O sistema interamericano de Direitos Humanos e a proteção dos Direitos Econômicos e sociais na América Latina

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Resumo: O conceito de direitos sociais que adota o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em particular, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos permite demonstrar que, pese alguns logros alcançados em torno da legalização dos direitos econômicos e sociais em instrumentos como o protocolo de San Salvador, as praticas assumidas pelos diferentes órgãos do Sistema Interamericano que aplicam direitos humanos confirmam a ineficácia desses direitos ao estabelecer vias diversas em sua proteção, tais como o sistema de petições para a grande maioria dos ditos direitos e as denúncias perante à Corte para os direitos de liberdade sindical e o direito à educação. Diante disso, deduz-se que os direitos econômicos e sociais, salvo aqueles não mencionados pelo sistema de denúncias só são susceptíveis de proteção pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quando sua violação produz uma vulneração indireta ou por conexão de um direito fundamental.


Palavras-Chave: Sistema Interamericano de Direitos Humanos, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, Direito Internacional.


Abstract: Concept os social rights adopted by the Inter-American Human Rights System, especially the Inter-American Human Rigths Court, as well as the act of judicializing and demanding which this system has executed through its several entities or their enforceability as real rights, allows proving that, despite some achievements reached in relation to legalization of social rights through instruments such as the San Salvador Additional Protocol, practices assumed by severeal entities of the Inter-American System which apply human rights confirm inefficiency of social rights when establishing several proteccion means such as the petition system for most rights and denunciations before the Inter-American Court with respect to right of freedom to form unions and right to education. From this we can conclude that social rights, except for those examined by the denunciation system, are only susceptible to be protected by the Inter-American Humans Rights Court when their violation becomes an indirect infringement or when it deals with violation of a basic right.


Keywords: Inter-American Human Rights System, Inter-American Human Rights Court, Social rights, Economics rights and Cultural rights, internacional law.


Sumário: 1. Introdução; 2. Os direitos econômicos e sociais dentro do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. 3. Praticas do Sistema Interamericano na proteção dos direitos econômicos e sociais: análise das sentenças da Corte Interamericana e de alguns informes da Comissão Interamericana; 3.1 Práticas e posturas da Comissão Interamericana; 3.2 Práticas e posturas da Comissão Interamericana; 4. Conclusões; 5. Referências.


1. Introdução


O presente trabalho está inserido dentro das investigações realizadas no programa de Doutorado em Ciências Jurídicas da Universidade del Salvador, Argentina, como requisito para obtenção de nota na disciplina Princípios e análises econômicos aplicados às Ciências Jurídicas. Seu objetivo geral é analisar os direitos econômicos e sociais dentro da prática dos órgãos do sistema interamericano de direitos humanos, verificando a relação entre temas como pobreza, globalização e valor humano, conceitos intrínsecos à ciência econômica perfeitamente aplicáveis às ciências jurídicas, bem como verificar a autonomia dos direitos econômicos e sociais como direito humano em si, por entendermos que tais direitos não requerem uma relação de conexidade com outros direitos para que sua violação seja apreciada pela Corte Interamericana.


A investigação ora proposta se mostra pertinente em nosso contexto, principalmente devido à crise dos direitos sociais como fenômeno evidente nos países que compõe a América Latina, tendo como manifestações dessa crise as cifras de aumento da pobreza no mundo onde estes países ocupam lugares destacados, de maneira que uma análise jurídica sobre temas relacionados à economia pode proporcionar ao leitor uma visão mais ampla e objetiva sobre o tratamento supraestatal deferido aos direitos econômicos e sociais.


Frente a tal situação surge a seguinte pergunta: quão eficazes são os mecanismos internacionais consagrados para a proteção dos direitos econômicos e sociais? Essa pergunta nos põe de cara à legislação e jurisdição internacional da Organização dos Estados Americanos (1967) pelos distintos órgãos de direito internacional dessa organização, como são Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.


O texto está dividido em quatro partes. Na primeira delas se apresentam três enfoques doutrinários a respeito dos direitos econômicos e sociais acolhidos pela teoria e pela filosofia econômica e política. Na segunda parte, analisa-se os direitos econômicos e sociais dentro do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, desde sua perspectiva normativa e, na terceira parte, se recorre às práticas do Sistema Interamericano na proteção dos direitos econômicos e sociais, através de uma análise das sentenças da Corte Interamericana e de alguns informes da comissão desse mesmo órgão como vistas a estudar o tratamento jurídico dado a esses direitos e sua reflexão nos campos econômico e social. Finalmente, na quarta parte, apresentaremos as conclusões gerais da investigação.


1. Enfoques doutrinários a respeito dos direitos econômicos e sociais.


Os direitos sociais, como direitos humanos são produtos da modernidade. Como tais, surgem de um debate filosófico na Revolução Industrial e, com ela, perpassam a transição do Estado Liberal ao Estado Social, que todavia buscava dotar de mecanismos de intervenção econômica e políticas sociais o governo, com intenção de corrigir as carências e desiquilíbrios que apresentava o modelo de Estado Moderno (Sánchez, 1996, p. 236) (Grisso nosso). Estas políticas sociais podem ser enunciadas como a proteção social, o trabalho, a moradia, a educação, a saúde etc., todas elas entendidas como direitos sociais que implicam uma transformação do Estado Liberal em um autêntico Estado Social de direito e que permitem superar as tensões econômicas organizativas que as autoridades liberais não puderam resolver no marco de um liberalismo econômico (Cortés, 2002, p.112).


Por isso, e tendo em conta o surgimento histórico dos direitos econômicos e sociais como direitos que pretendem corrigir as deficiências do liberalismo em termos de igualdade material e democracia, alguns autores vêm propondo diversas teorias, as quais agrupadas em três categorias, e de acordo com a ênfase nos direitos econômicos e sociais, podem ser divididas em liberdade, fundamentalidade ou  indivisibilidade.


A ideia acima exposta não quer dizer que não existam mais posições no tocante ao conceito de direitos econômicos e sociais, como por exemplo, a que os entende como direitos de igualdade ou imperativos morais de justiça distributiva. Sem embargo, consideramos que as três propostas levantadas dão conta suficiente do debate sobre o conceito de direitos econômicos e sociais na teoria política, na filosofia, na economia e no direito (Cortés, 2002, p.116).


Uma primeira linha teórica sobre o conceito de direitos econômicos e sociais está nos estudos dirigidos por Noberto Bobbio. Desde a perspectiva desse autor, se planteia que a liberdade pode entender-se desde três pontos de vista: um, no sentido negativo, que faz referência à liberdade como interferência ou como “faculdade de realizar ou não certas ações sem impedimento externo” (Bernal, 2009, p. 61-62); outro, desde um sentido positivo, onde a liberdade é entendida como poder, ou mesmo como autonomia, que significa o poder de “dar-se leis a si mesmo” (Bernal, 2009, p. 61); e um último e terceiro significado, que combina a liberdade negativa como a liberdade positiva e a entende como “a capacidade positiva material ou poder positivo de fazer o que a liberdade permite fazer” (Bernal, 2009, p. 62. Nessa última liberdade se fundam os direitos econômicos e sociais.


Por outro lado, Bobbio entende os direitos como poderes do indivíduo frente ao Estado, demarcados em ações positivas ou em atuações que se traduzem em direitos de fazer ou não fazer o que o Estado permite. Nesse sentido, os direitos econômicos e sociais estão relacionados com circunstâncias materiais e mínimas que asseguram à pessoa uma vida em condições dignas e, por tanto, lhe garante o exercício da liberdade em maior grau possível, circunstâncias estas que devem ser suficientes para assegurar-se um nível de subsistência material e espiritual que lhe dê conteúdo à liberdade dos direitos liberais, pois, de modo contrário, “a liberdade liberal seria vazia e a liberdade democrática estéril” (Bernal, 2009, p.66).


Os direitos econômicos e sociais, então, são direitos que servem ao ser humano para situá-lo numa posição de poder, de capacidade de fazer, ou de liberdade para exercer aquilo que em princípio não poderia realizar pela ausência de recursos materiais que os fizesse possível[1].


Podemos concluir que os direitos econômicos e sociais protegem a liberdade ao resguardar as condições materiais que a fazem possível, ou, em outras palavras, inclinam-se pela manutenção da igualdade material necessária para a liberdade efetiva ou liberdade fática.


Uma segunda postura sobre os direitos econômicos e sociais é a tese da fundamentalidade dos mesmos. Essa postura se fundamenta em considerá-los como direitos subjetivos individuais e sua respectiva positivação como direitos humanos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.


Nessa ordem de ideias, os direitos humanos, como direitos subjetivos, se transformam em direitos fundamentais  sob o entendimento de que quem pretenda fazer valer um direito deve encontrar-se em uma situação de necessidade que anule ou afete gravemente sua liberdade e sua igualdade, de tal maneira que a igualdade e liberdade individuais sejam valores que reclamem a proteção efetiva de um sistema jurídico (Arango, 2005, p.207).


Essa linha de pensamento tem sido defendida amplamente por autores como Ernest Tugendhat[2] .


Para Tugenghat, os direitos econômicos e sociais são entendidos desde o ponto de vista da necessidade, na medida em que existem vastos setores da sociedade que carecem de recursos e onde a economia não serve para distribuí-los. Dessa forma, se fazem indispensáveis algumas regras de cooperação econômica onde o Estado intervenha ante as falhas do mercado e procure brindar à pessoa as condições necessárias para exercer e desenvolver sua própria autonomia (Bernal, 2009, p. 77).


Ainda nessa linha, o autor argumenta que o liberalismo pressupõe mais indivíduos livres dos que realmente existem, e propõe um sistema de direitos fundamentais sustentados sobre a base dos indivíduos livres e autônomos. Os direitos econômicos e sociais se fundamentam em um argumento contrário ao da liberdade, o qual é o da necessidade, e por tanto, a satisfação das necessidades sociais é indispensável para o exercício da liberdade jurídica e para o asseguramento de condições mínimas de vida que permitam ao indivíduo uma existência digna.


Há também o posicionamento defendido pelo Autor Rodolfo Arango[3]. Para ele a ideia de direitos econômicos e sociais como direitos fundamentais se sustenta no fato de que estes são verdadeiros direitos subjetivos e como tais merecem uma proteção constitucional. O debate em torno da justiciabilidade dos direitos econômicos e sociais assinala que tem existido várias posturas em relação à natureza dos mesmos como a que os entende como direitos de liberdade ou direitos programáticos, que definem obrigações ao legislador para fazê-los efetivos (Arango, 2005, p. 189). Da defesa dessa posição, segundo o autor, vai depender a exigibilidade ou possibilidade de que estes direitos se submetam à interpretação constitucional.


Para Arango, o argumento central que descarta a consideração dos direitos econômicos e sociais como direitos constitucionais, é que, enquanto os direitos que tradicionalmente tem sido protegidos pelo sistema constitucional, os quais são habitualmente direitos de liberdade sob a suposição de uma certa autonomia individual que se exerce por si mesma, nos direitos econômicos e sociais, dita autonomia se nega, e isto significa que o Estado deve intervir para supri-la, intervenção que comporta uma prestação positiva que só opera quando a pessoa se encontra em uma situação de necessidade e para evitar dano iminente.


Finalmente, uma terceira postura é defendida por Christian Courtis. Para ele, a consideração dos direitos econômicos e sociais como direitos indivisíveis, se assume desde uma leitura do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e da posição onde se os mesmos se localizam.


Desde aí, aqueles que se acercam desse posicionamento, identificam as fissuras ou os inconvenientes que planteiam o Sistema Interamericano na hora de estabelecer categorias aos direitos, bem como direitos de liberdade, de igualdade ou fundamentais.


Por exemplo, Christian Courtis sustenta que desde o ponto de vista legislativo, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos contém um amplo repertório de direitos reconhecidos e isso implica não só numa extensão do conjunto de direitos humanos, como também numa postura em torno de sua individualidade. Sustenta Courtis, no que diz respeito à judicialização de tais direitos, que os mecanismos que se consagram não são diferenciados: enquanto os direitos liberais são protegidos mediante um sistema de denúncias individuais em alguns direitos como os da educação e da liberdade sindical e outros como a moradia, a saúde, a seguridade social ficam desprotegidos (Courtis, 2002, p.36).


Tudo isso implica que na prática existe uma discordância entre o reconhecimento legal dos direitos no art. 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) – Pacto de San José – onde se estabelece expressamente a obrigação de os Estados membros adotarem medidas, tanto no âmbito interno como no internacional, por meio da cooperação, para lograr a efetividade dos direitos econômicos e sociais que se derivem de normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura contidos na Carta da OEA e sua judicialização. Persiste-se em interpretar os direitos econômicos, sociais como direitos exigíveis somente na medida dos recursos econômicos disponíveis e que operam única e exclusivamente para a proteção de um conjunto da população, não em casos individuais, excluindo direitos sociais que podem não estar expressamente reconhecidos, mas que derivam da interpretação do art. 26 da Convenção sob a ideia de direitos inominados (Abramovich e Grossi, 2010, p. 45-46).


De outro lado, sustentamos a ideia da individualidade dos direitos econômicos e sociais, pois acreditamos na interdependência desses direitos com as demais categorias tradicionais e, por consequência, na possibilidade de separá-los.


Acrescente-se que todos os direitos tem uma essência comum, qual seja a dignidade humana, sendo interdependentes na medida em que se afetam reciprocamente e, por tabela, é impossível sustentar alguns direitos humanos exigíveis e outros que não sejam. A divisibilidade dos direitos, acreditamos, só possui uma finalidade pedagógica e por nenhum motivo pode-se sustentar desde o ponto de vista jurídico, que a violação de um direito produza de maneira necessária a afetação de outros.


Concluindo, e segundo o pensamento dos autores acima citados, a teoria da indivisibilidade pode ser observada desde dois pontos de vista: um, o do reconhecimento dos direitos humanos como um conjunto no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, especialmente na Declaração dos Estados Americanos e na interpretação do artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; e dois, através de uma concepção filosófica de tais direitos que os entende como parte integral do ser humano desde a dignidade que é inerente e sua interdependência com os demais grupos de direitos.


2. Os direitos econômicos e sociais dentro do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.


O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o SIDH, surge em 1948, como um sistema regional de proteção de direitos nas Américas. Sua origem está no Congresso do Panamá proposto por Bolívar com o objetivo de criar uma confederação de Estados Latino Americanos e posteriormente, com o Tratado de União Perpétua, a Liga, e finalmente a Confederação de Estados Latinos como formas de proporcionar a integração dos países dessa parte do globo. Foi então o Congresso do Panamá o antecedente direto e imediato para consolidar  posteriormente um sistema de defesa recíproca de direitos humanos e de cooperação regional (Burgenthal, 2000, p. 35-36).


O referido Congresso, que inicialmente se conformou para a resolução de problemas específicos em cada um de seus Estados membros, posteriormente se foi fortalecendo com o surgimento de diferentes oficinas e organizações como a União Internacional e o Escritório Comercial das Repúblicas Americanas que se integraram finalmente em uma organização dos Estados Americanos – OEA – da qual se deriva o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, cujo objetivo principal, que está estabelecido no preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos é: “consolidar neste continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade e de justiça social, fundando no respeito dos direitos essenciais do homem” (Grifo nosso)


Portanto, se a função do Sistema Interamericano de Direitos Humanos desde sua origem tem caminhado para a proteção integral da liberdade como da justiça social, como tal, seus propósitos abarcam não somente os direitos civis ou políticos, assim como também os direitos econômicos e sociais. Com efeito, apesar de tais objetivos, por demais positivos, são muitas as criticas que se realizam quanto à concepção que assumem os órgãos legais e judicias que administram os direitos econômicos e sociais, como de sua proteção ou judicialização como verdadeiros direitos susceptíveis de serem acionados.


Um dos autores que questiona a concepção que tem assumido os órgãos do SIDH frente aos direitos sociais, econômicos e culturais é Rafael Urquilla Bonilla, quem, por sua vez, sugere que para lograr uma verdadeira proteção dos direitos humanos nas Américas se faz necessário não só uma reforma na Convenção Americana sobre Direitos Humanos mas também que haja uma transformação nos próprios órgãos dentro do Sistema, permitindo-se o verdadeiro alcance a esses direitos (Urquilla, 2007, 259-261).


Nesse sentido, em que pese os críticos do SIDH questionarem a judicialização dos direitos econômicos e sociais e a ausência de mecanismos efetivos para sua proteção, também pode-se anotar algumas críticas ou considerações à maneira como estão organizados estes direitos na Carta da Organização dos Estados Americanos, e nesse sentido ao alcance que dá a normativa aos direitos civis e políticos com respeito àqueles.


Uma primeira observação se pode fazer a respeito do número de normas referidas aos direitos econômicos e sociais e direitos civis e políticos, onde é evidente que a Carta da Organização dos Estados Americanos opta por uma quantidade de artigos muito maior nos direitos civis e políticos em relação aos direitos econômicos e sociais.


Assim, enquanto no art. 3º, alíneas, f, j, e k dos princípios, estabelece com respeito aos direitos econômicos e sociais o seguinte:


“f)La eliminación de la pobreza crítica es parte esencial de la promoción y consolidación de la democracia representativa y constituye responsabilidad común y compartida de los Estados americanos.


g)Los Estados americanos condenan la guerra de agresión: la victoria no da derechos.


h)La agresión a un Estado americano constituye una agresión a todos los demás Estados americanos.


i)Las controversias de carácter internacional que surjan entre dos o más Estados americanos deben ser resueltas por medio de procedimientos pacíficos.


j)La justicia y la seguridad sociales son bases de una paz duradera.


k)La cooperación económica es esencial para el bienestar y la prosperidad comunes de los pueblos del Continente.”


O artigo 45 da carta da OEA dispõe:


“Los Estados miembros, convencidos de que el hombre sólo puede alcanzar la plena realización de sus aspiraciones dentro de un orden social justo, acompañado de desarrollo económico y verdadera paz, convienen en dedicar sus máximos esfuerzos a la aplicación de los siguientes principios y mecanismos:


a)Todos los seres humanos, sin distinción de raza, sexo, nacionalidad, credo o condición social, tienen derecho al bienestar material y a su desarrollo espiritual, en condiciones de libertad, dignidad, igualdad de oportunidades y seguridad económica;


b)El trabajo es un derecho y un deber social, otorga dignidad a quien lo realiza y debe prestarse en condiciones que, incluyendo un régimen de salarios justos, aseguren la vida, la salud y un nivel económico decoroso para el trabajador y su familia, tanto en sus años de trabajo como en su vejez, o cuando cualquier circunstancia lo prive de la posibilidad de trabajar;


c)Los empleadores y los trabajadores, tanto rurales como urbanos, tienen el derecho de asociarse libremente para la defensa y promoción de sus intereses, incluyendo el derecho de negociación colectiva y el de huelga por parte de los trabajadores, el reconocimiento de la personería jurídica de las asociaciones y la protección de su libertad e independencia, todo de conformidad con la legislación respectiva;”


Finalmente, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece em seu artigo 26:


“Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”. (Grifo nosso)


Pese as transcrições anteriores, e talvez pela busca em solucionar a inconsistência normativa em relação à quantidade de disposições sobre direitos econômicos e sociais, os organismos internacionais de proteção de direitos tem optado por aprovar novas cartas e protocolos que sinalizam formas mais ou menos equivalentes de considerar os direitos econômicos e sociais assim como fazem com os direitos individuais. A exemplo, citemos o caso do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Protocolo de San Salvador (1988), que amplia o catálogo de direitos da Convenção Americana incluindo os direitos sociais.


No Pacto Internacional acima citado, assim está redigido seu preâmbulo:


“(…)Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos, sociais e culturais.”


No Protocolo de San Salvador, especificamente em seu parágrafo terceiro do preâmbulo, expressa-se claramente a relação existente entre os direitos econômicos e sociais com os direitos civis e políticos como um “todo indissolúvel que encontra sua base no reconhecimento da dignidade da pessoa humana” (Protocolo de São Salvador, 1988); seu artigo primeiro, ainda nesse sentido, obriga os Estados a adotarem medidas econômicas com o fim de lograr a progressiva realização dos direitos econômicos e sociais, assim como nos artigos 2º, 3º, 4º e 5º, onde se consagram, respectivamente: a obrigação dos Estados membros de modificar suas constituições e produzir normas legais para a aplicação do Pacto, o compromisso de garantir os direitos sociais sem discriminação por razões de sexo, raça, origem ou condição social, isto é, a igualdade na aplicação de tais direitos e, finalmente, a impossibilidade de derrogar estes direitos mediante instrumentos constitucionais e legais (Protocolo de São Salvador, 1988) (Grifo nosso).


Sem embargo, se é coerente com uma perspectiva sobre a indivisibilidade dos direitos desde um ponto de vista conceitual e legislativo, dita indivisibilidade deve espelhar-se não só nas disposições normativas dos diferentes instrumentos de proteção de direitos humanos, senão também nos mecanismos estabelecidos, que devem ser também iguais ou equivalentes para a proteção de direitos de categorias diversas.


Não obstante, nesse ponto, as respostas que oferece o SIDH são paradoxalmente diferenciadas: frente à violações de direitos individuais, se permite apresentar diretamente petições individuais à maneira de denúncia ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH -, enquanto que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos se restringe a consagrar uma série de informes para a proteção dos direitos econômicos e sociais onde os Estados se limitam a dar conta da aplicação progressiva de tais direitos com a única obrigação de mostrar à Comissão que os diferentes governos estão tomando as medidas necessárias, econômicas, legislativas e constitucionais para lograr sua eficácia real, sempre e quando os recursos econômicos os permitam. (Artigos 1 e 2 do Protocolo de São Salvador). Resta anotar que o referido protocolo não estabelece nem obrigações jurídicas dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos, nem mecanismos que permitam garantir a eficácia dos mesmos. Nessa medida, os direitos econômicos e sociais ficam no plano do ideal, com meras expectativas e não como direitos que correm à sorte da vontade política do governo para desenvolvê-los, tanto legislativamente como judicialmente.


A discussão sobre se os direitos econômicos e sociais são em realidade direitos exigíveis ou são somente direitos programáticos está no centro do debate. Parte considerada da doutrina tem estimado que não são exigíveis ao Estado, pois se entende que eles são meramente uma enunciação de direitos que devem ir-se desenvolvendo em forma progressiva de acordo com a disponibilidade de seus recursos. Em contraposição a esta corrente, estão aqueles que dizem que os direitos sociais são direitos que efetivamente podem ser exigidos ante o Estado.


Outra situação que incide nesse debate sobre a proteção dos direitos econômicos e sociais é que o mesmo Protocolo Adicional de San Salvador (1988), no art. 19, inciso 6º, estabelece que somente pode haver lugar para aplicar o sistema de petições individuais por uma violação de direitos quando a conduta seja imputável ao Estado, e esteja relacionada aos direitos consagrados no parágrafo “a” do artigo 8º do Protocolo. Nesse sentido, somente são protegidas as violações ao direitos dos trabalhadores em organizar sindicatos e afiliar-se ao de sua eleição e os direitos contidos no art. 13º que se refere à educação.


O problema nas concepções que assume o SIDH na proteção dos direitos econômicos e sociais tem a ver com a grande discussão sobre a efetividade desses direitos que está focado desde um debate mais político e dogmático do que jurídico. Esse debate se reflete em várias posições: a primeira que pode enquadrar-se num entendimento de os direitos econômicos e sociais como direitos prestacionais e nesse sentido, programáticos; e uma segunda concepção onde se entende que estes são direitos fundamentais, e que nessa medida são susceptíveis de proteção (Arango, 2005, p. 298).


A diferenciação dos direitos humanos não corresponde com as novas tendências que reivindicam a inter-relação desses direitos. Assim, alguns autores como o já mencionado Rodolfo Arango, sugerem que os direitos individuais são de mais fácil judicialização, porque não são abstratos como são os direitos econômicos e sociais e que sua violação se pode alegar por ações de agentes, funcionários do Estado e particulares em casos muito qualificados, por que criam um prejuízo na esfera dos direitos individuais (Arnago, 2005, p. 298).


De outro lado, autores como Javier Tajadura Tejada entendem que os direitos econômicos e sociais se violam por uma omissão do Estado quando, estando em condições de realizar uma conduta positiva por um mandamento constitucional se abstém de realizá-la, ocorrendo aquilo que o autor chama de inconstitucionalidade por omissão (Tejada, 2001, p. 274).


Por fim, (Chinchilla, 1988, p.53) aduz que:


“Las diferencias entre los derechos individuales y los sociales son considerables: Los primeros consisten en una esfera de conducta frente a la cual el Estado debe abstenerse de intervir, se le obliga al poder an una actitud de “no hacer”, se trata de un “derecho – resistencia”. Los derechos sociales em cambio consisten en la facultad de reclamar o exigir determinadas prestaciones de parte del Estado que obliga a éste a una actividad positiva de intervención activa em los asuntos privados, que lo comprometen a un “hacer” em términos de servicios públicos, subsidios, empresas económicas, etc” (…)   


Desse modo, quando um governo específico não provê as condições adequadas para a realização dos direitos, estaria incorrendo em uma violação dos mesmos. No entanto, e como adverte o autor citado, em que pese a natureza dos direitos econômicos e sociais tenda a ser mais coletiva a partir do princípio da solidariedade e da universalidade, não é absoluto que tais direitos sejam violados somente por omissão, pois o Estado realiza ações em detrimento deles quando faz cortes de programas sociais ou quando se desmantelam setores econômicos, como o agrícola, por exemplo.


Em conclusão, investigar se os mecanismos contidos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos são efetivos ou mesmo, indagar sobre a exigibilidade e a juridicidade dos direitos econômicos e sociais implica perguntar-se sobre a maneira como estes órgãos judicializam estes direitos dentro do Sistema e como estes constroem o conceito desses direitos dentro de suas práticas judiciais; tudo isso com a intenção de revelar como se comportam os órgãos jurídicos do Sistema Interamericano na proteção dos direitos econômicos e sociais, e si estes são direitos exigíveis ou simplesmente expectativas de direitos que dependem da vontade ou das políticas públicas, pois, ao que se parece, numa primeira aproximação ao conceito de direitos econômicos e sociais assumido pelos órgãos interamericanos de proteção dos direitos humanos e seus mecanismos de proteção, sugere-se uma priorização dos direitos civis e políticos e um relegamento dos demais. Isso último se explica pela conotação de tais direitos como direitos programáticos, amorais e políticos, de um lado, e de outro ela ausência de verdadeiros mecanismos de judicialização dos mesmos, tal e como se demonstrou anteriormente.


3. Praticas do Sistema Interamericano na proteção dos direitos econômicos e sociais: análise das sentenças da Corte Interamericana e de alguns informes da Comissão Interamericana.


Uma vez visto alguns conceitos de direitos econômicos e sociais e examinando seu conceito normativo adotado pelo Sistema Interamericano, nos dedicaremos a examinar as práticas na proteção desses direitos, antecipando, desde já, uma conclusão: a proteção que se tem dado aos direitos econômicos e sociais se caracteriza por ser uma proteção indireta, e nesse sentido, os considera não como direitos autônomos, mas sim como direitos sujeitos ou conexos a outros direitos fundamentais como a vida, a integridade e a liberdade pessoal. Nas seguintes linhas, nos dedicaremos a demonstrar esta afirmação.


Num primeiro momento, apresentaremos as considerações da Comissão Interamericana com referência aos direitos econômicos e sociais e, na segunda parte, exporemos as sentenças e as opiniões consultivas realizadas pela Corte sobre o mesmo tema.


3.1 Práticas e posturas da Comissão Interamericana


A Comissão Interamericana de Direitos Humanos vem produzindo vários informes paradigmáticos sobre o tema dos direitos econômicos e sociais. O primeiro desses informes, o de número 3, de janeiro de 2001, recebe a petição de 47 aposentados do Estado da Argentina pela demora na realização do reajuste das aposentadorias. Essa demora, segundo alegaram os peticionantes, poria em risco seus direitos às garantias judiciais, ao devido processo, a uma audiência pública, à presunção de inocência, à legislação interna, à saúde, à igualdade, ao bem estar e sobretudo à vida.


A importância desse informe é que nele a Comissão aceita sua competência para conhecer violações a direitos econômicos e sociais que inicialmente não era objeto de discussão dentro desse órgão, e que, posteriormente, a violação desses direitos poderá constituir-se em uma causa para ir à juízo perante a Corte Interamericana ou, o que é igual, ir como matéria de direito contencioso. Nesse sentido, assinalaram:


“…el derecho a la salud y al bienestar (artículo XI) y a la seguridad social en relación al deber de trabajar y aportar a la seguridad social (artículos XVI, XXXV y XXXVII), contemplados en la Declaración,  no se encuentran protegidos de manera específica por la Convención. La Comisión considera que esta circunstancia no excluye su competencia en razón de la materia, pues en  virtud del artículo 29  (d) de la Convención ninguna disposición de la Convención puede ser  interpretada en el sentido de excluir o limitar el efecto que pueden producir la Declaración Americana de Derechos y Deberes del Hombre y otros actos internacionales de la misma naturaleza. Por tanto, la Comisión examinará estos alegatos de los peticionarios sobre violaciones de la Declaración” (Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2004, p. 2)


Posteriormente, considera que é possível aplicar diretamente as disposições contempladas na Declaração Americana de Direitos Humanos – DADH – e que o direito à saúde e ao bem estar do artigo XI e à seguridade social em relação ao dever de trabalhar e contribuir para a seguridade social dos artigos XVI, XXXV e XXXVII, contemplados na Declaração, não se encontram protegidos de maneira específica pela Convenção, não considerando, todavia, que esse fato os exclua de sua competência em razão da matéria (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2003, p.2).


Outro caso de relevância é o processo de número 7615 contra o Brasil, no qual se analisava de forma independente a violação de direitos sociais. A comissão anota que a omissão do Brasil, ao não proteger uma comunidade indígena do Amazonas de um projeto de construção de uma rodovia no meio de seu território, sem o consentimento da comunidade e sem a proteção adequada de salubridade e segurança, produziu um violação ao direito à vida, à liberdade, à segurança, à residência, ao trânsito e à preservação da saúde e do bem estar da comunidade indígena (Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 1997).


3.2 Práticas e posturas da Comissão Interamericana


A Corte Interamericana de Direitos Humanos entre 1987 e 2008 vem processando cerca de 105 casos contenciosos, de acordo com o seu último informe anual, datado de 2008, dos quais somente três correspondem a direitos sociais e um deles ao direito à seguridade social em casos específicos de reajuste pensional, os outros dois com referência ao direito à liberdade sindical.


A sentença da Corte Interamericana relacionada como o tema dos direitos sociais é chamada de o Caso dos Cinco Pensionistas, em que figurou como réu o Estado do Perú. Nessa sentença, a Comissão Interamericana julgou uma demanda contra o Perú em que se questionava a redução de mais de 75% do saldo das pensões dos aposentados peruanos, sem, todavia, nenhum aviso aos beneficiários.


A Comissão, ao examinar as razões contidas na denúncia, considerou que, se o art. 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos permite fazer restrições ao gozo dos direitos sociais, como é o caso da seguridade social, qualquer restrição deve ser motivada. Dessa forma, ao realizar-se uma diminuição tão notória no montante das aposentadorias dos demandantes, restariam violados alguns princípios que estão ligados aos direitos sociais: o primeiro, o princípio da não regressividade, demarcado pelo art. 26 da Convenção, que indica a impossibilidade de diminuir-se de maneira injustificada as condições mínimas de gozo dos direitos sociais; o segundo, que se denomina princípio pro homine, contido no art. 28 da Convenção, que assinala que o conteúdo essencial do direito à seguridade social é a proteção não só do mínimo vital das pessoas que o desfrutam, e nesse sentido, de uma vida digna, senão também de seus familiares. Por ser o grupo de aposentados um grupo vulnerável dentro da sociedade, com mais razão requer-se uma justificação por parte do Estado ao realizar restrições a seus direitos e como esta não existiu, se violou efetivamente o direito à seguridade social (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2003). Adicionalmente, a Corte afirmou que o art. 26 da Convenção não estabelece simples formulações programáticas aos Estados, senão que estas estipulações devem entender-se como obrigações vinculantes que não podem excluir os Estados do cumprimento de tais direitos.


Nessa linha de raciocínio, a Corte firmou entendimento de que entre os direitos chamados econômicos, sociais e culturais, há também alguns que se comportam ou podem comportar-se como direitos subjetivos exigíveis judicialmente e que esses direitos não podem ser objeto de proteção jurisdicional ou quase jurisdicional igual ao que se aplica aos direitos civis e políticos (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 1997).


Por outra parte, no caso Baena Ricardo e outros contra o Estado do Panamá e Kawas Fernandéz contra Honduras, onde a Corte examina a dispensa massiva de trabalhadores do setor público por sua participação em marchas e protestos contra políticas governamentais, e a violação do direito à liberdade sindical, respectivamente, a Comissão responsabilizou o Estado do Panamá pela violação dos direitos laborais, por vulneração do princípio da legalidade, retroatividade do art. 9 da Convenção, garantias judiciais e proteção judicial (arts. 8 e 25) e pela violação à liberdade de associação com fins sindicais, e declara responsável o Estado de Honduras pela violação do direito à liberdade de associação sindical.


Assim, quando a Corte enfrentou a judicialidade dos direitos sociais que estão protegidos pelo sistema de petições consagradas no art. 19, inciso 6º, qual seja, em ambos os casos, o direito de associação sindical por despedida e destituição de trabalhadores em greve e pela morte de um líder sindical, efetivamente protegeu os direitos sociais sem fazer uso da teoria da conexidade com direitos individuais.


Diante disso, podemos deduzir que tanto as interpretações da Corte Interamericana como da Comissão explicam um entendimentos sobre os direitos sociais como direitos ligados ou conectados com os direitos civis e políticos como o direito à vida e à igualdade, também considerando esses direitos como direitos que não se sujeitam às disponibilidades econômicas de cada Estado e que não são susceptíveis de serem vulnerados pela gestão mista do sistema judicial.


A posição que assumem ambos os órgãos é a conexidade dos direitos sociais com os direitos fundamentais como a integridade física e o mínimo vital, tal e como se depreende dos princípio da não regressividade e pro homine na primeira das sentenças estudadas e no informe da comissão que examinou o cado dos pensionistas. Quando a Comissão enfrenta a violação de direitos sociais, como o direito à seguridade social, que estão ligados aos direitos fundamentais, não é possível argumentar uma exceção de responsabilidade por parte do Estado, nem pode este escusar-se levantando um estado de emergência ou congestão judicial que lhe permita violar os direitos sociais dos peticionários.


Por tanto, a Corte e a Comissão acolhem uma interpretação do direito à seguridade social que o desvincula dos recursos econômicos por parte dos Estados ou de certa emergência previsional e que obriga a que toda restrição a esse direito seja motivado e justificada em razões de bem estar geral, sob pena de violar-se os artigos 26 e 29 da Convenção.


Também a sentença e, sobretudo, os informes, semeiam um giro na interpretação que vinham fazendo os Órgãos do Sistema Interamericano dos Direitos Sociais, no sentido de admitir sua judicialização, particularmente do direito à seguridade social, por encontrar-se vinculado com direitos fundamentais ou mesmo de primeira dimensão como a integridade física e pessoal e a vida.


Consideramos que nessas sentenças estudadas, mas precisamente aquelas proferidas nos processos em que figuram como réus os Estados do Panamá e Honduras, a Côrte enfrentou, efetivamente, uma violação aos direitos de liberdade, onde o que se protege, muito mais do que condições necessárias para uma vida digna, é o direito a associar-se livremente em com fins políticos, sociais, culturais, religiosos ou desportivos, e que, portanto, tais direitos não requerem ou não requereriam a intervenção direta do Estado para satisfazê-los, promovê-los, garanti-los ou ampará-los. Basta que o Estado se abstenha de interferir nas manifestações, reuniões, greves e petições que realizem os grupos.


Tanto o direito de associação como todos os direitos associados aos mesmos, constituem as derivações do direito ao trabalho que nada tem a ver com condições mínimas de subsistência do trabalhador; portanto, nestes casos, são pouco ou nada relevantes as considerações que se realizem pelos órgãos do sistema, mas ainda sim não se trata de aplicar-se o art. 26 da Convenção quando não existem vulnerações dos princípios de regressividade ou pro homine. Em conclusão, tal direito vai assumir um caráter mais de direito individual do que de um direito social, posto que no requer intervenção alguma do Estado.


4. Conclusões


Os direitos econômicos e sociais desde seu conceito, seja como direitos de liberdade ou direitos fundamentais, são, sem qualquer dúvida, direitos fundamentais e como tais exigíveis e judiciáveis em qualquer sistema que se preste a proteger os direitos humanos.


Não é possível sustentar uma categoria pura de direitos sem vinculá-los com necessidade mínimas fundamentais para a garantia da liberdade ou com condições materiais que assegurem na maior medida possível o exercício da autonomia ou a liberdade positiva.


Que exista a possibilidade de que se produzam violações de direitos econômicos e sociais por uma violação direta ou indireta de direitos humanos considerados de outra categoria; isso significa que os direitos humanos são inseparáveis ou indivisíveis, o que implica na necessidade de conferir autonomia estes direitos, não só em seu reconhecimento jurídico, mas também nas práticas dos sistemas internacionais dos direitos humanos, nesse caso, no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.


Não obstante, e logo do que foi tratado no presente artigo, podemos observar que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos apresenta, de um lado, uma categorização deficiente dos direitos econômicos e sociais, ao considerar, por exemplo, direitos clássicos de liberdade como o de associação sindical dentro do grupo de direitos sociais; e de outro, uns mecanismos insuficientes para sua judicialização, porque enquanto se constrói um sistema de denúncias para os direitos clássicos de liberdade, para os direitos econômicos e sociais somente é possível acudir a uma solicitação de informações ante a Comissão sobre a situação que apresentam os Estados na satisfação desses direitos.


O Sistema Interamericano de Direitos Humanos e especialmente as normas contidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e os Protocolos adicionais que a integram brindam uma ideia de direitos econômicos e sociais como direitos programáticos e pouco vinculantes, ideia que se viu refletida nas sentenças produzidas pela Corte como órgão de judicialização dos direitos humanos, a qual insiste em assumir uma interpretação restritiva desses direitos, na medida em que somente admite sua violação por conexidade com os direitos fundamentais.


Para efeito de lograr uma devida aplicação dos direitos humanos em sua integra, é preciso não somente introduzir novos protocolos que somem-se à Convenção, é necessário também modificar as práticas dos órgãos do Sistema encaminhados a protegê-los, tendo em vista o entendimento de que as proteções que se outorguem a esses direitos devem evitar situações de desigualdade social, porque se se espera que os direitos econômicos e sociais sempre estejam vinculados aos direitos civis e políticos, estaríamos sustentando que para solicitar ante o Sistema Interamericano a proteção dos direitos econômicos e sociais é necessário demonstrar que se está afetando a vida ou a liberdade pessoal (Grifo nosso).


Assim, finalmente, manter uma vinculação dos direitos econômicos e sociais com os direitos fundamentais seria sustentar que quem acuda ao Sistema Interamericano para sua proteção teria que demonstrar que estar-se-ia atingindo seus mínimos vitais, para poder ter êxito em suas petições. Os direitos sociais são fundamentais e autônomos por si mesmos e não requerem uma vinculação com direitos individuais por conexão.


 


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Notas:

[1]   Também Robert Alexy (citado por Cano, 2008, p.233) se soma à postura de Bobbio ao assinalar que os direitos sociais são requisitos sem os quais os indivíduos de uma sociedade não podem exercer seus direitos e liberdades civis e políticas.

[2]   Filósofo Alemão com grandes obras a cerca da ética e da moral.

[3]   Doutor em Filosofia do Direito e Direito Constitucional da Universidad de Kiel, Alemanha.


Informações Sobre o Autor

Clarindo Epaminondas de Sá Neto

Advogado, especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm/BA, Mestre em Relações Internacionais pela Universidad Maimónides, e Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica del Salvador, República Argentina.


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