Resumo: O presente artigo tem o objetivo de analisar as inelegibilidades no sistema eleitoral brasileiro à luz da Teoria Geral do Direito, nomeadamente no que se refere ao conceito de sanção jurídica, a fim de esclarecer o caráter sancionatório de referido instituto jurídico no que tange à inelegibilidade por condenação criminal não transitada em julgado, que veio a lume com a edição da Lei Complementar 135/2010, frente ao Princípio Constitucional de Presunção de Inocência.
Palavras chave: 1. Teoria Geral do Direito. 2. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 3. Direito Eleitoral. 4. Conceito de Sanção. 5. Inelegibilidades. 6. Presunção de inocência.
Abstract: This article aims to analyze the ineligibility in brazilian electoral system in light of the General Theory of Law, in particular as regards the concept of legal sanction, in order to clarify the character of that institute legal sanctions regarding the ineligibility for criminal conviction not definitive, which came to light with the publication of Supplementary Law 135/2010, in light of the Constitutional Principle of Presumption of Innocence.
Keywords: 1. General Theory of Law. 2. General Theory of Fundamental Rights. 3. Election Law. 4. Concept of Sanction. 5. Ineligibility. 6. Presumption of innocence.
Sumário: Introdução. 1. Conceito de Sanção Jurídica na Teoria Geral Do Direito. 2. Conceito de Inelegibilidade por Condenação Criminal Não Definitiva. 3. O Caráter Sancionatório da Inelegibilidade por Condenação Criminal Não Definitiva Frente ao Princípio Constitucional da Presunção de Inocência. Considerações Finais.
INTRODUÇÃO
As inelegibilidades se configuram em instituto jurídico de caráter constitucional e legal, acarretando graves consequências para aqueles que pretendem disputar cargos eletivos na República Federativa do Brasil.
De fato, os direitos políticos se configuram como instrumento de participação popular na composição do Governo e, juridicamente, revelam-se como direito fundamental do cidadão.
A denominação “direitos políticos”, no plural, talvez se ligue ao fato de apresentarem característica bifronte, ou seja, se referem tanto ao direito de votar quanto ao de ser votado.
De outra banda, as inelegibilidades estão jungidas ao caráter passivo dos direitos políticos, ou seja, à vedação ao direito de disputar cargos eletivos e, eventualmente, receber votos e ser diplomado, por período determinado de tempo.
Ocorre que a Carta Magna brasileira (VADEMECUM…, 2011), em seu artigo 14, §§ 4º e 7º, determina a inelegibilidade dos inalistáveis, dos analfabetos e, no território de jurisdição do titular, do cônjuge e dos parentes consanguineos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
Já no § 9º do referido artigo constitucional, há a determinação de que Lei Complementar estabeleça outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
A Lei Complementar que dá consecução ao desiderato constitucional gravado no artigo 14, § 9º, é a LC n. 64/1990, com as importantes alterações promovidas pela Lei Complementar n. 135/2010 (VADEMECUM…, 2011).
A introdução de inelegibilidades decorrentes de sentenças judiciais não definitivas foi um dos fatores que vieram a ensejar o questionamento quanto à constitucionalidade da LC n. 135/10, o que ainda não foi decido pelo c. Supremo Tribunal Federal.
De qualquer forma, o tema merece ser analisado no presente artigo, posto que as inelegibilidades, enquanto instituto jurídico, não são amplamente analisadas pela doutrina e, ademais, urge alcançar o entendimento sobre o fato de elas apresentarem ou não caráter sancionatório no que se refere às decorrentes de condenação criminal não definitiva.
É que, apresentando as inelegibilidades o caráter de sanção jurídica, questiona-se sobre a possibilidade de sua aplicação à luz dos direitos fundamentais, quando decorrentes de sentença condenatória penal não definitiva, mormente no que tange ao princípio da presunção de inocência.
Portanto, pretende-se analisar, no âmbito dos conceitos básicos da Teoria Geral do Direito, a natureza jurídica da sanção e seu imbricamento com o instituto jurídico das inelegibilidades por condenação criminal não definitiva (LC n. 64/90, art. 1, e), à luz do princípio de não culpabilidade.
Destarte, conceituar-se-á sanção jurídica e inelegibilidade por condenação criminal não definitiva para, ao final, revelar a existência ou não do caráter sancionatório deste último instituto jurídico, com vistas à analise de constitucionalidade em face de eventual violação do direito fundamental à presunção de inocência.
1 CONCEITO DE SANÇÃO JURÍDICA NA TEORIA GERAL DO DIREITO
De um posto de vista leigo, pode-se afirmar que sanção, no contexto em que se quer inserir o tema, se liga à ideia de punição, assim como na seguinte definição de dicionário da língua portuguesa (HOUAISS e VILLAR, 2001, p. 2508): “[…] parte coativa da lei que comina penas contra os que a violam […]”.
Partindo-se de tal conceito intuitivo, já nos domínios da Teoria Geral do Direito, pode-se afirmar, segundo Miguel Reale (2011, pp. 69 e 71), que a força organizada é própria do Direito e necessária para o seu cumprimento, haja vista que apresenta (o Direito) normas jurídicas imprescindíveis à coesão social, não podendo elas (as normas jurídicas), permanecerem sem a previsão de seu cumprimento obrigatório: “A astúcia do Direito consiste em valer-se do veneno da força para impedir que ela triunfe…” (REALE, 2011, p. 72).
Assim sendo, afirma-se, preliminarmente, que sanção, no contexto do Direito, se revela um expediente punitivo que tem por escopo preservar as normas jurídicas, preservando, assim, a harmonia social, ou, no dizer de Miguel Reale (2011, p. 72), garantia daquilo que se determina em uma regra (não grifado no original).
Ainda segundo Miguel Reale (2011, p. 74), o que caracteriza a sanção jurídica é a sua predeterminação e organização. E segue (REALE, 2011, p. 75):
“Tudo no Direito obedece a esse princípio da sanção organizada de forma predeterminada. A existência mesma do Poder Judiciário, como um dos três poderes fundamentais do Estado, dá-se em razão da predeterminação da sanção jurídica. Um homem lesado em seus direitos sabe de antemão que pode recorrer à Justiça, a fim de que as relações sejam objetivamente apreciadas e o equilíbrio restabelecido.”
Depreende-se do exposto, que para Miguel Reale, sanção jurídica é a garantia predeterminada e organizada daquilo que se determina em uma norma jurídica, visando-se, com o seu cumprimento, o equilíbrio do corpo social.
Em sentido idêntico, Maria Helena Diniz (1999, pp. 97 e 103), referindo-se, também, a Miguel Reale e a García Máynez, afirma que as normas jurídicas estão jungidas às sanções, de modo que estas se configuram em contrapartida à violação daquelas, ou seja, sanção é consequência jurídica a um dever estabelecido pelo Direito. Senão vejamos:
“[…] as normas, sejam elas morais ou jurídicas, não se podem compreender desprovidas de sanção, já que é impossível conceber uma ordenação da vida social sem se prever uma conseqüência que se acrescente à norma, na hipótese de ser violada. Toda ordem normativa tem a possibilidade de ser violada e conta com um complexo de expedientes para fazer frente a esta eventualidade. Estes expedientes são as sanções, que representam a resposta à violação […] “A sanção é a conseqüência jurídica (grifamos) que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado”. Relaciona-se ao inadimplemento de uma obrigação.” (grifado no original)
Importante consignar o rol exemplificativo de sanções apresentado por Maria Helena Diniz (1999. pp. 101 e 102), classificadas quanto ao ramo do direito e quanto a sua natureza, fazendo alusão a André Franco Montoro quanto às sanções fiscais, comerciais e trabalhistas, conforme segue:
“1 – Quanto ao ramo do direito a que pertencem podem ser: a) civis – nulidade de ato irregular, condenação pecuniária, prescrição, etc.; b) penais – penas privativas de liberdade: reclusão, detenção e prisão simples; penas restritivas de direitos: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, e pena de multa. c) administrativas – multas, apreensão de mercadorias, interdição de estabelecimentos, penas disciplinares; d) processuais – condenação nas custas, honorários advocatícios, absolvição da instância, revelia, preclusão dos prazos, pena de confesso. Com características semelhantes adaptados às peculiaridades dos demais ramos do direito, existem ainda sanções fiscais, comerciais, trabalhistas, etc. 2 – De acordo com sua natureza podem ser, como nos ensina Goffredo Telles Jr.: a) restitutivas – que visam à reposição das coisas no estado anterior em que estavam antes da violação da norma; b) compensatórias – que abrangem indenização ou reparação de dano; c) repressivas – que constituem as penas em geral do direito criminal ou penal; d) advenientes – que são sanções por incúria, abandono, desídia etc., que consistem na perda de um direito – trata-se da prescrição, revelia, decadência, pena de confesso, preclusão dos prazos, absolvição da instância etc.; e) preventivas – que são constituídas pelas medidas de segurança estabelecidas em lei por motivos de precaução – por exemplo: as medidas de segurança em matéria penal.”
Nota-se da classificação acima exposta a ausência de referências à matéria eleitoral, mormente quando a própria Constituição Federal (VADEMECUM…, 2011) prevê casos de perda e suspensão de direitos políticos e casos de inelegibilidades.
Entrementes, o tema não se esgota na classificação acima aludida, posto que, conforme declara a autora, trata-se de quadro exemplificativo.
Revolvendo o tema da conceituação de sanção jurídica, vem à baila a doutrina de Carlos Santiago Nino.
Para o autor argentino, sanção elenca-se nos conceitos básicos do Direito (SANTIAGO NINO, 2010, p. 195 e seguintes), sendo necessário fazer-se sua precisa definição, posto que apresenta reflexos nos demais termos jurídicos elementares (SANTIAGO NINO, 2010, p. 199).
Sendo assim, convém colacionar importante observação de Carlos Santiago Nino quanto ao ponto de partida de sua definição de sanção (2010, p. 199):
“Através de suas distintas obras, Kelsen define a palavra “sanção” assinalando as seguintes propriedades necessárias e suficientes: a) trata-se de um ato coercitivo, ou seja, de um ato de força efetiva ou latente; b) tem por objeto a privação de um bem; c) quem o exerce deve estar autorizado por uma norma válida; e d) deve ser a consequência de uma conduta de algum indivíduo.”
Partindo-se de tais pressupostos, Carlos Santiago Nino (2010, pp. 199 a 202), após concluir que a coerção é distinta da atividade de sancionar, que a sanção tem por objeto privar outro de algum bem e que a sanção é exercida por uma autoridade competente, arremata:
“[…] A sanção é consequencia de uma conduta […] Se as propriedades assinaladas fossem suficientes para o uso do termo “sanção”, fatos tais como doenças contagiosas, a internação dos doentes mentais ou genocídio de grupos raciais teriam que ser classificados como sanções, visto que são atos coercitivos exercidos por funcionários competentes e que têm por consequência a privação de certos bens. No entanto, esse não é o significado da palavra “sanção” no uso ordinário. Com a finalidade de refletir o uso comum, Kelsen, em sua última obra, acrescenta uma nova propriedade às outras: a sanção deve ser a consequência de uma conduta (como veremos depois, não necessariamente do sancionado). Isso quer dizer que só se pode falar de “sanção” naqueles casos em que a coerção estatal é exercida como resposta a alguma atividade voluntária de um agente, ou seja, quando há uma conduta realizada mediando a capacidade de omitir […].” (grifado no original).
Diante de todo o exposto, ousamos definir sanção jurídica in concreto como a garantia da efetividade das normas jurídicas levada a efeito por ato estatal coercitivo, exercido como resposta à atividade (comissiva ou omissiva) contrária ao ordenamento, tendo por consequência a privação de determinado bem pertencente ao infrator.
2 CONCEITO DE INELEGIBILIDADE POR CONDENAÇÃO CRIMINAL NÃO DEFINITIVA
A Constituição Federal (VADEMECUM…, 2011) estabelece a diferença entre elegibilidades e inelegibilidades, haja vista que impõe condições para as primeiras (artigo 14, § 3º) e indica pessoas e causas para a incidência das últimas, deixando transparecer que as condições de elegibilidades precisam ser preenchidas, enquanto que as causas de inelegibilidades necessitam ser evitadas, desde que se queira concorrer a cargos eletivos.
Assim, reza a Constituição, artigo 14, § 4º, que são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos, ou seja, forte no § 2º do referido artigo, além dos analfabetos, são também inelegíveis os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.
Prossegue a Constituição e determina outras causas de inelegibilidade quando, em seu artigo 14. § 7º, determina que são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consaguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo de já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
Finalmente, vem a Constituição a determinar em seu artigo 14, § 9º, que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta e indireta.
Dando consecução ao Texto Constitucional, artigo 14, § 9º, temos os casos de inelegibilidade da Lei Complementar n. 64, de 18-5-1990 (VADEMECUM…, 2011).
Desse modo, verifica-se a existência de inelegibilidades consagradas no próprio Texto Constitucional e de inelegibilidades previstas na Lei Complementar n. 64/1990, daí a previsão doutrinária (MENDES, 1994, p. 5) de hipóteses constitucionais e legais de inelegibilidades.
Não é demais analisar o artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, e verificar que a lei de inelegibilidades, deve ser lei complementar como espécie normativa, prevendo outros casos, além dos constitucionais e os prazos de sua cessação, tendo por escopo proteger: (i) a probidade administrativa, (ii) a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato e (iii) a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Anote-se a seguinte passagem doutrinária relativa à LC n. 64/90 (MENDES, 1994, p. 133):
“Em atenção ao sobredito § 9º do art. 14 da Constituição Federal de 1988, foi editada a Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, que, em conseqüência, revogou a Lei Complementar n. 5, de 29 de abril de 1970. Esses Diplomas são denominados, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, Lei das Inelegibilidades […] Com efeito, a Lei Complementar n. 64/90 adota elaboração legislativa com a definição “numerus clausus” das inelegibilidades que, assemelando-se ao instituto da “inéligibilité-protection” do direito eleitoral francês, descrevem situações objetivas cujo conteúdo normativo denotam: (a) cargos, funções e empregos públicos, (b) empresas privadas que possuam interesses econômicos decorrentes de relações com a Administração Pública, (c) empresas monopolísticas e enquadráveis nos arts. 3º e 5º da Lei n. 4.137/62, que regula a “repressão ao abuso do poder econômico”, (d) instituições financeiras e (e) entidades de classe mantidas, subvencionadas diretamente com dinheiro público ou contribuições (grifado no original).”
E mais (DAL POZZO, 2010, p. 30):
“Assim comentada a chamada inelegibilidade de base constitucional, temos ainda a denominada inelegibilidade de base legal, já que a própria Constituição Federal, mediante cláusula aberta, reservou à lei complementar a competência de estabelecer outros casos de inelegibilidade. A Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, configurando a regulamentação enunciada no dispositivo constitucional, veio a estabelecer e detalhar o sistema de inelegibilidades, em seu art. 1º, repetindo alguns casos já previstos na Constituição Federal (grifado no original).”
A alínea e, do artigo 1º, da LC n. 64/90, com redação dada pela Lei Complementar n. 135, de 4-5-2010 (VADEMECUM…, 2011), determina que são inelegíveis os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
Do acima exposto, verifica-se uma visão panorâmica a propósito das inelegibilidades no sistema eleitoral brasileiro, pelo que, pode-se prosseguir em busca de uma conceituação jurídica do referido instituto.
Em uma abordagem superficial, pode-se depreender que inelegibilidade é um instituto jurídico de natureza constitucional e legal, que promove a vedação, ainda que temporária, à candidatura aos cargos eletivos, com vistas à lisura das eleições, nomeadamente no que se refere à dignidade do candidato para representar a vontade popular, administrando o Estado, o dinheiro público e elaborando leis.
Tal entendimento vai ao encontro do seguinte excerto doutrinário (DAL POZZO, 2010, p. 26):
“Inelegibilidades, no plano eleitoral, configuram normas negativas, restritivas de direitos, pois impedem o cidadão de ser eleito para cargo público. Todavia, sua razão de existir, no dizer do Tribunal Superior Eleitoral, é a proteção do próprio Estado Democrático de Direito, cujo fundamento básico é o livre exercício do voto. É com esse sentido de preservar os valores mais caros ao regime democrático que a Corte Superior tem buscado interpretar a legislação eleitoral, em especial as normas de inelegibilidades.”
O desiderato aqui perseguido, no entanto, é conceituar a inelegibilidade decorrente da decisão condenatória penal, decorrente de órgão colegiado e não definitiva.
Retomando o Texto Constitucional, artigo 14, § 9º, cotejando-o com a LC n. 64/90, art. 1º, e, (VADEMECUM…, 2011), exsurge o fato de que a inelegibilidade por condenação criminal se dá a fim de proteger a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, desde a condenação transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes ali elencados (LC n. 64/90, art. 1º, e).
Importante ressaltar que o artigo 15, III, da Constituição Federal (VADEMECUM…, 2011), determina a suspensão dos direitos políticos para os eleitores com condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Note-se que a suspensão dos direitos políticos do artigo 15, III, se dá para qualquer condenação criminal e perdura, apenas e tão-somente, enquanto durarem seus efeitos, vale dizer, até o integral cumprimento da pena.
De outra banda, a inelegibilidade prevista na alínea e, do artigo 1º, da LC n. 64/90, somente se dá para com a condenação nos crimes ali elencados, perdurando, desde a condenação, até oito anos após o cumprimento da pena.
Analisemos a hipótese de um cidadão que esteja sendo processado por porte ilegal de arma de fogo, crime não elencado na alínea e, do artigo 1º, da LC n. 64/90.
Condenado em 1ª instância a dois anos de reclusão e multa, passada em julgado a sentença, tal cidadão terá suspensos os seus direitos políticos, não podendo votar, nem concorrer a cargo eletivo, pelo prazo que durar a penal, ou seja, por dois anos.
Passados os dois anos, certificada a execução penal e paga a multa, o cidadão terá restabelecidos os seus direitos políticos.
No caso, se houvesse recurso ao e. Tribunal de Justiça, confirmada a sentença, operar-se-ia a suspensão dos direitos políticos nos mesmos moldes acima descritos, porém, após o trânsito em julgado do v. Acórdão.
Entretanto, se houvesse recurso para o c. Superior Tribunal de Justiça ou c. Supremo Tribunal Federal, a suspensão dos direitos políticos somente se daria após a confirmação da condenação, ainda que em outros moldes, por tais tribunais, nunca, porém, antes do trânsito em julgado.
Analisemos, agora, a situação daquele que está sendo processado por crime contra o meio ambiente, previsto no n. 3, da alínea e, da LC n. 64/90, consistente em extrair pedra de floresta de domínio público, conforme o artigo 44, da Lei n. 9.605/98 (VADEMECUM…, 2011).
Condenado em 1ª instância à pena de seis meses de detenção e multa, teremos o seguinte quadro hipotético: transitada em julgado, a sentença promoverá a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de seis meses, necessitando-se, ainda, do pagamento da multa.
Porém, o cidadão permanecerá inelegível pelo prazo de oito anos após o cumprimento da pena.
Supondo-se que houvesse recurso ao e. Tribunal de Justiça, uma vez confirmada a sentença a quo, ainda que não passasse em julgado o v. Acórdão em face de hipotética interposição de recurso ao c. Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal, a inelegibilidade já passaria a vigorar pelo prazo de oito anos após a confirmação pelo órgão estadual colegiado.
Causa espécie o fato de que a pessoa in casu restará inelegível desde a condenação pelo TJ, ainda que tenha sido interposto recurso ao STJ, por exemplo.
Sendo o caso, transitada em julgado decisão no STJ, confirmando a condenação, o prazo de oito anos de inelegibilidade será contado desde a condenação pelo TJ ou será acrescido o prazo de mais oito anos a partir da condenação definitiva?
Por outra, ocorrendo a absolvição do cidadão pelo STJ, verificar-se-á a ocorrência de inelegibilidade desde a condenação no TJ por oito anos, como reza a Lei Complementar n. 64/90, com a redação da Ficha Limpa, ou será tornada sem efeito a inelegibilidade a partir da absolvição?
Finalmente, na hipótese do último parágrafo, o cidadão, entre a condenação pelo TJ e a absolvição pelo STJ, encontrava-se inelegível, estando, por tanto, impedido de concorrer à eleição que, por exemplo, ocorrera neste interregno: tal quadro repugna ao senso comum de Justiça.
Não logramos encontrar na jurisprudência dos tribunais eleitorais respostas a tais questionamentos.
Sem embargo, o que se impõe é prosseguir a fim de se obter uma conceituação da inelegibilidade por condenação criminal não definitiva.
Destarte, pode-se afirmar que a inelegibilidade por condenação criminal não definitiva é hipótese legal de inelegibilidade, consistente em norma negativa, restritiva do direito político passivo, com forte na incompatibilidade entre a vida pregressa do candidato e a moralidade para o exercício do mandato, não guardando relação com o princípio constitucional da presunção de inocência, haja vista sua incidência a partir da condenação proferida por órgão judicial colegiado, ainda que não passada em julgado, até o transcurso de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes elencados na alínea e, do artigo 1º, da Lei Complementar n. 64/90 (VADEMECUM…, 2011).
3 O CARÁTER SANCIONATÓRIO DA INELEGIBILIDADE POR CONDENAÇÃO CRIMINAL NÃO DEFINITIVA FRENTE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
É solar a redação da alínea e, do artigo 1º, da Lei Complementar n. 64/1990 (VADEMECUM…, 2011), ao determinar a inelegibilidade dos que forem condenados pelos crimes ali elencados, com decisão proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena.
Cotejando o conceito kelseniano de sanção (SANTIAGO NINO, 2010, p. 199) com as características apontadas pela inelegibilidade por condenação criminal não definitiva, verifica-se (i) tratar-se de ato coercitivo, pois se dá à revelia daquele que incidiu na hipótese, (ii) tem por objeto a privação de um bem, posto que retira do cidadão, ainda que temporariamente, a capacidade eleitoral passiva, ou seja, o direito de receber votos para, eleito, ocupar cargo eletivo, (iii) é exercido pela Justiça Eleitoral, mediante uma norma válida e (iv) é a consequência extrapenal da condenação criminal a qual, por sua vez, pressupõe a conduta do indivíduo.
Portanto, verifica-se que a inelegibilidade por condenação criminal não definitiva se revela sanção jurídica promovida em face dos que forem condenados em decisão proferida por órgão judicial colegiado, mesmo que não transitada em julgado.
Aliás, o conteúdo sancionatório é ínsito ao instituto jurídico das inelegibilidades, conforme Antonio Carlos Mendes (1994, pp. 111-112):
“Criação do Direito positivo, tanto por preceitos constitucionais quanto por disposições legais (art. 14, §§ 4º “in fine”, 6º, 7º, 8º e 9º, da Constituição Federal de 1988), segundo a estrutura normativa, as inelegibilidades podem ser classificadas como “lex perfecta” porque têm os três elementos indispensáveis a essa denominação: (a) a previsão, (b) a estatuição e (c) a sanção […] sanção jurídica impondo a nulidade ou ineficácia dos atos atinentes à candidatura por descumprimento da estatuição (desincompatibilização) […] isto é, implica um efeito imposto pela ordem jurídica: o impedimento e a nulidade dos atos concernentes à candidatura.” (grifado no original)
Ainda segundo Antonio Carlos Mendes (1994, p. 112), citando o Min. José Paulo Sepúlvida Pertence, a sanção de que se revestem as inelegibilidades não tem natureza penal.
Outra definição de inelegibilidades carreia ao instituto o teor sancionatório, senão vejamos (CÂNDIDO, 2010, p.p. 121-122):
“Não basta para uma pessoa poder concorrer a qualquer cargo eletivo que possua ela as condições de elegibilidade que foram examinadas. É mister, ainda, que não incida ela em qualquer causa de inelegibilidade. Estas, ao contrário daquelas que figuram em lei ordinária, só podem ser fixadas na própria Constituição Federal ou em lei complementar, tão-somente. Constituem-se em restrições aos direitos políticos e à cidadania, já que por inelegibilidade se entende a impossibilidade, temporária ou definitiva, de uma pessoa ser eleita para um ou mais cargos eletivos. Do art. 14, § 9º, da Constituição Federal, se originou a Lei Complementar nº 64, de 18.5.1990, conhecida como Lei das Inelegibilidades e que veio a revogar, expressamente, a Lei Complementar nº 5, de 29.4.1970, que tratava da mesma matéria. A LC nº 64/1990 já está alterada pela Lei Complementar nº 81, de 13.4.1994, publicada pelo DOU de 14.4.1994.” (não grifado no original)
Por óbvio, as inelegibilidades por condenação criminal não definitiva são espécie do gênero inelegibilidades, aplicando-se-lhes, portanto, o caráter de sanção jurídica acima colacionado.
Em suma, a condenação criminal não definitiva, proferida em decisão de órgão colegiado pelos crimes elencados na alínea e, do artigo 1º, da Lei Complementar n. 64/90 (VADEMECUM…, 2011), dá ensejo a uma sanção jurídica, que não tem natureza penal, mas exterioriza restrições aos direitos políticos e à cidadania e cujo fundamento é a reprimenda moral àquele que, em termos processuais penais é considerado inocente, mas em sede eleitoral, apresenta vida pregressa incompatível com o exercício de cargos eletivos.
Note-se a apreciação que fazem Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins ( 2011, p. 61), a respeito dos direitos políticos:
“Essa categoria de direitos oferece a possibilidade de participar na determinação da política estatal de forma ativa (o I pode interferir no E). Trata-se de direitos ativos porque possibilitam uma “intromissão” do indivíduo na esfera da política decidida pelas autoridades do Estado (o I pode “entrar” no E) […] Os direitos políticos sempre constituíram a base do regime democrático, segundo o brocardo governo do povo pelo povo (onde I representa o indivíduo e E, o Estado).”
Agora, apreciemos a doutrina de Alexandre de Morais (pp. 390-391, 2005) quanto ao princípio da presunção de inocência:
“A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência,um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal […] O direito de ser presumido inocente, consagrado constitucionalmente pelo art. 5º, LVII, possui quatro básicas funções: limitação à atividade legislativa; critério condicionador das interpretações das normas vigentes; critério de tratamento extraprocessual em todos os seus aspectos (inocente); obrigatoriedade de o ônus da prova da prática de um fato delituoso ser sempre do acusador […] A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis […] Diversamente, porém, o lançamento do nome do acusado no rol dos culpados viola o princípio constitucional que, proclamado pelo art. 5º, inciso LVII, da Carta Política, consagra, em nosso sistema jurídico, a presunção júris tantum de não-culpabilidade dos que figurem como réus nos processos penais condenatórios.”
Ora, a condenação não passada em julgado, proferida por órgão judicial colegiado, nos termos do artigo 1º, e, da LC n. 64/90 (VADEMECUM…, 2011), não tem o condão de atacar a presunção iuris tantum do princípio de não-culpabilidade a ponto de ensejar o lançamento do nome do acusado no rol dos culpados. É o que se depreende do seguinte julgado:
PENAL. PROCESSUAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. EFEITOS. PENA PECUNIÁRIA. CONVERSÃO EM RESTRITIVA DE DIREITOS OUTRA. IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. REGULARIDADE. INCLUSÃO NO ROL DOS CULPADOS. APELAÇÃO CRIMINAL. 1. Havendo nos autos prova a demonstrar possa, o Apelante, bem desincumbir-se da pena pecuniária que lhe foi imposta, falece justa causa à pretensão de conversão, daquela, em reprimenda outra.2. A previsão de perda dos direitos políticos em razão de condenação criminal transitada em julgado encontra guarida no art. 15, III, da constituição Federal, enquanto durarem os efeitos daquela. Pretensão de supressão da medida que não se acolhe. 15IIIconstituição Federal 3. conquanto regular, a inclusão do nome do acriminado no rol dos culpados pressupõe o prévio trânsito em julgado da condenação, sem o que descabido tal proceder.4. Apelação Criminal conhecida e parcialmente provida. (122162011 MA , Relator: JOSÉ JOAQUIM FIGUEIREDO DOS ANJOS, Data de Julgamento: 06/07/2011, HUMBERTO DE CAMPOS) – (não grifado no original) – conforme http://www.jusbrasil.com.br/topicos/297037/rol-de-culpados: acesso em 18/01/2012.
Importante de se notar, outrossim, que o lançamento indevido do nome do acusado no rol dos culpados, vem ensejando indenização por dano moral, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. EQUÍVOCO NA INSERÇÃO DO NOME DO AUTOR NO ROL DOS CULPADOS. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM REDUZIDO. VERBA HONORÁRIA MANTIDA.1. O Estado do Rio Grande do Sul tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termos do § 6º do art. 37 da CF.§ 6º37CF2.O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso comprove a ausência de nexo causal, ou seja, prove a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior.3.Presente…(70044708626 RS , Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 28/09/2011, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/09/2011) – conforme http://www.jusbrasil.com.br/topicos/297037/rol-de-culpados: acesso em 18/01/2012.
Verifica-se um paralelo entre o lançamento do nome do réu no rol dos culpados e a determinação de inelegibilidade por condenação criminal, posto que, em ambos os casos, não se está em sede de status libertatis, mas do reconhecimento de uma imputação penal procedente, com a diferença que, no lançamento do nome do réu no rol dos culpados, necessário se faz a decisão definitiva, a contrário senso do que se dá no âmbito da inelegibilidade.
No caso da inelegibilidade por condenação não definitiva, proferida por órgão judicial colegiado, veja-se, não importará que a condenação não tenha passado em julgado, pois, ainda assim, ensejará ao réu status idêntico, para fins de inelegibilidade, daquele que foi condenado em decisão definitiva.
Assim sendo, ou a inelegibilidade não guarda qualquer relação com o princípio de presunção de inocência ou, se se submete a ele, o artigo 1º, e, da LC n. 64/90 (VADEMECUM…, 2011), na parte em que alude à decisão não definitiva de órgão judicial colegiado, se revela colidente com o referido princípio.
Sem lançar-se mão da jurisprudência, com argumentos exclusivamente doutrinários, verifica-se, como acima aludido, (MORAES, 2005), que dentre as quatro funções básicas do princípio da presunção de inocência encontram-se as de limitação à atividade legislativa, critério condicionador das interpretações das normas vigentes; critério de tratamento extraprocessual em todos os seus aspectos (inocente).
Partindo-se de tal entendimento, tem-se que a modificação trazida pela LC n. 135/10 ao artigo 1º, e, da LC n. 64/90 (VADEMECUM…, 2011), não teve sua atividade legislativa limitada pelo princípio da presunção de inocência, desprezou tal princípio como condicionador de sua interpretação, posto que determina a sanção a partir de condenação não definitiva e, finalmente, não considera o réu, em tais casos, inocente, no tocante ao tratamento extraprocessual relativo à inelegibilidade.
De outra banda, dá consecução ao critério de moralidade para ocupar cargos eletivos, considerando-se a vida pregressa, conforme o Texto Constitucional, artigo 14, § 9º (VADEMECUM…, 2011).
Entrementes, as considerações acima aludidas ainda não são suficientes para determinar a colisão da inelegibilidade por condenação criminal não definitiva com o princípio da presunção de inocência.
Para tanto, utilizar-se-á o seguinte expediente doutrinário como roteiro para o controle de constitucionalidade material em face de direitos fundamentais (exame de constitucionalidade de lei que limita direitos políticos), conforme Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2011, pp. 229-232), desenvolvidos originariamente no âmbito da doutrina constitucional alemã e adaptados ao direito brasileiro, sendo que o exame deve ser elaborado na ordem indicada e a resposta negativa prejudica as demais, havendo violação de direito fundamental na resposta positiva às duas primeiras perguntas e negativa em pelo menos um dos itens da terceira. Eis o roteiro:
Primeira pergunta: o comportamento ou status jurídico contemplado pela lei situa-se na área de proteção de um direito fundamental?
Segunda pergunta: a lei intervém na área de proteção do direito fundamental contemplado pela lei?
Terceira pergunta: A intervenção verificada é justificada constitucionalmente (validade formal da lei, lei geral, clara e concreta, é amparada em reserva legal de direito fundamental ou direito constitucional de colisão, se respeita a proporcionalidade: propósito e meio de intervenção constitucionalmente admitidos e, ainda quanto ao meio de intervenção, se é adequado e necessário ao alcance do propósito almejado).
Passemos às respostas:
Primeira pergunta: o status jurídico contemplado pela lei das inelegibilidades situa-se na área de proteção do direito fundamental denominado direitos políticos (sim).
Segunda pergunta: a lei das inelegibilidades intervém nos direitos políticos negativos (direito de ser votado), razão primordial da edição da referida lei, posto que o foi em cumprimento à elaboração de outros casos de inelegibilidade, conforme artigo 14, § 9º, da Constituição Federal (sim).
Terceira pergunta: a intervenção verificada é permitida pela Constituição Federal, conforme o artigo 14, § 9º (sim), tendo a lei das inelegibilidades validade formal, reconhecida pelo c. STF a partir de 01 ano de sua publicação, conforme artigo 16, CF (sim), sendo clara e concreta (sim) – art. 1º, e, LC 64/90, porém, como tem caráter sancionatório, não está coberta por reserva legal de direito fundamental, ao contrário, restringe os direitos políticos e vai de encontro ao princípio fundamental de presunção de inocência.
Sem embargo, o propósito da intervenção perpetrada é constitucionalmente admitido (lícito), posto que apresenta previsão no artigo 14, § 9º, da CF; o meio de intervenção é lícito (decisão condenatória de órgão judicial colegiado), sendo que o meio de intervenção não se revela adequado, posto se fundar em decisão não passada em julgado, ao arrepio do princípio da presunção de inocência em seu caráter extraprocessual e, finalmente, tal meio não é necessário, pois a inelegibilidade pode se circunscrever às condenações definitivas, em homenagem à presunção de inocência.
De todo o exposto, verifica-se que os requisitos para a violação de um direito fundamental foram preenchidos, haja vista respostas positivas às duas primeiras perguntas e “não” a pelo menos um dos itens da terceira.
Destarte, restou demonstrado que a inelegibilidade por condenação criminal não definitiva apresenta caráter sancionatório, a restringir os direitos políticos passivos com violação ao direito fundamental de presunção de inocência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve o objetivo de proceder a uma honesta análise do instituto jurídico da inelegibilidade por condenação criminal não definitiva à luz do conceito de sanção, conceito este inserido da Teoria Geral do Direito.
A partir do referencial teórico apontado, verificou-se que o caráter sancionatório é ínsito ao instituto das inelegibilidades, mormente no que se refere à determinada por condenação criminal, nas hipóteses do artigo 1º, e, da LC n. 64/90.
Outrossim, cotejou-se o caráter sancionatório da inelegibilidade por condenação não definitiva com o princípio constitucional da presunção de inocência, restando demonstrada, a uma, que a sanção representada pela restrição de direitos políticos não se sustenta quando se volta contra o princípio de não culpabilidade e, a duas, e talvez mais importante, se quis demonstrar um método racional e lógico, baseado na doutrina constitucional alemã, adaptada à realidade brasileira, no exame de constitucionalidade da lei das inelegibilidades frente aos direitos fundamentais consubstanciados nos direitos políticos e na presunção de inocência.
É que o tema remete à falta de técnica para a solução de exame de constitucionalidade ou colisão de direitos fundamentais, seja no âmbito acadêmico, seja no jurisdicional, de forma que a boa intenção do legislador, no caso da “Lei da Ficha Limpa”, não pode superar os paradigmas de validade do ordenamento jurídico, mormente quando ofende instituições de direitos fundamentais.
Trata-se, portanto, de um exercício de natureza acadêmica, na tentativa de se destacar a importância da Teoria Geral do Direito e da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na solução de tormentosas questões jurídicas de interesse não só do profissional ou do estudioso do Direito, mas de toda a sociedade civil organizada, com vistas ao bem comum, à pacificação social e à consolidação dos princípios republicanos consubstanciados no Estado Social e Democrático de Direito.
De outra banda, se quis colocar à baila o Direito Eleitoral, por intermédio das inelegibilidades, que se apresenta como apenas um de sues institutos jurídicos, haja vista que engloba a garantia do exercício dos direitos políticos e a organização das eleições, vale dizer, desde o alistamento eleitoral, a convenção partidária para escolha dos candidatos, a propaganda eleitoral, a votação, apuração e totalização dos votos e, finalmente, a diplomação dos eleitos, dentre outros, promovendo, destarte, a efetividade do parágrafo único, do artigo 1º, da Carta Magna, quando reza que todo poder emana do povo, que o exercerá diretamente, por meio de plebiscito, referendo e lei de iniciativa popular (como a Lei da Ficha Limpa) e por representantes democraticamente eleitos, tudo com vistas à consolidação das liberdades civis e da República.
Informações Sobre o Autor
André Nogueira Cavalcante
Técnico Judiciário da Justiça Eleitoral. Mestrando em Direito pela Fundação Eurípedes de Marília. Especialista lato sensu em Direito Penal, Direito Civil e Processual Civil e Direito Público Material, Bacharel em Direito