O Colendo TSE decidiu, por 4 votos
a 3, que um político que tenha cometido ato de improbidade, enquanto não
transitar em julgado a decisão condenatória, pode candidatar-se a cargos
eletivos.
Argumentou-se que a ética do sistema
jurídico é a ética da legalidade, de sorte a não admitir decisão judicial
fundada na moralidade, sob pena de entronizar o arbítrio e negar o direito
positivo.
Com todo o respeito, não podemos
concordar com essa linha de argumentação.
Nem tudo que é legal é legítimo. E
legitimidade precede a legalidade, inserindo-se no campo da moral.
Costuma-se dizer que “tal ato é
imoral, mas é legal”. É correto isso? Um ato imoral surte efeito jurídico?
Creio que não!
Ato imoral configura improbidade,
isto é, ato contrário à moral, ato de desonestidade. Contudo, improbidade pode
significar, também, retidão de conduta no desempenho de uma determinada
atribuição, isto é, desempenho com zelo e competência. Por isso, improbidade
administrativa é gênero de que é espécie a moralidade administrativa. Ela pode
significar má qualidade de administração não envolvendo, necessariamente, falta
de honradez no trato da coisa pública.
Por isso, a Constituição Federal
elege, em seu artigo 37, como princípios fundamentais da administração pública
a legalidade, a impessoalidade, a moralidade,
a publicidade e a eficiência.
O agente público, que atenta contra
os princípios da administração pública retro referidos, pratica ato de
improbidade administrativa nos precisos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/92.
Entende-se por agente público todo aquele que exerce, ainda que temporariamente,
com ou sem remuneração, cargo, emprego ou função pública, por eleição,
nomeação, designação ou contratação.
Um ex-governante, que tenha adotado
como regra, o descumprimento de decisão judicial, caloteando o pagamento de
precatórios alimentares, quer mediante desvios de verbas consignadas ao
Judiciário, para execução de obras que “rendam votos”, quer sonegando a
inclusão orçamentária de verba requisitada pelo Poder Judiciário, certamente,
cometeu ato de improbidade administrativa que o inabilita à postulação de cargo
eletivo.
Esses governantes ímprobos, que
fizeram opção política pelo não pagamento de precatórios, deixando o ente
político em uma situação financeira, hoje, insuportável, causando dores e
sofrimentos a milhares de credores, denegrindo a imagem do Judiciário e
rebaixando o índice de credibilidade do país, por certo, não podem contar com a
concordância da sociedade na postulação de cargos eletivos. É certo que, se
reeleitos, irão repetir o mesmo comportamento imoral, em face da leniência dos
órgãos públicos encarregados de reprimir essas condutas, que caracterizam crime
de responsabilidade.
A opção política pelo calote, feita
pelos governantes, é pública e notória. Independe de qualquer comprovação. O
desvio de verbas destinadas ao pagamento de precatórios foi proclamado em alto
e bom som por vários governantes do passado, que alegavam necessidade de
atender outras prioridades. Pergunto, em um Estado de Direito, pode haver prioridade maior
do que o cumprimento de uma decisão judicial? Quanto a não inclusão
orçamentária, basta o simples confronto entre o montante requisitado e aquele
consignado na lei orçamentária anual. No governo Marta Suplicy, o TCMSP, por
ocasião da apreciação das contas anuais do Executivo, cansou de apontar a
sonegação de verbas regularmente requisitadas, fato que configura crime de
responsabilidade (art. 85, V, VI e VII da
CF).
Como, então, é possível sustentar
que somente o trânsito em julgado da decisão condenatória por ato de
improbidade teria o condão de impedir as candidaturas?
A população tem o legítimo direito
de impedir que governantes ímprobos, que cometeram desvios orçamentários para
satisfação de fins políticos de seu interesse, arruinando as finanças públicas
ao ponto de exigir longas e intermináveis discussões para decretação de
sucessivas moratórias constitucionais dos precatórios, apresentem suas
candidaturas.
A Justiça Eleitoral não deve acatar
os pedidos de registro de políticos com esses antecedentes, que os
desqualificam para o exercício da função pública, principalmente daqueles que
já sofreram condenação em primeira instância.
Uma eventual lei que obrigasse o
Judiciário a deferir esses pedidos de registros enquanto não transitar em
julgado a sentença condenatória, caracterizaria um ato de improbidade
legislativa, resultando em sua nulidade e conseqüente inaplicação.
É um equívoco supor que tudo que é
legal, independentemente de sua moralidade ou imoralidade, deve ser aplicado,
pois, a moralidade representa o princípio maior da administração pública.
Dispositivo legal imoral é texto
viciado pela incurável doença da ilegitimidade não podendo, por essa razão,
gerar efeitos jurídicos.
A Constituição Federal, em seu art.
70, ao submeter a administração pública em geral à fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, aos mecanismos de controle
externo e de controle interno de cada Poder, determina o exame do ponto-de-vista
da legalidade, da legitimidade, da economicidade etc.
Dessa forma, uma despesa pública
exagerada em uma representação ou em uma cerimônia festiva oficial, ainda que
regular sob o enfoque legal, pode ser glosada se em descompasso com valores
fundamentais da sociedade. Daí o desacerto do brocardo “é imoral, mas é legal”.
Lei imoral, por padecer do vício da ilegitimidade, corresponde a um ato de
improbidade legislativa não tendo aptidão para irradiar efeitos jurídicos.
Sustentar o contrário, seria o mesmo que permitir que os legisladores se
limitem a outorgar benefícios legais a si próprios, tornando-se representantes
de si mesmos e não do povo.
Não há dúvida, portanto, que
candidatos com “ficha suja”, como aqueles que calotearam precatórios judiciais,
devem sofrer restrições nas disputas de cargos públicos, ainda que por meio de
eleições. Não faz sentido exigir-se “folha corrida” dos candidatos de concursos
públicos e permitir que políticos sobejamente conhecidos por atos de
improbidade administrativa disputem as eleições.
SP, 12-06-08.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.