A centralidade material da constituição

Resumo: O referente do texto consiste em lançar breves contornos teóricos para superação da teoria positivista do ordenamento jurídico atualmente predominante, desenvolvida por Hans Kelsen, com os objetivos de auxiliar na construção de uma nova teoria de base livre dos vícios atribuídos ao paradigma anterior e de permitir a formação de uma pauta de parâmetros técnicos para uma proposição teórica ao devir do Estado Constitucional Democrático e da sua Constituição. A hipótese central é a de que um sistema jurídico piramidal, sustentado por pilares exclusivamente formais, não corresponde à realidade, porquanto se restringe à visualização parcial do fenômeno jurídico, na medida em que desconsidera a carga axiológica extraída da Moral. Consequentemente, será questionada a posição da Constituição no vértice de uma ordem estatal formal, isolada da trama internacional, bem como discutido o tema da centralidade material da lei fundamental em um sistema jurídico aberto.


Palavras-chave: Ordenamento Jurídico, Constituição e Centralidade Material


Abstract: The the text is about a new paradigm to overcome the positivist theory of legal system that is currently prevalent, developed by Hans Kelsen. The objective is to assist in the construction of a new legal system theory, free of the errors of the previous paradigm, and, also, to allow the formation of a list of technical parameters for a theoretical proposition to the becoming of the Democratic Constitutional State and its Constitution. The central hypothesis is that a legal system in the structural form of a pyramid, sustained only by pillars of formal validity, do not correspond to the reality, because it express only a partial view of the legal phenomenon, as it ignores moral principles. It is thus questioned the position of the Constitution on the cusp of a formal legal order, and discussed the theme of it as the axiological center of the legal system.


Keywords: Legal system, Constituition and Axiological Center


Sumário: Introdução. 1. A teoria do ordenamento jurídico positivista. 2. A centralidade material da Constituição. Conclusões. Referências.


INTRODUÇÃO


Pode se considerar lugar comum a afirmação de que o paradigma do positivismo jurídico, nos moldes atualmente predominantes, já não oferece respostas satisfatórias aos problemas que se apresentam. As construções teóricas de Hans Kelsen, para o direito legislado (civil law ou code based legal system), e de Herbert Lionel Adolphus Hart, para o sistema consuetudinário (common law ou judge made law), enfrentam severas críticas, das mais diversas ordens, aos seus principais postulados, como a separação absoluta entre Direito e Moral, a formação do ordenamento puramente por regras escalonadas hierarquicamente, a construção do sistema com bases em critérios apenas de validade (a norma fundamental ou regra de reconhecimento) e a discricionariedade para resolução dos chamados casos difíceis (hard cases). Verifica-se aí uma crise paradigmática, inaugurando o processo de substituição do padrão positivista por um outro modelo, havendo várias propostas neste sentido.


O processo de superação da referida crise, atualmente, recebe a conotação de pós-positivismo, justamente porque representa uma fase de ruptura com o modelo anterior, sem que se possa verificar o estabelecimento de um novo modelo capaz de assumir a sua posição. Com efeito, a atual fase de transição paradigmática ainda não estabeleceu firmemente novas teorias do ordenamento jurídico, das fontes do Direito, da norma e da decisão judicial que possam suficientemente romper com as amarras impostas pelos conceitos anteriores, visando reger a ciência jurídica com predominância, ao menos durante certo lapso do tempo, até a próxima ruptura científica.


Nesse cenário, o referente deste texto específico consiste em lançar breves contornos teóricos para superação da teoria positivista do ordenamento jurídico atualmente predominante, desenvolvida por Hans Kelsen, com os objetivos de auxiliar na construção de uma nova teoria de base livre dos vícios atribuídos ao paradigma anterior e de permitir a formação de uma pauta de parâmetros técnicos para uma proposição teórica ao devir do Estado Constitucional Democrático e da sua Constituição.


A hipótese central trabalhada é a de que um sistema jurídico piramidal, sustentado por pilar de validade exclusivamente formal, não corresponde à realidade do mundo jurídico, porquanto se restringe à visualização parcial do fenômeno, na medida em que desconsidera a carga axiológica extraída da Moral. Com efeito, será questionada a posição da Constituição no vértice de uma ordem estatal formal, isolada da trama internacional, bem como discutido o tema da centralidade material da lei fundamental em um sistema jurídico aberto.


Para atingir tais desideratos, na primeira seção, serão expostas as características da teoria do ordenamento jurídico mais difundida no meio jurídico brasileiro, proposta por Hans Kelsen na metade do século XX, bem como apontadas as limitações que lhe atribuem os doutrinadores pós-positivistas.


Na segunda seção, serão dissecados os elementos teóricos antes alinhavados, no intuito de fornecer aportes para o desenvolvimento de uma nova teoria do ordenamento jurídico, mais adequada à realidade da produção do Direito no cenário nacional, observados critérios de complexidade, de interdisciplinaridade, de reflexividade e de sistematicidade orgânica.


Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado o método indutivo, na fase de tratamento de dados o cartesiano, e, o texto final foi composto na base lógica dedutiva. Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica.


Ao fim desta parte propedêutica, importa assinalar, primeiro, que o presente texto foi escrito para atendimento de requisitos formais da disciplina Teoria do Estado e da Constituição, do Curso de Doutorado da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), ministrada pelo Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold, e, segundo, que o trabalho faz parte de uma tríade, integrada também pelos textos intitulados A Revolução na Teoria do Direito e A Complexidade da Norma Jurídica.


1. A teoria do ordenamento jurídico positivista de Kelsen


Hans Kelsen (Praga, 11.10.1881 – Berkeley, 19.04.1973) se dedicou ao desenvolvimento de uma teoria geral do Direito pura, ou seja, isenta de quaisquer interferências externas, sejam elas metafísicas, ideológicas, políticas, morais ou mesmo decorrentes de outros ramos do conhecimento, com vistas ao atingimento de objetividade e de exatidão científicas[1]. Ou seja, seu  princípio metodológico fundamental era expurgar todos os elementos que considerava estranhos à ciência jurídica[2].


Para o fundador do purismo jurídico, sequer a justiça poderia ser considerada como parâmetro de julgamento, ante o caráter relativista e subjetivista dos juízos de justo e de injusto[3]. Não se olvida que os sistemas de valores não são criações arbitrárias de indivíduos isolados, mas sim fenômenos construídos socialmente, ou seja, culturalmente produzidos de acordo com as relações intersubjetivas dos grupos sociais[4]. Mesmo assim, não seria possível extrair uma ideia universal de justiça, mas tão somente conhecer as concepções de justeza para cada grupo social determinado, de acordo com os valores emergentes em seu interior. Por isto, os critérios de justiça representam ideais variáveis e irracionais, inadequados à análise científica do Direito, justamente por serem inacessíveis à cognição humana[5].


Logo, para alcançar a purificação do Direito e, consequentemente, a objetividade da ciência jurídica, o autor restringiu o Direito tão-somente ao conjunto de normas que compõem a ordem positiva estatal e, assim, construiu uma ciência do positivismo jurídico[6]. O núcleo do pensamento do autor sobre o tema pode ser extraído principalmente de três obras, consistentes em Teoria Pura do Direito[7], onde pela primeira vez consolidou a sua proposta juspositivista para o padrão jurídico romano-germânico (civil law ou code based legal system), em Teoria Geral do Direito e do Estado[8], em que o autor reformulou alguns aspectos da sua proposição teórica, inclusive para fins de abranger também o sistema de direito jurisprudencial (common law ou judge made law), e em Teoria Geral das Normas[9], que é um texto mais aprofundado e específico sobre as regras jurídicas, publicado postumamente. A análise proposta se resume às três obras antes referidas, que foram analisadas com vistas a extrair os principais aspectos da teoria geral do Direito kelseniana, consoante abaixo alinhavado.


O termo norma, para o autor, significa algo que deve ser ou  acontecer (Sollen), ou seja, designa uma regra indicativa daquilo que precisa ocorrer, com especial foco no estabelecimento de direcionamentos para conduta humana[10]. O acontecer fático (inclusive o comportamento humano) que está de acordo com a norma é qualificado como jurídico (lícito), porque foi como deveria ser, enquanto aquilo que estiver em desarmonia com ela é considerado antijurídico (ilícito), pois não ocorreu como previsto. Outrossim, a norma serve como “esquema de interpretação”, pois é segundo ela que o jurista científico conhece e descreve a realidade fática[11]. Seguindo esta linha de raciocínio, o sentido jurídico da faticidade não é decorrência do ser natural das coisas, segundo o critério de causalidade, como ocorre nas ciências chamadas naturais ou causais, mas sim resultado da análise da situação segundo as normas estabelecidas[12]. Enquanto as ciências naturais são regidas pela lei da causalidade, a ciência do Direito tem como princípio ordenador a imputação[13]. Justamente nesta diferenciação entre as ciências jurídica (estuda o dever ser) e causais (tratam do ser) reside o primeiro ponto central do pensamento de Kelsen. Para ele, a ciência jurídica se dedica ao estudo exclusivo da norma, ou seja, à análise do que deve ser, diferenciando-se das demais ciências consideradas naturais, a exemplo da física e da química, as quais tem como escopo o conhecimento do ser, ou seja, do que efetivamente é[14].


Todavia, nem todas as normas são um dever ser objetivamente válido e vinculante para todos, pois somente ostentam tal característica aquelas que foram produzidas por alguém com competência (ou poder) previamente estabelecida em uma norma hierarquicamente superior[15]. Para ilustrar tal aspecto de sua teoria, Kelsen explica que a ordem de um ladrão para que lhe seja entregue uma certa quantia em dinheiro não consubstancia um dever ser objetivamente válido, porquanto nenhuma norma superior lhe outorga tal poder, enquanto, de outro lado, o comando de um fiscal da fazenda cobrando valores ao erário é vinculante, pois tal competência lhe é franqueada pela legislação tributária, a qual, por sua vez, foi produzida por legisladores no exercício de prerrogativas previstas na Constituição[16]. As disposições constitucionais, por sua vez, retiram sua validade de uma regra superior fundante, cuja existência pode ser apenas pressuposta, a qual Kelsen designou de norma fundamental (Grundnorm)[17]. Tal norma de validade última não é necessariamente, nem geralmente, a Constituição vigente, mas sim uma norma primeira e suprema que inaugurou a ordem jurídica de determinado Estado e ainda lhe confere juridicidade[18]. Daí conclui-se, primeiro, que, para o autor em exame, a norma fundamental institui um ordenamento jurídico unitário, pois abaixo dela somente podem ter validade (ou seja, existência) as disposições que com ela são compatíveis[19], e, segundo, que tal sistema é estruturado segundo uma ordem de normas escalonadas pelo critério de validade formal, cuja hierarquia, em ordem sucessiva, compreende a Constituição, as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis ordinárias, os decretos governamentais, os atos normativos da administração pública e, finalmente, a norma de decisão (individual) dos agentes públicos no exercício de suas funções[20]. A referência ao parâmetro de validade apenas formal significa que uma norma inferior não integra validamente o sistema por possuir conteúdo compatível com uma regra superior, mas tão-somente porque foi criada formalmente de acordo com ela, razão pela qual o Direito positivo pode ter qualquer conteúdo[21]. A validade, então, decorre de uma sequência dinâmica de delegações de competências da autoridade superior à inferior, para estabelecer normas independentemente do seu conteúdo, salvo se, excepcionalmente, tais restrições conteudísticas forem expressamente formalizadas no preceito de maior hierarquia[22]. Frente a tais considerações, pode-se delinear um segundo ponto de suma relevância para a teoria do Direito em exame, justamente a configuração do ordenamento jurídico como uma pirâmide escalonada de normas segundo critério de validade meramente formal, cujo ápice é a Constituição do Estado. Não se pode olvidar que Kelsen não empregou o termo pirâmide ao tratar da ordem escalonada de normas, contudo, tal figura geométrica bem representa a visualização gráfica de sua teoria da ordem jurídica e, justamente por isto, é amplamente empregada pela doutrina, de modo a justificar sua adoção neste trabalho.


Para teoria pura do Direito, a interpretação jurídica se encontra estreitamente ligada com a formatação escalonada do ordenamento, acima delineada. Com efeito, para proposição teórica em foco, interpretação é a operação mental que fixa o sentido das normas superiores para, de acordo com elas, constituir a norma que vai fundamentar a decisão do órgão jurídico (administrativo, legislativo ou judiciário)[23]. Assim, a aplicação do Direito é apenas uma nova escala (ou fase) da dinâmica do ordenamento jurídico, pois compreende a apreciação do significado das disposições mais altas na hierarquia para montagem de um novo degrau na parte inferior da pirâmide. Sob este prisma, uma decisão de um órgão com competência jurídica (a exemplo da judicial) não tem caráter simplesmente declaratório, pois não descobre um Direito já pronto e acabado de antemão, mas sim constitutivo, na medida em que cria uma norma inferior com efeitos sobre uma situação específica (geralmente a resolução de uma questão individual)[24]. Por isto, a criação e a aplicação do Direito são exatamente a mesma coisa, porque refletem a fixação de uma norma inferior de acordo com a superior[25]. Somente as hipóteses de mera aplicação de uma sanção ao caso concreto e de criação da norma fundamental pressuposta não são atos simultaneamente criadores e aplicadores da norma, pois refletem hipóteses limítrofes da teoria dinâmica sob foco[26]. A interpretação, de acordo com tal dinâmica interna à ordem jurídica, é conduzida por subsunção, ou seja, mediante a fixação de correspondência lógica da norma inferior com a superior[27]. É preciso considerar, entretanto, que as determinações decorrentes das normas superiores nunca são completas, restando sempre uma margem, maior ou menor, para livre apreciação do órgão aplicador. Por isto, as normas do escalão superior possuem o caráter de um quadro ou moldura a ser preenchido pelo órgão aplicador/criador do Direito[28]. Ao completar tal espaço de conformação (a moldura), o intérprete exerce um ato de vontade que pode resultar em mais de uma consequência adequada às normas superiores e, portanto, admitida pelo Direito[29]. Logo, a terceira característica da proposta positivista de Kelsen consiste na discricionariedade para criação/aplicação da norma, diante das possibilidades estabelecidas pelo ordenamento jurídico, que autorizam a existência de mais de uma resposta correta (adequada ao ordenamento) para resolução de cada caso[30].


O jurista austríaco expõe ainda que, no seu entender, a ordem jurídica se diferencia das demais ordens sociais, a exemplo da Moral e da religião, em face do caráter coativo de suas normas. Muito embora as demais ordens sobre condutas humanas também possam estabelecer sanções para hipótese de descumprimento de suas normas, ainda que de cunho transcendental, somente o Direito estabelece reprimendas socialmente imanentes, que são executáveis independentemente da vontade do infrator, através de estruturas organizadas[31]. Sob esta ótica, as normas que não contém sanções diretamente, a exemplo das permissivas ou de competência, são consideradas como não-autônomas, haja vista que sua juridicidade decorre de estarem em ligação essencial com outras que estatuem penas coercitivas[32]. Portanto, como quarta característica da teoria jurídica em tela, pode-se assinalar a coercitividade das normas jurídicas, mediante o uso socialmente organizado da força[33].


Além de estabelecer tal diferença entre o Direito e a Moral, como ordens sociais de características diversas, Kelsen propõe a separação entre ambas, sob os argumentos de que, primeiro, a legitimação moral das normas jurídicas é irrelevante à ciência jurídica, pois ela deve apenas conhecer e descrever seu objeto, prescindindo da aprovação ou desaprovação de seu conteúdo[34], e, segundo, não é cientificamente comprovável a existência de uma Moral absoluta, válida em todos os tempos e em qualquer parte, havendo apenas diversos padrões morais relativos e subjetivos, que variam para cada sociedade e, desta forma, são imprestáveis para apreciação valorativa do Direito com efeitos gerais[35]. Nesta trilha lógica, a norma jurídica poderia ser considerada moralmente aceitável ou não (justa ou injusta) de acordo com determinado sistema de Moral relativa, sem que daí se possa extrair uma avaliação racional pautada em um juízo inequívoco e universalmente justificável. Sem embargo, uma norma poderia ser classificada como moralmente legítima para uma ordem moral e, simultaneamente, como insustentável para outra, de sorte a evidenciar ser prescindível a avaliação da moralidade do Direito para outra finalidade que não a de “prestar politicamente bons serviços”[36]. De tal argumentação, extrai-se a quinta característica da matriz teórica positivista sob comento, consistente na absoluta ruptura entre o Direito e a Moral, como ordens sociais distintas e independentes.


Kelsen também nega que os princípios tenham caráter jurídico, ainda que possam influenciar o legislador e o juiz no momento de criação e aplicação da norma[37]. Para ele, os princípios são elementos estranhos ao Direito, porquanto decorrem de postulados extraídos da Moral, da política ou do costume, de modo que não podem ter o caráter de espécie normativa. O purismo do Direito pressupõe que apenas as normas positivamente válidas integram o ordenamento jurídico, ainda que a sua criação tenha recebido influxos de princípios morais ou de quaisquer outros tipos de influências, de valores ou de interesses. Portanto, a sexta caraterística da teoria positivista em enfoque consiste em negar juridicidade a qualquer padrão de julgamento diferente da norma positiva, a exemplo de princípios ou políticas.


Feita esta breve síntese da teoria geral do Direito kelseniana, importa, para o presente texto, o aprofundamento específico da segunda característica delineada (ordenamento jurídico sob a estrutura de uma pirâmide escalonada de regras segundo critério de validade formal). Todavia, a menção aos seis destaques é imprescindível para a compreensão geral do tema, de modo a permitir uma visão global dos problemas que justificam a proposição de bases para montagem de um novo modelo estrutural de ordenamento jurídico.


2. A centralidade material da Constituição


A clareza conceitual e a simplicidade estrutural da proposta teórica de Kelsen, facilmente perceptíveis da breve síntese antes alinhavada, foram determinantes para ampla aceitação de seu modelo de ordenamento jurídico. Entre os notáveis juristas que foram influenciados por seus estudos, importa mencionar Norberto Bobbio, que expressamente se declarou um adepto da teoria de kelseniana[38] e adotou a estrutura da pirâmide de hierarquia formal das normas[39]. Na América Latina, Carlos Santiago Nino montou um quadro da hierarquia formal do ordenamento jurídico argentino, com base na doutrina positivista em exame[40]. Na academia brasileira, Tércio Sampaio Ferraz, em sua análise crítica, refere-se também à “pirâmide kelseniana”[41]. Mais recentemente, Luigi Ferrajoli partiu dos ensinamentos do mestre de Viena para considerar o ordenamento jurídico como um conjunto de normas (significados) escalonadas em níveis (mundo de significados), cujo ápice é a norma de reconhecimento (segundo ele, um refinamento da categoria norma fundamental)[42].


Mesmo com o desenvolvimento do constitucionalismo nas últimas décadas, embora diversas críticas tenham sido tecidas contra o paradigma positivista do Direito, foi mantida a aceitação ampla e geral de que a Constituição é a norma máxima, que figura no ápice da pirâmide do ordenamento jurídico, com a qual todos os demais postulados devem manter compatibilidade formal e, em adição à teoria sob foco, congruência material[43].


Diante desse contexto, cabe questionar se a teoria do ordenamento jurídico sob a forma estrutural de uma pirâmide hierárquica de validade formal (ou mesmo material) merece ser mantida ou, conjuntamente com os demais dogmas do Positivismo Jurídico, também reavaliada ou modificada. Tal análise crítica deve ter em mente que o Positivismo Jurídico não é necessariamente um mal a ser combatido, simplesmente porque implica a prisão do juiz à letra seca da lei (juiz boca da lei) e, assim, impede sejam promovidos os valores sociais, como se tem ouvido falar nos meios forenses e acadêmicos brasileiros, principalmente após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB)[44]. É preciso ter em conta que o paradigma do Positivismo Jurídico foi desenvolvido justamente em razão da crise paradigmática[45] do anterior modelo do Jusnaturalismo, orientando-se em uma vinculação dedutiva da autoridade à lei superior (subsunção) justamente para afastar as incertezas e inseguranças decorrentes do uso ilimitado de uma suposta razão superior, lastrada em alegados valores morais absolutos e inquestionáveis, ficticiamente válidos e eficazes em todo tempo e lugar[46].


Outrossim, sem pretensões de fugir do referente para tratar da histórica vantagem da substituição do modelo do Direito Natural pelo Juspositivismo (trabalho que, certamente demandaria muitas páginas dedicadas especialmente a tal questão), importa alertar que a proposta deste texto não é retornar ao padrão anterior, mas sim verificar quais os vícios da matriz teórica atual e, diante deles, lançar bases para uma possível superação, de viés de pós-positivista. Em outras palavras, a ideia não é retroceder aos parâmetros do modelo anterior (Jusnaturalismo) e tampouco desprezar as vantagens do paradigma predominante (Juspositivismo), mas sim partir das conquistas já alcançadas para, num esforço teórico, propor elementos para contribuir no desenvolvimento de uma nova matriz disciplinar, que mais adequadamente responda ao devir do Estado e da sua Constituição.


Feitas estas breves ressalvas, cabe questionar se realmente é necessária e adequada a substituição do sistema escalonado de regras por critérios de validade, conforme proposto por Kelsen.


Como já antes esmiuçado, a teoria do ordenamento jurídico positivista desenvolvida por Kelsen reduz a ordem jurídica exclusivamente a um conjunto único e escalonado de regras de acordo com o critério de validade formal, cujo ápice é a norma fundamental. O sistema é dinâmico, pois movimenta-se para resolução de casos concretos, na linha vertical, de cima para baixo, haja vista que a norma superior confere validade formal à produção da inferior (norma de decisão individual), por operação lógica dedutiva de subsunção.


Considerando tais peculiaridades, a ordem jurídica kelseniana pode ser representada por uma pirâmide, consoante a representação gráfica abaixo colacionada, sobre a qual cabe esclarecer, primeiro, que o jurista austríaco não empregou a figura geométrica ora proposta nos seus estudos, e, segundo, que a norma fundamental (NF) pode ser anterior à própria Constituição, acaso a carta vigente não corresponda à lei fundante da ordem jurídica de determinado Estado, ou mesmo se confundir com ela, na hipótese de vigorar a primeira lei fundamental do ente político.


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Tal teoria do ordenamento jurídico é insustentável por diversos fatores, e, portanto, merece ser superada, haja vista que, primeiro, implica uma redução indevida da complexidade do Direito, ao desconsiderar a inegável influência de outros padrões de julgamento, além das regras positivas, na produção da norma; segundo, aposta na possibilidade de dedução da norma inferior mediante mera subsunção da superior, em uma operação dinâmica linear que invariavelmente começa no ápice (norma fundamental) e termina na base (norma de decisão), ignorando a inegável relação reflexiva multidirecional de um padrão de julgamento sobre o outro; e, terceiro, foge do tema da legitimidade moral das normas, embora se trate de questão imprescindível ao estudo do Direito.


As três críticas acima indicadas merecem ser esmiuçadas  em duas fases cada uma, consistentes em, inicialmente, apontar qual o equívoco da teoria do ordenamento jurídico kelseniana e, consequentemente, lançar uma proposição que permita superar o respectivo vício. Dessa forma, será possível expor as bases elementares de uma nova proposta estrutural do ordenamento jurídico, com vistas a fomentar o debate para substituição do modelo ora questionado.


O primeiro problema da teoria do ordenamento jurídico kelseniana, como já referido, consiste em reduzir o Direito a um conjunto de regras positivadas, desconsiderando a inegável influência de outros elementos na atividade jurígena. Para o professor austríaco, a ordem jurídica seria composta tão somente de regras postas pelo Estado, ainda que sua inserção tenha sido influenciada por critérios morais, políticos, ideológicos ou interesses de quaisquer outras ordens. Acontece que tal conclusão é uma mera ficção que ele propõe para, de uma forma absolutamente artificial, conceber um Direito purificado, que não corresponde à realidade e, aliás, sequer é passível de ser efetivamente concretizado no mundo concreto.


Notadamente, é preciso considerar que, se a produção normativa pode estar embasada em diversos critérios, estes inegavelmente acabam por ingressar no conteúdo do ordenamento jurídico, de modo que ele não pode ser mais considerado puro. Se o legislador se baseia em um elemento extraído da Moral para produção de um texto legislativo, deve se supor que tal texto foi “moralmente contaminado”. Também quando o juiz, ou outro órgão aplicador do Direito, produz uma norma para fundamentar uma decisão concreta com base em um princípio jurídico, se estará diante do ingresso de um elemento diferente da regra positiva na ordem jurídica. Não se pode negar, ainda, que tais hipóteses ocorrem comumente e, portanto, não podem ser desconsideradas pelo cientista do Direito. Logo, forçosa a ilação de que a pirâmide escalonada unidimensionalmente é incompleta, justamente porque não abarca os diversos outros padrões que inegavelmente conformam as decisões jurídicas[47].


Veja-se bem que não se está afirmando que todo e qualquer elemento pode integrar a ordem jurídica, haja vista que é muito importante a delimitação de quais são as fontes legítimas do Direito (tema que será objeto de outro estudo, específico sobre a teoria das fontes, inclusive). A crítica aqui estabelecida é no sentido de que a teoria do ordenamento jurídico não pode simplesmente ignorar que existem outros diversos padrões de julgamento que conformam a produção normativa e que, portanto, merecem ser considerados como frações, legítimas ou ilegítimas, do sistema. Uma situação é admitir que existem tais elementos suscetíveis de influenciar a produção normativa, tanto na formatação dos textos legislativos, como na fixação das decisões executivas ou jurisdicionais. Outra completamente distinta é qualificá-los de elementos estranhos à ordem jurídica e, assim, ignorá-los solenemente, como propôs Kelsen. Tais elementos existem de fato e, por isto, reclamam a atenção do cientista jurídico.


Nessa linha de raciocínio, a proposta aqui lançada é no sentido de que os diversos elementos de determinação das normas jurídicas precisam ser conhecidos e estudados pela ciência do Direito (mais especificamente pela dogmática jurídica), inclusive para fins de auxiliar na prescrição daqueles que são juridicamente aceitáveis e devem ser tomados em conta pelo legislador e pelo órgão aplicador do Direito, bem como dos que merecem ser desprezados.


Exemplificativamente, Ronald Dworkin, em seu ataque geral declarado ao positivismo jurídico, reconheceu que existem diversos padrões que influenciam o magistrado na construção da norma, dos quais reputou legítimos os princípios (principles) e as regras (rules) e, de outro lado, rejeitou as políticas (policies), sem olvidar da existência de outros não especificados[48]. Ou seja, diferentemente de Kelsen, o professor norte-americano reconheceu a existência de outros aspectos normativos além da regra e, assim, passou a enfrentar o problema, ao invés de simplesmente ignorar a influência que a política, a Moral e os princípios jurídicos exercem na produção do Direito.


A segunda crítica à teoria positivista do ordenamento jurídico reside na aposta de que a produção normativa ocorre por subsunção linear, do ápice (norma fundamental) até a base (norma de decisão) do sistema jurídico, ou seja, mediante o estabelecimento da norma inferior por mera dedução da superior, através de um ato de vontade, de modo a simplificar o fenômeno complexo e multidisciplinar da hermenêutica jurídica.


Para o jurista austríaco, a produção do Direito ocorre na própria dinâmica do ordenamento, seguindo uma linha sempre descendente, dividida em tantas etapas quantos forem os degraus da hierarquia. Exemplificativamente, o constituinte derivado poderia modificar a Constituição mediante uma emenda, enquanto o legislador, por sua vez, fundamentaria-se na alteração constitucional para editar a lei ordinária e, ao final, o juiz se basearia na mencionada regra ordinária para decretar uma norma individual na resolução de um caso concreto.


Todavia, não é isto que efetivamente ocorre, de modo a revelar que a construção teórica de Kelsen é um plano ideal sem paralelo na realidade fática. Consoante demonstra a experiência, o órgão aplicador do Direito, diante de um caso, difícil ou fácil (ambos se resolvem da mesma forma, embora o segundo possa parecer evidente, de resolução automática), enxerga a ordem jurídica como um todo íntegro (law as integrity) e, dela, procura extrair os diversos elementos para produção da resposta (norma) que irá resolver o problema (caso). Tal convergência de aspectos, a serem ponderados segundo operação mental do intérprete (a qual não pode ser esmiuçada no estágio atual da psicologia e da neurologia), é que resulta na norma que responderá à pergunta inaugurada pelo caso concreto[49].


Um exemplo pode ilustrar a falha na dinâmica do ordenamento jurídico proposta por Kelsen. Tome-se um juiz diante de certo caso criminal hipotético, envolvendo um suposto delito de trânsito. Ele pode, primeiro, identificar alguns textos legais que lhe parecem pertinentes ao tema, extraídos da Constituição, dos códigos penal, processual criminal e de trânsito, bem como do regulamento do órgão de fiscalização de trânsito. Todavia, tais textos podem não parecer suficientes para resolução do problema, persistindo ainda dúvidas quanto ao melhor desfecho. Consultando a integralidade dos documentos legais antes referidos, o magistrado então percebe que dois princípios, quando articulados com os textos legais que ele destacou, permitem a formatação de uma resposta mais adequada. Ademais, ainda que se esforce em desconsiderar seus preconceitos morais sobre o caso, alguns argumentos deste teor acabam exercendo inegável influência na sua operação interpretativa. Logo, a formulação da norma que fundamentará a deliberação não é efetuada por mera subsunção de regras, mas sim mediante influxo de outras categorias acima referidas.


O exemplo acima ilustra, embora brevemente (em razão dos lindes físicos deste trabalho), o fenômeno de conformação de uma norma jurídica, que muito pouco tem de semelhante com a categoria subsunção proposta por Kelsen. Sem embargo, o referido fenômeno tipicamente positivista (subsunção), nos termos em que delineado por Kelsen, é redução exageradamente simplista da realidade, pois a norma jurídica é produzida por uma operação mental complexa, que envolve outros elementos de determinação além das normas superiores, como os princípios jurídicos e a Moral.


Neste particular, cabe lembrar os ensinamentos de Edgar Morin, no sentido de que se deve ter cuidado ao limitar demais os fenômenos na tentativa de descrevê-los cientificamente, pois a redução exagerada da complexidade pode causar cegueira quanto à totalidade dos aspectos que compõe a realidade[50]. Tendo isto em conta, não se pode olvidar que a subsunção kelseniana (produção da norma inferior mediante dedução da superior) é uma abreviação fenomenológica deste tipo, que merece ser superada.


Logo, por tais fundamentos, nega-se a existência da dinâmica do ordenamento jurídico proposta por Kelsen, por se tratar de mera ficção (ou redução muito limitada e exagerada da realidade). Ainda que o termo subsunção seja amplamente empregado nos textos forenses, trata-se de um argumento retórico que limita o espectro do fenômeno que efetivamente ocorre.


A terceira crítica ao ordenamento jurídico purificado proposto pelo jurista austríaco repousa sobre sua esquiva quanto ao tema da legitimidade moral das normas. Na busca pela purificação ideológica do Direito, o jurista de Viena simplesmente ignora um tema imprescindível, consistente justamente na avaliação ética das normas que compõem a ordem jurídica. Ainda que louvável a intenção (a palavra é empregada propositadamente, pois a limpeza de cunho antiideológica é também, por si, uma opção ideológica)[51], a exclusão do âmbito do Direito da questão Moral (do certo e do errado) representa, em verdade, uma fuga de tal problema complexo (e mutável), que é justamente o núcleo de um sistema jurídico.


Eliminar o tema da legitimidade moral do âmbito do Direito significa, apenas, separar dele algo que lhe inerente e intrínseco para, com isto, construir uma ciência pura (o Direito) e outra talvez impura (a ética, que para Kelsen é a ciência que estuda a Moral[52]). Mas isto é uma simples ficção que para nada serve, senão para o fim político de tentar justificar o mito simbólico de uma ciência jurídica objetiva e neutra.


Mais coerente e, até, cientificamente adequado, seria, ao invés, admitir que o Direito, por ser um produto cultural (produzido pela sociedade)[53], recebe influências dos padrões morais compartilhados por aqueles que participaram da produção normativa, justamente para viabilizar o estudo de tais influxos sobre a criação jurídica. Em outras palavras, não adianta negar, atribuindo tal influência de impura e, por isto, esquivar-se de tal problemática, externalizando o problema da ciência jurídica, como propôs Kelsen. Cabe à ciência jurídica diagnosticar a existência do problema e, por se tratar de uma ordem social, propor soluções que permitam um progresso civilizatório mais inclusivo e dignificante da condição humana.


Nessa quadra da história, em que se têm em perspectiva um Estado constitucional democrático, na expressão proposta anteriormente por Gustavo Zagrebelsky[54] e depois por José Joaquim Gomes Canotilho[55], não se pode admitir a existência de um ordenamento jurídico a despeito de qualquer conteúdo, justamente porque as leis fundamentais, por via de regra, contemplam parâmetros de perfil axiológico. É preciso reconhecer que as normas devem ter legitimidade moral, ainda que tal apreciação seja axiológica e, portanto, relativa e subjetiva[56]. Caberá ao processo comunicativo, de viés jurídico e democrático, a formação do consenso sobre quais os padrões que devem prevalecer no ordenamento normativo.


Por isso, a apresentação das normas com quaisquer conteúdo, ou seja, a despeito da sua legitimidade moral, é outro problema que torna insustentável a teoria do ordenamento jurídico proposta por Kelsen. Ao lado do pilar de validade formal da estrutura normativa, é preciso tratar também das pilastras morais e axiológicas que, de forma simultânea, conferem sustentação ao sistema.


Fechadas as três críticas à proposição teórica positivista sob foco, cabe então lançar algumas colaborações para formação de uma nova teoria do sistema jurídico, livre dos vícios acima elencados. Embora a tarefa de propor uma teoria pronta e acabada seja hercúlea, nada veda que sejam apontadas algumas direções, em sede de fase embrionária de pesquisas sobre o tema, por inspiração do perfil de reformador de paradigma, mencionado por Thomas Kuhn, ao tratar da estrutura das revoluções científicas[57].


Com tal desiderato, partindo da análise crítica acima deduzida, é preciso estruturar uma nova teoria do ordenamento jurídico, de viés pós-positivista, que, dentre outras coisas, primeiro, considere a inegável influência de outros padrões de julgamento, além das regras positivas, na produção da norma; segundo, exclua a subsunção e, em substituição, proponha um modelo mais afinado com a efetiva realidade da dinâmica da produção normativa; e, terceiro, contemple o tema da legitimidade moral das normas, como questão inerente e intrínseca ao Direito.


A ideia de superação, aqui apenas lançada, é a de que a Constituição não é o vértice de um sistema formado puramente por regras escalonadas pelo critério meramente formal, mas sim uma carta política composta por regras e princípios, com inegável influxo axiológico, que assume a posição de centralidade formal e material (ou seja, conteudística) em uma ordem jurídica.


CONCLUSÕES


Para cumprir as formalidades acadêmicas, é necessário estabelecer uma breve síntese conclusiva das ideias lançadas neste texto, quanto à estruturação de uma teoria do ordenamento jurídico que supere o modelo positivista ainda predominante, mediante o lançamento da hipótese da centralidade material da Constituição.


Ao longo do texto, restou esclarecido que a teoria do ordenamento jurídico positivista desenvolvida por Kelsen reduz a ordem jurídica exclusivamente a um conjunto único e escalonado de regras de acordo com o critério de validade formal, sob a forma de uma pirâmide, cujo ápice é a norma fundamental. A dinâmica de tal sistema se resolve apenas na linha vertical, de cima para baixo, haja vista que a norma superior confere validade formal à produção da inferior (norma de decisão individual), por operação lógica dedutiva de subsunção.


Acontece que tal modelo estrutural piramidal se mostrou insustentável, porquanto, primeiro, restringe a ordem jurídica a um conjunto apenas de regras positivadas, quando já se demonstrou historicamente a ampla aceitação, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, da juridicidade de outros padrões de julgamento, a exemplo dos princípios; segundo, propõe a aplicação da norma somente por dedução lógica linear de subsunção, partindo sempre do escalão normativo superior (norma fundamental) para o inferior (norma de decisão), de modo a ignorar que também os preceitos inferiores ou mesmo colaterais exercem influência sobre os comandos hierarquicamente superiores; e, terceiro, foge do tema da legitimidade moral das normas, apesar de se tratar de questão nuclear ao estudo do Direito.


Todos estes problemas recomendam uma nova visualização do fenômeno jurídico, mais ampla e complexa, de modo a romper as amarras meramente formais da pirâmide kelseniana para os inegáveis influxos morais, que irradiam justamente da Constituição, como centro de atribuição de validade também material do sistema. Com efeito, o núcleo do ordenamento jurídico é formado por uma pauta de princípios estruturantes, impressos na Constituição, que representa o pilar de sustentações formal e material de todo o sistema.


Este trabalho se dá por encerrado com esta ideia, lançada como base para formulações teoréticas posteriores, com o objetivo de superar o modelo geométrico fechado apenas na validade formal proposto por Kelsen e, além disso, consolidar a carta política como uma centralidade irradiante de critérios axiológicos, que visam influenciar determinante a produção e a aplicação normativas.


Por fim, importa acrescentar que a hipótese central aqui desenvolvida, embora tenha o objetivo de auxiliar na superação do modelo positivista de Kelsen, é apenas um dos muitos aspectos a serem considerados na formulação de uma nova teoria geral do Direito que, de forma integrada, substitua as teorias positivistas do ordenamento jurídico, da norma, das fontes e da decisão judicial.


 


Referências:

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Notas:

[1]   KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. XI.

[2]   KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 1.

[3]   KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 54.

[4]   KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 11.

[5]   KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 19: “Trata-se, na verdade, de uma paráfrase eufemística para o doloroso fato de que a justiça é um ideal inacessível à cognição humana”.

[6]   KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 5 e especialmente 118: “Neste sentido, a Teoria Pura do Direito tem uma pronunciada tendência antiideológica. Comprova-se esta sua tendência pelo fato de, na sua descrição do Direito positivo, manter este isento de qualquer confusão com um Direito ‘ideal’ ou ‘justo’. Que representar o Direito tal como ele é, e não como ele dever ser; pergunta pelo Direito real e possível, não pelo direito ‘ideal’ e ‘justo’. Neste sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo jurídico”.

[7]   KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

[8]   KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

[9]   KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986.

[10] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 5.

[11] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 4.

[12] KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986. p. 33: “O dualismo de causalidade e imputação serve de base ao dualismo de Ciência Natural Causal, como a Física, Química, Biologia, Psicologia e as Ciências Sociais Normativas, como Ética e Ciência do Direito. É o dualismo lógico-fundamental de ser e dever-ser que aqui se manifesta”.

[13] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 86.

[14] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 6-8 e, especialmente p. 84: “Determinando o Direito como norma (ou, mais exatamente, como um sistema de normas, como uma ordem normativa) e limitando a ciência jurídica ao conhecimento e descrição de normas jurídicas e às relações, por estas constituídas, entre fatos que as mesmas normas determinam, delimita-se o Direito em face da natureza e a ciência jurídica, como ciência normativa, em face de todas as outras ciências que visam o conhecimento, informado pela lei da causalidade, de processos reais”.

[15] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 9.

[16] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 9.

[17] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 9 e especialmente 217: “Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação de causa de um determinado efeito, perde-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento de sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm)”.

[18] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 169: “Todos esses atos pertencem a uma mesma ordem jurídica porque a origem de sua validade pode ser remontada – direta ou indiretamente – à primeira constituição. Pressupõe-se que a primeira constituição seja uma norma jurídica de caráter obrigatório, e a formulação da preposição é a norma fundamental dessa ordem jurídica”.

[19] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 33: “Uma ‘ordem’ é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é – como veremos – uma norma fundamental da qual se retira a validade de todas as normas pertencentes a essa ordem”.

[20] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 247.

[21] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 221: “Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela vida de um raciocínio lógico do de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é criada por uma forma determinada – em última análise, por uma forma fixada por uma norma fundamental pressuposta. […] Por isso, todo e qualquer conteúdo pode ser Direito”.

[22] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 165: “A norma fundamental apenas estabelece certa autoridade, a qual, por sua vez, tende a conferir poder de criar normas a outras autoridades. As normas de um sistema dinâmico têm de ser criadas através de atos de vontade por indivíduos que foram autorizados a criar normas por alguma norma superior. Essa autorização é uma delegação. O poder de criar normas é delegado de uma autoridade para outra autoridade; a primeira é a autoridade superior, a segunda é a inferior”.

[23] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 387: “A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo de aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior”.

[24] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 261-262.

[25] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 195: “Que a criação de Direito seja, ao mesmo tempo, aplicação de Direito é uma consequência imediata do fato de que todo ato criador de Direito deve ser determinado pela ordem jurídica”.

[26] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 195.

[27] KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986. p. 339-340: “Contanto que a relação de correspondência que existe entre duas normas seja uma relação de subsunção, é uma relação lógica que existe entre o conceito mais geral (abstrato) e o menos geral (abstrato) ou entre o conceito geral (abstrato) e uma representação concreta (conceito individual). […] Contanto que tal subsunção seja um processo lógico de pensamento, que se realizada na fundamentação de validade de uma norma pela validade de uma outra norma, a Lógica é aplicável na relação entre normas. Esta relação não é nenhuma conclusão, e sim uma relação lógica”.

[28] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 388.

[29] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 392-395.

[30] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 396: “A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação ‘correta’. Isto é uma ficção de que se serve a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das normas jurídicas, este ideal somente é realizável aproximativamente”.

[31] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 37.

[32] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 57 e 61.

[33] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 60: “É por isso, de rejeitar uma definição do Direito que o não determine como ordem de coação, especialmente porque só através da assunção do elemento coação no conceito de Direito este poder ser distintamente separado de toda e qualquer ordem social, e porque, com elemento coação, se toma por critério um fator sumamente significativo para o conhecimento das relações sociais e altamente característico das ordens sociais a que chamamos ‘Direito’; e mais especialmente ainda porque só então será possível levar em conta a conexão que existe – na hipótese mais representativa para o conhecimento do Direito, que é a do moderno direito estadual – entre o Direito e o Estado, já que este é essencialmente uma ordem de coação e uma ordem de coação centralizadora e limitada no seu domínio territorial de validade”.

[34] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 77: “A necessidade de distinguir o Direito da Moral e a ciência jurídica da Ética significa que, do ponto de vista do conhecimento científico do Direito positivo, a legitimação deste por uma ordem moral é irrelevante, pois a ciência jurídica não tem de aprovar ou desaprovar seu objeto, mas apenas tem de o conhecer e descrever”.

[35] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 78: “A tese, rejeitada pela Teoria Pura do Direito mas muito espalhada na jurisprudência tradicional, de que o Direito, segundo a sua própria essência deve ser moral, de que uma ordem social imoral não é Direito, pressupõe, porém, uma Moral absoluta, isto é, uma Moral válida em todos os tempos e em toda parte”. 

[36] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 78.

[37] KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986. p. 145-156, em especial p. 148: “Como princípios do ‘Direito’ podem-se indicar os princípios que interessam à Moral, Política ou Costume, só enquanto eles influenciem a produção de normas jurídicas pelas competentes autoridades do Direito. Mas eles conservam seu caráter como princípios da Moral, Política e Costume, e precisam ser claramente distinguidos das normas jurídicas, cujo conteúdo a eles corresponde. Que eles são qualificados como princípios de ‘Direito’, não significa – como a palavra parece dizer – que eles são Direito, que têm o caráter jurídico. O fato de que eles influenciem a produção de normas jurídicas não significa – como Esser aceita – que eles estejam ‘positivados’, i.e., sejam partes integrantes do Direito positivo. […] A produção de normas jurídicas também é influenciada por fatores diferentes dos princípios da Moral, da Política, do Costume, p.ex., por interesses de certos grupos de subordinados do Direito, sem que se conceda a estes interesses caráter de ‘Direito’”.

[38] BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 187.

[39] BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 213: “Costuma-se representar a estrutura hierárquica de um ordenamento com a figura da pirâmide, razão pela qual se fala também de construção em pirâmide do ordenamento jurídico. Nessa pirâmide, o vértice é ocupado pela norma fundamental; a base é constituída pelos atos executivos. Se olharmos a pirâmide de cima para baixo, veremos uma série de processos de produção jurídica; se olharmos de baixo para cima, veremos, ao contrário, uma  série de processos de execução jurídica”.

[40] NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 178-182.

[41] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 148.

[42] FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: Teoría del derecho y de la democracia. V 1. Madrid: Trotta, 2011. p. 432-433.

[43] DUARTE, Écio Oto Ramos. POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico: As faces da teoria do direito em tempos de interpretação moral da constituição. 2 ed. São Paulo: Landy, 2010. p. 82-95.

[44] DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: Introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006. p. 46-47.

[45] KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.

[46] DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 4 ed. São Paulo: RT, 2011. p. 90-98, especialmente p. 98: “Finalmente, a referência ao direito natural, como conjunto de regras superiores e estáveis no tempo e no espaço que exprime os valores da justiça, é uma constante da filosofia e da doutrina jurídica ocidental, mas revela-se também repleta de problemas. Não havendo acordo sobre o conteúdo do direito natural, a posição dos jusnaturalistas de que o direito natural prevalece em caso de conflito com o direito positivo, pelo menos quando esse último provoca extremas injustiças, revela-se como uma tentativa ideológica para legitimar (ou deslegitimar) o direito vigente, segundo opiniões subjetivas”.

[47] NEVES, António Castanheira. Digesta: Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. V 2. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 52: “Trata-se agora também do reconhecimento, não só de que o sistema jurídico haverá hoje de pensar-se aberto e constituendo, mas sobretudo de que deixou ele de ser normativisticamente unidimensional (i. é, constituído apenas por normas, no sentido dogmático estrito desse conceito, e qualquer que seja a origem dessas normas ou mesmo que não sejam elas exclusivamente normas legais), pois se revela como normativisticamente pluridimensional – desde logo, e é essencial, com uma dimensão normativa que transcende, intencional e juridicamente, as normas formais e que é dada pelos valores e princípios normativo-jurídicos, os regulativos e constitutivos fundamentos normativos de todo o sistema juridicamente vigente”.

[48] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 35-46, especialmente p. 36: “Minha estratégia será organizada em torno do fato de que, quando os juristas raciocinam ou debatem a respeito de direitos e obrigações jurídicos, particularmente naqueles casos difíceis nos quais nossos problemas parecem mais agudos, eles recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios, políticas e outros tipos de padrões. Argumentarei que o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os papeis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras” (grifou-se).

[49] DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 492: “O direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera do comportamento. Tampouco por alguma lista de autoridades com seus poderes sobre parte de nossa vidas. O império do direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo. […] É uma atitude interpretativa e auto-reflexiva, dirigida à política no mais amplo sentido. É uma atitude contestadora que torna todo cidadão responsável por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os princípios, e o que tais compromissos exigem em cada nova circunstância”.

[50] MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3 ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. p. 13-14: “Por isso o conhecimento necessita ordenar os fenômenos rechaçando a desordem, afastar o incerto, isto é, selecionar os elementos da ordem e da certeza, precisar, clarificar, distinguir, hierarquizar… Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de provocar a cegueira, se elas eliminam os outros aspectos do complexus; e, efetivamente, eu o indiquei, elas nos deixaram cegos”.

[51] WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 181: “Em síntese, pode-se chegar à conclusão de que o rígido formalismo de Kelsen reflete certa posição dominante das ciências humanas, em determinado momento do desenvolvimento político econômico das sociedades burguesas liberais contemporâneas. Porquanto, ainda que se busquem teorizações aparentemente conformistas e não engajadas ao ditame dessas sociedades, na verdade, sob tais fórmulas técnicas, ocultam-se ideologias e intentos do próprio jogo da ‘neutralidade’, objetivando fins ‘impuros’. De fato, a suposta ‘cientificidade’ e a propalada ‘neutralidade’ kelsenianas não deixaram de ser também ideologias, pois sua ‘Grundnorm’ transformou-se em instrumento de legitimação de inúmeras ordens política-jurídicas: tanto de Estados do capitalismo liberal-burguês quanto de Estados que viveram certo tipo de socialismo burocrático”.

[52] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 67: “Essas outras normas sociais podem ser abrangidas sob a designação de Moral e a disciplina dirigida ao seu conhecimento e descrição pode ser designada ética”.

[53] GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 20: “Nível de um todo complexo – a estrutura social global –, o direito nela se compõe e resulta da sua própria interação com os demais níveis desse todo complexo. […] Produto cultural, o direito é, sempre, fruto de uma determinada cultura. Por isso não pode ser concebido como um fenômeno universal e atemporal”.

[54] ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia. 9 ed. Madrid: Trotta, 2009. p. 33-41.

[55] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 87.

[56] HELLER, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Mestre Jou, 1968. p. 288: “Mas, por causa da sua função social, o poder do Estado não deve contentar-se com a legalidade técnico-jurídica; por necessidade da sua própria subsistência, deve também preocupar-se da justificação moral das suas normas jurídicas ou convencionais positivas, procurar a legitimidade”.

[57] KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 122: “Quase sempre, os homens que fazem essa invenções fundamentais são muito jovens ou estão há pouco tempo na área de estudo cujo paradigma modificam”.


Informações Sobre o Autor

Orlando Luiz Zanon Junior

Juiz de Direito. Doutor em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Dupla titulação em Doutorado pela UNIPG Itália. Mestre em Direito Pela UNESA. Pós-graduado em Preparação à Magistratura Federal pela UNIVALI. Pós-graduado em Direito e Gestão Judiciária pela UFSC.


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