Elucidação sobre o aborto e sua evolução

Resumo: O presente artigo versa sob os aspectos mais relevantes do aborto ao longo de sua evolução histórica, trazendo noções básicas de períodos distintos, desde o início das civilizações até a atualidade. Contém também, um estudo sucinto sobre sua tipificação no ordenamento jurídico brasileiro e em normas de outras nações.


Palavras-chave: Aborto; Evolução Histórica; Direito Penal; Direito Comparado; Formas de aborto.


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Sumário: 1. Introdução; 2. Noções sobre a evolução histórica do aborto (2.1 a tipificação do aborto e o direito comparado); 3. Considerações finais; bibliografia.


1. Introdução


A questão do aborto vem sendo debatida ao longos das eras, no entanto, é sempre atual polêmica, complexa e envolve aspectos da mais alta indagação, já que, a discussão engloba campos distintos, tais como: a ética, a moral, a medicina, o direito, a religião, os costumes e a filosofia.


Etimologicamente a palavra aborto, isto é, o termo “ab-ortus”, traduz a idéia de privar do nascimento, vez que, “Ab” equivale a privação e “ortus” a nascimento. Entretanto, o termo aborto provém do latim “aboriri”, significando “separar do lugar adequado”, e conceitualmente é: “a interrupção da gravidez com ou sem a expulsão do feto, resultando na morte do nascituro” (De Paulo, Antônio – organização. Pequeno Dicionário Jurídico, Ed. DP&A, Rio de Janeiro. 2002. p. 13).


2.   Noções sobre a evolução histórica do aborto


Giza-se, que os mais remotos apontamentos de que se tem notícias da prática de métodos abortivos foram descobertos na China, ainda no século XXVIII antes de Cristo.


No desenrolar da história inúmeros povos da antigüidade estudaram e discutiram a problemática do aborto. Os Israelitas (no século XVI antes de Cristo, na época do Êxodo), os Mesopotâmicos, os Gregos e Romanos preocuparam-se com o aborto, porém limitaram-se a tecer considerações e críticas de cunho inteiramente moral.


Hipócrates, o grande gênio da incipiente medicina antiga, estudou todo o quadro clínico do aborto, estendendo ainda suas preocupações ao tratamento e aos método para induzi-lo. No entanto, sua atitude, traduz-se em frontal choque com o clássico juramento do estudioso desta área, os quais são até hoje orgulhosamente repetido pelos formandos das Faculdades de medicina em todo o Mundo[1].


A verdade é que os povos primitivos não previam o aborto ou, quando o faziam atribuíam a ele severas punições. A aceitação do aborto como exceção à regra geral da proibição – esta revestida de norma oral ou legal – surgindo com extrema raridade em algumas legislações antigas, mas impreterivelmente vinculadas ao preenchimentos de rigorosos requisitos, já previamente determinados.


Contudo, constatou-se que as manobras abortivas sempre foram praticadas em todo o mundo, e embora reprovadas pela grande maioria das civilizações, em determinadas épocas foi aceita sob o pretexto de que servir para controlar o crescimento populacional (situação esta que naquele período histórico já preocupava diversos estudiosos).


Os primeiros defensores do aborto pretendiam proteger não somente o ser em formação, mas também a gestante e a própria sociedade[2].


O Talmud, um dos primeiros códigos de todo o Mundo, alicerçado nas mais arraigadas tradições dos rabinos, não fez qualquer referência ao aborto, posição esta também adotada por outro respeitável documento da época, denominado Pentateuco.


Porém, a Bíblia em suas sagradas escrituras, elenca punições a quem praticar ou for complacente com a prática de manobras abortivas. Conforme traz o livro do Êxodo (no capítulo XXI, versículos 22 e 25):


“Se alguns homens renhirem, e um deles ferir mulher grávida, e for causa de que aborte, mas ficando ela com vida, será obrigado a ressarcir o dano segundo o que pedir o marido da mulher, e os árbitros julgarem. Mas, se o desfecho desta situação for a morte dela, dará vida por vida. Olho por olho, dente por dente, pé por pé. Queimadura por queimadura, ferida por ferida, pisadura por pisadura”. Alguns doutrinadores afirmam que as palavras acima transcritas – encontradas nos textos da Bíblia, constituem reflexo estatuído no Código de Hamurabi, pois este, considerado um dos mais antigos diplomas jurídicos, já previa indenizações em casos de aborto provocado, cujo valor variava conforme as conseqüências geradas por este. Pesava-se também se a mulher era livre ou escrava, nesta o valor a indenizar era menor limitando-se a uma quantia paga a seu senhor, já em relação àquela o valor de ressarcimento era bem maior, onde a reparação do dano poderia até mesmo dar-se com a morte de uma filha do provocador do abortamento (MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e o Direito Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto editores. 1996. p. 12 e 13).


Assim sendo há um ponto de ligação entre ambas as “legislações”, eis que, tanto na Bíblia como no Código de Hamurabi, já na antigüidade preocupavam-se bem menos com o aborto propriamente dito e muito mais com o ressarcimento ou compensação do dano por este causado.


O Egito antigo necessitava de uma solução pertinente ao aborto. Contudo posteriormente no código de Manu, aplicado também na Índia, foi cogitada a prática do aborto como sendo um ato de cunho ilícito. Mas, “se dele resultasse a morte de gestante pertencente a casta dos padres, o responsável sofreria castigos como se houvesse ceifado a vida de um “Brahmane”, sendo este submetido a penas corporais que, em grau máximo, levariam à morte” (MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e o Direito Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto editores. 1996. p. 13).


Os Assírios puniam severamente a prática do aborto, de maneira que se aplicava pena de morte a quem praticasse o aborto em mulher que ainda não tivesse filhos. Puniam também as mulheres que praticassem manobras abortiva sem o consentimentos de seus cônjuges, consistindo a punição na empalação[3], a qual resultava certamente em morte.


Na Pérsia o código de conduta[4] da população, encarava a questão da aborto do seguinte modo: “Se a jovem, por vergonha do mundo, destrói o seu gérmen, pai e mãe são ambos culpados; pai e mãe partilharam do delito; pai e mãe serão punidos com ao morte infamante” (MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e o Direito Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto editores. 1996. p. 13). Assim, se percebe a substancial distinção entre o dispositivo citado e as demais previsões da época, nas quais predominavam somente castigos as mulheres que praticassem manobras abortivas, à fim de ceifar a vida do nascituro, ou a quem as auxilia-se. Já os persas adotavam um sistema de repressão familiar, onde não só a era punida, mas também seus pais eram igualmente responsabilizados. Aqui pai, mãe e filha eram submetidos à execração pública e, por fim, eram executados.


Doutrinadores deste período chegaram ao extremo de sugerir, e em alguns casos até mesmo induzir, a prática ilimitada do aborto, fato este registrado principalmente em Roma e na Grécia. Esta orientação logo foi reprimida através da intervenção do Poder Legislativo, que atuou no âmbito de criar leis que salvaguardassem os interesses do pai (que na maioria das vezes desconhecia o fato a gravidez) e da sociedade como um todo. No entanto, ressalta-se que quando a gestação acorresse fora do matrimônio ambos os povos mencionados continuaram a aconselhar a gestante a realizar o aborto.


Renomados estudiosos da antigüidade, como Aristóteles e Platão, pregavam a prática do aborto como meio de barrar o controle populacional, o qual era uma fonte inesgotável de miséria. Porém, Aristóteles sugeria que o aborto fosse praticado antes que o feto adquirisse os sentidos e a vida, sem, contudo, especificar quando ocorreria este momento. Sócrates, por sua vez, também posicionava-se favoravelmente ao aborto, no entanto, rogava que este deveria ser praticado sem se apegar a nenhuma outra justificativa que não a de dar a mãe o direito de escolha em interromper ou levar a gestação até o fim.


Salienta-se, que o início da civilização romana, a punição em relação ao aborto assumiu caráter privado, já que o poder familiar, ou “pater familiae,– expressão que designava o pai, como o chefe da família -, atribuía a este o poder absoluto sobre seus filhos, inclusive daqueles que ainda estavam por nascer. Aqui, caso a esposa procurasse abortar sem o consentimento do esposo, este poderia puni-la severamente, como quisesse, até mesmo com a morte.


“Já no período da República Romana, o aborto foi considerado um ato imoral, todavia teve larga utilização entre as mulheres, principalmente entre aquelas que se preocupavam com a aparência física, o que neste período histórico tinha grande importância no meio social (herança do tempo do Império). Assim sendo, cresceu monstruosamente o número de aborto a ponto dos legisladores passarem a considera-lo um ato criminoso. Como conseqüência a Lei Cornélia cominou pena de morte à mulher que consentisse com a prática abortiva. Já em relação a quem praticasse o ato, previu-se pena igual, com a possibilidade de abrandamento caso a gestante não falecesse em função das manobras abortivas” (MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e o Direito Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto editores. 1996. p. 14).


Posteriormente, surgiu o cristianismo que modificou vertiginosamente a visão que existia até então a respeito do aborto. Pois, juntamente com o nascimento do cristianismo vieram a tona diversos prismas na conceituação do aborto e a crença de que o homem possuía uma alma, e que esta era imortal. “Além do mais, sendo o homem criado à imagem e semelhança de Deus, não deveria então, ter o poder de vida e morte sobre os demais, atributo este exclusivamente do Criador” (MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e o Direito Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto editores. 1996. p. 15).


O Cristianismo de um modo geral sempre foi contra a pratica de manobras abortivas. Contudo, esta infindável discussão estabeleceu-se entre os filósofos cristãos, os quais estavam mais preocupados a reforçar seus pontos de vista pessoais do que com a própria substância das divergências.


“De qualquer sorte, estas residiam fundamentalmente na questão de possuir ou não o feto uma alma dada por Deus. A questão passou a versa sob duas correntes distintas, a primeira afirmava que o feto só adquiria alma no momento em que se separasse completamente do corpo materno, isto é, após findo o parto. A essa exigência acrescia-se que o nascente respirasse, pois a alma entraria em seu corpo, no exato momento. A Segunda corrente por sua vez, afirmava que o nascituro recebia proteção divina desde o momento da concepção, sendo assim, contrárias as leis permissivas de abortamento. Um renomado pensador desta época, Tertuliano, sustentava que o ser em formação tinha absoluto direito ao batismo, sem o qual não poderia salvar-se para a eternidade nem ingressar no” (MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e o Direito Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto editores. 1996. p. 15).


No período da civilização romana pré-Cristianismo, o existir, destarte, a satisfações materiais, o que instigava o egoísmo e suas nefastas conseqüências. Valoravam-se os homens segundo a aparência física, a qualidade intelectual e o status social.


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O Cristianismo procurou alterar radicalmente esta triste realidade, condenando a divisão em classes sociais de toda ordem. Dentro desta mesma pretensão se enquadrou o combate radical ao aborto e a insolúvel interrogação a cerca da alma humana.


“Embebidos na ânsia de achar resposta para esta difícil indagação, houve quem deu asas a uma teoria, cuja pregação enveredava-se para a conveniência de se diferenciar, para fins de aborto, os fetos em: animados – eram aqueles que possuíam o corpo praticamente formado – e inanimados – eram aqueles cujas partes do corpo ainda não estavam formadas, não podendo-se distingui-las. Este não possuiria alma, e portanto não gozava de ardorosa defesa como àquele, que por sua vez, possuía alma e, portanto, não deveria sofrer nenhuma agressão, embora fosse veementemente desaconselhadas a prática de agressões ao feto inanimado” (MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e o Direito Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto editores. 1996. p. 15).


Ultrapassada a fase das severas discussões, chegou-se a conclusão de que o feto merecia proteção desde a sua concepção, existindo a obrigatoriedade de se resguardar o nascituro e seu direito a vida, pois sua alma já existiria desde o instante da união do masculino com o feminino.


No fim da idade média, Santo Tomás de Aquino, baseado em conceitos biológicos da época, defendeu a tese de que a animação dava-se para a mulher em oitenta dias após a concepção, já para o homem ocorria mais rapidamente no prazo de apenas quarenta dias. E, fundamentado nesta teoria o aborto passou a ser permitido, visto que o feto ainda não seria um ser humano.


“A Igreja Católica não o aprovava por destruir o elo entre a procriação e o adultério. Em outras épocas o adultério recebia penas bem mais severas que o próprio aborto – catorze anos a pão e água, enquanto para a interrupção da gravidez resumia-se em três anos e meio, conforme cânones irlandeses que datam de 675” (DE BARCHIFONTAINE. Christian de Paul. Em defesa da vida humana. Ed. Loyola. ed. 15ª. 1999. p. 16).


O conceito supra citado predominou até meados do século XIX, quando foi aceita a teoria do homúnculo[5], e, a partir de então o aborto foi terminantemente proibido.


De modo que, mesmo quando a vida da gestante corria perigo vital dava-se preferência ao feto, pois baseavam-se no argumento de que a mãe já havia recebido o sacramento do batismo, e assim, tinha a possibilidade de alcançar o Reino dos Céus[6].


No final do século XIX e no início do século XX, apareceu no Europa, com mais intensidade na Inglaterra e França, movimentos feministas, preconizando a anticoncepção e defendendo o direito da mulher ao aborto. Porém, a partir da década de 20, nos países escandinavos e socialistas, ocorreu uma maior flexibilidade na legislação. Na Rússia, com a Revolução de 1917, o aborto deixou de ser considerado um ato criminoso (esta legislação influenciou outros países socialistas na década de 50).


A Suécia e a Dinamarca, países predominantemente protestantes, por volta de 1930, conquistaram com menos dificuldade a legislação a cerca do aborto, embora com algumas restrições.


“Nos demais países do Ocidente, as leis mais liberais vigoraram entre as décadas de 60 e 70 – como por exemplo a lei inglesa de 1967 -, quando a prática de manobras abortivas transformou-se em um questão política. As manifestações foram tão importantes a significativas, a ponto de influenciarem diretamente as modificações que ocorreram legislação italiana (lugar onde a Igreja Católica possuía sua sede e seu representante máximo). Essa verdadeira batalha política foi a conseqüência provinda da evolução dos costumes sexuais e do papel que as mulheres do mundo todo passaram a exercer perante a sociedade, a partir da década de 60. Pois neste período passaram a ter uma participação mais ampla na sociedade e a lutar por seus direitos, dentre eles o controle sobre seu próprio corpo e por conseguinte sobre o aborto” (DE BARCHIFONTAINE. Christian de Paul. Em defesa da vida humana. Ed. Loyola. ed. 15ª. 1999. p. 17).


Nos dias atuais há poucos países onde o aborto é terminantemente proibido. O número de legislações mais brandas vem crescendo com rapidez, principalmente nas duas últimas décadas.


No entanto, as legislações mundialmente subdividem-se em:


* Liberais;


* Restritivas; e


* Proibitivas.


2.1 A tipificação do aborto e o direito comparado


Nos Estados Unidos o aborto foi legalizado em 1973. Devendo ser realizado somente com o consentimento da gestante e nas primeiras vinte e quatro semanas de gestação. Essa lei, porém sofreu mudanças, sendo adequada por cada Estado-membro a sua situação fática.


Na China, o aborto é realizado gratuitamente para a mulher que o solicitar, até o terceiro mês de gestação. Esta prática é utilizada, também como controle demográfico (assim como o que se viu anteriormente no capítulo das “noções históricas”, constata-se que a China, embora seja um país desenvolvido, parou no tempo em relação a esta questão, pois mesmo nos dias de hoje, pensa conforme Aristóteles e Platão pensavam ainda na Antigüidade).


Em 1948, o aborto foi liberado no Japão, sendo considerado um métodos contraceptivos. Entretanto, só é autorizado nos primeiros vinte e quatro semanas de gestação e em casos de riscos à saúde da mãe, ou ainda por razões físicas e econômicas. Os custos de todo este procedimento será arcado pela interessada. Ressalta-se porém, que algumas empresas arcam com este ônus em favor de suas operárias.


Na França, é permitido o abortamento à mulheres desamparadas, cuja gravidez não ultrapasse a décima semana de gestação, é também igualmente permitido o aborto em qualquer fase da gestação, quando apresentar riscos de vida a materna. Sendo os custos parcialmente reembolsados pelo Estado. Esta lei vigora desde 1975.


Na Dinamarca, a legalização que versa sobre o aborto data de 1939, sendo ampliada em 1973. Desde que praticado até o décima segunda semana de gravidez em casos de risco à saúde física e mental da gestante. Os custos aqui são totalmente reembolsados pelo Estado.


Já na Suécia, o aborto legal data de 1938, ampliado em 1975, em casos que a gravidez ameace a saúde da mãe. Na questão do prazo e do reembolso equipara-se a Dinamarca.


Na Inglaterra, admitia-se o aborto por um período mais longo, de até vinte e oito semanas de gestação, desde que possuí-se o aval de um médico e que fosse realizado em um hospital, onde não teria custo algum a paciente. Todavia, este prazo foi reduzido para vinte e quatro semanas, em abril de 1990. Porém, no tocante as condições e o custos a legislação fora mantida.


A legislação que vigora desde 1984, em Portugal, concede o direito de praticar o aborto a gestante até a décima segunda semana, se a gravidez for resultado de estupro ou lhe trouxer riscos de saúde; e até a décima Sexta semana se o feto apresentação má-formação genética. Entretanto recentemente a Câmara dos Deputados de Portugal aprovou um projeto de lei, de autoria do Partido Socialista do país, permitindo a realização de abortos em hospitais públicos, com até dez semanas de gestação.


A Deputada Federal Martha Suplicy, elogiou publicamente a iniciativa portuguesa, narrando que “Portugal é um país religioso, mas que segue a tendência internacional de delegar à mulher o direito de optar ou não pela gestação” (internet).


No Brasil, segundo o Código Penal, será considerado crime de aborto, toda conduta que resulte na interrupção do da gestação. Mas, é necessário que a gravidez seja normal. Este crime só é admitido de forma doloso, pois não há tipificação na forma culposa.


A norma em vigor, classifica o aborto como um dos delitos contra a vida (conforme arts. 124 a 129), levando em conta, no feto, a esperança da pessoa “spes personae”, cujos direitos a lei civil assegura.


O ordenamento jurídico do Brasil, sob uma visão ampla, condena a práticas de manobras abortivas. Classificando-as da seguinte forma:


a) Auto-aborto: neste crime, a própria gestante pratica ou provoca abortamento em si mesma, seja por meios químicos (ingerindo substâncias, remédios), seja por meios físicos (se auto lesando). O código penal, atribui pena de detenção de um a três anos (vide art. 124, do CP/40). O Decreto-lei nº 1004, de 21 de outubro de 1969, também em seu art 124, atribui a grávida que provocasse o abortamento em si mesma, igual regime de pena, (detenção), porém arbitrada entre um a quatro anos.


b) Aborto Consentido: nesta hipótese, a conduta tipificada consiste em – a gestante – anuir que nela se pratique manobras abortivas, interrompendo, assim, o processo natural de gestação. Na prática, a norma em vigor prescreve para o autor do crime pena de reclusão, a ser fixada de um a quatro anos (conforme art. 126, do CP/40), já a pena a que está sujeita à mulher que conscientemente concorda com a prática das manobras abortivas, é a mesma disposta para o auto-aborto, ou seja, detenção de um a três anos.


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“Como conseqüência, para ambos os réus do mesmo ato criminoso (o autor do aborto e a gestante que nele consentiu) penas distintas, em desacordo com a teoria monística adotada pela codificação, na conformidade do art. 25: ‘Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominada’. A discrepância desapareceu no código promulgado em 1969, Decreto-lei nº 1004/69, onde a nova lei revogada sustentava tanto ao autor do delito, em se tratando de terceiro, quanto à mulher que consentisse a mesma pena de detenção de um a quatro anos (art. 125)” – Costa, Maria da Penha Meirelles Almeida, Artigo Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UNG, Vol. 1 – 1999.


c) Aborto Dissentido: é o aborto realizado por terceiro em mulher grávida não consciente. E, assim sendo, é tratado de maneira bem mais rigorosa. Aqui, a sanção imputada a quem de fato efetuou o delito é a de reclusão de três a dez anos (forte no art. 125, do CP/40).


Para o efeito da aplicação da pena, o ordenamento jurídico atual iguala a não consonância da gestante, ao consentimento obtido mediante fraude (por meio ardil por exemplo, ou ainda, por força de coação física ou moral determinante, também, da anulação da vontade). A lei presume, igualmente, a falta de anuência por parte da gestante, no caso de aborto praticado em gestante menor de quatorze anos, em mulher alienada, ou ainda em débil mental.


“Quanto à menor, o legislador acolheu à impossibilidade de um consentir perfeito, em decorrência da imaturidade intelectual e do incompleto desenvolvimento físico; quanto à alienada ou débil mental, leva em consideração a incapacidade civil de tais pessoas cujo consentimento apresenta vícios, é ineficaz e inoperante para gerar certeza. Por isso, o parágrafo único, do art. 126 do Código vigente aplica a mesma pena que prevê para o aborto provocado sem o consentimento da gestante (reclusão de três a dez anos) ao sujeito ativo do mesmo crime quando a grávida ‘não é maior de 14 anos, ou é alienada, ou débil mental, ou ainda se o consentimento for obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência’. À gestante, nas hipóteses supracitadas, a lei coerentemente não lhes atribui qualquer pena“ (Costa, Maria da Penha Meirelles Almeida, Artigo Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UNG, Vol. 1 – 1999).


d) Formas Qualificadas: o diploma legal (art 127) submete o aborto provocado por terceiro, à qualificação, seja a gestante consciente ou não do abortamento. No entanto, se em decorrência das manobras abortivas efetuadas, restar, a mulher, lesão corporal de natureza grave, a pena é aumentada em até um terço. Mas, se o desfecho da situação for a morte da gestante, a pena é duplicada[7].


“Ressalte-se, porém, que na figura contida no art. 127 do CP o resultado advindo não poderia ter sido desejado nem cogitado pelo agente, de vez que o delito é preterdoloso, ou seja, pune-se a conduta antecedente (o aborto) a título de dolo, enquanto que o resultado (a lesão corporal de natureza grave ou a morte) a título de culpa” (HABIB, Sérgio. Artigo O Delito de Abortamento – Aspectos Jurídicos, publicado na Revista Jurídica Consulex nº 174. 2004. p. 30).


O Código Penal de 1940 aboliu a ilicitude do aborto praticado por médico, como único meio de salvar a vida da gestante (aqui entre ambos os bens juridicamente tutelados, a saber: a vida do nascituro e a vida da gestante, optou a legislação pela última), ou na hipótese em que a gravidez for resultante de estupro, todavia, mesmo nestas hipóteses, a intervenção médica deverá ser precedida do consentimento da paciente. Giza-se, que sendo a gestante incapaz, faz-se necessário a permissão de seu representante legal (nos moldes do art. 128, incisos I e II, do CP/40).


Maria da Pena afirma que “(…) a lei nacional, entre as três causas de impunidade frente ao aborto, reconheceu o aborto necessário ou terapêutico e o aborto sentimental ou da vítima estuprada. Ressaltando, que o Código de 1969 consagrou as mesmas causas da exclusão de ilicitude: perigo constante a vida da mulher, irremovível por outro meio que não a prática de manobras abortivas; gravidez decorrente de estupro, quando, então, o legislador acrescentou: Seja a violência real ou presumida” (in Artigo Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UNG, Vol. 1 – 1999). Ainda neste sentido, Sérgio Habib, demonstra em seu artigo publicado na Revista Jurídica Consulex que “(…) a doutrina, admitido uma outra hipótese (não positivada no ordenamento jurídico penal atual) para que seja realizado o abortamento, que é quando a gravidez for resultado de atentado violento ao pudor (art. 214, do CP/40), pois, como se sabe, não só a conjunção carnal pode levar a mulher a engravidar, mas, também, outros atos libidinosos. Nestes casos, vem se aplicando a analogia “in bonam partem” (in Artigo O Delito de Abortamento – Aspectos Jurídicos, Revista Jurídica Consulex nº 174. 2004. p. 30).


A referida lei, de 1969 (a qual, alterou parte do Código Penal de 40), por precaução, exige para a efetivação do aborto terapêutico a confirmação ou a anuência de outro médico, além do operador, sobre a necessidade da medida; e no caso de estupro, além das exigências descritas no Código vigente, obriga à comprovação do crime. Realmente, lê-se da Exposição de Motivos do Ministro da Justiça (Internet): “Melhor redação foi dada aos casos de descriminação do aborto, quando é o único recurso para evitar a morte da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro. Cuidados especiais foram tomados para a verificação da honestidade de ambas as alegações” (Costa, Maria da Penha Meirelles Almeida, Artigo Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UNG, Vol. 1 – 1999).


Contudo, uma nova modalidade de abortamento foi introduzida na legislação penal (o aborto cometido por motivo de honra), no art 128, a qual, cominou pena de detenção, de seis meses a dois anos, para a mulher que realizasse manobras abortivas em si mesma, a fim de ocultar a própria desonra. Ressalta-se que, a punição aqui é idêntica a atribuída a quem efetuar a interrupção da gestação mediante a anuência da mulher e com o mesmo intuito de pô-la a salvo da desonra. Pressupondo-se que diante desta situação fática, a gestante tenha efetuado o ato criminoso por medo de sofrer repressão do próprio grupo social a qual pertence, a lei abranda a sanção a ela imposta. Consoante as palavras de Maria da Penha Meirelles Almeida Costa: “Inúmeras codificações, tais como, a da Espanha, da Itália, de Portugal, da Bolívia, da Colômbia, do Chile, do Equador, do México, do Paraguai, da Venezuelana, entre outras, além da nossa, seguem estas mesmas diretrizes” (in Artigo Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UNG, Vol. 1 – 1999).


Menciona-se, que a poucos dias atrás, a temática do aborto foi assiduamente debatida na Câmara dos Deputados devido a um projeto de lei que autorizava a prática do aborto além dos casos previstos pelo Código Penal vigente. Os debates em torno do tema geraram reações adversas (até mesmo agressivas), que a casa legislativa optou por deixar o projeto momentaneamente de lado.


3. Considerações finais


Conforme, esta modesta concepção, afirma-se que o aborto, fora dos casos legais, fere o principal direito fundamental garantido a todos os cidadãos – a vida.


A luz do direito positivo o aborto poderá ser legalizado ou criminoso.


Acrescenta-se que seja ou não, o aborto, permitido pelo ordenamento jurídico (o qual é variável através dos tempos), ele encontra-se no seio de todas as civilizações, desde os primórdios até os dias atuais. Devendo-se ter em mente, que esta é uma temática que acompanhou todos os passos trilhados pela história da humanidade, e certamente acompanhará para sempre sua evolução. Pois, o aborto fere intimamente todos os indivíduos por possuir como escopo a discussão sobre a própria vida do Homem.




Bibliografia

MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e o Direito Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto editores. 1996.

De Paulo, Antônio (organização). Pequeno Dicionário Jurídico, Ed. DP&A, Rio de Janeiro. 2002.

LUFT. Lya (organização). Minidicionário de Língua Portuguesa. Ed. Átila, ed. 20ª, 2001.

DE BARCHIFONTAINE. Christian de Paul. Em defesa da vida humana. Ed. Loyola. ed. 15ª. 1999.

Costa, Maria da Penha Meirelles Almeida, Artigo Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UNG, Vol. 1 – 1999

HABIB, Sérgio. Artigo O Delito de Abortamento – Aspectos Jurídicos, publicado na Revista Jurídica Consulex nº 174. 2004.


Notas:

 [1]
O juramento narra as palavras a seguir mencionadas: “Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência. Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, os quais terei como preceito de honra. Nunca me servirei da profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu, para sempre a minha vida e a minha arte, de boa reputação entre os homens. Se eu o infringir me afastar, suceda-me o contrário” (vide internet).

[2] A sociedade em virtude do direito que lhe assiste de ter novos cidadãos.

[3] “Suplício antigo que consiste em espetar com pau pontiagudo um condenado pelo ânus” (LUFT. Lya (organização). Minidicionário de Língua Portuguesa. Ed. Átila, ed. 20ª, 2001, p. 265).

[4] O Código de conduta pérsio denominava-se “Zen Avesta”.

[5] Segundo Christian de Paul de Barchifontaine, em sua obra “Em defesa da vida humana” – Ed. Loyola. ed. 15ª. 1999. p. 15 -, “esta teoria pregava a existência do ser humano desde a concepção”.

[6] Interpretação teológica alicerçada no conceito do pecado original.

[7] Exemplificativo: a morte da paciente que não emprestou sua aquiescência à intervenção, tem-se duplicada a pena de reclusão de três a dez anos, para seis a vinte, equiparando-se desta forma, a prescrita no caso de homicídio simples, nos termos do art. 121, do CP/40” (Costa, Maria da Penha Meirelles Almeida, Artigo Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UNG, Vol. 1 – 1999).


Informações Sobre o Autor

Eliana Descovi Pacheco

Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), Especializanda em Direito Constitucional pela Universidade Comum do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.


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