Eficácia imediata da súmula vinculante


A Súmula vinculante aprovada por dois terços dos membros do STF tem o mesmo efeito de uma decisão proferida na Adin ou Adecon (art. 103-A da CF). Comporta modulação de efeitos conforme art. 4º da Lei nº 11.417/06.


Segundo o art. 102, § 2º da CF as decisões definitivas proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, e no âmbito das três esferas políticas.


A inconstitucionalidade declarada pela Corte Suprema surte efeito imediato tão só pela publicação do respectivo acórdão, independentemente da providência prevista no inciso X do art. 52 da CF.


Entretanto, quando a inconstitucionalidade for declarada no exercício do controle difuso de constitucionalidade, tem-se entendido que enquanto o Senado Federal não suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão do STF, as autoridades administrativas podem continuar aplicando aquelas disposições legais fulminadas pela Corte Suprema.


Em que pese a inutilidade desse apego ao formalismo, que conspira contra os princípios da economicidade e da agilidade da prestação jurisdicional, temos visto casos de sucessivos lançamentos de taxas – verdadeiros impostos disfarçados – a pretexto de que ainda não foram suspensas a execução das disposições declaradas inconstitucionais, tomando o precioso tempo do Judiciário e encarecendo o custo de sua atuação, sem qualquer resultado prático a não ser os desperdícios de tempo e de recursos financeiros suportados pelos contribuintes. A suspensão da execução pelo Senado Federal foi introduzida pelo legislador constituinte tão só para afastar a teimosia de alguns magistrados em decidir de forma diferente do pronunciamento da Corte Suprema em nome do princípio da livre convicção, que, diga-se de passagem, é bastante salutar, sempre que exercido nos limites da razoabilidade.


Embora tenhamos visto artigos de estudiosos em sentido contrário, entendemos que descabe falar-se de suspensão de eficácia pelo Senado Federal quando o pronunciamento de inconstitucionalidade ocorrer no bojo dos autos de controle difuso de constitucionalidade, na forma do art. 103-A da CF, ou seja, “após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”,  conforme redação acrescida pela EC nº 45/04.


São os casos de decisões proferidas em recursos extraordinários onde esteja demonstrada a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, com o fito de harmonizar as diferentes decisões conflitantes e evitar a multiplicação de processos de idêntica natureza, o que, aliás, passou a ser requisito à admissibilidade de recurso heróico, conforme § 3º do art. 102 da CF introduzida pela EC nº 45/04.


É o caso, por exemplo, da Súmula vinculante de nº 8, que considerou “inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei nº 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.


Com a edição dessa Súmula entendo que ficou afastada a insegurança jurídica reinante sobre a matéria, decorrente de diferentes prazos decadenciais e prescricionais adotados pela legislação tributária, resultando em multiplicação de decisões judiciais conflitantes, que doravante deixarão de existir.


A partir da publicação dessa Súmula no DJ e no DOU, ressalvados os efeitos da modulação feita, nenhuma autoridade administrativa tributária ou judiciária poderá aplicar os prazos decadencial e prescricional em desacordo com o aqueles previstos no Código Tributário Nacional, porque a Súmula em questão acolheu exatamente o entendimento de que a essa matéria ( decadência e prescrição) está sob reserva de lei complementar (art. 146, III, b da CF).


E aqui não iremos analisar o aspecto da modulação temporal que, de certa maneira, transforma o Poder Judiciário em legislador positivo. No caso sob exame, implica prestigiar a tese da inconstitucionalidade eficaz à medida que ressalva os recolhimentos já efetuados sem impugnação do contribuinte até a data da edição da Súmula. O efeito ex tunc é próprio de decisão declaratória.


O certo é que, nesse caso, a inaplicação dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91 não está na dependência de sua suspensão pelo Senado Federal, nos termos do art. 52, X da CF, como sustentado em alguns artigos veiculados pela mídia, e muito menos ao advento de nova disposição legal definindo os prazos de decadência e prescrição em 5 anos.


Com a edição da Súmula vinculante nº 8 apenas os prazos previstos nos artigos 173 e 174 do CTN são aplicáveis, por serem os únicos compatíveis com a Carta Política.


O contribuinte que se sentir prejudicado por decisão judicial, ou por ato administrativo que contrariar o enunciado da Súmula nº 8 poderá ingressar com reclamação ao STF, sem prejuízo de recursos competentes ou outros meios processuais cabíveis, sendo que, em relação aos atos da administração, deverá ser esgotada previamente os recursos previsto em lei.


Dispõe o art. 64-B da Lei nº 9.784/99 que “acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal”.


Esse dispositivo tutela a Súmula vinculante de sorte a garantir-lhe o efeito vinculante imediato tão logo publicado o teor de seu enunciado na imprensa oficial.


Ressalvados os recolhimentos não impugnados até a data da edição da Súmula 8, de 12-6-2008, por força de modulação dos efeitos, em todos os processos judiciais ou processos administrativos pendentes, inclusive, nos procedimentos administrativos em curso, deverão ser aplicados os prazos dos artigos 173 e 174 do CTN, de ofício ou a requerimento do interessado. Para esse fim, seria oportuno que as Administrações Tributárias das três esferas políticas editem, imediatamente, uma Instrução Normativa ou outro ato complementar nesse sentido, para fiel observância por todos os órgãos que lhes são vinculados.


Por fim, essa Súmula vinculante traz reflexos também na área penal. Os que estiverem sendo denunciados ou processados penalmente por crimes contra ordem tributária com base em crédito tributário sob o efeito da decadência qüinqüenal deverão ter os respectivos processos extintos por falta de justa causa.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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