Resumo: O presente trabalho aborda sobre o instituto da inconstitucionalidade por omissão, enfatizando-se a configuração do mesmo à luz da Constituição brasileira de 1988. Tem como objetivo examinar a sua efetividade, enaltecendo o controle mais ativo do Poder Judiciário, sobretudo, por parte do Supremo Tribunal Federal, como guardião do equilíbrio constitucional. Desse modo, o estudo revela também que, na averiguação da compatibilidade entre uma lei ou ato normativo do poder público e a Constituição, o sistema jurídico prevê um conjunto de mecanismos destinados ao combate da síndrome de inefetividade das normas constitucionais. A pesquisa tem como objeto de estudo a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), elucidando os apontamentos doutrinários e jurisprudenciais do assunto em pauta, dando realce aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de ADO. Deste modo, o presente trabalha almeja apontar os principais debates sobre o assunto, proporcionando uma visão geral da temática e fazendo as considerações pertinentes acerca do tema.
Palavras Chaves: Efetividade, Omissão, Combate.
Abstract: This paper reports on the institution of unconstitutionality by omission , emphasizing configuration even in the light of the Brazilian Constitution of 1988 . Aims to examine its effectiveness , highlighting the most active control of the judiciary , particularly , by the Supreme Court , as guardian of constitutional balance . Thus , the study also reveals that , in reviewing the compatibility of a law or the regulations of the government and the Constitution , the legal system provides a set of mechanisms designed to combat the syndrome of ineffectiveness of constitutional norms . The research aims to study the direct action of unconstitutionality by omission ( ADO ) , clarifying the doctrinal and jurisprudential notes of the subject matter , giving emphasis to the effects of the declaration of unconstitutionality headquarters in ADO . Thus , this work aims to identify the main debates on the subject , providing an overview of the theme and making the relevant considerations on the subject .
Keywords: Effectiveness, Failure, Fighting.
Sumário: 1 – Introdução; 2 – Controle de Constitucionalidade; 3 – Omissão Inconstitucional; 3.1 – Antecedentes históricos; 3.2 – Conceito; 4 – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; 4.1 – Objeto da ADO; 4.2 – Possibilidade de Medida Cautelar; 5 – Efeitos da Ação Direta De Inconstitucionalidade Por Omissão: Uma análise de suas possibilidades; 5.1 – Corrente não concretista; 5.2 – Corrente concretista; 6 – Conclusão; Referencias
1. INTRODUÇÃO
Sendo a Constituição Federal do Brasil de 1988 rígida, todas as suas normas possuem estrutura e natureza de normas jurídicas, ou seja, encerram um imperativo ou uma obrigatoriedade de um comportamento. As normas constitucionais são dotadas de imperatividade, quer elas determinem uma omissão ou uma ação do Estado. Como já ressaltava o Ruy Barbosa: “não há, numa Constituição, cláusulas a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos”.
A força vinculante da Constituição, sendo uma realidade do constitucionalismo contemporâneo, vincula tanto os órgãos do Poder Político como os cidadãos. Os Poderes constituídos, apesar de terem independência, devem respeitar a um Poder maior, o Poder Constituinte, atuando de forma a realizar os fins pré-estabelecidos por este poder. A atuação dos Poderes deve ser um meio para a realização de um fim maior que é a supremacia da Carta Magna, uma exigência do povo, que é o titular absoluto do poder constituinte que a originou.
Assim, sendo texto constitucional dotado do atributo da rigidez, ele se equipou de mecanismos para garantir a sua supremacia e efetividade. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão surge como um meio de garantia da eficácia da Constituição, como forma de sanar a omissão dos órgãos do Poder no dever de garantir a efetividade das normas constitucionais. Não basta apenas controlar os atos comissivos.
Assume a ADIn por omissão o papel de um dos instrumentos aptos para sanar as omissões do Poder Público. Neste trabalho discute-se a necessidade de consolidação do papel da desta ação como instrumento garantido da supremacia constitucional, apontando a necessidade de sua decisão ter efeitos mais concretistas. Por outro lado, trataremos do aparente conflito entre este efeito concretista e a separação dos poderes.
2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle de constitucionalidade está diretamente ligado às ideias de supremacia constitucional e rigidez da constituição. Quanto à primeira, funciona como um mecanismo garantidor. A rigidez constitucional, por sua vez, fundamenta o controle de constitucionalidade, pois a hierarquia entre normas constitucionais e normas infraconstitucionais é formalmente garantida através de um processo mais complexo para a elaboração das primeiras.
A supremacia da constituição pressupõe um sistema harmônico, onde todas as leis e atos do poder público devem ser formalmente e materialmente compatíveis com a constituição. O controle de constitucionalidade funciona através desses processos de defesa da harrmonia constitucional, reagindo às lesões à Constituição.
Também é pressuposto do controle de constitucionalidade a previsão de um ou mais órgãos competentes para exercê-lo. No Brasil, o controle de constitucionalidade é exercido precipuamente pelo Poder Judiciário, apesar de haver pequena margem de atuação dos Poderes Legislativo e Executivo no controle preventivo e repressivo de constitucionalidade de certos atos e projetos legislativos.
3 OMISSÃO INCONSTITUCIONAL
3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Com o advento do estado constitucional de direito, ganhou a Constituição força normativa. Deixa a Constituição de ter papel meramente simbólico, onde era considerada como documento essencialmente político, sendo suas idéias propostas consideradas apenas um convite à atuação dos Poderes Públicos.
A mudança do papel da constituição é explicada por Barroso
“Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica. Superou-se assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes Públicos. A concretização de suas propostas ficava invariavelmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador. Ao judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na realização do conteúdo” (BARROSO, 2007, p.7).
Para Ana Paula Barcellos (2007, p.02) levando em consideração o ponto de vista metodológico-formal, o constitucionalismo atual possui três características relevantes: 01) A normatividade da Constituição; 02) A supremacia da Constituição e 03) A centralidade da Constituição
Nesse contexto, passam os Poderes Públicos a serem regidos pela Constituição, devendo todos os seus atos ser legitimados pela Lei Suprema. Assim, assumem os Poderes o papel de garantir efetividade às normas constitucionais. Passa a Constituição a ter eficácia jurídica vinculante e obrigatória.
Vigora então o princípio da supremacia da constituição, exigindo uma posição mais ativa do judiciário, como guardião do equilíbrio constitucional. O aumento das atribuições do Poder Judiciário ocorre em um período em que não mais se pode admitir o estado legislativo de direito ou o abuso do poder por parte do Executivo. Não há desequilíbrio de poderes nesse agigantamento do judiciário. Vem este poder na verdade crescer para controlar os outros gigantes: o executivo e o legislativo.
3.2 CONCEITO
Analisando o contexto histórico sob a égide do estado constitucional de direito, pode-se concluir logicamente que a inconstitucionalidade não abrange apenas a atuação dissonante com a constituição, mas também a omissão em face de um dever constitucional.
Nas palavras de Dirley da Cunha Júnior,
“É tão inconstitucional uma ação normativa estatal em contraste com a constituição, como uma omissão indevida em face desse mesmo diploma. Há, pois, omissão inconstitucional quando, devendo agir para tornar efetiva norma constitucional, o poder público cai inerte, abstendo-se indebitamente. Mas essa omissão pressupões o não cumprimento de uma norma constitucional individualizada, ou seja, certa e determinada” (CUNHA JUNIOR, 2011, p.389).
Bernardes, explica que
“Em termos gerais, a inconstitucionalidade por omissão é a anomalia resultante da abstenção em cumprir certos deveres constitucionais dirigidos à produção ou à atualização das medidas necessárias para tornar plenamente efetiva determinada norma constitucional. Contudo, o conceito de atos omissivos inconstitucionais deve ser fixado com cautela, pois nem toda inércia dos órgãos constituídos afronta a ordem constitucional”. (BERNADES, 2011, p. 527)
Propõe o citado autor que se leve em conta não apenas o ato omissivo em si, mas se esta omissão foi suficiente para comprometer ou ameaçar a efetividade da Constituição.
Para Flávia Piovesan, a omissão inconstitucional possuiria as seguintes características: “01) Falta ou insuficiência de medidas legislativas; 02) Falta de adoção de medidas políticas ou de governo e 03) Falta de implementação de medidas administrativas, incluindo as medidas de natureza regulamentar, ou de outros atos da Administração Pública” (PIOVESAN, 2003, p. 90).
A ideia de omissão inconstitucional surge com o advento do Estado Social e da Constituição Dirigente, sendo o Estado responsável pela promoção do bem-estar. Passando as Constituições a ter caráter garantista, a inconstitucionalidade por omissão surge como uma sanção ao estado pela não-atuação transgressora.
4 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (ADO), está prevista no art. 103, §2º da Constituição Federal, que dispõe que
“Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.
A ADO não é prevista de forma expressa pela CF, pois o artigo 103, em seu caput, apenas prevê a ação direta de inconstitucionalidade de maneira genérica. Porém, ao analisar o conjunto do artigo, intuitivamente concluímos que a ADI se subdivide em duas espécies: ADIn por ação e ADIn por omissão. Assim, a ADO, objeto de estudo deste trabalho, é espécie da ADIn. A Ação direta genérica serve como parâmetro. Nas palavras de Tavares,
“A ação direta de inconstitucionalidade por omissão segue em praticamente tudo a ação direta de inconstitucionalidade genérica. Assim ocorre quanto aos legitimados ativos, quanto ao rito processual, quorum de manifestação. É de aplicar, pois, todos os dispositivos da Lei 9.868/99 que não conflitem com a natureza peculiar dessa ação, e que consiste exatamente no combate da omissão reputada violadora da Constituição do Brasil em vigor” (TAVARES, 2002, p. 334).
A Lei 9.868/99 veio regulamentar a Ação Direta de Inconstitucionalidade. Contudo, em seu texto original não tratava da ADO e das suas peculiaridades. Sendo a ADO espécie da ADIn genérica, aplicam-se a ela todas as regras da ADIn genérica que não sejam incompatíveis com a sua natureza.
A Lei. 12.063 veio finalmente solucionar a ausência de uma legislação adequada às peculiaridades da ADO, incluindo na Lei 9.868 o capítulo II-A, disciplinando especificamente a ADO.
Finalmente pode-se conceituar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão como “instrumento de controle concentrado-principal das omissões do poder público” (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 389). Seu processo tem natureza objetiva, controlando a constitucionalidade de forma abstrata, ou seja, não há lide, não se discute um caso concreto. A Ação tem natureza específica, pois tem o objetivo de controlar as omissões inconstitucionais como sua razão de ser. Não se destina a ADO à defesa de interesses subjetivos.
Comentando a diferença entre ADI e ADO, Dirley da Cunha Jr diz que: “A diferença reside no fato da primeira destinar-se a suprimir (invalidar) a norma lesiva e a segunda a suprir a omissão ou ausência de norma ou de medida necessária para tornar efetiva norma constitucional” (CUNHA JR, 2011, p. 351).
Os legitimados para a propositura da ADO são os mesmos da ADIn por ação: Presidente da República, Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Governador de Estado ou do Distrito Federal, Mesa de Assembléia Legislativa do Estado ou Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional, conforme rol taxativo do art. 103 da Constituição.
Quanto ao parâmetro, é comum na doutrina a concepção, a nosso ver equivocada, de que somente as normas de eficácia limitada podem servir de parâmetro para a ADO. Na abordagem feita pelo presente trabalho entende-se que a ADO visa proteger primordialmente as normas constitucionais de eficácia limitada. Tal afirmação, todavia, merece ponderações, pois há normas que, embora plenamente eficazes, carecem de providências normativas e materiais do poder público para ser consolidarem.
4.1 – OBJETO DA ADO
O art. 103, §2º, fala em “omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional”. Logo, podemos concluir que a ADIn por omissão tem como objeto medidas que não foram adotadas. A questão é: quais medidas seriam essas e em quais situações se admite a ADO?
A doutrina diverge quanto à natureza dos atos que podem ser objeto deste tipo de controle. Uma primeira corrente defende que a omissão inconstitucional, seja ela de ato normativo ou de ato administrativo, pode ser objeto da ADIn por omissão. Uma segunda corrente, mais restritiva, entende que a ADO só tem como objeto atos normativos do Executivo e da Administração Pública.
Filia-se à primeira corrente Tavares(2002, pág. 338), afirmando que
“No caso da ação direta de inconstitucionalidade para combater a omissão há expressa referência constitucional a ‘omissão de medida’, sem qualquer restrição de qual medida (não se fala, por exemplo, em ‘omissão de medida normativa’), o que leva à conclusão de abertura do remédio para situações de omissão não normativa” (TAVARES, 2002, p.338).
Além do texto constitucional, os defensores deste entendimento também passaram a utilizar o art. 12-B, I, da Lei 9.868/99, incluso pela lei 12.063/09, que se refere a “dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa”.
No presente estudo, discorda-se de tal interpretação e adota-se a corrente restritiva.
Barroso, seguindo o entendimento restritivo, explica que as omissões impugnáveis pela ADO são as de cunho normativo, pois,
“Omissões de outras espécies são atacáveis por mecanismos jurídicos diversos. Ademais o termo normativo tem alcance mais amplo do que legislativo, porque nele se compreendem atos ferais, abstratos e obrigatórios de outros Poderes e não apenas daquele ao qual cabe, precipuamente, a criação do direito positivo” (BARROSO, 2011, p.280).
Seguindo a linha de raciocínio apontada pelo autor, chega-se à conclusão de que apesar da literalidade do texto constitucional, devemos interpretar o dispositivo dentro do contexto em que está inserido, e não de forma isolada. A ADO é espécie de ação direta de inconstitucionalidade, tendo a mesma natureza e finalidade. É a ADO modalidade de controle abstrato de constitucionalidade. Por meio dela instaura-se um processo objetivo de controle de constitucionalidade. É o controle abstrato-principal. Não se destina, portanto, à solução de conflitos concretos, atuando tão-somente na esfera normativa.
Veloso leciona que,
“Não é qualquer falta de providência de órgãos públicos que pode legitimar a intervenção do Judiciário, em sede de ação de inconstitucionalidade por omissão, mas somente a ausência de medidas de cunho normativo, ou seja, de atos administrativos normativos, que são os que contêm regras gerais e abstratas, não sendo leis em sentido formal, mas apresentando-se como lei, no aspecto material. A ação governamental. No sentido de realizações, tarefas, obras, programas administrativos, está fora do âmbito da inconstitucionalidade por omissão” (VELOSO, 2000, p.251).
Acrescenta-se que o §3º do art. 103 da CF não fala expressamente em ato administrativo, mas em medidas provenientes de órgão administrativo. Interpretando-se o dispositivo levando em consideração o contexto em que está inserido, é intuitivo que o texto refere-se a atos da administração, formalmente administrativos, mas essencialmente normativos, com caráter abstrato e genérico.
O próprio STF já esclareceu que a ADO “não é de ser proposta para que seja praticado determinado ato administrativo em caso concreto, mas sim visa a que seja expedido ato normativo que se torne necessário para o cumprimento de preceito constitucional que, sem ele, não poderia ser aplicado”. (ADI 19/AL, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJU de 14-8-89, p. 5.456).
4.2 – POSSIBILIDADE DE MEDIDA CAUTELAR
Entendia o Supremo Tribunal Federal ser incompatível concessão de medida cautelar em face de ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Tal entendimento se coadunava com a interpretação dada à própria ADI por omissão, pois se nem mesmo o provimento judicial último podia afastar a omissão, não havia sentido em exame preliminar, pois não haveria nada a se garantir. Logo, a idéia da impossibilidade de medida cautelar em ADO estava ligada à idéia da mera comunicação como efeito da ADO.
Sucede que a Lei nº 12.063/09 acrescentou o art. 12-F na Lei nº 9.868/99, prevendo expressamente a possibilidade de medida cautelar na ADO. Prevê o novo art. 12-F que:
“Em caso de excepcional urgência e relevância de matéria, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias.”
Nessa perspectiva, Dirley da Cunha Junior, diz que,
“A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso der omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal” (CUNHA JUNIOR, 2011, p.393).
A inovação legislativa sinaliza uma mudança de visão em relação aos efeitos da ADO, pois propõe uma posição mais ativa da Suprema Corte, podendo dispor de mais meios para garantir a eficácia das suas decisões e a própria supremacia constitucional. A possibilidade da medida cautelar abre um precedente para a possibilidade de os efeitos da decisão da ADO irem além da mera notificação, pois se o STF já pode garantir certo grau de efetividade à decisão preliminar, por que não poderia garantir efetividade à sua decisão final?
5 EFEITOS DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO: UMA ANÁLISE DE SUAS POSSIBILIDADES
Dispõe o §2º do art. 103 da Constituição que da decisão que declarar a inconstitucionalidade por omissão, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para suprir a omissão no prazo de trinta dias.
Como pode ser visto, o dispositivo constitucional fala somente em cientificação do órgão omisso, não vislumbrando uma ação mais efetiva e interventiva por parte do Poder Judiciário na concretização da decisão. Contudo, existe uma controvérsia doutrinária no tocante aos efeitos da decisão da ADO. Isso porque se existe uma corrente que defende a interpretação literal do dispositivo (a corrente não-concretista), em sentido adverso existe a corrente concretista, que entende que o texto constitucional disse menos do que queria dizer, pois se interpretarmos o §2º do art. 103 conjuntamente com outros preceitos da constituição chegaremos ao entendimento de que o Poder judiciário pode ter uma ação mais ativa para concretizar a sua decisão.
Passa-se a analisar primeiramente os argumentos da corrente não-concretista.
5.1 CORRENTE NÃO-CONCRETISTA
A corrente não-concretista entende que após declarada a inconstitucionalidade por omissão, cabe ao STF simplesmente cientificar o órgão competente sobre a omissão.
Entende desta forma Juliano Taveira Bernardes, que embora inicialmente reconheça que “a sentença da ADInO possui reduzidos efeitos práticos”, conclui que “na dicção constituinte, não é possível que o STF supra a omissão inconstitucional”. E finaliza a discussão defendendo que “mesmo quando procedente o pedido da ADInO, o provimento do STF, como se viu, limita-se à intimação/comunicação da mora ao órgão inadimplente”. (BERNARDES,2011, pág. 560)
Os defensores da corrente não-concretista invocam principalmente os princípios da democracia e da divisão dos poderes como óbices à possibilidade de uma atuação judicial supletiva. Entendem que ao suprir a omissão de outro poder, estaria o judiciário extravasando os seus limites de atuação, comprometendo a separação e o equilíbrio dos poderes.
O STF atualmente segue o entendimento de que a decisão da ADInO tem caráter puramente mandamental, tendo decidido que “em sede de controle abstrato, ao declarar a situação de inconstitucionalidade por omissão, [a Corte] não poderá, em hipótese alguma, substituindo-se ao órgão estatal inadimplente, expedir provimentos normativos que atuem como sucedâneo da norma reclamada pela Constituição, mas não editada – ou editada de maneira incompleta – pelo Poder Público”. (decisão monocrática do Min. Celso de Mello na ADIN 1.484/DF).
Contudo, no julgamento da ADI 3.682/MT, realizado na sessão plenária de 9 de maio de 2007, o Supremo Tribunal já demonstrou uma posição mais ativa no tocante à decisão da ADI por omissão. De forma inédita, a decisão reconheceu, além da mora do legislador quanto à omissão da regulamentação do §4º do art. 18 da Constituição Federal, o dever constitucional de legislar do Congresso Nacional. Além disso, fixou a Corte o prazo de dezoito meses para que o Congresso Nacional regulamentasse o §4º do art. 18 da Constituição. Com isso, a Suprema Corte deixa de compreender a decisão em sede de ADO como meramente declaratória, deixando claro que a decisão que constata a existênci8a de omissão inconstitucional e determina ao legislador que tome as medidas necessárias ao suprimento da lacuna constitui sentença de caráter nitidamente mandamental, que impõe ao legislador em mora, o dever, dentro de um prazo razoável, de proceder à eliminação do estado de inconstitucionalidade.
Essa decisão, embora represente uma postura mais ativa da Corte na concretização da decisão em sede de ADO, ainda não adotou o caráter concretista. É que embora a Corte tenha avançado no sentido de reconhecer a sentença como mandamental, e não apenas declaratória e apesar de haver fixado prazo para o Poder Legislativo, a efetiva concretização da Constituição ainda ficou à mercê da vontade do legislador, dependendo dele a colmatação da lacuna inconstitucional. Não dispôs a decisão de meios mais efetivos para garantir a supremacia e efetividade da Constituição. Todavia, não podemos deixar de reconhecer o avanço esta decisão representou.
Bernardes, defendendo uma postura não-ativista do STF, chega a criticar essa decisão:
“Essa decisão, óbvio, é de discutível constitucionalidade, pois claramente exorbita dos efeitos que o constituinte delimitou à decisão que declara a inconstitucionalidade por omissão em sede de ADInO. Trata-se de manifestação de ativismo judicial, cuja eficácia prática é igualmente discutível, porquanto o STF não tem como obrigar o legislador a cumprir o prazo fixado, tampouco aplicar alguma espécie de sanção jurídica em caso de descumprimento. Aliás, até hoje, o Congresso Nacional não cumpriu o prazo assinalado na ADIn 3.682/MT e há muito ultrapassado[…]” (BERNARDES, 2011, p.561)
No mesmo sentido Zavascki (2001, p.18), em sua obra “Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional”, ao tratar da eficácia prática dos provimentos decorrentes do controle de omissão: “desamparados que são de força executiva, fica na dependência do efeito político que a sua inobservância poderá gerar para os responsáveis”.
5.2 CORRENTE CONCRETISTA
De acordo com a corrente concretista, o §2º do art. 103, ao limitar o efeito da decisão da ADO à cientificação ao Poder competente para a adoção das providências necessárias, disse menos do que pretendia dizer. Isso porque interpretar literalmente a norma não condiz com o real objetivo do legislador. Sugere-se que haja uma interpretação que leve em conta outros preceitos constitucionais, bem como as razões que motivaram o constituinte a introduzir o dispositivo. Nesses termos, a ADO deve ser compreendida em contexto com a sua finalidade e com a ordem constitucional.
Entendemos ser esta a compreensão mais escorreita no que diz respeito aos efeitos da ADO, pois se olharmos a razão de ser das ações de controle de constitucionalidade por omissão do poder público, perceberemos que estas ações surgiram com o propósito de solucionar o problema da falta de efetividade da Constituição. Temer faz a seguinte observação,
“A primeira afirmação que se deve fazer é aquela referente à finalidade desse controle: é a de realizar, na sua plenitude, a vontade constituinte. Seja: nenhuma norma constitucional deixará de alcançar eficácia plena. Os preceitos que demandarem regulamentação legislativa ou aqueles simplesmente programáticos não deixarão de ser invocáveis e exeqüíveis em razão da inércia do legislador. O que se quer é que a inação (omissão) do legislador não venha a impedir o auferimento de direitos por aqueles a quem a norma constitucional se destina. Quer-se – com tal forma de controle – passar da abstração para a concreção; da inação para a ação; do descritivo para o realizado. O legislador constituinte de 1988 baseou-se nas experiências constitucionais anteriores, quando muitas normas não foram regulamentadas por legislação integrativa e, por isso, tornaram-se ineficazes” (TEMER, 2002, p. 51-52).
Assim sendo, não pode-se compreender a norma discutida de forma literal, pois caso se aceite que o único efeito da decisão de inconstitucionalidade por omissão é a mera ciência da declaração ao órgão inerte, estaria sendo reneganda a própria finalidade da ADO, pois com a mera cientificação, a efetividade da Constituição continuará ao bel-prazer do legislador ou do órgão administrativo omisso. Com isto, a vontade do constituinte originário restará comprometida pela falta de efetividade, pois nada garante que o omisso, comunicado da decisão, venha a suprir a omissão.
Luiz Guilherme Marinoni (2012, p.1116), explica que: “Raciocinou-se até aqui, como se a decisão na ação de inconstitucionalidade estivesse limitada à declaração da omissão inconstitucional, com a sua comunicação ao Poder para a tomada das providências necessárias – posição do STF”. Continua Marinoni dizendo que (2012, p.1116): “é evidente que esta decisão não é adequada do ponto de vista da efetividade do processo e da tutela da ordem constitucional, já que outorga a quem tem o dever de legislar a possibilidade de se omitir, deixando ao desamparo direitos e normas constitucionais”.
Para Marinoni (2012, p.1116): “Isto é assim porque, ao se comunicar o dever de editar a norma, não se espera sanção pelo descumprimento ou mesmo se extrai o preceito faltante da inércia do legislador”.
Gilmar Mendes (2010, p. 1369) diz que não é correto afirmar que a “decisão que constata a existência da omissão constitucional e determina ao legislador que empreenda as medidas necessárias à colmatação da lacuna constitucional não produz maiores alterações na ordem jurídica”. Mendes (2010, 1369) defende que a decisão possui natureza mandamental e “impõe ao legislador em mora o dever de, dentro de um prazo razoável, proceder à eliminação do estado de inconstitucionalidade”.
Neste trabalho defende-se que não garantir a efetividade da Constituição compromete os próprios alicerces da Constituição de 1988, que nasce com o ideal neoconstitucional do estado constitucional de direito, onde a supremacia da constituição deve ser garantida acima de qualquer circunstância. Por isso, a Constituição de 1988 nasceu dispondo de instrumentos para garantir sua própria efetividade, bem como para se defender de qualquer ameaça à sua supremacia. É a ADO um desses instrumentos de auto-garantia e auto-defesa da Constituição. Neste contexto, parece inaceitável conceber a ADO como instrumento de efeito anódino.
Barroso, criticando a decisão do STF, ensina que,
“A literalidade do §2º do art. 103 e a resistência do Supremo Tribunal Federal em dar-lhe sentido mais abrangente, sob o fundamento de que não pode tornar-se legislador positivo, transformaram a ação direta de inconstitucionalidade por omissão em um remédio jurídico de baixa eficácia e, consequentemente, de uso limitado. A reduzida valia da mera ciência dá ao instituto um efeito essencialmente moral ou político, próprio para quem busca uma declaração de princípios, mais insuficiente para a tutela objetiva do ordenamento constitucional, quando vulnerado em sua supremacia” (BARROSO, 2011, p. 290).
Como solução, alguns doutrinadores falam em responsabilização do Estado em caso de recalcitrância, com o que não concordamos, por entendermos que a finalidade é a efetividade da constituição e não a responsabilização do Estado.
O que parece ser a solução ideal é defender um aprimoramento ao efeito literal previsto no §2º do art. 103 da Constituição, sendo razoável que o Poder Judiciário possa estabelecer um prazo para que a omissão seja remediada. Conforme a situação, não atendendo o omisso a determinação judicial, competirá ao Poder Judiciário dispor normativamente sobre a matéria não regulamentada pelo Poder Público competente. Essa decisão será temporária, valendo até a adoção das medidas necessárias por parte do Poder Público omisso.
Defendendo esta solução, Dirley da Cunha Junior (2011, p. 413), ressalta que tal consequência
“Longe de vulnerar o princípio da divisão de funções estatais, logra conciliar o princípio da autonomia do legislador e o princípio da prevalência da Constituição, que se traduz na exigência incondicional do efetivo cumprimento das normas constitucionais” (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 413).
No mesmo sentido Silva, entende que,
“A mera ciência do Poder Legislativo pode ser ineficaz, já que ele ao está obrigado a legislar. Nos termos estabelecidos, o princípio da discricionariedade do legislador continua intacto, e está bem que assim seja. Mas isso não impediria que a sentença que reconhecesse a omissão inconstitucional já pudesse dispor normativamente sobre a matéria até que a omissão legislativa fosse suprida. Com isso, conciliar-se-iam o princípio político da autonomia do legislador e a exigência do efetivo cumprimento das normas constitucionais” (SILVA, 1999, p. 50-51).
Entende-se que a solução não fere a liberdade política de legislar do Poder Legislativo. Pois o Judiciário apenas estabelece um prazo para que o Legislativo aja, não obrigando coercitivamente o Poder Legislativo a agir. Em caso de inação do referido poder, o judiciário vem suprir a lacuna inconstitucional, por ser inadmissível em um estado constitucional de direito a falta de solução pelo Poder Judiciário quando chamado a solucionar um caso de não efetividade constitucional. Não mais se admite que a sociedade fique sem resposta e que as garantias constitucionais dependam da boa vontade do legislador.
Contesta-se a ideia do princípio da separação dos poderes como óbice à possibilidade de atuação judicial supletiva. Primeiramente porque a separação dos poderes não é um fim em si mesma. Por fim, a idéia de separação de poderes já não é tida como uma verdade absoluta, pois hoje fala-se muito mais em equilíbrio e harmonia dos poderes, pois já não se vislumbra a idéia de três poderes estanques, incomunicáveis entre si.
Verifica-se, portanto, que a atuação supletiva do Supremo nos casos de inação do órgão omisso é a solução mais adequada para garantir os desígnios constitucionais, garantindo a realização do direito fundamental à efetivação da constituição, direito este de suma importância em um estado regido por uma constituição marcadamente dirigente, como a nossa.
6 – CONCLUSÃO
Comentados os principais enfoques referentes à Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão, constata-se a relevância desse instrumento destinado ao combate das questões relacionadas com a inefetividade das normas constitucionais.
Verificou-se a necessidade do aprimoramento do citado mecanismo, para que as decisões que são proferidas no mesmo alcancem seus objetivos, proporcionando uma atuação que consiga resolver os problemas em casos de inconstitucionalidade por omissão, oferecendo uma maior eficácia ao sistema de controle de constitucionalidade.
Com essa postura, é possível alcançar a tão desejada força normativa da Constituição, trazendo mecanismos que proporcionem a supremacia do texto constitucional e a concretização do mesmo. Há uma necessidade de que a construção jurisprudencial do STF, em relação ao Mandado de Injunção (sobretudo a que adota a corrente concretista), seja aplicada no que couber também na Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão.
É indispensável uma solução que atinja o objetivo desse instrumento constitucional e ao mesmo tempo concilie o princípio da separação dos poderes e atuação discricionária do Poder Legislativo.
A solução que melhor se adapta com a realidade brasileira, em que o Poder Legislativo permanece em total ociosidade, é a adoção de uma postura mais ativa do STF, de modo que o próprio órgão, competente para o julgamento da mencionada ação, supra esta omissão, viabilizando o direito fundamental à efetividade constitucional.
Referencias
BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. Revista Eletrônica Diálogo Jurídico. Salvador, nº 15, janeiro/fevereiro/março de 2007. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br> Acesso em: 20/08/2013.
BARROSO Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
_____. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. (O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 9, março/abril/maio, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 21 jun. 2011.
BERNARDES Juliano Taveira. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADInO) (capítulo IX). In: JUNIOR, Fredie Didier (Org). Ações Constitucionais. Editora Juspodivm. 5ª edição. Salvador, 2011. p. 523-562.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 3682 MT, Relator(a): GILMAR MENDES; Julgamento: 08/05/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno; Publicação: DJe-096 DIVULG 05-09-2007 PUBLIC 06-09-2007 DJ 06-09-2007 PP-00037 EMENT VOL-02288-02 PP-0027
_____, _____. ADI 1.484/DF Rel. Min. Celso de Mello Requerente: PDT e PT Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional Julgamento: 21/08/2001 – Publicação no DJE em 28/08/2001.
_____, _____. ADI 19/AL, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJU de 14-8-89, p. 5.456.
_____, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm >. Acesso em: 21 jun. 2011
_____, Lei n° 9.858, de 10 de Novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm> Acesso em: 21 jun. 2011.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Salvador: Juspodivm. 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocencio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDEIRO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.
TEMER Michel. Elementos de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros. 2002.
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
Informações Sobre os Autores
Eduardo Marinho de Brito Torres
Bacharel em Direito pela UFRN Especialista em Direito Público pela UNIDERP/ANHANGUERA/LFG Advogado
Saulo de Medeiros Torres
Bacharel em Direito (UFRN), Ex Professor Substituto (UFRN), Ex Conciliador da Justiça Federal/RN