). Isso não significa que deve requerer ou agir contra a lei, burlando normas e agindo sem ética, durante o processo penal. Seus desvios, na atuação defensiva, podem tornar-se infrações penais ou funcionais”. (2007, p. 511)


Este é também mais um motivo para que a defesa em favor do acusado seja realizada de forma efetiva, e que a tese apresentada se ponha em igualdade de condições, para fins de argumentação e de prova, com a tese acusatória, levando em consideração o preparo dos Promotores no cumprimento do seu mister, enquanto os defensores nomeados não se empenham para fazer a defesa do denunciado no mesmo nível.


Neste sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça ressalta que o acusado é indefeso quando a atuação de seu patrono é apenas pró-forma:


“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. RÉU INDEFESO. I – No âmbito do processo penal há a necessidade de que se ga­ranta ao réu o pleno exercício do seu direito de defesa, que deve ser efetivo, real, e não apenas pró forma. II – Resta caracterizada a falta de defesa do réu, e não apenas a sua deficiência, se o defensor, não obstante tenha apresentado defesa prévia e alegações finais, o fez apenas formalmente, assumindo postura praticamente contrária aos interesses do réu, não só ao deixar de sustentar a posição apresentada pelo próprio acusado no interrogatório, no sentido da desclassificação para o delito do art. 16 da Lei 6.368/76, mas também ao postular a condenação, ainda que a pena mínima, por delito mais grave do que o admi­tido. Tudo isto, sem ao menos interpor apelação ao sobrevir condenação a pena superior ao mínimo legal. III – A concreta e objetiva inércia ou indiferença da defesa é de ser equiparada, conforme dicção da melhor doutrina, à sua inexistência (Precedentes). Write concedido. (STJ, 5.ª Turma, Recurso em Habeas corpus n.º 16.620/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 25/11/2001, p. DJ 12/11/2001)”.


Assim sendo, é fundamental que haja uma contra-acusação com detalhes imprescindíveis à demonstrar os verdadeiros fatos em benefício do acusado, inclusive, para evitar, acusações temerárias e infundadas.


Segundo os ensinamentos de Antônio Scarance Fernandes:


“A defesa é o direito que tem o indivíduo de reagir à ação contra si proposta, a fim de perseguir decisão favorável e, assim, pre­servar direitos substanciais questionados no processo. No pro­cesso penal, o titular do direito de defesa pretende evitar a condenação e imposição da pena. Como a pena pode restringir a sua liberdade, bem fundamental, a defesa é necessária, indecli­nável. Assim, embora o acusado não deseje se defender, impõe-se que alguém o faça, e, para garantia de paridade de armas e equilíbrio no interior do processo, é mister que esse alguém seja pessoa habilitada, técnica. Nem se admite simples defesa formal, mera resposta aos termos da proposta acusatória, exigindo-se defesa substancial, efetiva reação à acusação. “(2002, p. 25)


Note-se, portanto, que sem uma defesa realmente efetiva, pouco provável haver uma justa aplicação da pena, pois os fatos relevantes para o magistrado são aqueles encontrados nos autos processuais, de onde buscará a fundamentação para julgar por sentença. Ademais, é neste momento que o acusado poderá arguir tudo quanto possa para se defender, apresentando provas, indicando testemunhas etc, fundamentando sua tese e tudo isso através de profissional habilitado. Neste sentido, informa Eugênio Pacelli de Oliveira:


“A defesa escrita constitui, então, a primeira intervenção da chamada defesa técnica, isto é, aquela produzida por profissional do Direito. Por isso, é nessa ocasião que se dará início ao processo realizando em contraditório, com a abertura para o exercício da ampla defesa”. (2009, p. 557)


A defesa é de tamanha importância que a nossa Carta Magna proclama no artigo 5º, LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. No inciso LV do citado artigo tem-se que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”


Além da importância dada à defesa técnica, esta também é indisponível, tendo em vista que, ainda contra a vontade do acusado, ou mesmo na sua ausência, aquela deverá ser exercida. Desta maneira, se o acusado não constituir defensor, o juiz deverá, por imposição legal, nomear-lhe um ressalvando-lhe a possibilidade de, a qualquer instante, constituir outro da sua inteira confiança.


Assim sendo, esta garantia deverá ser de fato ampla, de maneira que o réu tenha possibilidade de apresentar seus meios de prova e, inclusive, participar efetivamente da peça a ser apresentada, fazendo valer seus direitos e interesses.


Nesse sentido, preleciona Fernando da Costa Tourinho Filho:


“Defesa, em sentido amplo, é toda atividade das partes no sentido de fazer valer, no Processo Penal, seus direitos e interesses, não só quanto à atuação da pretensão punitiva, como também para impedi-la, conforme sua posição processual.


Em sentido estrito, defesa é aquela atividade das partes acusadas de oposição à atuação da pretensão punitiva. Daí se segue que Defensor é o sujeito que realiza os atos em que consiste a defesa”. (2008, p. 497)


Ainda, para Eugênio Pacelli de Oliveira:


“A ampla defesa manifesta-se via defesa técnica, autodefesa, defesa efetiva, bem como pela utilização de todos os meios de prova, incluindo aqueles obtidos ilicitamente.


[…] “a defesa técnica, quando realizada por defensor publicou ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada”.


A providência é salutar, no que se refere à exigência de uma atuação mais efetiva por parte daqueles que, seja por dever de ofício (em carreira organizada), como o defensor público, seja por dever decorrente de nomeação do juiz, o defensor dativo, respondem pela defesa técnica do acusado.”(2009, p. 413)


Por tudo, é de salutar importância que, para qualquer que seja a acusação, dê-se oportunidade para o acusado se defender. Neste sentido é que Fernando da Costa Tourinho Filho informa:


“A acusação e defesa forma, destarte, um par incindível, a defesa representa o reverso da pretensão; o que se defende não pretende um direito para si, mas, tão somente, a inexistência de um direito para o adversário.


Não pode haver, pois, Processo Penal sem acusação e sem defesa, salvante aqueles processos de tipo inquisitório, quando o imputado era entregue à autoridade não como um sujeito de direito, mas como objeto de investigação e de tortura, ao poder casi sin limites Del insturctor.” (2008, p. 499)


Roger Moko Yabiku (2007, p. 1), expõe em seu texto A defesa técnica como elemento da liberdade substantiva.  Aplicação da doutrina de Amartya Sen ao processo penal’, o seguinte:


“As atividades persecutória e judiciária do Estado, em nome do contraditório e da ampla defesa, devem contemplar que o acusado tenha condições de se defender daquilo que lhe é imputado. Há necessidade, portanto, de alguém que lhe promova a defesa técnica.[…] Em momento algum, a defesa técnica deve ser encarada como mera formalidade. A legislação pátria dispõe que a defesa técnica deve ser efetiva, contudo, verifica-se uma visão formalista do fenômeno processual. A abordagem meramente jurídica, por vezes, constitui mais injustiças que aplicação de justiça propriamente dizendo, já que não raro os defensores técnicos desempenham uma performance mais formal que realmente efetiva.


[…] A defesa técnica deve realmente ser eficiente, pois, muitas vezes, se está defendendo quem não tem o mínimo de condições educacionais e culturais de entender todo o processo e se defender no mundo jurídico.


Essas pessoas conhecem o mundo do ser (sein), não o do dever ser (sollen). E o que seria normal no “mundo do ser” não é necessariamente o que deve ser feito no “mundo do dever ser”.


A defesa é, pois, essencial, visto que se o Estado busca realizar a justiça de modo que ele não estará certo de tê-la feito se não proporcionar ao indivíduo a mais ampla defesa, defesa esta atrelada à realidade fática concomitantemente com a pretensão do acusado. Vejamos o que diz o artigo 396-A, do Código de Processo Penal.


“Art. 396-A Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.” (grifo nosso).


É nítida a intenção do legislador em propiciar ao acusado participar diretamente da elaboração da sua defesa, expondo fatos e circunstâncias que lhe favoreça. Isto somente ocorrerá se ele, acusado, mantiver contato com seu defensor, ou no mínimo, se este último, ao realizar o ato de defesa, fazê-lo com responsabilidade e boa fé. Caso contrário, não haverá uma defesa efetiva e, consequentemente, será o ato passível de nulidade.


3 DA DEFESA APRESENTADA POR ADVOGADO NOMEADO


Para Júlio Fabrini Mirabete, o defensor técnico, o advogado, é alguém que suprirá eventual deficiência em termos de capacitação jurídica do acusado:


“O defensor, procurador ou representante da parte, é o advogado, sujeito especial no processo porque sua atuação é obrigatória. Por faltar capacidade para o exercício do jus postulandi (capacidade postulatória) à parte (acusado), é necessário suprir tal deficiência com a outorga de procuração ao advogado que, além de representar o cliente no processo, atua para que a tutela jurisdicional seja prestada com acerto e justiça.” (2003, p. 336-337, grifo nosso)


Fernando Capez assevera que:


“Contrário ao que ocorre no processo civil, no qual o contraditório se designa pelo binômio “ciência necessária, participação possível”, no processo penal, em razão da natureza pública e em geral indisponível dos interesses materiais colocados à base do processo, o contraditório há que ser real e efetivo. Fala-se, portanto, em ciência e participação igualmente necessárias.” (2007, p. 181)


Todavia, em regra, as defesas apresentadas por advogados nomeados por Juízes de Direito no Estado da Bahia são carentes de fundamentação, são ineficientes, visto que se apresentam de forma genérica, sem que, no mínimo, o acusado tenha participado da sua construção, acarretando-lhe prejuízo eminente. Neste sentido, é esclarecedora a afirmação de Eugênio Pacelli de Oliveira:


“Na prática, porém, muitas vezes a efetividade da defesa depende de atuação do réu, já que é ele quem detém as informações necessárias à preparação da defesa. […] como a resposta escrita antecede à fase de absolvição sumária, na qual se examinam questões de mérito, deve a defesa técnica apreciar em maiores detalhes a acusação, particularmente sobre a questão de direito”. (2009, p. 413-414)


Situação mais delicada ainda é quando da pluralidade de acusados e existência de conflitos entre os fatos narrados por aqueles, quando deverá o juiz nomear um defensor para cada um, objetivando evitar, nesta hipótese de colidência das teses de defesa, a ocorrência de prejuízo de um ou mais acusados, o que ensejaria, conforme doutrina, nulidade absoluta, por ser considerado ausência de defesa.


É comum, entretanto, a nomeação de um único advogado para a defesa dos vários réus do processo, o que se dá pela dificuldade em encontrar profissionais dispostos a aceitar o múnus. Ademais, havendo prejuízo, não estariam os acusados propensos a argui-lo e, dificilmente a defesa, aqueles por desconhecerem os procedimentos do processo penal, este por não possuir interesse em prestar uma assistência judiciária efetiva, agindo de modo desidioso.


A ineficiência da defesa técnica constitui um desequilíbrio processual de tal maneira que o sujeito não tem como efetivar o exercício do seu direito de defesa e, consequentemente, evidencia-se o prejuízo processual. Em outras palavras, a existência de defesa que não busca, legal e honestamente, melhorar a condição processual do acusado, não deve ser considerada. A afirmação de Tourinho Filho (2008, p. 503, apud, MANZINI) neste sentido é pertinente:


“A função do Defensor, na irrepreensível lição de Manzini, é apresentar ao Órgão Jurisdicional competente tudo quanto, legitimamente, possa melhorar a condição processual do imputado e que possa honestamente contribuir para dirimir ou diminuir sua imputabilidade ou sua responsabilidade.” (cf. Istituzioni, cit., v. 2, p. 557)


Sabe-se que é dever do Estado fazer valer o direito fundamental de toda pessoa de ter acesso à justiça, sempre que possuir algum interesse jurídico a ser protegido, garantindo, especialmente aos necessitados, uma assistência judiciária gratuita. Ademais, esta assistência deverá ser realizada por profissional habilitado, no caso, um advogado ou um Defensor Público. Caso contrário, haverá uma violação do mandamento constitucional que assegura plena defesa ao acusado, ferindo princípios, com o da paridade de armas, imprescindível à concreta atuação do contraditório, visando à contraposição à acusação formulada pelo Ministério Público.


Ademais, se a liberdade é direito indisponível e se cabe ao Estado zelar pelo exercício da defesa, é evidente que a nomeação de advogado nos autos, em respeito ao princípio da ampla defesa, não pode ser meramente formal. É essencial que o Poder Judiciário exija qualidade da defesa, que não pode ser pró-forma, consoante dito anteriormente.


É dever do Estado garantir a assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes, de modo que a prestação deficiente da defesa por profissionais de direito implica em uma não prestação ou prestação precária da assistência jurídica, o que, na prática, se revela com as nomeações dos advogados dativos.


Noutra vertente, os trabalhos realizados por Advogados, quando nomeados por Juízes de Direito na inexistência de Defensor Público, devem ser remunerados pelo Estado. É o que dispõe a Lei Federal n. 8.096 de 1994 (Estatuto da Ordem de Advogados do Brasil), em seu artigo 22, § 1º, in verbis:


“Art. 22. […]


§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.”


Advogados nomeados e não remunerados traduz no que podemos dizer “trabalhar de graça” e, esta situação é fato público e notório no nosso Estado, o que não deveria ocorrer, mas sim o contraposto, conforme julgado no TJMG que adiante se vê:


“EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR DATIVO. PAGAMENTO.     O Estado não pode se abster de pagar o valor dos honorários advocatícios judicialmente arbitrado para o defensor dativo, em decorrência dos serviços profissionais prestados a litigante carente, uma vez que a ordem jurídico-constitucional rechaça o enriquecimento ilícito do ente público em detrimento do particular. Rejeita-se a preliminar e nega-se provimento às apelações.


APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.06.993227-5/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS – APTE(S) ADESIV: LEOCÁDIO ASSIS RODRIGUES – APELADO(A)(S): ESTADO MINAS GERAIS, LEOCÁDIO ASSIS RODRIGUES – RELATOR: EXMO. SR. DES. ALMEIDA MELO “


Ressalte-se, portanto, que os ditos advogados são profissionais liberais que prestam um múnus público, um “favor” à sociedade, porém, não são remunerados pelo Estado baiano, ou seja, nada recebem por isso, e mais, sequer são reconhecidos pelos serviços prestados, haja vista que o Estado mantém-se se inerte, como se isto fosse obrigação daqueles profissionais, o que não é. Apesar da existência de normas gerais para a contratação de honorários de advogado, bem assim, a respectiva Tabela de Honorários, criada pela Resolução CP n. 17/03, não há qualquer observância pelo Estado.


São vários os afazeres de um Advogado e, por serem profissionais liberais, precisam trabalhar cotidianamente com a finalidade de obter recursos financeiros para arcar com as suas despesas existentes.


Outrossim, na maioria das Comarcas do Estado baiano, especialmente aquelas em que não há Defensor Público, o advogado acaba sendo nomeado para atuar em vários processos, numa e noutra comarca, de modo que em aceitando todas estas nomeações ou mesmo algumas delas, tornaria dispendioso manter-se em sua profissão, visto que nada receberia em termos financeiros.


O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 34, inciso XII, prevê infração disciplinar ao Advogado que: “recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública”.


Semelhante disposição é a do artigo 264 do Código de Processo Penal: “Salvo motivo relevante, os advogados e solicitadores serão obrigados, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, a prestar seu patrocínio aos acusados, quando nomeados pelo Juiz.”


Ainda, o artigo 265 do mesmo diploma legal estabelece que o defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, a critério do juiz.


O que acontece na prática são advogados utilizando-se de prerrogativas próprias de algumas autoridades (ex. Magistrado, Ministério Público), alegam foro íntimo, sem uma mínima justificativa, abandonando processos ao meio, ou mesmo no início, uns até sem manifestar acerca da aceitação ou não da nomeação.


Portanto, não se vê punições para os advogados que não cumprem com suas responsabilidades, quando da nomeação em processos criminais e, em caso existindo, não restam dúvidas que aquele profissional, de algum modo traria prejuízo ao acusado, primeiro pela inexistência de punição e em segundo por nada receber para patrocinar a defesa daquele.


Desta forma, é comum que os processos tenham o seu curso prejudicado em razão da desídia do defensor dativo, pois sequer manifesta-se quanto ao múnus, apesar de ser intimado por diversas vezes, ser advertido quanto a situação, inclusive com ofícios expedidos pelo Juiz da Comarca encaminhados ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Porém, há uma ineficiência na fiscalização e na forma como é tratado o assunto pela OAB.


Soma-se a isto o fato de o indivíduo, acusado, não possuir ferramentas para inibir esta tão cruel prática do defensor nomeado, pois, mesmo constituindo infração disciplinar, não se sabe a quem recorrer, não há um órgão de conhecimento público e de fácil acesso àqueles desprovidos financeiramente, diga-se, a maior parte da população que respondem a processos criminais, são estes, os mais necessitados.


Na verdade, não deveria existir defensor dativo, considerando que a prestação administrativa da assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, é função do Estado possuindo os contornos de um poder-dever, tal como, enfaticamente, o confirma a Constituição no art. 5º, inc. LXXIV.


Desse modo, é necessária a participação ampla e efetiva da Defensoria Pública, pois é órgão remunerado pelo Estado, e, em assim sendo, suas funções são exercidas com zelo e as cautelas devidas, sob pena de, não agindo assim, sofrerem procedimentos administrativos e outros que couberem. Ainda, facilmente a comunidade possui acesso às instâncias superiores da Defensoria Pública, através da ouvidoria, utilizando para tanto diversos recursos, tais como endereços eletrônicos, telefones etc.


3.1 DA NULIDADE DO ATO: DEFESA NÃO EFETIVA


Como dito anteriormente, para que se considere uma defesa ampla, necessário que esta seja de fato efetiva, não causando prejuízo ao acusado. Por defesa efetiva deve-se entender e exigir a efetiva atuação do defensor em prol dos interesses do acusado, o que poderá ser aferido sempre diante de cada caso concreto, sopesando-se as provas carreadas aos autos pela acusação e a possibilidade real de sua confrontação pela defesa. Na prática, porém, são vistas defesas deficientes que, na maioria das vezes, afasta do acusado seu direito de ampla defesa e, consequentemente, acarreta um enorme prejuízo.


Nas palavras de Nelson Nery Júnior, o contraditório deve ser “efetivo, real, substancial”. E, por isso, afirma o autor que:


 “[…] se houver defesa desidiosa, incorreta, insuficiente tecnicamente, por parte do advogado do réu no processo penal, o feito deve ser anulado e nomeado outro defensor, tudo em nome do princípio do contraditório, conjugado ao da ampla defesa, ambos garantidos pela Constituição”.(1999, p. 130)


Também o Ministro Carlos Ayres Brito, quando Relator do Habeas corpus n.º 82672/RJ, assim ponderou:


“PROCESSO PENAL – DEFESA. Verificando que o réu esteve indefeso, impõe-se a anulação do processo.Existem situações em que a deficiência da defesa promovida pelo advogado demonstra de tal maneira sua desídia, falta de zelo, de iniciativa, de diligência, que o prejuízo, além de patente, se revela insuperável por influenciar direta e indubitavelmente o resultado da causa, acarretando, com isso, prejuízo ao réu. Nesses casos, é possível equiparar a referida deficiência à total ausência de defesa, a implicar a nulidade dos atos afetados por esse defeito e inclusive a nulidade do próprio feito.” (STF, 1ª Turma, Habeas Corpus n. 82672-RJ, Relator Min. Carlos Britto, j. 14.10.2003, p. DJ 01.12.2006)


Com igual entendimento já manifestou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, consoante se vê:


“Processual penal. Habeas Corpus. Defensor Leigo. Nulidade (súmula 523/STF). Conquanto tenha o defensor leigo apresentado, formalmente, defesa prévia e alegações finais, tais peças, de forma alguma, trouxeram conteúdo apto a contradizer os termos da acusação ou a fornecer subsídios ao julgador para uma possível absolvição. Caso que caracteriza total falta de defesa, o que, nos termos da Súmula 523 do colendo Supremo Tribunal Federal, se constitui em nulidade absoluta. Recurso provido”. (STJ, 5.ª Turma, Recurso em Habeas corpus n.º 11254/AM, Rel. Min. Felix Fischer, j. 17/5/2001, p. DJ 13/8/2001. p. 179).


Ainda, o Ministro Jorge Scartezzini, do Superior Tribunal de Justiça, assim manifestou:


“Processual penal. Habeas corpus. Tribunal do júri. Homicídio qualificado. Ausência de defesa. Configuração. Revogação da constrição do réu. Impossibilidade. Todo e qualquer réu, não importa a imputação, tem direito a efetiva defesa no processo penal (arts. 261 do CPP e 5º, inciso LV da Carta Magna). O desempenho meramente formal do defensor, em postura praticamente contemplativa, caracteriza a insanável ausência de defesa (Precedentes do Pretório Excelso). Inaceitável, portanto, que, no Plenário do Júri, o defensor do réu apenas requeira sua absolvição, sem, contudo, utilizar-se de argumentação mínima e necessária para sustentar seu ponto de vista, restringindo-se a mero comentário de 05 minutos. De outro lado, entretanto, a manutenção do réu sob cárcere é necessária, porquanto durante a instrução empreendeu fuga, embaraçando o bom andamento processual. Ordem concedida apenas para anular o julgamento do Júri, para que outro seja realizado com a devida observância à ampla defesa, mantendo-se, entretanto, a constrição do acusado.” (STJ, 5.ª Turma, Habeas corpus n.º 21938/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 10/12/2002, p. DJ 17/3/2003. p. 246).


Pelo mais, o Supremo Tribunal Federal (STF), editou a Súmula 523, segundo a qual: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prejuízo para o réu”. Consagra-se então o pas de nullité sans grief, oriundo da doutrina francesa, segundo o qual, para reconhecimento e a declaração de nulidade de ato processual, este, pela sua imperfeição, causará prejuízos aos interesses das partes e/ou ao regular exercício da jurisdição.


Diante do exposto, a defesa não deve e não pode ser apresentada de forma genérica para garantia de uma formalidade, ou seja, não basta apenas praticar o ato processual, é necessário que de tal ato surtam os efeitos jurídicos adequados.


O ato praticado deve ser de fato efetivo, em assim não sendo este deverá ser considerado nulo ou no mínimo anulável, tendo em vista o prejuízo que a parte, em regra sem conhecimento jurídico algum, poderá sofrer no curso do processo, em virtude da imperfeição ou defeito daquele.


É o denominado princípio do prejuízo, segundo Paulo Rangel, que significar dizer: “não há que se declarar a nulidade de um ato, se, de sua imperfeição, ou defeito, enfim, de sua tipicidade, não resultar prejuízo à acusação ou à defesa” (2010, p. 884)


Por certo, não obstante a lei dispuser que um ato processual deva ser praticado de uma forma, não admitindo obscuridade, contradição, se não for e não houver prejuízo para as partes, não há que se declarar nulo o processo a partir da prática deste ato. Os princípios da celeridade e da economia processual impedem que o processo seja retificado ou renovado ou diante de um ato imperfeito que não trouxe prejuízo para as partes. Assim, a formalidade na prática do ato objetiva um determinado fim e, se este não é alcançado, causando prejuízo às partes, há que se falar em nulidade.


Extrai-se que da matéria relativa a nulidades deve ser observada pelo prisma do prejuízo, porquanto, “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”, consoante o artigo 563, do CPP.


Ademais, a doutrina majoritária sustenta que o princípio do prejuízo somente será analisado nas nulidades relativas, visto que, nas absolutas, o legislador não exige a demonstração do prejuízo. Neste sentido, Ada Pellegrini Grinover (apud RANGEL, 2010, p. 885) diz:


“As nulidades absolutas não exigem demonstração do prejuízo, porque nelas o mesmo é evidente. Alguns preferem afirmar que nesses casos haveria uma presunção de prejuízo estabelecida pelo legislador, mas isso não parece correto, pois as presunções levam normalmente à inversão do ônus da prova, o que não ocorre nessas situações, em que a ocorrência do dano não oferece dúvida.”


Fernando da Costa Tourinho Filho, na mesma linha de raciocínio de Ada Pellegrini, diferenciando apenas quando se fala em presunção, diz:


“Se, a despeito de imperfeito, o ato atingiu o seu fim, sem acarretar-lhes prejuízo, não há cuidar-se de nulidade. A não ser que se trate de nulidade absoluta, cujo prejuízo é presumido. O prejuízo, aqui, evidentemente, é o júris et de jure…inadmitindo prova em contrário. “(2009, p. 118)


Eugênio Pacelli de Oliveira assim expõe:


“Configuram, portanto, vício passível de nulidades absolutas as violações aos princípios fundamentais do processo penal, tais como o do juiz natural, o do contraditório e da ampla defesa, o da imparcialidade do juiz, a exigência da motivação das sentenças judiciais etc., implicando todos eles a nulidade absoluta do processo”. (OLIVEIRA, 2009, p. 697, grifo nosso)


Necessário que haja uma visão garantista do processo penal, pois a concepção meramente formal poderá acarretar em injustiças de difícil reparo, tendo em vista que, frequentemente, são vistos nos processos penais de primeira instância do Estado da Bahia, inúmeras defesas sem qualquer fundamento, apresentadas por advogados nomeados e não remunerados, que sequer tiveram contato com o processo, que dirá com o acusado.


4 DA DEFENSORIA PÚBLICA


Tida como uma notável instituição da República, a Defensoria Pública surgiu com a Lei Complementar n.º 80, datada de 12 de janeiro de 1994. Algumas reflexões podem ser feitas, especialmente em face do que determina a própria Constituição Federal, que de um lado assegura aos necessitados o direito à orientação jurídica e à defesa em todos os graus de jurisdição, e de outro, impõe ao poder público a obrigação de promover a organização e o aparelhamento da Defensoria Pública quer no plano da União, quer no âmbito do Distrito Federal e dos Estados Membros. A defensoria Pública, neste contexto, qualifica-se como um valiosíssimo instrumento de concretização de direitos e liberdades, de que também são titulares as pessoas carentes e necessitadas.


Como é sabido, a Defensoria Pública é um Órgão criado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, para defender o cidadão carente. Ou seja, o acesso à justiça de todos os cidadãos é incumbência do Estado, e direito de todos indistintamente. O Estado tem o dever de promover o acesso de todos à justiça. Para assegurar tal direito criou-se a Defensoria Pública.


A Defensoria é órgão autônomo, cuja regulamentação se deu com a criação, em 07 de outubro de 2009 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Lei 132/09, alterando dispositivos da Lei Complementar supra mencionada, que organiza, amplia e moderniza seu trabalho, aumentando suas atribuições no âmbito da União e dos Estados.


O Art. 134 da Constituição Federal define “A Defensoria Pública como sendo uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. Assim, o Defensor Público existe para todas as pessoas que têm necessidade de conhecer seus direitos, lutar por eles e de se defender.


Os objetivos da Defensoria Pública são pautados na prestação de serviço de advocacia pública gratuita aos necessitados, mas em verdade repercute na sociedade como um todo. Implica em várias áreas, não só no direito de o cidadão acessar a justiça, mas também, por exemplo, o pequeno comerciante que se vê envolvido em litígio de natureza comercial de falência, pode se beneficiar nos trabalhos oferecidos pela Defensoria para resguardar seu comércio, evitando, assim, decisão que lhe desfavoreça senão acompanhado de profissional.


4.1 DA DEFESA APRESENTADA POR DEFENSOR PÚBLICO


Reconhecidamente, a Defensoria é instituição que realiza um trabalho social, de suma relevância no mundo da justiça social. E mais, além de proporcionar o acesso à justiça, busca, sobretudo, alcançar decisões justas aos demandados.


Ao fazer concurso público e ingressar na carreira, o Defensor Público é o profissional responsável por oferecer assessoria jurídica em processos judiciais, extrajudiciais ou em outras ocasiões necessárias ao cidadão que não pode pagar um advogado particular. Dessa forma, o Defensor Público, como frisamos, é remunerado pelo Estado, ou seja, não é ele advogado dativo que nada recebe ao exercer o múnus público, nem tampouco deve ser comparado a advogado que prestam serviços temporários ao Estado. Ou seja, somente podem exercer a atividade de Defensor Público aquele que prestou concurso para este cargo. Neste sentido já firmou entendimento o Supremo Tribunal Federal, consoante decisão que adiante se vê:


“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 8.742, DE 30 DE NOVEMBRO  DE 2005, DO ESTADO DO RIO GRANDE NORTE, QUE “DISPÕE SOBRE A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE ADVOGADOS PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO, NO ÂMBITO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO”. 1. A Defensoria Pública se revela como instrumento de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a efetivar o valor constitucional da universalização da justiça (inciso XXXV do art. 5º da CF/88). 2. Por desempenhar, com exclusividade, um mister estatal genuíno e essencial à jurisdição, a Defensoria Pública não convive com a possibilidade de que seus agentes sejam recrutados em caráter precário. Urge estruturá-la em cargos de provimento efetivo e, mais que isso, cargos de carreira.  3. A estruturação da Defensoria Pública em cargos de carreira, providos mediante concurso público de provas e títulos, opera como garantia da independência técnica da instituição, a se refletir na boa qualidade da assistência a que fazem jus os estratos mais economicamente débeis da coletividade.4. Ação direta julgada procedente.” ADI 3700 – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.  


O Defensor Público não promove aos necessitados apenas o acesso ao Poder Judiciário, ou seja, a possibilidade de participar de um processo. O acesso à Justiça, que significa despertar em todo cidadão a consciência de que ele tem direitos e obrigações que podem se tornar uma realidade em sua vida.


O acesso a Justiça é considerado um direito humano e um caminho para a redução da pobreza por meio da promoção da equidade econômica e social. Onde não há amplo acesso a uma Justiça efetiva e de qualidade, a democracia está em risco e o desenvolvimento não é possível.


Como já dito, o Defensor Público é servidor e tem por obrigação promover a assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado, de modo que a não realização desta incumbência poderá gerar desligamento do órgão através de processo administrativo. Soma-se a isto o fato de a Defensoria Pública ter órgão fiscalizador interno, no caso, a Corregedoria Geral, que zela pela observância do regime disciplinar daquela, ou seja, a Corregedoria Geral é a instância que acompanha, fiscaliza e orienta a regularidade dos serviços, bem como apura eventuais infrações administrativas e disciplinares dos membros e servidores da instituição.


Lei tem que ser efetivamente cumprida e por isso a Defensoria Pública deve crescer aproximando-se cada vez mais da população. Com este objetivo foi criada a ouvidoria, porta voz legítima dos atendidos pela Defensoria, cujo objetivo é acompanhar a gestão, promover a transparência e qualidade dos serviços prestados. E para ampliar a facilidade em manter a população em contato com a Defensoria Pública da Bahia, tem-se ainda o serviço de telefonia 129. Desta forma, tem-se garantido o direito do cidadão em denunciar qualquer prática inefetiva ou ineficaz do defensor quando da sua atuação na ação penal.


Neste diapasão, a defesa apresentada em juízo criminal pelo Defensor Público não deve vir de forma genérica, apenas para cumprir formalidade legal, pois em assim sendo poderá a parte, que se sentir prejudicada, buscar solução rápida junto ao órgão fiscalizador, ou seja, à Corregedoria Geral. Soma-se a isto o fato de o Defensor Público, por exercer função pública, propenso às penalidades legais no caso de desídia, ter o dever para com o acusado. Isto é, os serviços prestados pela Defensoria Pública devem ser oferecidos em obediência ao princípio administrativo da eficiência de seus atos. Quer dizer, todo ato exercido pelo Poder Público (é o caso da Defensoria Pública), deve ser pautado na necessidade de produção de resultados positivos. Segundo este princípio, a Administração Pública não está autoriza a agir, sem proporcionar resultados positivos à população em geral. Portanto também aplicável à atuação da Defensoria Pública no Processo Penal.


 Assim, entende-se que, em regra, a referida defesa é merecedora de elevado grau de credibilidade em relação àquelas propiciadas por advogados nomeados, que como já dissemos, nenhum compromisso há para com a prestação de serviços jurídicos, ora gratuito e sem fiscalização, nem mesmo assim com o acusado, que na sua grande maioria são pessoas pobres e completamente ignorantes ao se tratar de conhecimentos jurídicos.


Com louvor é vista a Defensoria Pública, posto que, ao lado de outros órgãos, como o Ministério Público, exercem o poder para promoção da justiça social.


É importante ressaltarmos, contudo, que a Defensoria Pública, para uma atuação eficiente, necessita de uma participação ativa do poder público, principalmente no que se refere a questões de infra-estruturas e salariais, de modo que, somente com um número maior de defensores, com salários dignos, proporcional aos serviços prestado, é que haverá eficiência e efetividade junto às demandas jurisdicionais. Isto quer dizer ainda que um número reduzido de defensores para uma demanda cada vez maior de ações penais tende a tornar ineficazes os serviços prestados pelo Estado, no que tange a assistência judiciária gratuita aos necessitados e ainda que, sem remuneração adequada, os serviços jurídicos para pobres tendem a ser pobres.


Sabe-se ainda que o Brasil é um país de dimensões continentais e se encontra abarrotado de problemas sociais e emergenciais, no que concerne às necessidade sociais da população. Quanto maior o número de problemas sociais ainda não solucionados, menos será a eficácia dos serviços prestados pelo Estado. O Brasil enfrenta inúmeros problemas, em diversas searas, mas, os mais acentuados, estão no âmbito social, no qual a maioria das pessoas sofrem com a falta de estrutura do Estado, no que concerne aos serviços públicos essenciais, que estão elencados na Constituição Federal, como moradia, educação, saúde, etc. A demanda exaustiva, sem dúvida é um fator determinante para a não prestação jurisdicional efetiva.


4.2 DA NECESSIDADE DO AUMENTO DO CONTINGENTE DE DEFENSOR PÚBLICO NO ESTADO DA BAHIA


Nos tópicos anteriores foram expostos os fatos relevantes que dimensiona o trabalho efetuado pela Defensoria Pública quando da defesa do acusado necessitado, na busca de uma pena justa, compatível com o delito praticado. De forma adversa, fora demonstrada a carência das defesas apresentadas por advogado dativo que, em regra, não condizem com as realidades fáticas, eis que desmotivados e sem fiscalização.


Tendo como base tais relatos e ainda os fatos demonstrados acima no que concerne a apresentação de uma defesa eficaz e efetiva em favor do acusado, é que medidas de urgência devem ser tomadas objetivando a garantia constitucional da ampla defesa.


Para que o acusado, pobre no sentido legal, tenha oportunidade de vê o seu direito assegurado, é justo que haja um trabalho consistente por parte daquele que irá propor sua defesa e, em sendo assim, justo também seria se sua defesa fosse propiciada por Defensor Público, sujeito de real compromisso com a função pública.


Hoje, no Estado da Bahia, a Defensoria Pública atua em 34 (trinta e quatro) cidades[3], ou seja, aproximadamente 8% (oito por cento) de todas as existentes no Estado que são em número de 417 (quatrocentos e dezessete)[4]. Para uma maior precisão, existem 199 (cento e noventa e nove) Defensores Públicos, dos quais, 68 (sessenta e oito) estão na capital e os demais no interior.[5] 


Os números de Defensores que atuam na esfera criminal são insignificantes diante da demanda existente no Estado baiano, de modo que se torna humanamente impossível o atendimento a todos os presos, levando-se em consideração a população carcerária que vem aumentando exageradamente.Conforme o Ministério da Justiça[6], tomando como referência o mês 06/10, há 16.907 presos, são 115,51 para cada 100.000 habitantes.


Nesta esteira, é de fundamental importância o aumento no número de Defensores Públicos no Estado baiano, que obrigatoriamente devem prestar seus serviços à comunidade em geral, não somente as pessoas necessitadas carecem de uma Defensoria Pública forte e atuante, já que ela é um instrumento de pacificação da sociedade e de promoção dos direitos humanos. Direitos humanos não escolhe classe social.


Não há dúvidas quanto à obrigatoriedade da presença da Defensoria Pública nas Comarcas do Estado da Bahia, através de seus representantes, sendo inafastável o dever do Estado em cumprir esse desiderato, elevando o número de Defensores Públicos. Nestas circunstâncias, terá o acusado seu pleno direito de defesa exercido por meio da Defensoria Pública que, por certo, trará uma maior segurança e efetividade na defesa técnica apresentada.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Do exposto, extrai-se que os Defensores Públicos, por terem a incumbência, determinada por lei, de patrocinarem a defesa dos menos afortunados, além de haver uma fiscalização mais ativa quanto ao descumprimento de qualquer de suas funções, buscam, por certo, proceder a uma defesa realmente efetiva no bojo do processo penal. Soma-se a isto o fato daqueles profissionais serem remunerados pelo Estado e terem em vista a relevância dos seus trabalhos no mundo da justiça social.


Em contrapartida, no Estado da Bahia, não se vê advogados dativos sendo remunerados pelos múnus que ora patrocinam, ao contrário, nada recebem, apesar da existência da tabela de honorários. Ademais, tais advogados, objetivando fazer valer sua profissão, ou seja, com a pretensão precípua de auferir renda, atuam em vários processos, diversas comarcas e ainda, em áreas distintas, o que dificulta a prestação jurisdicional gratuita.


Toda e qualquer pessoa é uma parte muito importante da sociedade em que vive. Em segundo, não apenas as 34 (trinta e quatro) cidades baianas carecem de defensores, mais todas devem ser atendidas por aquele profissional que diga-se, diuturnamente, desempenham sua função, como vocação, abnegação e responsabilidade, nutrindo a esperança da valorização da carreira, instrumentalização da Instituição e dignidade dos assistidos.


A vista desta explanação, o meio mais coerente para amenizar este problema social, que é uma defesa mal formulada e ineficaz, seria o aumento do contingente de Defensores Públicos, que, por certo, trariam maior segurança jurídica aos acusados, ressalte-se, a maioria pobre no sentido legal.  


 


Referências bibliográficas:

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BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 16. tiragem. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

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BRASIL. Lei n.º 8906, de 04 de julho de 1994, dispõe sobre Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em 09/10/2010.

BRASIL. Lei nº 3689 de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em 15/10/2010.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1.ª Turma. Acórdão. Habeas corpus n.º 82672/RJ, Rel. para Acórdão: Min. Marco Aurélio, j. 14/10/2003, p. DJ 1/12/2006. p. 76.

BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Sistema Integrado de Informações Penitenciários – InfoPen. http://portal.mj.gov.br/dpde/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm. Acesso em 09/11/2010.

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Notas:

[1] “Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)”.

[2] Súmula 523 do STF: NO PROCESSO PENAL, A FALTA DA DEFESA CONSTITUI NULIDADE ABSOLUTA, MAS A SUA DEFICIÊNCIA SÓ O ANULARÁ SE HOUVER PROVA DE PREJUÍZO PARA O RÉU.

[3] Defensoria Pública do Estado da Bahia – www.defensoria.ba.gov.br. Acesso em 10/10/2010

[4] Secretaria do Planejamento – http://www.seplan.ba.gov.br/pagina.php?varCodigo=6. Acesso em 10/11/2010

[5] Portaria da lavra da Defensora Pública Geral n. 116, de 30/04/2010

[6] MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen – Formulário Categoria e Indicadores Preenchidos / Bahia – BA


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Wiliam Silva Souza

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