Medicina e direito, remédios para emagrecer e anvisa: a necessidade de uma atuação transdisciplinar para garantir constitucionalidade e legalidade

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Resumo: A obesidade é um grave problema do século XXI que requer uma abordagem transdisciplinar. As substâncias que a Medicina aponta como necessárias para o tratamento de certos pacientes não podem ter seu uso proibido por órgão de vigilância sanitária sem que se avalie a constitucionalidade e a legalidade de tal proibição.


Palavras-chave: Biodireito. Obesidade. Substâncias psicotrópicas-anorexígenas. Tratamento médico. Vigilância sanitária. Controle de constitucionalidade. Controle de legalidade.


Sumário: Introdução; 1. Obesidade: o mal do século XXI; 2. Tratamento com substâncias psicotrópicas-anorexígenas: uma ferramenta médica em favor do paciente; 3. Direitos e deveres do paciente e do médico e a esfera de atuação jurídica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Conclusão; Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


A medicina do século XXI enxerga a obesidade como um dos seus maiores problemas, e tem procurado desenvolver medidas tanto preventivas quanto curativas.


Dentre as medidas que tanto atuam na prevenção quanto no tratamento da obesidade tem destaque a utilização das chamadas substâncias psicotrópicas-anorexígenas, como a anfepramona, o femproporex e o mazindol, que atuam tanto na inibição do apetite quanto no aumento da queima calórica.


Considerando-se que a obesidade é uma doença, é preciso atentar para o fato de que, para muitos pacientes, a administração dos popularmente chamados “remédios para emagrecer” constitui o mais eficiente tratamento.


Ocorre que a popularização dos inibidores de apetite em razão da preocupação estética tem levado órgãos de vigilância sanitária mundo afora a proibir o uso de certas substâncias, suscitando, como argumento para tanto, seus efeitos colaterais.


O que se pretende fazer neste trabalho é, em linhas gerais, analisar o problema da obesidade, a necessidade do uso de substâncias psicotrópicas-anorexígenas no tratamento de certos pacientes e o problema da constitucionalidade e legalidade dos atos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – na disciplina dessas drogas no Brasil.


1 OBESIDADE: O MAL DO SÉCULO XXI


A obesidade, que é definida pela Organização Mundial de Saúde – OMS –, como um aumento excessivo da quantidade de gordura corporal e IMC maior ou igual a 30, atinge atualmente cerca de 30% da população mundial e 40% dos brasileiros, já sendo considerada, por essa razão, o mal do século XXI.


Essa doença pode ser causada por diversos fatores, entre os quais dieta hipercalórica, sedentarismo e distúrbios neuroendócrinos.


Uma das consequências maléficas que a obesidade pode trazer consiste na chamada síndrome plurimetabólica, a qual é bastante perigosa, sobretudo porquanto não dá sinais.


Essa síndrome altera o funcionamento de vários órgãos, em especial o coração, os vasos sanguíneos, o pâncreas, o fígado e os rins, causando, silenciosamente várias doenças, tais como enfarto, derrame, diabetes, hipertensão arterial, insuficiência renal, Alzheimer e demência. Ademais, a síndrome aumenta em três vezes os riscos de mortalidade por doenças cardiovasculares.


Considerando-se, pois, que a obesidade é uma condição médica crônica, e que múltiplos fatores podem causá-la, seu tratamento deve necessariamente envolver abordagens de caráter nutricional e, às vezes, medicamentoso, bem como a prática de exercícios físicos, sendo certo que a melhor abordagem será a que mais fatores (causas) conseguir atacar.


2 TRATAMENTO COM SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS-ANOREXÍGENAS: UMA ALTERNATIVA MÉDICA EM FAVOR DO PACIENTE


Só o médico pode diagnosticar e tratar de forma correta não somente a obesidade como qualquer doença.


Por isso, após uma extensa consulta clínica avaliativa, em que o médico examinará o paciente por meio da história familiar e social, exames laboratoriais e físicos, índice de massa corporal, riscos de doenças cariovasculares, pulmão, fígado, rins etc., será possível identificar qual a melhor abordagem para o tratamento da obesidade. Em geral, inicia-se o tratamento por meio de orientação nutricional e recomendação da prática de exercícios físicos.


No entanto, o que se constata, em diversos casos, é que o paciente tem dificuldade em perder peso apenas adotando uma nova dieta – adequada às suas necessidades – e realizando atividades físicas.


Isso ocorre por vários motivos. Por exemplo, pode haver algum óbice físico à eficiência dos exercícios, ou algum fator que dificulta o equilíbrio e o regramento alimentar. Não importa. O relevante é que não é por nenhum desses motivos que o paciente de obesidade terá de permanecer obeso e, portanto, doente. Nesses casos, o médico não só poderá como deverá se valer de uma alternativa médica em favor do paciente: o tratamento por meio de substâncias psicotrópicas-anorexígenas. É claro, não se pense o contrário, que a associação de qualquer substância medicamentosa ao tratamento será sempre o resultado de um estudo cuidadoso do médico, em que se levará em conta o quadro clínico do paciente e a aceitação da droga por seu organismo, bem como os possíveis efeitos colaterais e sua tolerância pelo paciente.


A propósito, impende destacar que a Organização das Nações Unidas – ONU –, posicionou-se recentemente a favor do uso de substâncias inibidoras de apetite para fins medicinais.


3 DIREITOS E DEVERES DO PACIENTE E DO MÉDICO E A ESFERA DE ATUAÇÃO JURÍDICA DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA


Uma abordagem jurídica do tratamento da obesidade com substâncias psicotrópicas-anorexígenas deve necessariamente se iniciar com a ressalva de que, nos termos do art. 1º, inc. III da Constituição da República, constitui fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana. O mandamento constitucional deve a todo instante permear não apenas os estudos de biodireito, como qualquer estudo jurídico.


Consectários da tutela constitucional da dignidade humana são os direitos fundamentais à liberdade (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º). Atuando em conjunto, esses direitos garantem, de um lado, o direito do obeso de se tratar de sua doença, buscando recobrar seu bem-estar, preservando, assim sua dignidade. De outro lado, a atuação conjunta dos direitos à liberdade e à saúde que tem o paciente de obesidade impõe ao médico o dever de promover um tratamento adequado e eficiente, que permita, acima de tudo, a manutenção da dignidade do paciente.


Pois bem. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA –, autarquia federal vinculada ao Ministério da Saúde, é o ente estatal encarregado de promover a vigilância sanitária. No exercício de suas atribuições, a ANVISA edita atos normativos na forma de resoluções, portarias etc.


Ocorre que, no modelo de ordenamento jurídico vigente no Brasil, os atos normativos que não emanam do Poder Legislativo, como as resoluções e portarias, encontram-se na base da estrutura hierárquico-normativa, sujeitando-se, por conseguinte, a todos os atos normativos que lhes são superiores: as leis ordinárias, as leis complementares, as emendas à Constituição e, acima de tudo, a Constituição da República.


Destarte, ao mesmo tempo em que se reconhece que cabe à ANVISA promover medidas de controle sanitário, não se deve perder de vista que há diversas normas jurídicas que devem nortear qualquer atuação da agência. Em outras palavras, deve haver um controle de constitucionalidade e legalidade dos atos normativos autárquicos, preferencialmente apriorístico.


Preferencialmente apriorístico porque, se é inegável que o Judiciário acabará sendo chamado a declarar eventual violação à Constituição ou à Lei, não se pode perder de vista que o sistema de saúde, até essa declaração, acatará o comando da ANVISA. Ou seja, uma eventual proibição da utilização de determinada substância imobilizará o sistema, vez que farmácias interromperão a venda e médicos interromperão a prescrição, o que, por conseguinte, interromperá o tratamento do paciente, que, muitas vezes, poderá depender bastante daquela droga.


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O que se recomenda, pois, é uma atuação transdisciplinar eficiente, sobretudo por meio dos consultores jurídicos tanto da própria ANVISA – o que é indispensável –, quanto do Conselho Federal de Medicina, a quem cabe a defesa da atividade médica no Brasil, e, por via de consequência, da garantia da preservação da dignidade da pessoa humana no que toca à sua saúde.


CONCLUSÃO


Nessas poucas linhas não se pretendeu mais do que estimular o debate entre o Direito e a Medicina para que, atuando de forma transdisciplinar, evitem qualquer atentado à dignidade dos pacientes, especificamente, neste trabalho, dos pacientes de obesidade.


A ANVISA, no exercício de suas atribuições, deve não apenas considerar sua sujeição às normas constitucionais e legais, como também, especificamente no que toca às substâncias psicotrópicas-anorexígenas, atentar para o fato de que todo medicamento produz efeitos colaterais. Daí a necessidade da atuação do médico para, sopesando o quadro clínico do paciente, os resultados necessários para o tratamento e alcançáveis por meio do uso da droga, bem como os efeitos colaterais possíveis e a tolerância deles pelo organismo do paciente, decidir se o tratamento à base de tais substâncias é ou não indicado para cada paciente.


Por um lado, evitar e impedir o uso indiscriminado de medicamentos constitui exercício legítimo das atribuições da ANVISA, de acordo com a Constituição e com a Lei. Esse tipo de atuação, por conseguinte, promove a dignidade humana. Um exemplo se encontra na edição da Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA – RDC nº 58, de 5 setembro de 2007, a qual estabeleceu a necessidade da prescrição de substâncias psicotrópicas-anorexígenas por meio de receita “B2”.


Por outro lado, a proibição cientificamente injustificada do uso de substâncias primordiais ao tratamento da obesidade (ou qualquer outra doença) para certos pacientes configura violação da Constituição e da Lei, e atenta contra a dignidade do paciente e do médico.


 


Referências bibliográficas

GOLDMAN, Steven L. Cecil Medicina Interna. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

FAUCI, BRAUNWALD, KASPER, HAUSER, LONGO, JAMESON E LOSCALZO. Harrison Medicina Interna. São Paulo: McGraw-Hill, 2008.

KRONENBERG, Henry M. Tratado de Endocrinologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007.


Informações Sobre os Autores

Felipe Quintella Machado de Carvalho

Coautor do Curso Didático de Direito Civil com Elpídio Donizetti. Professor titular de Direito Civil dos cursos de pós-graduação do IUNIB professor convidado de Direito Civil do curso de pós-graduação da Anhanguera e professor voluntário de Direito Civil da FD UFMG. Mestrando em Direito e Justiça na UFMG. Consultor jurídico e advogado.

Paulo Roberto Coelho Macieira

Médico


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