A necessidade da educação ambiental para aplicação da legislação ambiental já vigente no país. Educação Ambiental como direito fundamental, prevista no art. 225, VI, da Constituição Federal de 1988 e a educação no art. 6º da mesma. Busca da conscientização da população da importância das suas atitudes perante o meio ambiente. Meio ambiente como um direito do cidadão e também uma responsabilidade de defesa.
1. Introdução:
A presente tese busca demonstrar a real importância da educação para a aplicabilidade da legislação ambiental já vigente no Brasil.
Inicialmente haverá a tentativa refletir a educação ambiental como direito fundamental, uma vez que a educação já está prevista como direito fundamental no art. 6° da Constituição Federal e, mais especificamente, a educação ambiental, consagrada no artigo 225, VI da mesma.
Baseando-se nesse preceito, almeja-se constatar que só haverá a execução efetiva das normas ambientais quando o povo, alvo da normatização, tiver consciência da importância das suas atitudes perante o meio ambiente.
Cabe, ainda, destacar, que as normas de direito ambiental têm como objetivo básico a proteção do bem ambiental, bem maior, fundamental à sadia qualidade de vida e, por esta razão, constitui-se em direito do cidadão, mas também e principalmente, em um dever deste de protegê-lo: aí entra o papel da educação ambiental.
2. O saber histórico e o contexto atual à consciência ambiental:
A Constituição Federal de 1988 consagrou no art. 225 a proteção do meio ambiente. Este fato deve-se a evolução humana, de cunho estritamente individualista, característica esta, que não corresponde mais a realidade social de risco que os seres humanos vivem nos dias atuais.
Não só o bem ambiental foi consagrado pela Constituição Federal como fundamental, mas também, tornou-se obrigatória a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.[1] Isso demonstra a ampla visão do legislador, pois este compreendeu, que sem a educação ambiental não se chegará a efetivação da legislação ambiental, que tem como pressuposto principal a proteção do Meio ambiente, ou seja, para que haja a efetiva proteção, a população tem de estar preparada para um agir ambientalmente correto, indo de encontro aos parâmetros antropocêntricos que sempre foram impostos.
Passa-se a analisar brevemente a evolução humana e a descrever a sociedade atual.
2.1. Breve reflexão do contexto da evolução humana:
A degradação ambiental gerada pelo homem vem desde sua história na Terra. A natureza vinha compensando os danos a ela causados, porque apesar de usufruir da natureza, o homem não afetava o seu equilíbrio. Vivia na sua comunidade e utilizava os recursos naturais para sua manutenção, não acarretando, portanto, malefícios ao sistema.
A natureza não era objeto de responsabilidade humana, pois cuidava de si. Frente a ela não se fazia uso da Ética e do Direito, que tinham relevância apenas no trato entre indivíduos. As ações do homem não visavam à transformação da natureza, pois eram adequadas ao seu tempo e estruturação. Havia um perfeito equilíbrio entre os bens naturais que o homem consumia e o tempo demandado pela natureza para repô-lo. Partia-se de um pressuposto que o homem sabia atuar de acordo com sua lei moral. Para Aristóteles, a idéia de uma natureza a serviço de si mesma e integrada em um todo — homem e natureza — só trazia crescimento e valoração ao meio em que se vivia. Hoje, pelo contexto no qual se está inserido, isto não se faz possível[2].
Essa concepção de o homem viver em harmonia com o meio ambiente originou-se com o rompimento do ideário ambientalista (através de suas crenças da mãe terra, dos cultos de fertilidade, que atribuíam respeito à natureza) pelo marco judaico — cristão (monoteísmo), em que Deus concedeu ao homem a propriedade sobre a natureza (Gêneses. 1/24-28), colocando-o no centro do universo.
Dessa forma, foi dado o primeiro passo para a
dessacralização da natureza na acepção atual. Tudo se passou como se a divindade incriada e criadora absorvesse a sacralidade do mundo e a concentrasse na sua pessoa absoluta, onipotente, onipresente e onisciente. Daí em diante, Deus e Natureza tornaram-se realidades distintas e separadas, ocupando o “homem” posição intermediária entre ambas. Lançam-se, assim, as raízes do teocentrismo-antropocentrismo e da história[3].
Com Thomas Hobbes, destacou-se o individualismo como direito à autoconservação, estando apenas os homens no contrato social; e Locke, partindo da mesma premissa, colocou o homem como senhor de todas as criaturas inferiores, instituindo, dessa maneira, a propriedade.
Foi nesta concepção racionalista, mecanicista e utilitarista que, entre 1550 e 1700, ocorreu a chamada Revolução Científica. Esta construiu uma visão dualista de universo. “Por meio de uma série de operações, foram separados sujeito de objeto, ser humano de animal, sociedade de natureza, razão de emoção, tempo de espaço”[4]. O homem, através da ciência, dedicou-se ao conhecimento da natureza, tendo o objetivo de dominá-la.
Para agravar a situação, durante a civilização técnico-científica, a teoria ética preocupou-se apenas com o relativismo ético de Max Weber e a construção da sociedade socialista totalitária de Karl Marx[5]. Originou-se, dessa forma, a crise ecológica, visto que o verdadeiro sentido de “valor” para o homem tornou-se equivocado e a moral humana, estritamente egoísta, quis acompanhar o desenvolvimento tecnológico, mas esqueceu dos valores vitais para que a própria vida acontecesse.
Essas técnicas modernas introduziram circunstâncias com efeitos completamente distintos, que a Ética até então existente não tinha condição de abarcar, deparando-se com uma dimensão nunca antes sonhada de responsabilidade.
A natureza, como já foi dito, submeteu-se à intervenção técnica dos homens, mesmo sendo ela independente dos desejos e das opiniões humanas. O homem deveria deixá-la cumprir seu objetivo, sob pena de transformá-la em bem fictício, carente de seu verdadeiro valor. “A natureza tem um direito moral próprio, basta perceber as sanções que estão sendo aplicadas por ela graças ao mal causado pela ‘inteligência’ humana”.[6]
Com isso, constata-se que grande parte da evolução humana baseou-se somente em interesses individuais e econômicos. Por esta razão, deve-se entender o contexto em que a sociedade vive hoje, para se fundamentar o importante papel da educação, e principalmente, da educação ambiental, na mudança desse paradigma.
2.2. A Sociedade no Contexto Atual:
A mudança desse contexto de evolução antropocêntrica, começou quando, através de pesquisas e da evolução científica, o homem descobriu que ele não tinha uma origem divina, mas sim biológica, ou seja, descobriu que era descendente das mesmas partículas formadas há 15 bilhões de anos, que era formado pelos mesmos átomos de carbono das bactérias que originaram a evolução da vida na terra.[7]
A vida, portanto, nascida da Terra, é solidária da terra. A vida é solidária da vida. Toda vida animal tem necessidade de bactérias, plantas, outros animais. A descoberta da solidariedade ecológica é uma grande e recente descoberta. Nenhum ser vivo, mesmo humano, pode libertar-se da biosfera. [8]
O novo paradigma traz consigo a idéia de uma ética preocupada com a universalidade, que considera as conseqüências dos atos humanos em relação ao todo. E mais, tira o homem do centro das preocupações e quer trazer o ambiente para o foco principal, sem é claro, desconsiderar o primeiro, mas conseguindo definir preocupações que não o atinjam de modo direto, somente como parte do meio. Nesse ponto encontra-se o grande desafio de como atribuir importância à preservação dos animais, das espécies, das árvores e do ecossistema, sem considerarmos os interesses dos seres humanos, sejam eles econômicos, de lazer ou científicos.
Um dos marcos dessa mudança foi a ecologia profunda, através dos escritos de Aldo Leopold que criou uma “nova ética”, uma ética que trata da relação do homem com a terra, os animais e as plantas que nela vivem. Essa ética ampliaria “as fronteiras da comunidade de modo a incluir o solo, a água, as plantas e os animais, ou, coletivamente falando, a terra[9]”.
Nos anos 70 iniciou uma onda de preocupações ambientais, com a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972. Esse movimento levou a um renascimento dos interesses ecológicos, uma busca pela conexão com a Terra, perdida de longa data, desde o marco judaico-cristão, quando o principal interesse passou a ser a busca inescrupulosa por valores econômicos.
Dentro do movimento ecológico, segundo o filósofo norueguês Arne Naess[10], existem tendências “superficiais” e “profundas”. O primeiro estaria ligado à estrutura moral tradicional, ou seja, suas raízes seriam antropológicas, o interesse em conservar o ambiente estaria intimamente ligado à necessidade do ser humano em tê-lo intacto, tanto pela sobrevivência da espécie quanto para desfrutar seus prazeres. Já a ecologia profunda tem raízes mais biocêntricas, seria a preservação pela valorização da natureza em si, sem interesses nos benefícios eventualmente trazidos para os seres humanos.
Leopold sintetizou os fundamentos de sua Ética da terra dizendo que: “Uma coisa é certa quando tende a preservar a integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica; é errada quando apresenta a tendência contrária[11]”.
Há uma riqueza de reflexões a respeito do lugar do homem na Natureza e a elaboração de uma ética correspondente. A ética biocêntrica, por exemplo, fundamenta-se, essencialmente, na idéia de que a natureza possui valor intrínseco, independente de sua utilidade para fins humanos. Os humanos não são superiores aos outros seres, mas “simples cidadãos” da comunidade de seres vivos. Como todo vivente tem direito à vida, só têm o direito de destruir algum ser da natureza para satisfazer necessidades vitais[12].
Fritjof Capra aduz o surgimento de um “paradigma ecológico, mas num sentido ecológico profundo, propondo uma expansão não apenas das percepções e da maneira de pensar, mas também de valores”.
Os princípios sobre os quais se erguerão as nossas futuras instituições sociais terão de ser coerentes com os princípios de organização que a natureza fez evoluir para sustentar a teia da vida. Para tanto, é essencial que se desenvolva uma estrutura conceitual unificada para a compreensão das estruturas materiais e sociais. A sustentabilidade não implica uma imutabilidade das coisas. Não é um estado estético, mas um processo dinâmico de co-evolução[13].
É dever do homem ter cuidado com a natureza, proteger o ambiente onde ele vive, por ser sua morada, mas também por ser a Terra o conjunto quase infinito de seres vivendo em harmonia como um grande sistema em que a atitude de cada elemento tem efeito direto no ciclo de vida do outro.
Sabendo-se da evolução do passado e das diretrizes que orientam o presente, nota-se o motivo pelo qual a Constituição da Republica Federativa do Brasil preocupou-se em tutelar o meio ambiente como bem jurídico. Somente esta tutela, no entanto, não se faz suficiente. Deve-se buscar a internalização da cultura de prevenção em cada cidadão. Por esta razão, tem-se a educação ambiental como necessária para a implementação dessa nova visão de mundo.
3. A educação ambiental como direito fundamental:
Averigua-se a crescente presença da consciência e da educação ambiental em todos os lugares. Inclusive, como já dito, no Brasil, de forma pioneira, já se tem a garantia constitucional da mesma, conforme dispõe o artigo 225, VI da Constituição Federal.[14]
Além disso, o meio ambiente é condição fundamental ao desenvolvimento da vida humana, concretizando, desta forma, o princípio maior do ordenamento jurídico – a dignidade humana.
Apesar de não se incluir no catálogo dos direito fundamentais do art. 5° da Constituição Federal de 1988, trata-se de um direito fundamental, definido como típico direito difuso, inobstante também tenha por objetivo o resguardo de uma existência digna do ser humano, na sua dimensão individual e social. [15]
Ademais, a educação, pura e simples, está contemplada na Constituição Federal, no art. 6°, como direito social fundamental.[16]
Desta forma, para se alcançar o princípio maior do ordenamento jurídico, qual seja, a dignidade da pessoa humana, é primordial a preservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida.
Ao proteger-se o meio ambiente, estar-se-á, de forma direita, protegendo o bem jurídico máximo do nosso ordenamento jurídico, que é a vida, na forma mais ampla que esta possa ser concebida. Não apenas a vida humana dispõe de proteção constitucional, mas todas as demais formas de vida, das quais a primeira, para a sua manutenção, desenvolvimento e permanência como espécie, é dependente.[17]
Além do meio ambiente, também o direito a educação é essencial para se alcançar a dignidade. Aquela tem a função de refazer certos aspectos da sociedade atual e preparar as crianças e os jovens para modificar a sociedade, preparando-a para o futuro. [18]
A educação ambiental é ainda mais ampla, pois prevê não somente a educação infantil e juvenil, mas ainda a educação nas mais diversas faixas etárias e níveis de formação intelectual e profissional. Faz com que os diversos profissionais atuem de forma conjunta, transdisciplinar, buscando atingir de forma eficaz o alvo maior, qual seja, a proteção do meio ambiente.
Com isso, quer-se afirmar, que apesar de todo aparato jurídico, quando se fala de proteção ambiental, esta só será alcançada se existir um programa que eduque as diversas classes sociais e etárias.
Neste ponto, chega-se ao ápice do proposto nesta tese: a educação ambiental como ferramenta de proteção e aplicação da legislação ambiental já vigente no nosso país.
4. Princípios e pressupostos para implementação da legislação ambiental através da educação ambiental
Na reflexão sobre educação, é inevitável que se busque enteder o contexto político atual, que além de permear a educação, a determina e delimita. Como já mencionado, para se entender a política educacional brasileira, deve-se compreender o conceito histórico de sua formação que encontra-se na chamada área social, sendo uma modalidade da política social[19].
Nesta tese, não é objeto a análise aprofundada da educação brasileira, mas sim, a educação ambiental e sua importância na aplicabilidade de lei. Por esta razão, aqui, limitar-se-á trazer a legislação da política nacional de educação ambiental e alguns breves princípios educacionais para fazê-la cumprir.
A educação ambiental deve ser vista não como modalidade, mas como alternativa indispensável à educação.
Nesta nova ótica, a educação não é mais vista como campo de armazenamento e repasse de informações, no qual o ser humano, para compreender a natureza, deve controlá-la e, portanto, perceber-se apartado, diferenciado dela – característica da educação tradicional.[20]
A educação tradicional, em uma análise crítica da matéria, “vem sendo tratada de forma distorcida, engessada e pouco criativa, respondendo a necessidades de mercado, reiterando a supremacia da política econômica e respaldando a ótica dicotomizada de ser humano, sociedade e ambiente”[21]
A educação ambiental deve ser proposta como reação ao modelo de educação tradicional, ou seja, nessa educação, devem estar incorporados componentes ambientais. A educação ambiental, não funciona isoladamente, mas sim, em conjunto com a educação tradicional e esta, agregada aos valores ambientais.
A lei de política nacional de educação ambiental – Lei 9795/99, corresponde a esta reação, porém a sua aplicação ainda é incipiente.
É evidente que o tratamento da questão ambiental em nível de educação escolar ou de influência ideológica, em todos os níveis possíveis, é deveras importante para a formação do substrato cultural, como referencial básico, para a crença em princípios que, por sua vez, influenciarão noutras áreas que terão maior efetividade na solução dos conflitos ecológicos–ambientais[22].
Por fim, indica-se alguns aspectos para se pensar a educação ambiental como algo realmente aplicável no contexto brasileiro, dentre eles, a reorientação da educação formal com relação à sustentabilidade; a interdisciplinaridade para se tratar a educação na perspectiva do ambiente; a conscientização pública e entendimento da população quanto às questões ambientais; o direcionamento para estilos de vidas sustentáveis, modificando os padrões de produção e consumo; ética, cultura e equidade para atingir a sustentabilidade[23].
Propõe-se, então, a modificação da percepção da educação ambiental nos moldes atuais, para uma visão integrada da educação juntamente com os parâmetros ambientais.
O povo, alvo da legislação ambiental, ambientalmente educado, poderá, com maior propriedade, fazer cumprir seu dever perante o meio ambiente, pois conhecerá as leis e compreenderá a importância fundamental deste bem e seu contexto inserido nesta teia que é a vida.
Conclusões articuladas:
1. A educação ambiental é essencial para a aplicabilidade da legislação ambiental vigente no Brasil;
2. Deve-se conhecer o contexto histórico da evolução da vida na Terra, para se entender e se educar ambientalmente;
3. O contexto político-social deve estar presente na implementação da educação ambiental no país;
4. A modificação da educação tradicional deve buscar a sua integração com os novos paradigmas existentes, dentre eles o ambiental, que reagirá e fará parte da educação tradicional;
5. A educação ambiental como papel fundamental na inserção de novos valores;
6. A educação como direito fundamental da população, pondo em prática o princípio da dignidade da pessoa humana, pois sem educação, não há dignidade.
Informações Sobre os Autores
Caroline Vieira Ruschel
Professora da Faculdade de Direito da PUC-RS. Mestranda em Direito na UFSC. Membro do NEPAD – Núcleo de Estudo e Pesquisa Ambiente e Direito – PUC-RS
Melissa Ely Melo
Advogada. Membro do NEPAD – Núcleo de Estudos e Pesquisa Ambiente e Direito da PUC-RS. Tutora do Curso de Especialização em Direito Ambiental da PUC-RS