A prática de alienação parental como causa de deserdação

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Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade de deserdação nos casos de ausência de afetividade na relação familiar, em virtude da prática de alienação parental. Com a análise da Constituição Federal de 1988, do Código Civil e demais legislações, busca-se um novo sentido ao direito de família, baseado no princípio da afetividade e não mais na relação patrimonial, razão pela qual constata-se que tal princípio deve ser aplicado também no âmbito do direito sucessório.


Palavras-chave: Afetividade. Ausência. Alienação parental. Deserdação


Abstract: This article leads to examine the possibility of disinheritance in case of lack of affection in the Family relationships, with the practice of parental alienation. Analysing the brazilian Constitution of 1988, its Civil Code and other laws, we seek a new sense of Family law, based on the principle of affection, and no more in patrimonial benefits, which is the reason why that principle shold be also applied under the law of sucession.


Keywords: Affectivity. Absence. Parental alienation. Disinheritance.


Sumário: Introdução; 1. Conceito de alienação parental; 2. Modos de alienação parental; 3. Alienação parental e descumprimento do dever de família ante a ausência de afetividade; 4. O instituto da deserdação; 5. A alienação parental como causa de deserdação; Conclusão; Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


A sociedade está em constante modificação no decorrer da história e, assim, o Direito deve acompanhar tais mudanças, para garantir a pacificação social e a proteção ao ser humano.


A alienação parental, apesar de ser um fenômeno antigo, vem despertando maior interesse recentemente, culminando na edição da Lei nº 12.318/10.


A prática de alienação parental traz ao alienado sérias consequências, razão pela qual o genitor alienador merece sofrer um grave tipo de punição, tal qual a deserdação.


Inicialmente, enunciaremos o conceito de alienação parental do legislador responsável pela Lei supracitada e de doutrinadores renomados.


A seguir, traremos situações exemplificativas de modos de alienação parental, tanto as presentes na Lei, quanto as retiradas de experiências acompanhadas por profissionais.  


Em seguida, mostraremos como a prática de atos de alienação parental vai de encontro ao dever de família expresso na Constituição Federal de 1988 e na legislação e abordaremos o princípio da afetividade, que também deve ter aplicação no campo do direito sucessório.


Por fim, abordaremos efetivamente a possibilidade de deserdação baseada na alienação parental e, consequentemente, no descumprimento do dever familiar e ausência de afetividade


1. CONCEITO DE ALIENAÇÃO PARENTAL


A alienação parental é um processo de “implantação de novas memórias” (DIAS, 2010, p. 455) ou imposição de informações, geralmente falsas ou extravagantes, de modo a desmoralizar o genitor alienado, a fim de provocar sentimento de raiva e desprezo por parte dos filhos ao genitor ou o afastamento entre eles.


Assim, ocorre a alienação parental quando configura-se “uma situação patológica no ambiente familiar em que estivesse inserida a criança, normalmente em decorrência de seu desfazimento e da má resolução de sentimentos de índoles diversas” (HIRONAKA e MONACO, 2010).


Priscila M. P. Corrêa da Fonseca (2006) explica que a alienação parental é o “afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia”.


A Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, conceitua como ato de alienação parental


“a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.” 


Maria Berenice Dias (2010, p. 455) define como “nada mais do que uma ‘lavagem cerebral’ feita pelo guardião, de modo a comprometer a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou que não aconteceram conforme a descrição dada pelo alienador”.


Ana Maria Frota Velly (2010) aduz que


“a síndrome de alienação parental é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição.”


2. MODOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL


A alienação parental, conforme dito acima, consiste num conjunto de ações ou omissões causadas por um dos genitores ou parente próximo, com o intuito de denegrir a imagem do genitor alienado e desfavorecer sua convivência com o filho. A própria legislação e a doutrina especializada aduzem diversos modos de prática desses atos.


A Lei nº 12.318/10 traz um rol exemplificativo de formas de alienação parental, quais sejam:


Art. 2o  Omissis 


Parágrafo único.  Omissis


I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 


II – dificultar o exercício da autoridade parental; 


III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 


IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 


V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; 


VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 


VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.” 


Segundo Maria Berenice Dias (2010, p. 455),


“muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, quando um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro.”


Marcos Duarte (2009) explica que “o uso de táticas verbais e não verbais faz parte do arsenal do guardião” e a principal característica da alienação parental é a “lavagem cerebral no menor para que atinja uma hostilidade em relação ao pai ou mãe visitante”.


Para Caetano Lagrasta (2011) a prática de atos de alienação parental consiste num “verdadeiro estado de tortura, visando a colaboração destes no ódio ao alienado (ex-companheiro ou cônjuge; avós; parentes ou qualquer dos responsáveis pelo bem estar daqueles)”.


Priscila M. P. Corrêa da Fonseca (2006) indica que a alienação parental


“é obtida por meio de um trabalho incessante levado a efeito pelo genitor alienante, muitas vezes até mesmo de modo silencioso ou não explícito. Nem sempre é alcançada por meio de lavagens cerebrais ou discursos atentatórios à figura paterna. Na maior parte dos casos, o cônjuge titular da guarda, diante da injustificada resistência do filho em ir ao encontro do outro genitor, limita-se a não interferir, permitindo, desse modo, que a insensatez do petiz prevaleça.”


A autora ainda dá exemplos de ações que podem ser consideradas atos de alienação parentais, tais como inventar desculpas para evitar visitas do genitor alienado, como febre, dor de garganta, visitas familiares, festinhas de amigos, além de chantagem emocional com a criança, de modo que a faça pensar estar traindo o genitor alienante ao conviver com o outro.


Para melhor explanação do assunto, transcreveremos a seguir um rol mais minucioso, porém não taxativo, de atos característicos de alienação parental praticados pelo genitor alienante:


“a) denigre a imagem da pessoa do outro genitor; b) organiza diversas atividades para o dia de visitas, de modo a torná-las desinteressantes ou mesmo inibí-las; c) não comunica ao outro genitor fatos importantes relacionados à vida dos filhos (rendimento escolar, agendamento de consultas médicas, ocorrência de doenças, etc.) d) toma decisões importantes sobre a vida dos filhos, sem prévia consulta ao outro cônjuge (por exemplo: escolha ou mudança de escola, de pediatra, etc.); e) viaja e deixa os filhos com terceiros sem comunicar o outro genitor; f) apresenta o novo companheiro à criança como sendo seu novo pai ou mãe; g) faz comentários desairosos sobre presentes ou roupas compradas pelo outro genitor ou mesmo sobre o gênero do lazer que ele oferece ao filho; h) critica a competência profissional e a situação financeira do ex-cônjuge; i) obriga a criança a optar entre a mãe ou o pai, ameaçando-a das conseqüências, caso a escolha recaia sobre o outro genitor; j) transmite seu desagrado diante da manifestação de contentamento externada pela criança em estar com o outro genitor; k) controla excessivamente os horários de visita; l) recorda à criança, com insistência, motivos ou fatos ocorridos pelos quais deverá ficar aborrecida com o outro genitor; m) transforma a criança em espiã da vida do ex-cônjuge; n) sugere à criança que o outro genitor é pessoa perigosa; o) emite falsas imputações de abuso sexual, uso de drogas e álcool; p) dá em dobro ou triplo o número de presentes que a criança recebe do outro genitor; q) quebra, esconde ou cuida mal dos presentes que o genitor alienado dá ao filho; r) não autoriza que a criança leve para a casa do genitor alienado os brinquedos e as roupas de que mais gosta; s) ignora em encontros casuais, quando junto com o filho, a presença do outro progenitor, levando a criança a também desconhecê-la; t) não permite que a criança esteja com o progenitor alienado em ocasiões outras que não aquelas prévia e expressamente estipuladas.” (FONSECA, 2006).


3. ALIENAÇÃO PARENTAL E DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FAMÍLIA ANTE A AUSÊNCIA DE AFETIVIDADE


O direito à convivência familiar consiste na possibilidade de a criança ou adolescente conviver com ambos os genitores e seus familiares, num ambiente ideal de harmonia e respeito, que possibilite ao mesmo o completo desenvolvimento psicológico e social.


Rafael Nogueira da Gama (2007) explica que aos pais, ou a quem exerça o poder familiar “caberá adotar todas as providências necessárias para o sadio desenvolvimento mental, físico, social e intelectual da criança, para que se torne um adulto preparado para enfrentar a vida, profissional e emocionalmente”.


Tal direito tem assento na Constituição da República Federativa do Brasil, conforme artigos 227, caput, e 229, abaixo transcritos:


Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.


Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (…).”


O Estatuto da Criança e adolescente elenca como direito fundamental a convivência familiar, conforme artigos 4º, caput e 19, caput, in verbis:


Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.


Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.”


Com a alienação parental, na maioria das vezes, o principal objetivo do genitor alienador é impedir tal convivência, o que, segundo Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Gustavo Ferraz de Campos Monaco (2010), “macula a dignidade humana também por afetar a identidade pessoal da criança”.


O dever de família tem íntima relação com o princípio da afetividade, tão em pauta na doutrina e jurisprudência moderna.


Acerca do assunto, entende Paulo Luiz Netto Lôbo (2010, p. 64) que “a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles” e complementa:


A afetividade como princípio jurídico fundamenta o direito de família na estabilidade das relações sócio-afetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico (…) O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família. A evolução da família expressa a passagem do fato natural da consanguinidade para o fato cultural da afinidade (este no sentido de afetividade). A família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida (apud PEREIRA, 2011)


No mesmo sentido, Maria Berenice Dias (2010, p. 71) explica que “os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade”.


Sobre o assunto, Leonardo Barreto Moreira Alves (2007) aduz que:


“No campo específico do Direito de Família, verifica-se que a entidade família passa a ser encarada como uma verdadeira comunidade de afeto e entreajuda e não mais como uma fonte de produção de riqueza como outrora. É o âmbito familiar o local mais propício para que o indivíduo venha a obter plena realização de sua dignidade enquanto ser humano, porque o elo entre os integrantes da família deixa de ter conotação patrimonial para envolver, sobretudo o afeto, o carinho, o amor e a ajuda mútua (…) Desse modo, conclui-se que a família advinda da Constituição Federal de 1988 tem o papel único e específico de fazer valer, no seu seio, a dignidade dos seus integrantes como forma de garantir a felicidade pessoal de cada um deles.”


Dessa forma, entende-se que a afetividade, ou a ausência dela, como ocorre nos casos de alienação parental, a julgar da postura do genitor alienante, vai de encontro àquela família pautada nos princípios da Constituição Federal de 1988, caracterizando uma afronta ao princípio da dignidade humana.


4. O INSTITUTO DA DESERDAÇÃO


O instituto da deserdação tem assento no Código Civil nos artigos 1.961 e seguintes, caracterizando “uma cláusula testamentária, a qual, descrevendo a existência de uma causa autorizada pela lei, priva um ou mais herdeiros de sua legítima, excluindo-os, desse modo, da sucessão” (VENOSA, 2008, p. 298).


A lei prevê, no artigo 1.962 do Código Civil, um rol de causas que autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes, literis:


Art. 1.962. Omissis


I – ofensa física;


II – injúria grave;


III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;


IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.


E assim também o faz em relação à deserdação dos ascendentes por seus descendentes, conforme artigo 1.963, do mesmo diploma legal, abaixo transcrito:


Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:


I – ofensa física;


II – injúria grave;


III – relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;


IV – desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.”


Além dessas hipóteses, os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão, conforme inteligência do artigo 1.961, do mesmo Código.


Entretanto, os institutos não se confundem, conforme explana Washington de Barros Monteiro (2003, p. 62):


“Certamente, têm ambas a mesma finalidade, a punição de quem se portou ignobilmente com o falecido, e o mesmo fundamento, a vontade presumida do de cujus, que não desejaria, por certo, fossem seus bens recolhidos por quem se mostrou capaz de tão grave insídia. Ambos os institutos procuram afastar da herança aquele que não a merece em razão do reprovável procedimento que teve em relação ao autor da herança”.


Ademais, acerca da indignidade e deserdação, complementa Carlos Roberto Gonçalves (2004, p. 20):


“aquela pode atingir todos os sucessores, legítimos e testamentários, inclusive legatários, enquanto esta é utilizada pelo testador para afastar de sua sucessão os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), aos quais a lei assegura o direito à legítima. Somente a deserdação pode privá-los desse direito”.


Para que a deserdação produza efeitos, faz-se necessário testamento válido com expressa declaração do fato que a determina. Tal fato, no entanto, não emana do livre arbítrio do testador, já que, em tese, a causa da deserdação deve estar amparada legalmente.


Todavia, sabemos que o ordenamento jurídico é incapaz de regular toda e qualquer relação, ainda mais tratando-se de direito familiar, com todas as suas características e particularidades.


Por isso, discutiremos no tópico a seguir acerca da possibilidade de ampliação do rol das causas de deserdação, mais especificamente no que se refere aos casos de alienação parental.


5. A ALIENAÇÃO PARENTAL COMO CAUSA DE DESERDAÇÃO


Conforme dito acima, é impossível ao Direito reger toda e qualquer situação do mundo fático. Sendo assim, cabe aos julgadores buscar a solução mais justa ao caso concreto, ainda que tenha que incluir ou modificar as regras do nosso sistema jurídico. Tal adaptação, no entanto, deve ser feita de forma equânime e moderada, até porque o ordenamento o autoriza a proceder dessa forma.


O princípio da afetividade, com tanta repercussão no direito de família, também deve influenciar, de igual forma, o direito sucessório.


Isso porque a intenção da deserdação é desprestigiar aquele herdeiro necessário cuja relação de afetividade com o testador esteja abalada, independente dos laços sanguíneos. Dessa forma, as situações estampadas no rol dos artigos 1.962 e 1.963 não são capazes de regular todas as formas de quebra de afeto entre duas pessoas.


Não obstante a maioria da doutrina entender que tais artigos representam um rol taxativo, devemos lembrar que o ordenamento jurídico pátrio também se baseia em princípios, estes muitas vezes mais prestigiados que as regras.


Princípio jurídico é “um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico (…) e vincula o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam” (NUNES, 2007, p. 37).


Luiz Flávio Gomes (2005) entende que “seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras”, já que os princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele)”. E complementa afirmando que os princípios “não só orientam a interpretação de todo o ordenamento jurídico, senão também cumprem o papel de suprir eventual lacuna do sistema (função supletiva ou integradora)”. 


Sobre o assunto, esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 271)  que o princípio é


“o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.


E conclui que


“violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.”


Diante do exposto, então, entendemos pela possibilidade de deserdação em caso de alienação parental pautada no princípio da afetividade que, “mesmo não constando a palavra afeto no Texto Maior como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto decorre da valorização constante da dignidade humana” (TARTUCE, 2006, p.3).


Giselda Maria Fernandes Hironaka (2002, p. 2) também se posiciona no mesmo sentido, conforme trecho extraído de sua obra:


“Tem me sensibilizado igualmente, nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave”.


Assim, a quebra de afeto entre parentes, por meio da alienação parental, é causa de deserdação, ainda que não se altere o texto de lei.


Não obstante a desnecessidade de modificação da legislação, a Senadora Maria do Carmo Alves apresentou o Projeto de Lei do Senado nº 118 de 20103, que altera os capítulos V e X do Livro V do Título I do Código Civil, quanto às regras de exclusão da herança, no que se refere à indignidade e à deserdação.


De acordo com o Projeto, assim seria a nova redação do artigo 1.962, do Código Civil:


“Art. 1.962. O autor da herança também pode, em testamento, com expressa declaração de causa, privar o herdeiro necessário da sua quota legitimaria quando este:


I – culposamente, em relação ao próprio testador ou à pessoa com este intimamente ligada, tenha se omitido no cumprimento das obrigações do direito de família que lhe incumbiam legalmente;


II – tenha sido destituído do poder familiar;


III – não tenha reconhecido voluntariamente a paternidade ou maternidade do filho durante sua menoridade civil.”


A senadora justifica4 a modificação do artigo com os seguintes argumentos:


“A unificação das hipóteses de privação da legítima é uma tendência universal, a começar pelas codificações lusitana e suíça, que há tempos assim o fazem com sucesso. O próprio direito alemão, onde o  Código Civil (BGB) ainda prevê três dispositivos distintos para  regular separadamente a deserdação dos descendentes, pais e cônjuge, está para  adotar, conforme consta do Projeto de Reforma do Direito Sucessório (Entwurf eines Gesetzes zur Ändernung des Erb-und Verjährungsrechts), a uniformização das condutas típicas autorizadoras da privação da legítima. Ademais, com essa nova redação, estará viabilizada, em definitivo, a deserdação do consorte sobrevivente, que, pelo texto atual do Código Civil, embora seja ele herdeiro necessário, não foi previsto nenhum artigo específico que tratasse das hipóteses que poderiam implicar na sua punição, como assim acontece com os descendentes (art. 1962) e ascendentes (art. 1963). As 03


(três) causas específicas de privação legitimária, além daquelas previstas na indignidade sucessória, contemplam toda espécie de  inadimplemento familiar, desde a prestação de alimentos até o abandono moral, como também facilita o afastamento hereditário do pai ou mãe que tenha perdido o poder familiar ou que não tenham reconhecido voluntariamente a filiação da prole”.


Essa alteração no âmbito do direito sucessório e, consequentemente, no direito familiar, é de suma importância para adaptação do ordenamento jurídico à realidade social vigente.


Quanto ao instrumento de deserdação, conforme dito acima, é preciso que haja testamento válido com expressa declaração do fato que a determina. Assim, caso não haja amparo legal, o testador poderá indicar a base principiológica na qual se baseou para deserdar seu herdeiro necessário.


CONCLUSÃO


A família é um instituto essencial à vida em sociedade, principalmente para a criança e o adolescente, uma vez que necessitam, em regra, da inserção num seio familiar que possibilitem o seu correto e saudável desenvolvimento.


Ocorre que, com a separação dos pais, ou mesmo estando eles juntos, um dos genitores ou familiares próximos, chamados alienantes, como forma de atingir o genitor, ou até mesmo outro familiar, o alienado, acabam por prejudicar o desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente, uma vez que a alienação parental consiste em mentiras e acusações falsas, na maioria das vezes.


O primeiro passo a ser dado é procurar a prevenção de atos de alienação parental, mediante a divulgação, estudo e discussão das consequências entre profissionais e pais.


Entretanto, quando a situação já está instalada, além de buscar o correto tratamento à criança ou adolescente, o genitor alienante deve ser punido de forma proporcional ao transtorno causado, inclusive com a deserdação do mesmo.


Ocorre que, entendendo-se que o rol de causas de deserdação seja taxativo, o genitor alienante é prestigiado como herdeiro, mesmo sem merecer essa herança.


Como forma de evitar tal situação, defendemos a possibilidade de deserdação baseado no princípio da afetividade, este pautado na existência de afeto ou não nas relações familiares, uma vez que a prática de alienação parental representa um sério desamparo afetivo e desarranjo psicológico à criança ou ao adolescente alienado.


Assim, a deserdação poderá alcançar seu principal objetivo, qual seja o de proteger o autor da herança, garantindo-lhe a livre disposição dos seus bens.


 


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VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.


Informações Sobre o Autor

Laíse Nunes Mariz Leça

Advogada. Mestrado em Direito das Relações Sociais na Contemporaneidade pela Universidade Federal da Bahia – UFBA em curso. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco – ESA/PE. Pós-graduação em Direito do Trabalho pela Universidade Cndido Mendes – UCAM


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