A sociedade da informação: princípios e relações jurídicas


Resumo: A sociedade da informação tem relação direta com revolução tecnológica – especialmente a Internet. A rede mundial de computadores trouxe em seu bojo conseqüências para todas as esferas da sociedade, tendo sido, talvez, uma das maiores revoluções da coletividade contemporânea. Nunca antes houve maior circulação de informações, dados e conhecimento do que na atualidade, desta forma, apruma-se a importância do acesso à informação, princípio basilar de direito constitucional brasileiro e por outros elementos normativos da esfera internacional. A defesa de um livre acesso à informação é um passo largo no caminho de busca para o equilíbrio necessário da adequada isonomia entre os cidadãos.


Palavras-chave: Sociedade da Informação. Acesso à informação. Internet


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Abstract: The information society is directly related to the technological revolution – especially the Internet. The World Wide Web has brought in its wake consequences for all spheres of society, and was perhaps one of the greatest revolutions in contemporary society. Never before has there been greater circulation of information, data and knowledge than at present, therefore, lifts up the importance of access to information, basic principle of constitutional law and other Brazilian regulatory elements of the international sphere. The defense of a free access to information is a big step in the search path for the necessary balance of proper for equality among citizens.


Keywords: Information Society. Access to information. Internet


Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. A Globalização e a Formação da Sociedade da Informação. 3. O Virtual como Realidade Jurídica. 4. O Direito à Informação como Direito Universal ao Homem. 5. O Direito à Informação como Princípio Fundamental na Ordem Jurídica Brasileira. 6. Conclusão





1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O mundo mudou. As transformações vertiginosas trazidas pelas evoluções tecnológicas estão refletidas em todos os segmentos da sociedade de uma forma nunca antes observada. É seguindo este contexto revolucionário que a Sociedade da Informação[1] nasce e se desenvolve, acarretando novas relações sociais e jurídicas e fomentando discussões de âmbito mundial.


A globalização experimentada pelo planeta nos últimos tempos assume duas funções: primeiro, é plano de fundo para o desenvolvimento e circulação de ideias, conhecimento e informações. Segundo, é ensejadora do rompimento das barreiras físicas, o que possibilita um grande volume de vazão de informação em um tempo reduzido.


O Direito, ciência mutável como é, deve refletir os anseios da sociedade. Deste modo, o Direito à Informação assume um papel primordial para a atual conjuntura mundial, visto que o acesso à informação é uma realidade digna de tutela. 


2 A Globalização e a Formação da Sociedade da Informação


Ao longo da história humana houve sempre dois grupos de agentes: os que dominam e os que são dominados. Tal dominação se dá, sobretudo, pela posse de certos elementos que trazem em seu bojo os instrumentos que proporcionam o poder ao grupo dominante.


No homem pré-histórico, o elemento fogo foi responsável pela mudança da estrutura da “sociedade”, onde o homem de nômade passou a ser sedentário, culminando no desenvolvimento da agricultura e no domínio do meio ambiente em algumas proporções, além de tornar-se ferramenta de conquista e controle sobre outros homens.


Desta forma, na linha do tempo, verificamos a evolução de determinados elementos de dominação dos grupos no poder. No homem pré-histórico: a descoberta e a posse do fogo; na sociedade greco-romana: a política e a arte da guerra; na idade média: a religião; nas grandes guerras: o poder bélico; no imperialismo: o controle das colônias; no capitalismo: os meios de produção; no mundo atual e globalizado: a informação.


A informação, portanto, funciona como parâmetro das relações de poder do mundo contemporâneo, onde a globalização teve papel basilar para a construção da Sociedade da Informação.


Antes de tudo, a globalização é um fato (ASCENSÃO, 2002), atrelada a acontecimentos e a um desencadeamento histórico que culminou na formação de uma aldeia global, esta interligada através de redes sociais, econômicas, políticas e culturais. David Held e Anthony McGrew, acerca do conceito de globalização, afirmam que,


“[…] o conceito de globalização denota muito mais do que a ampliação de relações e atividades sociais atravessando regiões e fronteiras. É que ele sugere uma magnitude ou intensidade crescente de fluxos globais, de tal monta que os Estados e sociedades ficam cada vez mais enredados em sistemas mundiais e redes de interação” (HELD & McGREW, 2001, p.12).


Portanto, globalização[2] implica relações de interação entre países, ao longo de um processo fático formando uma comunidade mundial comum, que é constituída espontaneamente e politicamente.


Neste processo fático a globalização pode ser fruto da política, pois os possuidores do poder não se atêm numa posição passiva diante deste fenômeno, ao contrário, a globalização é conduzida, fomentada e orientada pelas mãos dos governos dos Estados dominantes (ASCENSÃO, 2002). 


Neste sentido,


“[…] novas instituições internacionais e transnacionais têm vinculado Estados soberanos e transformando a soberania num exercício compartilhado do poder. Desenvolve-se um conjunto de leis regionais e internacionais que sustenta um sistema emergente de governança global, tanto formal quanto informal” (HELD & McGREW, 2001, p.31).


Tem-se uma coletividade mundial pautada em decisões políticas, mas também fruto de um intercâmbio de redes de conhecimento. É nesta sociedade globalizada que verificamos a circulação deste conhecimento, de cultura e de informação. Temos o berço da Sociedade da Informação.


Em primeiro ponto, vê-se que o desenvolvimento notável das telecomunicações é uma das bases da formação desta Sociedade Informacional, conforme assevera Eduardo Capellari:


“A sociedade de informação […] é fruto dos crescentes investimentos nas tecnologias de informação – destaque-se recentemente a rede mundial de computadores – que provocam uma nova divisão social do trabalho e apontam, por conseguinte, para uma nova sociedade” (CAPELLARI, 2000, p.39).


E prossegue:


“A informação passa a ser o motor das transformações […] A combinação de satélites, televisão, telefone, cabo de fibra ótica e microcomputador enfeixou o mundo em um sistema unificado de conhecimento, que provoca a superação das estruturas administrativas hierarquizadas e verticalizadas em direção à horizontalização das relações de poder, que tem na figura da rede, propriamente, a expressão da nova realidade (CAPELLARI, 2000, p.39).”


Surge uma nova era que rompe as barreiras territoriais, minimizando o tempo do processamento de um volume nunca antes visto de informações: “É a era da informação ou era digital na qual a comunidade internacional tem a alternativa de transitar em outra dimensão: a do ciberespaço” (VALLE, 2005, p.18).


Se pudéssemos afirmar que a informação é um combustível, seu motor seria o ciberespaço. É através das tecnologias digitais que as informações encontram maior propulsão para circularem e se desenvolverem. O ciberespaço, “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LÉVY, 1999, p. 92), é o grande molde revolucionário da sociedade contemporânea.


Neste sentido, Aires J. Rover e Djônata Winter versam que:


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“Os avanços das telecomunicações e da informática nos últimos anos revolucionaram a sociedade contemporânea, criaram novos padrões sociais, moldaram novos comportamentos, redirecionaram a economia e deram um impulso definitivo à globalização. Essas transformações foram tão grandes e profundas que passamos a denominar a atual época como a Era da Informação ou, mesmo, do conhecimento” (ROVER & WINTER, 2002, p.75).


O tema das tecnologias da informação e da comunicação no ciberespaço tem adquirido notável importância entre os círculos acadêmicos e em geral nas sociedades atuais, particularmente no que diz respeito aos usos e feitos da Internet. Estamos diante de uma nova forma de condensar a vida em uma representação espaço-temporal, basta observar a quantidade de pessoas que se interconectam na rede eletrônica constituindo um espaço de comunicação e interação emergente: o ciberespaço, e um ator social: o ciber-usuário.


A internet constitui a base tecnológica da forma organizativa que caracteriza a era da informação, a rede. Em torno desta rede mundial se configura uma dimensão virtual espaço-temporal: O ciberespaço, lugar não delimitado por espaços físicos e no qual os indivíduos estabelecem dinâmicas de socialização de diversa índole.


E é na Internet que o ciberespaço encontra o seu ambiente de maior expressão. Criada “com a soma das diferentes redes de computadores que se formaram desde o final dos anos 70 e se juntaram umas as outras (…)” (VALLE, 2005, p. 18), a denominada rede mundial de computadores – Internet – é ambiente virtual comum ao tráfego de informações, dados e conhecimento nas sociedades contemporâneas, onde o  desenvolvimento e a utilização desta tecnologia abre novos tipos de social e / ou alterações nas rotinas e padrões da vida cotidiana.


Neste diapasão, podemos afirmar que a Internet trouxe uma democratização no acesso a bens culturais, como a música e artes visuais e a informações sobre economia, política, ciência, dentre outras áreas, gerando uma verdadeira socialização massiva do conhecimento (CAPELLARI, 2000, p. 40).


3 O Virtual como Realidade Jurídica


É inegável a grande influência do ambiente virtual em todas as esferas da sociedade, categorizando mudanças nunca dantes vistas no curso histórico da humanidade. Neste sentido de virtualização[3] da vida humana, Pierre Lévy expõe que


“Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência. A virtualização atinge mesmo as modalidades do estar junto, a constituição do “nós”: comunidades virtuais, empresas virtuais, democracia virtual… Embora a digitalização das mensagens e a extensão do ciberespaço desempenhem um papel capital na mutação em curso, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização” (LÉVY, 1997, p.11).


É mister, portanto, ao Direito – adaptável como o é às transformações da sociedade – se ater às mudanças trazidas pela “virtualização” do cotidiano social. E não poderia ser diferente, pois a realidade informática/virtual impõe-se de forma imperativa, como toda revolução. A tecnologia transpõe os preconceitos e os temores, estabelecendo-se independentemente da adesão de seus destinatários (PIMENTEL, 2000, p.139).


Sendo assim, percebemos que com a expansão tecnológica, os Estados Nacionais estão sofrendo mudanças no que dizem respeito à sua estrutura jurídica e política, conforme assevera Regina Ribeiro do Valle:


“Atualmente, as políticas dos Estados Nacionais e suas ideologias estão submetidas a influências da expansão tecnológica, em especial da Internet, que não se subordina aos desejos e regras ditados pelos próprios Estados e escapa ao controle também dos blocos regionais” (VALLE, 2005, p. 19).


E prossegue:


“As estruturas formais do Estado moderno, soberano e independente, com o poder de ditar seu direito e exercendo o monopólio da força, convivem na era contemporânea com as estruturas de um Estado-Rede, que exerce sua soberania compartilhada, convivendo com princípios que extravasam os limites do território físico para obedecer regras supra nacionais como as que impõem total respeito aos direitos humanos, à proteção do meio ambiente e à utilização dos avanços tecnológicos em pró da melhoria da qualidade de vida da humanidade” (VALLE, 2005, p. 27).


A virtualização funciona, portanto, como um instrumento de quebra da soberania dos Estados Nacionais, pois rompe barreiras territoriais, limites físicos como são, interagindo com o fenômeno expansivo da Globalização. Cabe aos Estados a reconstrução do próprio ordenamento jurídico com a finalidade de adequá-lo a uma nova dimensão que supera o ordenamento anterior baseado na soberania territorial (VALLE, 2005).


Tal reorganização do Direito Pátrio, para que tenha efetividade, deve estar relacionada à integração entre Estados Nacionais, pois


“O funcionamento e a distribuição da informação na internet (virtualização) foram programadas para que se processassem de forma ilimitada mas, na medida em que o Estado somente pode exercer jurisdição sobre seu território problemas diversos têm ocorrido em razão desta limitação[…]” (GUERRA, 2009, p.5, grifos nossos).


Para eximir tais problemas, cabe ao Direito Internacional exercer sua competência através de seus Princípios, além Tratados, convenções, acordos, legislações conjuntas, dentre outras medidas, promovendo uma união de esforços entre Estados para colocar a virtualidade, com maior atenção à rede mundial de computadores (Internet), sob regulamentação jurídica.


Neste sentindo, conclui o estudioso jurídico Sidney Guerra:


“[…] o direito internacional antes caracterizado com seu débil poder de coerção, ultimamente institui-se cada vez mais como um princípio normativo superior que permite aos indivíduos reivindicar sua aplicação ou denunciar sua violação pelo Estado, aplicando-se os fundamentos correspondentes à matéria também no campo da internet” (GUERRA, 2009, p.9).


O significado das mudanças que a virtualidade trouxe ao âmbito jurídico se revela quando o Estado é forçado a dividir seu papel de interventor legislativo com forças que ultrapassam o plano da nação. A tendência do Estado Moderno, segundo José Eduardo Faria é o de


“[…] desenvolver […] um ordenamento (jurídico) capaz de substituir a coerção pelo consenso, o comando pela negociação, a decisão imperativa pela persuasão, a imposição pelo acordo, a subordinação pela coordenação, a intervenção controlada por um mecanismo descentralizado de auto-direção e por fim a responsabilização individual pela responsabilidade organizacional no caso de condutas potencialmente comprometedoras do equilíbrio sistêmico da sociedade” (FARIA apud VALLE, 2005, p.28).


O Direito é mutação. O virtual é mutável. Nada mais consequente que a unificação destes dois sistemas traga mudanças profundas no seio da sociedade, acarretando novas questões jurídicas, novas lides e novas buscas na proteção dos direitos envolvidos.


4 O Direito à Informação como Direito Universal ao Homem


A informação é parâmetro primordial no mundo globalizado de grande difusão de conhecimento. Que esta informação seja disponibilizada de forma universal deve ser umas das características basilares da Sociedade da Informação.


Neste sentido, afirma o professor Marcos Wachowicz:


“O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimento e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação na geração de conhecimentos e dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso” (WACHOWICZ, 202, p.37).


Desta forma, é a livre circulação de informações e de conhecimento que ocasiona novas nuances aos Direitos Humanos[4], no que se refere aos Direitos da Informação, consubstanciados no Direito de Acesso à Informação e no Direito de Expressão (liberdade de expressão).


Liliana Minardi Paesani, muito bem observando como se dá o surgimento destes direitos, versa:


“A liberdade de informação tem sido definida como a mãe de dois direitos: de informar e de ser informado. A informação deve ser observada sob o aspecto ativo e passivo. No primeiro caso, aborda-se a possibilidade de acesso aos meios de informação em igualdade de condições, possibilitando o direito de expressar o pensamento e informar; o aspecto passivo salvaguarda o direito de assimilar e receber as notícias e as opiniões expressas por alguém. Neste último caso, tem-se a liberdade de se informar” (PAESANI, 2006, p. 21, grifo nosso).


Os direitos da informação, tendo-se em vista o fluxo de informações decorrentes da revolução tecnológica, fazem parte da base do sistema democrático[5] de direito, nesse mesmo sentido Abdul Waheed Khan expõe que


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“O livre fluxo de informações e ideias ocupa justamente o cerne da noção de democracia e é crucial para o efetivo respeito aos direitos humanos. Se o direito a liberdade de expressão – que compreende o direito de buscar, receber e transmitir informações e ideias – não é respeitado, não é possível exercer o direito ao voto, além das violações de direitos humanos ocorrerem em segredo, e de não haver como denunciar a corrupção e a ineficiência dos governos (…)” (KHAN, 2009, p.1).


Tendo-se em cena os Direitos à Informação, permeamos agora o instrumento de maior proteção aos direitos do homem, qual seja: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada em 1984 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal é documento marco na política internacional, consolidando-se “como instrumento internacional de proteção aos direitos humanos de plena eficácia nas relações internacionais, passando a ser observada nas políticas dos Estados, configurando-se como direito costumeiro internacional.” (WACHOWICZ, 2002, p. 43), sendo acolhida


“como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais […] (e) representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra” (BOBBIO, 2004, p. 47).


Em seu art. XIX a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” Infere-se logicamente que tal declaração, apesar de ser da primeira metade do século XX, se adéqua perfeitamente no âmbito da Sociedade da Informação, com profundidade na Internet, pois esta é a principal fomentadora de circulação de ideias, conhecimento e informação, corroborando com o sentido de que é Direito Primordial receber e transmitir conhecimento, respeitando claro, os limites trazidos pelos princípios de proteção autoral.


Importante é aferir que o ideal de que todos tem livre acesso à informação disponibilizada na rede é utopia. Nem tudo no mundo globalizado são boas novas e aqueles que não detêm a tecnologia da informação “não conseguem se comunicar com a velocidade dos incluídos para comunicação mediada por computador” (SILVEIRA, 2001, P. 17). É o que estudioso jurídico Marcos Wachowicz chama de “brecha digital”, tendo o seguinte posicionamento:


“Na medida em que a pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural e do progresso cientifico e seus benefícios, o Estado deve ser chamado para superar esta brecha. O art. XXVIII da Declaração Universal assevera, ainda, com maior clareza: “Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados” (WACHOWICZ, 2002, p.43).


Desta forma, a função primordial do direito à informação deve sempre ser a de integrar a pessoa humana na Sociedade da Informação e, em um sentindo mais aprofundado, permitir o livre acesso do indivíduo às informações disponíveis no ciberespaço, evitando assim a exclusão social proveniente do não ingresso no ambiente informático. É função estatal levar a inclusão informacional em todas as esferas da Sociedade, ou mesmo, incentivar o desenvolvimento nacional de iniciativas privadas neste sentido.


Porém, além desta responsabilidade estatal de garantir um livre acesso, de qualquer pessoa, à informação, temos que a ordem internacional também deve ser chamada para a proteção e efetivação do Direito à informação, através de mecanismos de força internacional, tais como ONGs, empresas públicas e privadas, convenções, tratados etc.


De todo modo, o fato do Direito à Informação ser um direito defendido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem só mostra a importância que tem a informação e o conhecimento de serem disponibilizados e a importância dos meios de expressão para divulgação e interpretação deste ciclo informacional. Neste contorno, não tem como


“se esquivar da análise de uma tentativa de implementação dos direitos humanos, tendo como cenário o espectro das transformações das relações socioeconômicas e seus corolários, sobretudo quando visamos instrumentalizar para isso as práticas jurídicas e os operadores do direito por ela responsáveis, em particular se pensamos no conjunto de possibilidades e necessidades que se abrem a partir das estratégias de regionalização dos espaços via integração de países, da globalização econômica, da mundialização dos vínculos sociais, da universalização das pretensões, etc”. (MORAIS, 2002, p. 519, grifo do autor).


Tais direitos, direitos humanos no sentido global, são tutelados tanto pelo direito internacional quanto pelo direito pátrio de cada nação, sendo a recepção destes pela Constituição de cada país o molde para a formação dos direitos fundamentais do homem nacional[6] (WACHOWICZ, 2002).


5 O Direito à Informação como Princípio Fundamental na Ordem Jurídica Brasileira


As constituições dos Estados Nacionais figuram como normas superiores que servem como base para todo o ordenamento jurídico e político da Nação. Como Carta Política Magna, nela moram os princípios que conduzem todas as normas deste ordenamento jurídico nacional. Tendo-se em vista as constituições nacionais como a consubstanciação dos direitos primordiais do povo de cada país, é natural que os direitos humanos sejam atrelados aos dispositivos constitucionais da Lei Maior destes Estados[7].


Nesse sentido, a concretização dos direitos humanos universais em direitos fundamentais nacionais deve ser feita pelo Estado, devendo este incluir o reconhecimento em nível legislativo expresso ou implícito através de cláusula constitucional aberta[8] e de outro lado, é necessário que esta concretização seja feita também em nível jurisdicional através da utilização de instrumentos procedimentais (MORAIS, 2002), além da implantação de regras e princípios, através de tratados e declarações, com o propósito de criar elementos comuns de asseguração da aplicação dos direitos humanos, sempre pautados sobre os princípios protetivos da pessoa humana (WACHOWICZ, 2002). Porém, a concretização dos direitos humanos implica  na “necessária compreensão da ação jurídica fundamentada em uma prática comprometida e assente em uma teoria engajada, onde a Constituição não seja percebida exclusivamente como uma folha de papel.” (MORAIS, 2002, p. 528, grifo do autor).


    Nesse contexto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 abarcou os princípios humanos universais os traduzindo em princípios – mandamentos nucleares de um sistema[9] – fundamentais do direito constitucional brasileiro. Nos quatro primeiros artigos, a Constituição já elenca os princípios fundamentais alicerces do Estado brasileiro, “estabelecendo as bases fundamentais em que está alicerçado o Estado democrático de direito” (WACHOWICZ, 2002), trazendo uma gama maior de princípios do que as Constituições anteriores, consagrando os direitos humanos como matéria de ordem internacional, ultrapassando os limites da soberania e independência do Estado Nacional (WACHOWICZ, 2002).


No tocante ao Direito à informação, nossa Carta Magna versa que


“Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;


IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;


XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. (grifo nosso)


Na medida em que a liberdade e a igualdade são direitos invioláveis garantidos a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, a liberdade aplicada à manifestação de pensamento se torna também um direito inviolável, devendo ser incentivada para a implantação de uma sociedade justa e igualitária. A liberdade de pensamento é o direito fundamental de explanar opiniões pessoais sobre qualquer assunto e


“se caracteriza como exteriorização do pensamento no seu sentido mais abrangente. É que no seu sentido interno, como pura consciência, como pura crença, mera opinião, a liberdade de pensamento é plenamente reconhecida, mas não cria problema maior” (SILVA, 2007, p. 69).


É nessa acepção que a liberdade de manifestação de pensamento faz parte da liberdade de opinião de cada indivíduo, àquela como exteriorização de pensamento, esta como posição intrínseca de cada ser humano no uso de suas opiniões. A liberdade de expressar pensamentos, portanto, nasce no âmbito interno do individuo, podendo, conforme a vontade deste, vir a externar-se ou não.


Quando a liberdade de expressão se exterioriza, há o início de uma atividade intelectual, artística, cientifica ou de comunicação. Esta liberdade de expressão exteriorizada se torna um direito fundamental no mesmo sentido que a liberdade de pensamento da pessoa humana o é.


Neste entendimento, José Afonso da Silva diz que


“As manifestações intelectuais, artísticas e cientificas são formas de difusão e manifestação do “pensamento”, tomado esse termo em sentido abrangente dos sentimentos e dos conhecimentos intelectuais, conceptuais e intuitivos” (SILVA, 2007, p. 98).


A senda da liberdade de expressão é ampla. Ela passa pela atividade intelectual, que se manifesta pelo conhecimento conceitual, envolvendo o conhecimento cientifico – filosófico; envereda pela atividade artística, que explode em expressões artísticas das mais variadas, em especial as de Artes Plásticas, Literatura e Música; continua pela atividade científica, que se ajusta através da pesquisa científica, com pressupostos rigorosos, observações baseadas em “ação e reação”, utilizando de hipóteses para atingir “verdades científicas”; e chega à liberdade da atividade de comunicação, que se constitui “num conjunto de direitos, formas, processos e veículos que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação.” (SILVA, 2007, p. 98)


Torna-se necessário ainda tecer considerações sobre a liberdade de expressão cultural, que também é parte integrante do Direito Fundamental da Informação. Cultura é a manifestação coletiva de uma sociedade, através de comportamentos individuais e é, segundo a visão de Marilena Chauí, compreendida como


“o campo no qual uma comunidade instituiu as relações entre seus membros e com a natureza, conferindo-lhes sentido ao elaborar símbolos e signos, práticas e valores, ao definir para si própria o possível e o impossível, a linha do tempo (passado, presente e futuro), as distinções no interior do espaço, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, o permitido e o proibido, a relação com o visível e o invisível, com o sagrado e o profano, a guerra e a paz, a vida e a morte”. (CHAUÍ, 2009, p.131)


Desta forma, a Cultura é a reunião de elementos de expressão definidores de uma sociedade, onde se aglutina ao direito à informação o direito à cultura, pois esta também figura como meio de fomento e transmissão de conhecimentos, devendo ser livre tanto as formas de suas manifestações como o acesso a elas. Nesse sentido, a obra cultural


“se oferece aos outros sujeitos sociais, se expõe a eles, oferece-se como algo a ser recebido por eles para fazer parte de sua inteligência, sua sensibilidade e sua imaginação e ser retrabalhada pelos receptores, seja porque a interpretam, seja porque uma obra suscita a criação de outra. A exposição das obras culturais lhes é essencial, existem para ser dadas à sensibilidade, à percepção, à inteligência, à reflexão e à imaginação dos outros”. (CHAUI, 2009, p. 136)


Cabe ao Estado conceber a cultura como um direito à informação, vinculado ao direito à cultura, como um direito nato do cidadão e, assim, “assegurar o direito de acesso às obras culturais produzidas, particularmente o direito de fruí-las, o direito de criar as obras, isto é, produzi-las, e o direito de participar das decisões sobre políticas culturais” (CHAUI, 2009, p. 136).


O direito à informação compreende, portanto, o alvedrio que o indivíduo tem de acessar e repassar esta informação, onde esta liberdade de informação envolve a procura, o acesso, a difusão e também o recebimento de informações e idéias, por qualquer meio, respondendo cada pessoa pelos abusos que cometer (SILVA, 2007). O acesso de todos à informação é um direito individual e intangível, resguardada tanto a liberdade de ser informado quanto a de informar.


É através da liberdade à informação individual que brota o direito à informação, que é um direito coletivo. O direito da coletividade à informação atinge todas as esferas individuais, trazendo uma função social à informação, que deve garantir a correta vinculação de idéias e conhecimento a todos os cidadãos, traduzindo-se numa sociedade igualitária e de oferecimento de oportunidades a todos os indivíduos.


Não obstante, conforme mostra Liliana Minardi Paesani:


“Toda liberdade, por mais ampla que seja, encontra limites, que servem para garantir o desenvolvimento ordenado da sociedade e dos direitos fundamentais de qualquer sujeito, e este princípio se aplica também ao direito à liberdade de informação”. (PAESANI, 2006, p. 24, grifos do autor)


Desta forma, o direito à informação, tanto no sentido de acesso quanto de difusão encontra uma limitação por parte de outros direitos que incidem sobre a informação. Na medida em que é disponibilizado, o conhecimento lida igualmente com sua tutela, configurando-se assim os direitos que o criador deste conhecimento/informação adquire com sua concepção. Nesta vereda, a liberdade que o indivíduo possui para ter acesso à determinada informação esbarra no limite configurado pela liberdade que o autor possui de disponibilizar ou não tal conhecimento.


6 CONCLUSÃO


O direito não é uma ciência imutável. Não se baseia em premissas eternas. Não se cristaliza em axiomas perenes. O direito é o retrato de uma sociedade. É desta (e para esta) que concebe seus comandos normativos e passam a evoluir juntos, em uma integração que deve buscar a razoabilidade e a proporcionalidade como fatores de eficiência.


A sociedade atual encara uma de suas maiores revoluções: a revolução tecnológica. Nunca houve antes tamanha influência da concepção inventiva do homem diretamente sobre todos os segmentos sociais. O cotidiano contemporâneo está abarcado de situações que permeavam somente as cabeças dos escritores de ficção científica. Estamos na era da Sociedade da Informação. A globalização, fenômeno diretamente ligado à expansão capitalista, foi a propulsora das relações tecnológicas de âmbito mundial, onde redes de informação foram formadas unindo lugares e pessoas de todas as partes do planeta em uma grande teia social. É este intercambiamento motivado pela globalização que permite a circulação de conhecimento, de cultura e de informação.  


Sem dúvida, o grande cerne da Sociedade da Informação está consubstanciado na Rede Mundial de computadores, qual seja, a Internet. Esta se constitui em uma rede intercambiada de tráfego de dados e informações, que de um experimento militar tornou-se parte do cotidiano social, base primordial para a circulação informacional. Desta forma, o virtual torna-se realidade jurídica, na medida em que novas relações se formam, tanto no âmbito privado como no público. A virtualização rompe barreiras nacionais e individuais. As nações tornam-se mais do que meros territórios físicos. E ao indivíduo é apresentado o livre acesso ao conhecimento e à informação. Direito Fundamental que é, vem protegido no âmbito constitucional brasileiro, sendo perfeitamente adequado ao universo do ciberespaço. É neste que o indivíduo pode exercer plenamente seu direito de livre ascensão ao conhecimento disponível, desfavorecendo uma nova espécie de exclusão social, a digital. A privação do indivíduo à informação disponibilizada na Internet é ir contra aos próprios direitos humanos, visto que é claramente defendido na Declaração Universal de Direitos Humanos o direito primordial do acesso ao conhecimento, visando diminuir o fosso social existente nos países emergentes.


 


Referências:

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Notas:

[1] A Sociedade da Informação é vista como um campo de livre circulação de informações, ideias e conhecimento. Nesse sentido, diz Eliane Yachouh Abrão (2005, p. 86) que “o campo da informação é aquele onde habita o direito de todos se interconectarem por meio da notícia, dos fatos, eventos e documentos históricos, do didático, das projeções futuras (…). Sua maior característica é a velocidade, e é outro direito fundamental da pessoa humana, o de ser informado.”

[2] Trata-se da globalização sob o ponto de vista político e jurídico, que segundo Antônio Rodrigues de Freitas Junior (2002, p. 105) “é o deslocamento da capacidade de formulação de definição e de execução de políticas públicas, antes radicada no Estado-nação, para arenas transnacionais ou supranacionais, decorrentes da globalização econômica e de seus efeitos sobre a extensão do poder soberano.”

[3] Para Pierre Lévy (1997, p. 20-21) “a virtualização reinventa uma cultura nômade, não por uma volta ao paleolítico nem às antigas civilizações de pastores, mas fazendo surgir um meio de interações sociais onde as relações se reconfiguram com um mínimo de inércia. Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam “não-presentes”, se desterritorializam. Uma espécie de desengate os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário […]. A virtualização submete a narrativa clássica a uma prova rude: unidade de tempo sem unidade de lugar (graças às interações em tempo real por redes eletrônicas, às transmissões ao vivo, aos sistemas de telepresença), continuidade de ação apesar de uma duração descontínua (como na comunicação por secretária eletrônica ou por correio eletrônico). A sincronização substitui a unidade de lugar, e a interconexão, a unidade de tempo. Mas, novamente, nem por isso o virtual é imaginário. Ele produz efeitos […]. Os operadores mais desterritorializados, mais desatrelados de um enraizamento espaço-temporal preciso, os coletivos mais virtualizados e virtualizantes do mundo contemporâneo são os da tecnociência, das finanças e dos meios de comunicação. São também os que estruturam a realidade social com mais força, e até com mais violência.”

[4] Direitos Humanos, que como destaca Flávia Piovesan, devem ser vistos pelo seu processo de reconstrução trazida pela aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, onde “introduz ela a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem assim uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais” (PIOVESAN, 2002, p. 41).

[5] Norberto Bobbio (1989, p. 84) afirma que “com um aparente jogo de palavras pode-se definir o governo da democracia como o governo do poder público em público.”

[6] No Brasil, os tratados internacionais precisam ser internalizados através da aprovação do congresso e da promulgação presidencial, sem os quais não podem ser integrados ao ordenamento jurídico. Sua validade perpassa por dois momentos: o momento em que se internaliza e o momento em que se dá um possível conflito entre o tratado e a legislação já existente. Desta forma, ao serem internalizados, estes se situam em plano hierárquico análogo às normas infraconstitucionais, não havendo primazia sobre as demais leis ordinárias (ARAÚJO & MONTEBELLO, 2002).

[7] No que tange aos tratados internacionais e sua importância normativa, há uma antiga discussão doutrinária e jurisprudencial acerca de sua internalização. Há duas teorias que assumem lados opostos nesta discussão: a monista e a dualista. A teoria monista entende que existe uma única ordem jurídica, planificada tanto no âmbito interno quanto no âmbito internacional, onde as normas de Direito Internacional não precisariam ser promulgadas no país onde seriam aplicadas. Cabe observar para Hans Kelsen, tem-se a figura da grundnorm, que é uma norma superior de ordem internacional, ápice da pirâmide normativa proposta por ele, cuja natureza obedece ao pacta sunt servada consuetudinariamente. A teoria dualista entende que há duas ordens diferentes, quais sejam: a interna e a externa. O Direito Interno é regido e elaborado pela vontade soberana do Estado, enquanto que o Direito Externo, o internacional, deve ser incorporado ao Direito Nacional por meio da vontade do Estado, onde os tratados internacionais devem ser obrigatoriamente promulgados para ter vigência no território nacional.

[8] José Luís Bolzan de Morais, analisando o § 2º do art. 5º da Constituição Federal, in verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”, diz se tratar de cláusula constitucional aberta, “pois a partir dela pode-se construir a hipótese que se assenta na perspectiva de que a mesma atribui natureza de norma constitucional aos tratados de direitos humanos, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica do Texto de 1988, diante da assunção da dignidade humana e dos direitos fundamentais como axiomas do fenômeno constitucional, o que se vincula à legitimidade material da Constituição – uma fundamentação substantiva para os atos do poder público, afirmando-se como um parâmetro material, diretivo e inspirador dos mesmos, o que é fornecido pelo elenco dos direitos fundamentais” (MORAIS, 2002, p. 536).

[9] Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 817) define princípio como mandamento nuclear de um sistema como um “verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.


Informações Sobre o Autor

Rodolpho Silva Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Advogado.


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