O STF, o Direito do Consumidor e os contratos bancários

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O Supremo Tribunal Federal está decidindo a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2591 da Confederação Nacional do Sistema Financeiro envolvendo a incidência ou não do Código de Defesa do Consumidor aos contratos e serviços bancários, das financeiras, administradoras de cartão de crédito e seguradoras.

O Ministro Carlos Velloso, como Relator, proferiu o seu voto no sentido que o Código de Defesa de Consumidor não conflita com as normas que regulam o Sistema Financeiro e deve ser aplicado às atividades bancárias. Ele lembrou que a Constituição de 1988, seguindo tendências internacionais, privilegiou o princípio da defesa do consumidor em vários artigos. Para o Ministro Relator, apenas a taxa de juros das operações bancárias ou a sua fixação em 12% ao ano está excluída dessa situação, pois isso é matéria exclusiva do Sistema Financeiro e deve ser regulada por Lei Complementar, conforme decidido anteriormente pelo Supremo no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADI 4).

Devemos, entretanto, analisar a posição do Ministro Carlos Velloso no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4 a respeito do juros reais contido no § 3º do artigo 192 da Constituição onde : “ as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze pôr cento ao ano. Porque ela é uma norma proibitória ou vedatória, ela é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou é ela uma norma auto-aplicável. E porque confere ela, também, um direito aos que operam no mercado financeiro, também pôr isso a citada norma é de eficácia plena. Não me refiro, evidentemente, à segunda parte do § 3º do artigo 192, que sujeita a cobrança acima do limite a sanções penais, porque esse dispositivo não precisa ser trazido ao debate.As normas constitucionais são, de regra, auto-aplicáveis vale dizer, são de eficácia plena e aplicabilidade imediata”.

A questão dos juros foi reportada em primeiro lugar no parecer encaminhado pelo Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal sob a égide do Parecer do Ministro de Estado da Justiça Aloysio Nunes Ferreira e do Procurador Geral do Banco Central do Brasil Carlos Eduardo da Silva Monteiro onde devemos apreciar as conclusões:

“Com fundamento em todo o exposto, concluímos que é necessário conferir à expressão, inclusive às atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, constante do art. 3, § 2 , da Lei 8078, de 1990, uma interpretação conforme a Constituição. Preservar-se-á a competência atribuída pela Constituição da República á lei complementar prevista em seu artigo 192, ao mesmo tempo em que se sustenta a constitucionalidade do disposto no Código de Defesa do Consumidor. Logo, requer seja julgada improcedente a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, conferindo-se à expressão “inclusive às atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, constante do art. 3, § 2 , da Lei 8078, de 1990, uma interpretação conforme a Constituição, com emprego do instrumento previsto no parágrafo único do art. 28 da Lei 9868, 1999, excluindo da aplicação do Código de Defesa do Consumidor o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do Sistema Financeiro Nacional”.

Depois o tema foi reportado no Parecer da Procuradoria Geral da República que argumentou para “declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da expressão “inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”,  inscrita  no art. 3.º, § 2.º, da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor –, para, mediante interpretação conforme à Constituição, afastar a exegese que inclua naquela norma do Código de Defesa do Consumidor “o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas  praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do Sistema Financeiro Nacional” , incumbência atribuída ao Conselho Monetário Nacional  e  ao  Banco  Central  do  Brasil,  nos  termos  dos  arts. 164, § 2.º, e 192, da Constituição da República.”

O segundo voto foi do Ministro Néri da Silveira que decidiu pela improcedência da ADI 2591 justificando que “ se não há conflito entre o conteúdo do artigo 192, que regula o Sistema Financeiro Nacional, e o Código de Defesa do Consumidor, então não há inconstitucionalidade” . O seu voto esteve sob a égide da discussão plenária onde o Ministro Moreira Alves argumentou que “ a exclusão tão-somente da taxa de juros não seria suficiente, e que o artigo 192 também determinava ser matéria de Lei Complementar o funcionamento das instituições financeiras (inciso IV).”

Finalmente o Ministro Nelson Jobim solicitou vista dos autos para uma melhor apreciação do tema, suspendendo o julgamento da ADI 2591. Recentemente o Ministro Nelson Jobim decidiu em AI 358762 RS envolvendo uma questão a respeito da limitação de juros em contratos bancários onde o acórdão do TJRS versava no sentido de que:

“Porém, consideradas as peculiaridades da atual situação econômica dos país, advindas da implementação do Plano Real, quando os índices inflacionários passaram a girar em torno de 1% ao mês, afigura-se abusiva toda a cláusula contratual que estabeleça juros remuneratórios acima de certo patamar, compatível com o mercado e com o novo momento sócio-econômico. Assim, nos contratos onde a pactuação dos juros impõe onerosidade excessiva ao consumidor, tem aplicação o disposto no art. 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor, que comina pena de nulidade às cláusulas abusivas.”. O Ministro Nelson Jobin negou o seguimento do Recurso proposto pelo Banco Itaú S. A . aduzindo que a “ limitação dos juros foi fixada com base na legislação infraconstitucional e análise das cláusulas contratuais.”

Destarte que em recente entrevista no Diário de São Paulo, o Presidente do STF Ministro Marco Aurélio manteve o posicionamento a respeito do tema o CDC nas relações bancárias onde “ sou um entusiasta do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque em um Estado democrático, a parte mais fraca tem que estar protegida. Neste caso, o Código protege a parte mais fraca da relação jurídica, que é o consumidor e não os bancos. “

Por outro lado em favor da aplicação da norma de defesa do consumidor aos contratos e serviços bancários, das financeiras, administradoras de cartão de crédito e seguradoras temos as entidades de defesa do consumidor  como o Instituto Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor-Brasilcon, Instituto Brasileiro do Consumidor-Idec, Associação de Informação dos Direitos do Consumidor-Assicon, Núcleo de Defesa do Consumidor, Federações das Associações dos Advogados do  Estado de São Paulo-Fade, Associação Brasileira dos Mutuários de Habitação-ABMH, Associação Brasileira dos Moradores e Mutuários-ABMM, Fundação de Proteção e Apoio ao Consumidor de Sâo Paulo-Procon, Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo, dentre outras onde solicitaram o ingresso como amicus curiae, para defender a constitucionalidade do dispositivo.

E os doutrinadores defendem também a própria constitucionalidade do dispositivo contido no parágrafo segundo do artigo terceiro da  Lei 8.078/90 que  delimita o serviço como “ qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista  “. Destarte o nosso estudo enviando ao Supremo Tribunal Federal O Direito de Proteção ao Consumidor e os Serviços e Contratos de Natureza Bancária em conjunto com a nossa obra Código de Defesa do Consumidor e os Contratos Bancários (LZN Editora, Campinas, 019-3213 5533).

A propósito, Nelson Nery Júnior (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, p. 311, n 11, Forense) , consignou in verbis: “Todas as operações e contratos bancários se encontram sob o regime jurídico do CDC.

Não só os serviços bancários, expressamente previsto no CDC 3º, § 2º, mas qualquer outra atividade, dado que o banco é sociedade anônima, reconhecida sua atividade como sendo de comércio, por expressa determinação do Código Comercial em seu Artigo 119. Assim, as atividades bancárias são de comércio, e o comerciante é fornecedor conforme prevê o caput do Código de Defesa do Consumidor no  3º. Por ser comerciante, o banco é, sempre fornecedor de produtos e serviços.” E na visão da jurista Cláudia Lima Marques ( Contratos bancários em tempos pós-modernos-primeiras reflexões”, In: RDC, vol. 25, pg.  19-38) : “Os contratos bancários atuais são contratos cativos de longa duração. Observadas as especialidades dos contratos bancários em questão, sob o signo da continuidade dos serviços, massificação e catividade dos clientes, da prestabilidade por terceiros de serviços autorizados ou controlados pelo Estado, do macro-interesse do verdadeiro objeto contratual, da internacionalidade ou grande poder econômico dos fornecedores“.

No mesmo sentido temos o direito comparado. A respeito da aplicação do CDC aos Contratos Bancários, é importante a visão no direito comparado. Temos os ensinamentos de Therry Boneau (Droit bancaire, 1a ed., Montchrestien, Paris, 1994, págs. 221/222): “Ce cadre subia nécessairement les influences du droit de la consommation. En particulier, la prohibition des clauses abusives, dont la détermination relève, malgré les textes, du pouvoir du juge, s’applique ou domaine bancaire”.No Direito Espanhol temos Fernando Sanches Calero (Condiciones Generales ela los Contratos Bancarios” in Contratos Bancarios, Colegios Notariales de España, Madrid, 1996, pág. 309) “ … la tan bien intencionada como deficiente Ley 26/ 1984, de 19 de julio, de Defensa de los Consumidores y Usuarios, em su artículo 10, contiene manifestaciones que son aplicables sin duda a los contratos bancarias”.

Finalmente devemos apreciar que o Superior Tribunal de Justiça tem um entendimento uniformizado sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos assinados entre o consumidor e as Instituições Bancárias e impõe a boa-fé às condutas das Instituições Financeiras (por exemplo, em casos de extravio de cheque (RESP 238.016-SP e 239.702-RJ), recusa de exibição de documentos (RESP 245.660-SE e 207.310-DF), manutenção do nome do devedor em cadastro quando á contestação judicial da dívida, (RESP 255.266-SP, 200.267-RS, 164.542-RS, 262.672-SE.) multa moratória (RESP 213.825-RS,  235.200-RS,  231.208-PE, e 57.974,) capitalização de juros (RESP 235.200-RS, 258.647-RS e 244.076-MG) cumulação indevida da comissão de permanência (RESP 287.828-SP, Min. Barros Monteiro e AGA 296.516-SP, Min. Fátima Nancy Andrigi ), denegação da eleição de foro privilegiado (RESP  190.860-MG, 159.931-SP, 201.195-SP, Min. Ruy Rosado de Aguiar), poupança ( RESP106.888-PR, Min. Cesar Asfor Rocha).

Portanto, a defesa do consumidor constitui-se em direito de índole fundamental, diante do que dispõe o art. 5º, XXXII, da Constituição, que, em conjunto com o art. 48 do ADCT, determinou ao Congresso Nacional o dever de legislar acerca da proteção do consumidor, sem a utilização do vocábulo ‘‘lei complementar’’, sendo, assim, lei de natureza ordinária o veículo normativo correto para a defesa do consumidor. E a submissão das entidades que compõe o sistema financeiro nacional às disposições da Lei nº 8.078/90 é completamente harmônica com a Constituição Federal, na medida em que fortalece a defesa dos consumidores (art. 170, V), eleva a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), colabora para a redução das desigualdades sociais (art. 3º, III) e promove a justiça social (art. 3º, I e art. 170, caput).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Celso Oliveira

 

Consultor Empresarial. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Bancário, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito Societário e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Autor das Obras Manual do Imposto Sobre Serviços e Tratado de Direito Empresarial.

 


 

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