A docência pela docência. Uma perspectiva do ensino jurídico do Brasil

Resumo: O presente estudo aborda a relação tensa que existe entre a expansão em termos numéricos dos cursos jurídicos universitários, e a correspondente necessidade de profissionais docentes para fazer frente a esta demanda, além de realçar o perigo da manutenção do modelo atual de ensino, engessado no estudo frio e pragmático das leis e modelos doutrinários estanques, fruto da influência positivista, muitas vezes voltado para interesses de mero marketing universitário, alimentado pela pretensão de êxito em exames de ordem, concursos públicos, etc, sem se atentar para a formação jurídica interdisciplinar e global do aluno, que, diante deste panorama, afasta-se do interesse em se tornar um futuro profissional docente.


Palavras-chave:  Educação. Jurídico. Professor. Interdisciplina. Perspectiva.


Abstract: This study addresses the strained relationship that exists between the expansion in numbers of university law courses, and the corresponding need for professional teachers to cope with this demand, and highlighting the danger of maintaining the current model of teaching, study cast in cold and pragmatic laws and doctrinal watertight models, the result of positivist influence, often turned to mere interests of university marketing, fueled by the desire to succeed in examinations of order, public procurement, etc., with little regard for the legal training of interdisciplinary and global student, who, before this picture, away from the interest in becoming a teaching professional future.


Keywords:  Education. Legal. Professor. Interdisciplinary. Perspective.


Sumário: Introdução. 2 Você quer ser professor? 3 Fatores sócio-jurídico-econômicos que interferem na ação docente do ensino jurídico. 4 A proatividade do docente: apresentação do viés acadêmico da ciência jurídica ao educando. Conclusão. Referências.


Introdução


A Constituição de 1988, sem dúvida, foi um marco democrático que acarretou profundas alterações na vida do cidadão. No meio jurídico, ampliou-se o acesso à Justiça, com a interiorização de foros judiciais e a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais; gratuidade judiciária e Defensoria Pública para os necessitados; redimensão das atribuições do Ministério Público; criação da Advocacia-Geral da União, como órgão específico de assessoria jurídica do Estado; extensão do rol de direitos subjetivos do cidadão; princípios constitucionais explícitos; enfim, uma expansão das atribuições políticas do Estado em prol do cidadão.


Na educação não foi diferente. O Constituinte, embora tenha restringido a obrigação do Estado na prestação do ensino médio e fundamental, pretendeu que a educação, em todos os níveis, fosse acessível ao cidadão das múltiplas classes sociais. Há inúmeras políticas públicas de inclusão social para a educação, entre elas programas como o FIES – Financiamento Estudantil, PROUNI (bolsas integrais de estudo), reserva de cotas em universidades públicas, entre outras.


A partir de então, os sucessivos governos federais trataram de fomentar a criação de cursos superiores, facilitando sua autorização e instalação, reservando-se, porém, o direito de fiscalização, sob regulação do Ministério da Educação. O curso jurídico, desde sempre muito procurado, está entre aqueles que mais proliferaram, e atualmente passa de 1.000, resultando em mais de 600% de crescimento, desde 1991, segundo dados do MEC (Jornal do Brasil, 2011).


A constatação que se faz, de início, em relação aos cursos jurídicos, é a de que o Poder Público não assume para si o ônus constitucional da expansão universitária, pois delega ao particular a execução do ensino, fiscalizando apenas a qualidade do serviço prestado. É praticamente nulo o aumento de vagas nos cursos jurídicos das universidades públicas.


 Se há empresa privada, indissociável é o interesse econômico. É preciso investigar a influência desse poderoso interesse na proposta pedagógica de cada instituição de ensino superior. Tal ocorre porque a gestão pedagógica adotada pela instituição de ensino refletirá nas possibilidades e liberdades para atuação do professor a ela vinculado. Indo além, essa proposta pedagógica será o norte para o critério de contratação do futuro profissional docente. E o mais grave, e que aparentemente está ocorrendo no Brasil, é que, salvo gloriosas exceções, parece haver um consenso majoritário das instituições de ensino jurídico em focar o modus de ensino tão somente para fazer frente a exigências extracurriculares, impostas pelo mercado, entre elas o “temido” exame de ordem, e a preparação para concursos públicos na área jurídica.


Inexiste, ou é muito restrita, ação pedagógica nos cursos jurídicos com o fito de preparar o aluno para a carreira docente, incentivando-o a trilhar pelo caminho científico, ministrando-lhe os fundamentos básicos para o exercício da docência. Não que se exija do discente o conteúdo e conhecimento provindo do curso de pedagogia, porém, é preciso quebrar o paradigma do professor repetidor de leis e doutrinas, daquele que é avesso ao discurso crítico, e principalmente dos profissionais que consideram o professor como núcleo central da ação pedagógica, ignorando a heterogeneidade do alunado, impondo tratamento geral e uniforme, tal qual o fez o positivismo em nosso ordenamento jurídico, sob o pretexto de fazer valer o princípio da igualdade perante a lei.


Se é preciso formar advogados, juízes, promotores, procuradores, defensores e delegados, também é preciso formar professores do ensino jurídico! A sugestão do título do presente trabalho questiona o porquê os professores das últimas décadas não preparam os alunos para serem futuros docentes. Como será o perfil do profissional docente dos cursos jurídicos? Dado que o Direito passa por constantes atualizações e cada vez mais se distancia do positivismo jurídico, como sustentar esse modelo pragmático e formalista de ensino em futuro muito próximo? Daí porque é preciso investir na formação adequada de professor já na fase de graduação, a fim de manter quadros qualificados e familiarizados com as eficazes ações pedagógicas necessárias para o bom desempenho da ação docente.


1 Você quer ser professor?


“Hodiernamente, essa pergunta equivale, na prática e em essência, a esta outra: quais são as perspectivas de alguém que, tendo concluído seus estudos superiores, decida dedicar-se profissionalmente à ciência, no âmbito da vida universitária?” Essa indagação foi feita por Max Weber, no livro Ciência e Política – Duas Vocações (2003, p. 25), ainda no início do século passado.


É um bom professor aquele que cursou mestrado e doutorado? Não é um bom professor aquele profissional com nível de graduação? O que se espera de um professor de ensino superior, notadamente dos cursos jurídicos?


Evidentemente, o conceito positivo ou negativo quanto à atuação do docente é subjetivo. Existem profissionais com alta titulação como o doutorado que são considerados péssimos professores. No entanto, existem professores de ótima didática que sequer possuem título acima da graduação. 


O que se pretende defender não é a exigência de titulação do profissional, revelando o saber teórico, nem tampouco desqualificar aquele bom professor que possui saber prático, acumulado com a experiência docente e de vasto conhecimento de sua área específica de atuação.


Nessa vida pós-moderna, a sociedade é multicultural, heterogênea, consumista e imediatista. Enfim, a postura do aluno não é a mesma, e, por conseguinte, o professor atual deve se adaptar às novas exigências impostas pelo mundo ao educando.


O perfil profissional ora defendido é do professor que tem reconhecida competência técnica na área de atuação (v.g. processo civil, direito penal, direito administrativo, etc), que se interessa pela contínua formação acadêmica, mas que domine práticas pedagógicas na relação com o aluno. Atualmente, é comum que instituições de ensino superior, públicas e privadas, exijam de seus docentes o grau de mestre ou doutor. Entretanto, embora salutar, não se pode olvidar a escassez dos cursos de pós-graduação strictu sensu, principalmente nos cursos jurídicos, notadamente em universidades públicas, ofertando-se algumas poucas vagas para o setor privado, e com alto custo.


A ideia é chancelada por Veiga et al (2000, p. 190): “Se a especificidade e identidade da profissão docente é o ensino, é inadmissível que professores universitários que detenham o domínio do conhecimento em um campo científico não recebam uma formação mais condizente com as reais necessidades dos alunos e do ser professor.”


O saber ensinar é muito mais importante do que o próprio conhecimento técnico-científico do professor. Ademais, a atividade docente engloba não só o conteúdo específico, vai além, passa pelo método de ensino, mas também envolve relações pessoais aluno-professor, aluno-instituição e entre instituição e professor, cujas inevitáveis tensões devem ser abordadas e resolvidas pela boa técnica pedagógica: “Pensamento e ação relacionam-se à abordagem reflexiva (Gimeno Sacristán e Pérez Gómez, 1998; Pimenta e Anastasiou, 2002), que se destaca como a orientação conceitual predominante na maioria dos programas de formação de professores propostos na atualidade e que busca, entre outros aspectos, a superação da visão da formação de professores como uma atividade meramente técnica. A partir desses elementos, enfatiza-se que a formação pedagógica do professor universitário deve ser compreendida a partir da concepção de práxis educativa, concebendo o ensino como uma atividade complexa que demanda dos professores uma formação que supere o mero desenvolvimento de habilidades técnicas ou simplesmente o conhecimento aprofundado de um conteúdo específico. (PACHANE, 2005, p. 13).”


Mas se o professor de hoje não pode mais adotar aquela posição formal e legalista, repetidora de leis e doutrinas, fundada nos cânones seculares do positivismo jurídico, no qual a lei abstrata governava cegamente os cidadãos, qual a postura do profissional docente diante da sociedade heterogênea e multicultural da modernidade (brancos, negros, homens, mulheres, homossexuais, pobres, ricos, etc)? A resposta está exatamente na diversidade e individualidade dos variados nichos culturais que compõem a sociedade e os alunos que frequentam os cursos superiores. O professor deve não mais padronizar posturas de ensino, todavia, exige-se que seu discurso didático atinja a todos os educandos, mesmo que das mais variadas classes culturais, sociais e econômicas. Trata-se de um verdadeiro agir proativo do docente. Não é fácil.


Libâneo (2002, p. 42) aborda a questão da seguinte forma: “Obviamente, os professores de hoje sabem que diferenças sociais, culturais, intelectuais, de personalidade, são geradoras de diferenças na aprendizagem. Todavia, o respeito às diferenças vai mais longe, implica um posicionamento ativo de reconhecer a diversidade que é ‘ver em cada indivíduo a presença do universal e simultaneamente do particular’ (Touraine, 1996, p. 68). Atender à diversidade cultural implica, pois, reduzir a defasagem entre o mundo vivido dos alunos, bem como promover, efetivamente, a igualdade de condições e oportunidades de escolarização a todos.”


Freire (2002) elenca uma gama de saberes necessários à prática educativa. Engloba a linguagem multicultural do professor, o reconhecimento do aluno como parte do processo de construção do conhecimento, entre muitos outros. Mas e possível resumir professor como o instrumento de aprendizagem do aluno, sensível às intervenções e particularidades de cada um, competente em sua área específica, atualizado e consciente de que deve atuar de forma proativa, de modo que sua vontade de ensinar sempre se sobreponha à vontade do aluno aprender.


2 Fatores sócio-jurídico-econômicos que interferem na ação docente do ensino jurídico


A lei de diretrizes e bases da educação (Lei 9394/96) dispõe que a educação superior tem como finalidade a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo (art. 43, inciso I). Portanto, a ideia de mera transferência de conhecimento de professor para aluno não é o melhor caminho para a educação. É preciso que instituição de ensino, professores e alunos, em ação concatenada, promovam meios de que o próprio educando busque conhecer seus próprios processos de construção do saber. Paulo Freire (2002, p. 21) registra: “É preciso insistir: este saber necessário ao professor – que ensinar não é transferir conhecimento – não apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser – ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também precisa ser constantemente testemunhado, vivido”.


Esse verdadeiramente deve ser o caminho a se trilhar. É que, como já dito, na atual sociedade heterogênea, não há mais como sustentar uma padronização do ensino ou de qualquer discurso, principalmente no campo jurídico, que tem como objeto a verificação da incidência de leis e princípios ao conviver da sociedade, aos conflitos de interesses, arraigados de fatores sociais, culturais e econômicos.


O primeiro aspecto a se considerar, de acordo com a assertiva proposta por Paulo Freire – ensinar não é transferir conhecimento – relaciona-se com a elaboração da proposta pedagógica de cada estabelecimento de ensino jurídico.


Se o público objeto da educação é multicultural, socialmente diverso, estratificado economicamente, a proposta pedagógica deve ser igualmente aberta, de modo a proporcionar aos alunos e professores meios para que cada um possa construir o conhecimento. Deve ser afastada qualquer iniciativa de ensino em massa, de padronização ou imposição de procedimentos pedagógicos. Trata-se de verdadeiro engessamento do conhecimento. Nesse sentido a crítica de Robertônio Santos Pessoa (2009, p. 2): “Este paradigma científico e pedagógico, numa ‘sociedade de massa’ e em tempos de uma forte ‘indústria cultural’, alimentará uma cultura manualesca disciplinar, com ênfase em compêndios de doutrina e na autoridade de ‘doutrinadores’. Professores se transformam em correias de transmissão de ‘doutrinas’ prontas e acabadas, enquanto os alunos serão progressivamente doutrinados.”


Celso Hiroshi Iocohama (2011, p. 46) expõe as graves consequências do ensino meramente reprodutivo do Direito: “A formação educativa do indivíduo pode levá-lo ao discurso repetitivo, adotando a cômoda postura de se manifestar sobre a vida de acordo com o que dizem dela e não a partir da sua própria análise, sistematização e conclusões. A dominação havida por conta da educação familiar, a dominação decorrente de uma formação escolar inflexível, a dogmatização decorrente de uma formação até mesmo religiosa, pode produzir um indivíduo inapto a questionar as incongruências perante as quais se depara, escolhendo reprimir o sentimento de inconformismo por conta da cultura subserviente que se lhe estabeleceu. Esse sujeito, já (con)formado com a dominação que lhe foi imposta muitas vezes sem ter clareza disso, vem para os bancos acadêmicos do Curso de Direito e se depara com novas autoridades, em profissionais que acumulam a função docente com cargos (ou sentimento) de autoridades. O resultado é manter-se um ambiente autoritário-dominador, o qual produzirá sujeitos limitados, que muito provavelmente enfrentarão as dificuldades da vida projetando a culpa no mundo e não por conta de sua própria limitação.”


Essa liberdade de ensino, e, portanto, de aprendizado, somente é alcançada com a democratização na elaboração dos projetos pedagógicos das instituições de ensino superior. A participação docente é fundamental para que o projeto geral tenha realmente a função de surtir os efeitos na relação aluno-professor-instituição.


É importante, pois, que as instituições comecem a se preocupar com a preparação de novos professores do ensino jurídico já na graduação, inserindo disciplinas que efetivamente provoquem no aluno o interesse pela prática docente, apresentando-lhe as possibilidades da profissão, o mercado de trabalho, a importância da função, além do indispensável contato com as técnicas pedagógicas.


No entanto, não é o que se verifica na realidade atual. Os estabelecimentos de ensino, na sua maioria, deixam para um momento posterior a formação de docentes, entregando tal mister aos cursos de pós-graduação, tanto em especialização, mestrado ou doutorado, ou, ainda, na realização de faculdade de pedagogia. A própria instituição de ensino não se preocupa na formação de um docente, de um possível futuro professor de seus quadros. O contrário deveria ser a regra. Isso porque, afora o curso de especialização, a oferta de mestrado e/ou doutorado é escassa e onerosa. Nas especializações, também não se tem notícia da oferta de cursos específicos para a área jurídica. Existem apenas inúmeras pós-graduações em docência do ensino superior.


A formação do professor do curso jurídico deve merecer atenção desde o início da graduação. É que com a transformação a que o próprio Direito se submete, devido à evolução e complexidade da sociedade atual, o ensino jurídico deve sofrer radical adequação, deixando para trás o caráter fragmentado das matérias, como há muito ocorre, para adotar um discurso interdisciplinar, priorizando a comunicação dos temas jurídicos sempre sob o pálio da Constituição Federal. É a constitucionalização do ensino jurídico: “Nos últimos trinta anos surgiu um novo modo de conceber a Constituição, o seu papel, sua função e suas relações com o conjunto da ordem jurídica. Esta nova abordagem se sustenta basicamente numa visão prescritiva da Constituição. A Constituição passa a ser efetivamente vista como norma, e, mais do que isso, como norma fundamental do sistema jurídico-político. Desta concepção da Constituição derivam incontornáveis e imperativas exigências epistemológicas e hermenêuticas. De uma percepção constitucionalizada do direito devem emergir novas práticas sociais e pedagógicas, capitaneadas por operadores jurídicos e educadores comprometidos com esta nova visão. (PESSOA, 2009, p. 3).”


Mas a questão de fundo e que afeta a formação docente é outra. Evidente que o ensino atual deve se abstrair da mera repetição de leis e doutrinas prontas, herança do positivismo jurídico e também da prática do ensino acrítico do direito. A pergunta é: como ensinar essa nova faceta do Direito moderno aos alunos. Para que o ensino atinja sua finalidade, é preciso técnica pedagógica. E isso não é passado aos alunos de graduação e não consta nas propostas pedagógicas das instituições de ensino jurídico, pois ensinar não exige apenas o conhecimento do conteúdo técnico objeto do ensino: “Assim sendo, é de responsabilidade dos professores fazer com que o aluno seja sujeito de sua aprendizagem, ciente do que irá realizar, para que e como, ou seja, levar o aluno a aprender a planejar, a trabalhar com hipóteses e a encontrar soluções. Nessa perspectiva, para que o mesmo adquira essas habilidades, faz-se necessário trabalhar com práticas pedagógicas voltadas para a formação do aluno, para o exercício da cidadania plena, respeitando a individualidade de cada um, utilizando-se de conteúdos interdisciplinares e contextualizados. (FAVARÃO; ARAÚJO, 2004, p. 104).”


Mas, indaga-se, é interessante para as faculdades jurídicas a mudança do paradigma de ensino? Existem fatores externos às políticas pedagógicas que interferem diretamente nessa questão. Um deles é o conhecido exame de ordem, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil. Na verdade, trata-se do contrapeso institucional para combater a desenfreada criação de vagas de cursos jurídicos.


É possível identificar outro efeito do exame de ordem. Ele é objeto de marketing das faculdades jurídicas. Tornou-se o parâmetro para qualificar ou não uma instituição de ensino. Quanto mais aprovações de alunos no exame, mais notável é a faculdade, segundo se crê. E em que consiste o exame de ordem. Na primeira etapa, várias questões de múltipla escolha com textos que expressam a mais fiel repetição da Constituição, leis e códigos do país. Pura memorização de textos frios e estanques. Na segunda fase existe um pouco de reflexão, com questões dissertativas, mas com previsão de respostas ‘de acordo com tal doutrina’, e elaboração de uma peça jurídica.


Iocohama (2011, p. 126) explica como os cursos jurídicos são afetados pelo exame de ordem:


“Registre-se um verdadeiro dilema vivenciado pelos Cursos de Direito brasileiros por conta do sistema de avaliação atual, que integra resultados a partir do ENADE – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, integrante do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), com os resultados do Exame de Ordem, conforme chegou a ser amplamente noticiado em 2007, decorrente de uma fala do próprio Ministro da Educação (O Globo, 2007; CONSULTOR JURÍDICO, 2007).


Neste sistema de cruzamento de dados, aponta-se para afirmar que cursos de qualidade têm bons resultados no Exame de Ordem. Num raciocínio lógico, está se afirmando, como diretriz para qualquer curso de Direito que pretenda uma boa qualificação, que deve dar aos seus alunos condições para uma aprovação no Exame de Ordem. A conclusão, portanto, é que todo bom curso deve ter ex-alunos aprovados no Exame de Ordem.


O problema que observamos, porém, é que se o Exame de Ordem não tiver a qualidade necessária para contemplar uma generalidade mínima de formação para as diversas profissões (e não só a advocacia), os Cursos que não contemplam a formação de “advogados” não têm como obter qualificações que até lhe sustentem a permanência.”


Destarte, não há interesse da faculdade em alterar seu modo de ensino, seu projeto pedagógico, pois poderá perder os louros no caso de uma reprovação em massa no exame de ordem. Fica o paradoxo, se formar pessoas críticas, reflexivas, porém, sem propensão a decorar textos legais, o resultado da prova será uma catástrofe em termos de marketing institucional.


Uma luz no fim do túnel: o Conselho Federal da OAB pretende rever a técnica de elaboração da prova, consoante notícia divulgada em mídia eletrônica (FOLHA, 2011):


“De acordo com o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, a medida é uma resposta a críticas feitas à prova. “Os coordenadores de cursos em todo o Brasil são unânimes em criticar o exame por não ser voltado a advogados que tenham uma visão crítica e que saibam situar a advocacia dentro de uma análise mais global”, afirmou. (…)


O professor do Departamento de Educação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) João Virgílio Tagliavini, um dos membros da comissão, pretende trabalhar por mudanças no próprio modelo do exame. ‘Em média, 85% das questões são respondidas com memorização da lei. Esse tipo de teste hoje já é inútil”, disse. “Queremos uma avaliação que verifique mais a capacidade de pensamento, compreensão e espirito crítico’.”


Com a possível a alteração do exame de ordem, é importante que os cursos jurídicos passem a adotar outras formas de ensinar, fazendo surgir no aluno a reflexão sobre as leis em interação com os fatos sociais e as diversas possibilidades de interpretação da norma. E, principalmente, que essa abertura a ser provocada pelo fim do exame-memorização abra espaço para a divulgação de práticas pedagógicas nas grades curriculares dos cursos jurídicos.


Semelhante efeito, mas em menor escala, produz a influência dos concursos públicos em relação ao alunado do curso jurídico. É inegável que o atual estágio da advocacia privada, voltada para resolução de conflitos em massa, de ações repetitivas, não é o campo mais propício para o recém-graduado iniciar sua atividade profissional, pois exige maior demanda de recursos materiais e humanos, tornando inviável a iniciação autônoma do profissional. É comum que antes mesmo de se encerrar o curso de direito alunos optem pelas carreiras jurídicas públicas, principalmente aquelas que oferecem melhores remunerações iniciais e direitos, tais como a Magistratura e Ministério Público.


Se essa tendência for da maioria dos alunos, então a prática pedagógica dos professores será, inevitavelmente, direcionar o ensino para se amoldar às exigências dos concursos públicos. Assim, novamente, não será vista com bons olhos, pelos alunos, qualquer iniciativa da instituição ou dos professores no sentido de incentivar a prática docente no curso jurídico.


Nesse cenário, o graduado em Direito não detém nenhum conhecimento ou incentivo acerca de práticas pedagógicas, salvo se o procurar, por vontade própria. A contratação do profissional docente, atualmente, afora os casos de universidades públicas, que devem realizar certame, é obtida mediante, principalmente, a exigência de títulos de mestrado ou doutorado. Nesses cursos é maior o incentivo dos alunos ao interesse pela atuação profissional como professor. Mas esse incentivo é acessível a diminuta parcela da comunidade jurídica, e ainda existe o percentual de desinteressados pela função de docente, utilizando-se da pós-graduação strictu sensu para outros fins.


Da maneira como está, a profissão de professor do ensino jurídico depende da convicção pessoal eventualmente existente no recém-graduado, ou, ainda, daqueles que, nos cursos de mestrado ou doutorado, são apresentados à nobre função de docente do curso de Direito. É muito pouco.


A explosão de faculdades e vagas de cursos jurídicos ocasionou um demanda pelo profissional docente. Essa é uma tendência crescente, na medida em que a autorização para criação de novos cursos de direito não sofre uma avaliação mais criteriosa das autoridades competentes.


Embora a demanda esteja aparentemente suprida, a verdade é que muitos dos profissionais que assumem as cadeiras dos cursos de Direito não detém conhecimentos específicos em práticas pedagógicas, e usam a profissão como atividade profissional secundária. No entanto, se fosse adotada a proposta de inserção de atividades voltadas à pedagogia do ensino jurídico já na fase de graduação, futuros professores seriam formados de maneira mais profissional, técnica, otimizada, e numerosa.


Tudo passa pela mudança de pensamento sobre o ensino jurídico, bem como pela primazia de uma formação docente adequada, valorizada, já que sob a responsabilidade do profissional docente dos cursos jurídicos encontra-se a primordial função de aprimorar a construção de um Direito que se renova a cada dia.


3 A proatividade do docente: apresentação do viés acadêmico da ciência jurídica ao educando


Segundo Severino (2002, p. 24-25), não basta a inserção de uma matéria específica na graduação como forma de introduzir o educando ao mundo científico. É preciso que o aluno tenha contato contínuo e progressivo com as práticas científicas, tanto de pesquisa como de docência. Isso ocorre porque a construção do conhecimento não se dá em um único momento curricular. É preciso maturação de ensino, através de acumulação do aprendizado teórico, conjugado com algumas ações práticas (estágio prático, por exemplo).


A formação precoce do professor, ainda na graduação, deve ser aquela com técnica e metodologia, municiando o aluno universitário com conhecimentos pedagógicos aptos a potencializar o seu conteúdo específico e também futura titulação, como forma de otimizar a construção do conhecimento. Nada mais consentâneo com a assertiva de que o professor não é aquele mero repassador de conteúdo, mas sim um instrumento para construir o saber do aluno, através da docência. Segundo PACHANE (2005, p. 13): “Por um processo contínuo, compreende-se que a formação dos professores universitários não se encerra na sua preparação inicial, oferecida predominantemente nos cursos de pós-graduação, porém começa antes mesmo do início de sua carreira, já nos bancos escolares – quando o futuro professor, ainda como aluno, toma contato com seus primeiros exemplos de conduta docente –, estendendo-se ao longo de toda sua carreira, num processo de constante aperfeiçoamento (Marcelo García, 1999; Benedito, Ferrer e Ferreres, 1995; Pimenta e Anastasiou, 2002).”


O professor universitário deve, independentemente de previsão curricular, estimular práticas pedagógicas em seus alunos. Ainda que inexista uma específica matéria sobre pedagogia universitária, o professor, possuindo conhecimento de técnicas pedagógicas, deve transmiti-la aos acadêmicos. Essa atitude, além descobrir novos futuros docentes, contribui para construção do conhecimento, porque a relação ensino-aprendizagem deve ser recíproca, posto que ao ensinar eu preciso aprender, seja através da pesquisa ou mesmo nas discussões em sala de aula: “Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.” (FREIRE, 2002, p. 14).


Ao apresentar os métodos de ensino aos próprios educandos, estes assimilarão não apenas como ensinar, mas já estarão aprendendo, porque perceberão que para ensinar se exige aprendizagem anterior. É semelhante ao que se faz nos seminários, porém, ao contrário de apenas atribuir ao aluno essa atividade, deve-se prepará-lo com técnicas pedagógicas para apresentação de um trabalho, nos moldes de uma aula em sala.


Para o aprendizado, não apenas a exposição oral seria estimulada, mas também que o aluno percebesse outras formas de ensinar-aprender, tais como atividades práticas, em grupo, enfim, tudo o que a pedagogia tem a oferecer.


Ao entender que a técnica de ensinar lhe é útil para o aprendizado, poderá se sentir estimulado pelo viés acadêmico do ensino jurídico, passando a cada vez mais se interessar por técnicas de ensino, desde que, em todos os anos do curso, o professor proativo lhe apresente. Futuramente, esse aluno, mais propenso e preparado para optar pela carreira docente, replicará  todo esse procedimento, e assim sucessivamente, garantindo a formação de professores tem tese melhores preparados para o ensino jurídico do século XXI.


 Essa atitude não depende apenas das instituições de ensino, para inclusão de matrizes curriculares pedagógicas na grade, se isso ocorrer, melhor, porém, o professor deve manter uma postura proativa de apresentar ao aluno a profissão de professor, suas técnicas e atribuições, e não apenas as tradicionais funções jurídicas (advocacia, magistratura, ministério público, delegado de polícia). Para tanto, deve o professor buscar contínuo aperfeiçoamento em relação às técnicas pedagógicas de ensino, e não apenas na sua atividade técnica (v. g. processo civil, direito penal, etc), para que haja uma construção do saber ensinar ao longo de todo o curso jurídico, garantido a formação de novos professores já na fase de graduação.


Conclusão


Com o advento da Constituição Federal de 1988, inegavelmente se iniciou uma política pública de democratização do ensino, de modo a abarcar um maior número de pessoas. Houve criação de instituições federais de ensino superior, interiorizando a educação pública federal, entretanto, o meio pelo qual mais se expandiu o ensino superior foi através da autorização e criação de cursos e vagas em faculdades privadas. O curso de direito foi um dos que mais se proliferou no país.


A demanda pelo professor do ensino jurídico foi imensa, sendo que muitas das vagas normalmente são preenchidas por profissionais que não dominam técnicas pedagógicas, seja porque não são graduados em pedagogia, seja porque os cursos de mestrado ou doutorado, além de escassos e onerosos, não se aprofundam nessa questão. O professor, portanto, tem que utilizar sua habilidade pessoal e experiência prática para exercitar sua atividade.


O que se propõe no presente estudo é que as práticas pedagógicas do ensino superior sejam apresentadas ao aluno já na graduação, seja através de inserção da matéria no projeto pedagógico, ou, havendo recalcitrância da instituição, que os professores habilitados pratiquem técnicas de ensino ao desenvolver sua matéria específica, pois foi revelado que ao ensinar, aprende-se, já que o ensino exige pesquisa e absorção de conteúdo. Dessa forma, o aluno, apresentado a uma didática de ensino, passaria a aprender melhor e a estimular o interesse pela prática docente, propiciando a formação de novos professores da área jurídica para um futuro próximo, com alguma bagagem pedagógica, o que seria salutar.


Não se pretendeu em nenhum momento desqualificar aqueles docentes que não têm ou não tiveram contato com técnicas de ensino, mas demonstrar que uma abordagem antecipada sobre a profissão de docente e todos os fatores sociais, psicológicos e culturais que a cercam, já na graduação, poderá estimular a formação de novos professores.


 


Referências

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

IOCOHAMA, Celso Hiroshi. O ensino do direito e a separação dos eixos teórico e prático: interrelações entre aprendizagem e ação docente. São Paulo, USP, 2011. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Gradução em Educação, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

PACHANE, Graziela  Giusti. Programa de estágio e capacitação docente: a experiência de formação de professores universitários na Unicamp. In CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES. Formação docente para o ensino superior. Universidade Estadual Paulista. 2005, Águas de Lindóia. Disponível em: <http://www.unesp.br/prograd/e-book%20viii%20cepfe/LinksArquivos/10eixo.pdf>. Acesso em: 8 Nov. 2011.

PESSOA, Robertônio Santos. Constitucionalização da formação jurídica: por uma proposta pedagógica interdisciplinar e problematizante. Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 9, n. 97, mar. 2009. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=56899>. Acesso em: 8 Nov. 2011.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Ensino e pesquisa na docência universitária: caminhos para a integração. Universidade de São Paulo: Cadernos de pedagogia universitária. Disponível em:<http://www.prg.usp.br/site/images/stories/arquivos/antonio_joaquim_severino_cadernos_3.pdf>. Acesso em: 8 Nov. 2011.

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VEIGA, Ilma Passos Alencastro; CASTANHO, Maria Eugênia L. M. (Orgs.). Pedagogia universitária: a aula em foco. Campinas: Papirus, 2000.


Informações Sobre o Autor

Fernando Menegueti Chaparro

Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense – Unipar. Membro da AGU na carreira de Procurador Federal em Paranavaí/PR. Professor de Direito Processual Civil na Unipar


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Equipe Âmbito
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