Investigação criminal: (in) competência do Ministério Público

Resumo: Se faz uma discussão acerca da possibilidade, em face do ordenamento jurídico prático, em razão do Ministério Público realizar investigação pré-processual como forma de embasar eventual denúncia criminal. Tal discussão tem despertado grande interesse e polêmica atualmente, sendo citado o termo poder investigatório do Ministério Público” razão pela qual, se faz uma problematização de tal competência  norteando o presente estudo.


Palavras-chave: Investigação. Ministério Público. Discussão.


Sumário: Introdução. 1. Histórico do Ministério Público. 2. Posicionamento Doutrinário. 3. Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). 4. Conclusão. 5. Referências.


INTRODUÇÃO


A investigação criminal realizada diretamente pelo Ministério Público vem sendo questionada pelos mais diversos setores da sociedade. Tal polêmica, que na seara jurídica já era observada algum tempo, volta a tomar devido enfoque por conta da importância que a mídia dedica ao assunto, e principalmente pelo fato de que o Ministério Público, ora conduzindo a investigação, ora participando juntamente com a polícia, tem desmascarado diversas organizações criminosas, nas quais fazem parte autoridades do alto escalão da Administração Pública Brasileira, daí o porquê desse assunto está em discussão.


Por ser matéria instigante, o poder investigatório do Ministério Público se tomou alvo de constantes debates principalmente entre os operadores do direito,não só por ser matéria controversa, mas também por envolver dois segmentos que trabalham em prol da persecução penal e do cumprimento da lei, quais sejam, o Ministério Público e a Polícia Judiciária.


Em um pólo tem-se a Polícia, ávida pela execução de suas atividades, buscando incessantemente meios legais para investigar, avorando-se no direito que é inerente ao cargo que foram preparados para o exercício. Num outro pólo está o Ministério Público, instituição autônoma, com poderes constitucionais para a defesa da sociedade, e que entende como extensão dessa defesa, a investigação criminal. Já que é o titular privativo da ação penal pública, e que, pelo fato de a Constituição Federal não atribuir exclusividade à Polícia Judiciária na apuração das infrações penais, pode o mesmo investigar em procedimento próprio.


Diante deste cenário de antagonias e disputas pelo direito de investigar, que parece ser pelo bem e interesse social, é que se realiza histórica e faticamente, uma pesquisa envolvendo as principais nuances sobre o tema.


1 HISTÓRICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO


A questão relativa às origens do Ministério Público encontra grande divergência entre os pesquisadores. Para alguns, os precursores dessa instituição foram Éforos de Esparta que tinham a função de acusar, além de serem moderadores entre o poder real e o senatorial. Outros buscam as raízes do Ministério Público no antigo Egito há mais de quatro mil anos, onde se encontrava a figura do Magiaí, ao qual incumbia a denúncia de práticas consideradas criminosas. (MAZZILLI, 1991, p. 1­-2).


Na Roma antiga, os Advocatus Fisci e os Procuradores Caesaris, eram apontados como antecessores dos promotores de justiça.


Já na Idade Média, os historiadores reconhecem traços do Ministério Público, nos Saions germânicos, nos Bailos e Sescais, que eram procuradores dos senhores feudais. Havia também na Alemanha, o Gemeiner Anklager que funcionavam como acusadores quando o particular ficava inerte (MAZZILLI, 1991, p. 2).


Entre várias teses a respeito das origens do Ministério Público, a mais precisa e consequentemente a amis aceita pelos historiadores, está no direito francês, na Ordenança de março de 1302 de Felipe IV “o belo”, rei da França, que tratava do Procureus du roi (procuradores do rei). Na França, o rei, havia instituído tribunais para que julgassem as causas entre particulares. Com o passar do tempo, tais tribunais foram adquirindo autonomia, passando então a julgar também as causas que confrontavam com os interesses do rei. A partir dessa situação, informam os pesquisadores, o nascimento dos procuradores do rei, com a finalidade de defender os interesses reais. Tais procuradores gozavam de independência perante os tribunais, eram encarados como uma magistratura diversa da dos julgadores, pois embora no mesmo assoalho, dirigiam-se a eles de pé, daí serem chamados de Magistrature Debout (magistratura de pé) (KAC, 2004, p. 17-18).


Conforme Rangel (2005, p. 124):


“A origem, assim, mais aceita e bem delimitada do Ministério Público se dá no Direito Francês que, com o advento da Revolução Francesa, em 1789, deu uma estrutura mais adequada à instituição, tanto que a expressão até hoje usada por nós para significar o Ministério Público é francesa: Parquet, que significa assoalho.”


No Brasil esta origem sofreu influência direta do direito português, podemos destacar: as “Ordenações Afonsinas” (1446), que, embora sem referências ao Ministério Público, foi de suma importância, pois serviu de base para o nascimento do ordenamento jurídico brasileiro; as “Ordenações Manuelinas” (1521), que pela primeira vez fez referência ao promotor de justiça, e as “Ordenações Filipinas” (1603), onde encontrávamos a figura do “Promotor de Justiça da Casa de Suplicação”, que tinham a função de requerer diligências, formar libelos contra presos,que seriam acusados pela justiça na Casa de Suplicação. (RANGEL, 2005, p. 124).


No Brasil Colônia, havia os Procuradores da Coroa, que eram meros agentes, sem autonomia nem garantias, já no Brasil Império, pois foi conferida, em 1824, ao Procurador da Coroa, a acusação no processo criminal.


Foi durante a República que o Ministério Público realmente cresceu como instituição, embora tenha sofrido várias alterações, galgou importantes posições no ordenamento jurídico brasileiro, até adquirir o status mais importante com a Constituição de 1988.


2 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO


Na seara cível não há dúvida, é plenamente admissível a investigação realizada pelo Ministério Público. O mesmo está legitimado expressamente para promover o inquérito civil e a ação civil pública (art. 127 e 129, lII; Lei n° 7347/85, arts, 1° e 5°).


A polêmica está na esfera criminal. Os doutrinadores brasileiros divergem acerca da possibilidade de o Ministério Público realizar diretamente diligências investigatórias.


A doutrina contrária à investigação criminal pelo Parquet baseia-se em dois argumentos: a exclusividade de que trata o art. 144 da Constituição Federal, atribuindo à Polícia Judiciária o monopólio das investigações criminais, e a ausência de legalidade (fundamento legal) para o Parquet exercer tal função.


Coloca ainda que o Ministério Público é parte no processo penal, e como parte não poderia realizar investigação criminal, pois esta de ser dotada de imparcialidade.


Em face do artigo 144, visto que o parágrafo primeiro em seu inciso quarto, estabelece a competência da Polícia Federal para “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.” O termo exclusividade os leva a crer que na esfera criminal, a investigação é monopólio da Polícia Judiciária.


Assim entende BASTOS:


“[…] pelo art. 144 da Constituição Federal a apuração das infrações penais e o exercício da Polícia Judiciária são exclusivos da Polícia Civil (com exceção das infrações penais militares) e da Polícia Federal, sendo certo que dever-se-á respeitar a vontade constitucional quanto ao controle nobilíssimo que deverá reinar entre nossas instituições […]”


A interpretação feita por essa corrente doutrinária, nada mais é, data venia, do que uma simples interpretação literal do texto constitucional. Esse argumento de que o art. 144 da Constituição Federal atribuiu à Polícia Judiciária a exclusividade na apuração das infrações penais, não subsiste diante de uma interpretação sistemática da Constituição, ou seja, não interpretar de forma isolada a norma constitucional, mas sim, de forma harmônica com as demais normas.


Desta feita, a própria Constituição Federal possibilita a realização de investigação criminal por outros órgãos que não a Polícia Judiciária, como por exemplo: as CPI’s (art. 58 parágrafo 3°), ou seja, razão porque, não há que se falar em monopólio da Polícia Judiciária na investigação criminal.


A doutrina favorável à investigação criminal direta pelo Ministério Público defende que tal atribuição decorre principalmente do art. 129 da Constituição Federal, invocando a Teoria dos Poderes Implícitos (quando o Constituinte dá ao Ministério Público o exercício privativo da ação penal pública, implicitamente, também lhe confere os meios necessários à sua propositura) e do Princípio da Universalização das Investigações (não-exclusividade da Polícia Judiciária para a apuração das infrações penais), decorrente também da própria Constituição.


O princípio da Universalização da Investigação consiste exatamente na “não­ exclusividade” da Polícia Judiciária para realização de diligências investigatórias na esfera criminal, permitindo assim, que outros órgãos públicos possam realizá-la, como é o caso do Ministério Público.


Como diz Santin (2001, p.60):


“A polícia não é o único ente estatal autorizado a proceder à investigação criminal;: não há exclusividade. O princípio é da Universalização da Investigação, em consonância com a democracia participativa, a maior transparência doa atos administrativos, a ampliação dos órgãos habilitados a investigar e a facilitação e ampliação do acesso ao Judiciário, princípios decorrentes do sistema constitucional vigente.”


Defende ainda que, o objetivo do Ministério Público não é “usurpar”, como alguns doutrinadores colocam as funções da Polícia Judiciária, nem tampouco presidir inquérito policial. Mas sim realizar investigação criminal em procedimento próprio.


Outro argumento da doutrina contrária à investigação criminal direta pelo Ministério Público é o de que tal investigação seria inconstitucional, em razão do princípio do devido processo legal, já que não existe lei que regule o procedimento investigatório realizado pelo Parquet, tomando-o um instrumento sem controle. E ainda porque o Ministério Público é parte no processo penal, e sendo parte a investigação fica comprometida.


A doutrina defensora da investigação criminal direta pelo Ministério Público entende que tal investigação é inerente ao sistema acusatório adotado pelo Brasil, e não viola o princípio do devido processo legal. Pelo contrário, é uma garantia constitucionalmente assegurada ao indivíduo e dá maior segurança à sociedade.


“Ao conferir ao Ministério Público a função institucional de promover privativamente, a ação penal pública (Constituição, artigo 129, inciso I), o constituinte conferiu-lhe, de forma acessória e implícita, a busca de todos os meios – de modo legal e moralmente admissíveis – para subsidiar a oferta da denúncia. Não se pode, ao mais singelo raciocínio lógico, afastar a idéia de que o titular de algo não possa se valer de instrumentos próprios para viabilizar o pleno exercício dessa titularidade […]” (CRUZ 2003, p. 23).


3 POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)


O entendimento predominante no STJ é de que o Ministério Público tem legitimidade para realizar diretamente investigações criminais. Tal entendimento originou-se a súmula 234, pacificando a questão no âmbito infraconstitucional.


Assim dispõe a súmula 234 do STJ: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denuncia”.


Para Rangel (2005, p.225), a origem da súmula não está ligada apenas à suspeição ou impedimento, como alguns doutrinadores colocam, mas sim a investigações realizadas diretamente pelo Parquet, vejamos:


“À primeira vista pode parecer que a súmula refere-se à suspeição ou impedimento, única e exclusividade, no sentido de não estar impedido o membro do Ministério Público de oferecer denúncia em face dos indiciados, se participou na fase de investigações. Porém, pesquisando os acórdãos que deram origem à súmula verifica-se que todos referem-se às investigações criminais diretas pelo Ministério Público que, diante das informações colhidas, formou sua opinio delicti e ofereceu denúncia. Os acusados impetraram Hábeas Corpus e o Superior Tribunal de Justiça denegou todos os pedidos, e, diante das reiteradas argüições, editou a súmula”.


No STF não é pacífico o entendimento de que, tem o Ministério Público legitimidade para realizar investigação na esfera criminal.


Em 1997, a 1ª Turma, no julgamento do HC 75.769-3 MG, entendeu que é “regular a participação do Ministério Público em fase investigatória”.


Já em. 1998 a 2° Turma, no julgamento RE 205473-9AL, decidiu que “não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial”.


A questão ganhou destaque com a conclusão do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Ordinário n.º 81.326-DF. Em síntese apertada do caso, o Ministério Público do Distrito Federal, tomando conhecimento de prática delituosa cometida por Delegado de Polícia, instaurou procedimento administrativo investigatório e expediu notificação ao policial para depor sobre os fatos que lhe eram atribuídos. Alegando a existência de monopólio policial da investigação criminal, o Delegado impetrou um Habeas Corpus junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federa pedindo a nulidade do procedimento administrativo e da notificação para sua oitiva. Denegada a ordem, o paciente impetrou Habeas Corpus substitutivo de Recurso Ordinário ao Superior Tribunal de Justiça que, por sua vez, manteve seu reiterado entendimento acerca da ampla possibilidade do Ministério Público conduzir diretamente investigações criminais. O acórdão unânime da 5.ª Turma do STJ foi lavrado pelo Ministro Gilson Dipp, tendo votado ainda os Ministros Jorge Scartezzini, Edson Vidigal, José Arnaldo e Félix Fischer. Assim ficou a ementa:


“CRIMINAL. HC. DETERMINAÇÃO DE COMPARECIMENTO AO NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEPOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. Têm-se como válidos os atos investigatórios pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denúncia denegada.”


4 CONCLUSÃO


A investigação criminal direta pelo Parquet é inerente ao sistema acusatório adotado pelo Brasil, sob o aspecto garantista, constitui meio eficaz que a sociedade dispõe para exigir do Estado, providências no combate à criminalidade, sem contudo, desrespeitar os direitos e garantias constitucionais assegurados ao investigado.


Necessário enfatizar que o Ministério Público não pretende com a investigação penal preliminar, presidir inquérito policial, nem tampouco, subtrair as funções da


Polícia Judiciária, e sim usar de outros meios que também levem à verdade bastando a reunião de condições para tal.


É mister ressaltar, que a doutrina atinente a este assunto, de forma majoritária preleciona que o Ministério Público, como titular privativo da ação penal pública, consequentemente tem o direito de investigar haja vista a investigação penal preliminar ser indissociável da ação penal pública. Nenhum outro órgão, dotado de garantias constitucionais, melhor que o Parquet para exercer a investigação, que é o meio, para a ação penal, que é fim.


Portanto, a intenção do Ministério Público é exercer em sua plenitude as garantias constitucionais explícitas, almejando que as garantias implícitas sejam regulamentadas explicitamente, com observância dos princípios constitucionais, de forma a preservar o cumprimento da lei e consecução da justiça.


 


Referências:

BASTOS, Marcelo Lessa. Investigação nos crimes de ação penal de iniciativa pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

BRASIL. 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 75.769/MG. Relator: Ministro Octávio Galloti. Brasília/DF: 30 de setembro de 1997. Diário da Justiça de 28 de novembro de 1997.

BRASIL. 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 205.473-9/AL. Relator: Ministro Carlos Mário Velloso. Brasília/DF: 15 de dezembro de 1998. Diário da Justiça de 19 de março de 1999.

BRASIL. 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n° 81.326-7/DF. Relator: Ministro Nelson Jobim. Brasília/DF: 06 de maio de 2003. Diário da Justiça de 10 de agosto de 2003.

CRUZ, Alex Sandro Teixeira da. O Ministério Público e a investigação criminal. Revista Jurídica Consulex, Brasília, DF, ano 7, n. 159, p. 21-23,31 ago, 2003.

KAC, Marcos. O Ministério Público na Investigação Penal Preliminar. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de Justiça. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. São Paulo: Edipro, 2001. 


Informações Sobre os Autores

Olga Maria Prazeres

Bacharel em Direito.

Luis Felix Bogea Fernandes

Bacharel em Direito.


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