No Brasil, nunca se escreveu tanto sobre a questão da Arbitragem, como no espaço dos últimos dois anos. Críticas e apoios dos mais variados. Alguns com profundidade técnica, doutrinária, filosófica e, até mesmo, epistemológica, todas louváveis e necessárias ao desenvolvimento do instituto.
Resistências por parte dos Magistrados e desconfianças dos membros do Ministério Público, pela própria natureza da atividade que desenvolvem, desde que razoáveis e despidas de arquétipos ortodoxos e pouco dinâmicos, são perfeitamente aceitáveis sob o ponto de vista científico, do qual não devemos nos afastar.
Contudo, quando vemos institucionalizar-se o ataque, e, mais ainda, quando eivado de denotações corporativas, por entes que deveriam privilegiar o advento do instituto, como elemento de pacificação das relações sociais, causa-nos preocupação.
Temos notado com certa perplexidade, muitos advogados, militantes ou somente cientistas do direito, voltarem suas baterias contra o instituto da arbitragem, demonstrando total desconhecimento do que a Lei traz em seu âmago, revelando apenas uma má-vontade com o novo que foge a ortodoxia a que estamos todos habituados.
Sobre as críticas a um “exagerado tecnicismo jurídico” com relação ao texto da Lei nº 9.307/96, porquanto destinada a “justiça Laica”, inicialmente, deve-se observar, que por tratar-se de texto de lei, a boa técnica legislativa há de ser preservada, para que não se perca a organicidade do conjunto de regras nela inscritas, além de se obedecer a uma linguagem compatível com o arcabouço jurídico que estas normas passarão a integrar.
Concordamos que a amplidão que a Lei de Arbitragem dá, concedendo direitos e obrigações a qualquer pessoa que seja “capaz” e fiduciária da confiança das partes, deixa margem a uma interpretação, por demais, elástica, o que poderá vir a ser danoso às próprias partes em conflito, e ao Estado.
Entretanto, restringir a atividade da arbitragem aos profissionais do direito, pela forma como proposta, revela-se, cremos, medida excessiva, permeada de inconstitucionalidades.
Sobre a tão alegada rejeição dos magistrados ao novo instituto, que em verdade não é novo, apenas modificado, esta não tem se mostrado tão acentuada, talvez pela aceitação do novo ou pela necessidade de verem litígios que poderiam ser resolvidos entre as próprias partes, afastados de suas Varas e Tribunais tão assoberbados de processos.
Também não há que se falar mais em “laudo arbitral”, expressão abolida pela Lei nº 9.307/96, que nominou a decisão do Árbitro como Sentença, o que de direito passou a ser, pois assomou à natureza jurídica de Título Executivo Judicial, muito embora cometa a impropriedade causada certamente pelo vício de origem, ao referir-se em seu art. 33, I, § 2º a “laudo arbitral”.
Adite-se, que a própria LA, desapareceu com a figura da homologação (do laudo arbitral), ato processual que ficou décadas adormecido no Código de Processo Civil, justamente pelas amarras que a processualística ordinária, eminentemente adversarial, lhe impunha.
Quanto ao temor do direito vir a ser fulminado pela prescrição enquanto os procedimentos arbitrais se desenvolvem, olvidam os críticos que esta (a prescrição), em nosso sistema jurídico é, sabidamente, a perda do direito de ação, a qual comporta ser suspensa ou interrompida.
Posto isso, também esquecem que o procedimento arbitral, o termo procedimento é da lei, uma vez instalado, resulta, necessariamente, em uma Sentença com todos os requisitos, como dispõe o art. 584, III, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nº 9.307/96.
A prescrição, pois, repita-se, não é o direito que está em jogo, mas o direito de agir.
Atente-se que nos termos do art. 19 da LA, a Arbitragem se institui quando aceita a nomeação pelo Árbitro (ou Árbitros) indicado (s), de comum acordo entre as partes, ou seja, o processo se estabelece e só findará com uma Sentença, ainda que seja homologatória de Acordo, sendo este o compromisso que os Árbitros assumem e devem cumprir, sob pena de sanções administrativas e penais, pois a própria lei os equipara a servidores públicos.
Observa-se, assim, que a prescrição só poderá vir a atingir o procedimento arbitral, se já houver se consumado em face da Lei Processual comum, ou seja, deixando a parte que se sentiu lesada de buscar a instituição da Arbitragem a que se submeteu previamente pela cláusula compromissória, ou de se utilizar da via judicial comum, sempre alcançável ante o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CF), pelo que, certamente, a prescrição e mesmo a decadência poderão ser fatais.
Portanto, a instituição da Arbitragem suspende a prescrição ou “qualquer outra forma de caducidade”, pois o procedimento legal, conduz à prolação de uma decisão com natureza de título executivo judicial (art. 584, III, do CPC).
Dúvida, apenas, nos assalta quanto a incidência da prescrição intercorrente.
Alguns estudiosos têm proposto, a exigência de credenciamento do Árbitro junto a OAB, o que a nosso sentir, implica em vulneração dos cânones constitucionais pétreos, relativos à anterioridade da Lei que obrigue os Árbitros a serem advogados (art. 5º, II); a liberdade de trabalho (art. 5º, XIII); e, com mais ênfase, a liberdade de associação (art. 5º, XVII).
A reserva a advogados para o exercício da função de Árbitro faz exigir, o que não será raro, a contratação de peritos nas áreas específicas, onerando ainda mais o procedimento e, descaracterizando-o por completo, principalmente no que tange a celeridade.
Não podemos esquecer que a premissa filosófica maior do instituto da Arbitragem, a verdadeira mens legis é a busca pela pacificação do conflito, sem o cunho adversarial do processo comum.
A regulação dos tribunais arbitrais, mediante a formação obrigatória de sociedades de advogados, nos termos da Lei nº 8.906/94, como querem alguns, mostra-se inconstitucional pela violação dos mesmos princípios acima citados, ocorrendo o mesmo com relação à idéia de credenciamento dos Árbitros pela OAB.
Pergunta-se.
– Se os Árbitros são Juízes de fato e direito (art. 18 da LA), porque o credenciamento, o controle da atividade e a capacitação, não ficam a cargo dos Tribunais ou Escolas da Magistratura a eles vinculados? Muito mais próprio, pois não?
Sobre as críticas do Judiciário ao instituto da Arbitragem, tem-se desconsiderado, mais recentemente, que o Eg. Supremo Tribunal Federal julgou constitucionais os termos do parágrafo único, do art. 6º, do art. 7º e seus §§, ambos da Lei de Arbitragem (9.307/96), bem como a redação que esta deu em seu art. 41, ao inciso VII, do art. 267 e ao inciso IX, do art. 301 do Código de Processo Civil, além da inserção do inciso VI, no art. 520, também da Lei Adjetiva (STF- SE-5.206-7, julgado pelo Pleno e, 12/12/2001, Ata publicada e, 19/12/2001).
Sem dúvida, um advogado não pode engessar o braço de uma pessoa, mas quem, senão outro médico poderá atestar se o procedimento de outro médico foi ou não correto?
E mais, por tal premissa, o advogado também não poderá julgar, pois não é Juiz. Apenas detém o grau acadêmico que o habilita a prestar concurso para a magistratura; e não se argumente com o “quinto constitucional”, eis que tem se revelado uma prática “classista”, que não alcança seu objetivo de trazer aos colegiados judicantes a “experiência” da advocacia e do parquet. Melhor seria que se exigisse prática de advocacia prévia para os aspirantes a magistratura, pois o contributo da “experiência” seria o mesmo, porém com a certeza do candidato e da sociedade para a vocação de julgador, o que não é necessariamente ínsito a todos os advogados.
O concurso societário a que alude a Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), regula o registro das sociedades de advogados, proibindo, com acerto, que sem seu âmbito (da sociedade), se “realizem atividades estranhas à advocacia”, o que necessariamente, por tal contexto, pressupõe o exercício pelos sócios no escritório, de outro ramo de negócio naquele mesmo local em que exercem a advocacia, pois não se pode proibir, pelo princípio constitucional da liberdade do trabalho, que se tenha outra atividade profissional lícita, senão em virtude de lei específica.
Certamente, a Consultoria Jurídica é atividade privativa do advogado, nos termos do disposto no inciso II, do artigo 1º, da Lei nº 8.906/94, mas a busca da pacificação de conflitos de interesses em prol da paz social, quando ainda nem litígio judicial se tornou, na mais pura acepção técnico-jurídica do termo, não é exclusivo dos profissionais liberais do direito. É desejo e dever de todo o cidadão responsável e capaz de dar a sua contribuição.
A Arbitragem, como instituto, bem como os Árbitros ou Tribunais Arbitrais, da forma como atualmente positivados na lei, não constituem o Poder Judiciário, pois nem mesmo “órgãos” são, mas um conjunto de procedimentos e atribuições, meros instrumentos da paz social.
Por conseguinte, a argüição de inconstitucionalidade que se vê na nominação de Sentença à decisão proferida pelo Árbitro, se esvai diante da denominação disposta na LA, norma específica de procedimento e processo em face da regra geral do CPC, que só informa o instituto supletivamente e quando esta assim disponha (ambas de mesma hierarquia), além do que, a invocação do art. 133 da Lei Maior não guardar pertinência com a argumentação.
Não obstante a qualidade do resultado que o Árbitro ou Tribunal Arbitral vier proferir, ser das partes interessadas, pois, diferentemente da Justiça Comum (gênero), foram elas que escolheram a forma de solucionar seus conflitos, tanto quanto elegeram aquele que deveria fazê-lo, cremos que a regulação deva existir, tão-somente para o credenciamento de árbitros ou Cortes Arbitrais e para a capacitação profissional.
A atuação da OAB como controladora dos Árbitros, refoge a atribuição legal que detém de fiscalização profissional e ética, uma vez que se trata de atividade fora do exercício da advocacia.
Com efeito, a proliferação indiscriminada de Câmaras, Conselhos, Centros e Tribunais Arbitrais, são uma preocupação, mormente para nós, operadores do direito e uma regulação progressista, urge.
Em conclusão, somos pela regulamentação da atividade do Árbitro, sugerindo que a lei atribua aos Tribunais de Justiça e do Trabalho, em cujas áreas de competência, certamente se verificará uma maior concentração de conflitos à responsabilidade pelo credenciamento dos Tribunais Arbitrais, podendo autorizar as Instituições de Ensino Superior de Direito, seguindo determinados critérios (legais), a capacitar Árbitros.
Somos da idéia, que em face da marcante incidência do processo comum no procedimento arbitral, este só possa ser exercido por colegiados (Tribunais, Câmaras, etc.), onde um dos membros seja necessariamente um profissional do direito, ai sim, inscrito regularmente na OAB.
Informações Sobre o Autor
Edson Luiz Muniz da Silva
Advogado, Juiz Arbitral e Professor de Direito do Trabalho e Prática Forense Trabalhista, nas Faculdades Integradas do Planalto Central – FIPLAC, em Brasília.