Emille Durkheim e as áreas naturais protegidas: proposta de “nomia” para a “anomia sócio-ambiental” do industrialismo


SUMÁRIO: Introdução. O Tempo Histórico de Emille Durkheim. A Relação Sociedade-Natureza no Tempo de Emille Durkheim. A “Teoria” Durkheimiana. A Exploração Insustentável da Natureza como Resultado de Anomia Social do Industrialismo Conclusão. Referências.


Esse ensaio quer contribuir para uma aproximação dos pioneiros da Sociologia Clássica com a discussão ambiental.  O “clínico social” Emille Durkheim  forneceu algumas ferramentas sociológicas para que pensássemos os problemas ambientais como uma doença social, desenvolvida pelo industrialismo, em uma época de transição de modelos de sociedade e carente de normas e leis, sob um estado de Anomia Social que envolveu os recursos naturais, também desprovidos de uma ordem geral de uso.  A criação de Áreas Naturais Protegidas foi uma estratégia, sob o pensamento positivista e até durkheimiano de resguardar algumas áreas naturais da ação deletéria do homem.  Este ato quis se constituir em um exercício de criar nomia social para o uso dos recursos naturais.


INTRODUÇÃO


Havia, em Ciências Sociais uma “onda”, que se tornou até mesmo um paradigma hegemônico, que defendia o progresso e a racionalidade humana como a grande resposta para os conflitos da humanidade.


Emille Durkheim, considerado um dos principais teóricos da Sociologia, pensava a modernidade como um deflagrador de turbulências, como custos sociais relevantes.  No entanto, seu estado de “otimismo” o levou a enunciar que entre benefícios e custos, e era moderna seria superior em benesses. (FERREIRA, 2003)


Naquele momento histórico de Emille Durkheim, sob influência do pensar positivista de Comte e Spencer, se materializava o conceito de Área Protegida (Unidade de Conservação), embora diferenciado nos Estados Unidos e na Europa, se constituía em uma modalidade de proteção que queria resguardar da ação deletéria humana, a natureza.  O elemento material se constituiu principalmente nos Estados Unidos, em 1864 e 1872, com a criação dos Parques Nacionais de Yosemite e de Yellowstone, respectivamente e logo após, na Europa, com o modelo moderno de Parques Naturais, atualizando o modelo francês de Parc, construído na Idade Média.  Pensando sobre as influências da questão ambiental sobre os pioneiros da sociologia clássica, Durkheim, Marx e Weber, FERREIRA (2003), disse que estes teriam abordado a questão de modo tangencial, no entanto, FOSTER (2005), defendeu um pensamento ecológico para Marx, o que não alterou, de forma significativa a materialidade do conceito de Área Protegida, naquele momento histórico.


Esse ensaio quer contribuir para uma aproximação dos pioneiros da Sociologia Clássica com a discussão ambiental.  Essa aproximação enriquece a Sociologia Ambiental, que emergiu dos movimentos sociais da década de 1960 (ECKERSLEY, 1995) alertando para as situações de degradação criadas pelo desenvolvimento da modernidade e particularmente o industrialismo, e que necessita de um corpo teórico, advindo dos clássicos da Sociologia para guiar a compreensão da relação entre a sociedade e a natureza. (HOGAN, 1992)


Para iniciar a contribuição, este ensaio quer tomar o pensamento de Emille Durkheim (1858-1917) que se caracterizou por trabalhar com um número limitado de problemas: 1. o estabelecimento da Sociologia numa base empírica, a partir do método sociológico e demonstrar sua aplicação na investigação empírica; 2. compreender o surgimento do individualismo na sociedade moderna;  3. buscar as fontes e a natureza da autoridade moral; e 4. a preocupação com as implicações práticas do conhecimento científico social, para ele, o sociólogo seria como um médico, clinicando entre a saúde e a doença social, diagnosticando causas e tratamentos.


O “clinico social” Durkheim forneceu algumas ferramentas sociológicas para que pensássemos os problemas ambientais como uma doença social, desenvolvida pelo industrialismo, em uma época de transição de modelos de sociedade e carente de normas e leis, sob um estado de Anomia, isto é sem uma ordem geral de uso dos recursos naturais.


O TEMPO HISTÓRICO DE EMILLE DURKHEIM


Um período conturbado da História da humanidade se escrevia diante da transição do feudalismo europeu e a gênese do capitalismo, se arrastando desde o final do Século XVI até o Século XIX.  Era uma época conturbada por conflitos bélicos, como as Campanhas Napoliônicas, e mais radicalmente abalada pelas mudanças econômicas, políticas e sociais que estavam se estabelecendo.  Essas mudanças trouxeram novas formas de pensar a produção e a distribuição das riquezas, bem como a  gestão governamental.  O cotidiano de homens, mulheres e crianças passou por uma revisão de conceitos, criando novas perspectivas individuais e coletivas para uma sociedade em processo de gênese.  Assim, o mundo estava conturbado pela exigência de mudanças de hábitos e pensamentos, na forma de agir e de como ver e compreender o próprio mundo imediato.


A produção industrial avolumava-se diante da economia agrária e do comércio.  O poder da nobreza foi substituído por uma nova classe, a burguesia, através de um novo modelo sócio-político, a democracia (um regime de representação) que suplantou o regime monárquico ou similar (com bases hereditárias).


O mundo mítico e mágico foi sendo invadido pelo referencial – razão – concedendo ao homem o papel de protagonista da História.  Esse novo referencial dotado de razão recebeu um desenvolvimento tecnológico e científico que mudaria a lógica da sociedade para sempre.


Em meio à nova visão de mundo, o desenvolvimento tecnológico e científico se destacou como uma característica desse período.  Mas, tão significante quanto a técnica e a ciência foram as condições a que a grande maioria da população das cidades industrializadas foi submetida.  A forma de agir comunitariamente dos servos camponeses do sistema de feudos se perdeu diante da expansão das cidades, com suas novas necessidades.  Um espaço maior de ocupação urbana se estabelecia alimentando uma tendência à fragmentação e ao individualismo, traduzida pela competição por uma vaga na indústria, na mineração… para garantir o sustento do núcleo familiar.


Um novo modelo de trabalho estava se estabelecendo, nesse modelo, idosos, crianças e até gestantes eram colocados em situações complemente insalubres, em fábricas ou minas de carvão.  As jornadas de trabalho se estendiam por quatorze ou dezesseis horas, com salários reduzidos ao mais baixo índice de subsistência.  Uma nova classe se formava, de fundamental importância para a lógica capitalista, a classe dos trabalhadores assalariados.


Nascia e se afirmava o capitalismo como relação social de produção hegemônica na Europa, juntamente com os movimentos filosóficos, entre eles o Iluminismo (apostando na razão para o desenvolvimento da humanidade), acontecimentos políticos e históricos de grande relevância, principalmente a Revolução Francesa que deu o poder político a quem já detinha o poder econômico, a Burguesia.  Os grandes avanços tecnológicos e científicos reconfiguraram não somente as relações econômicas, políticas e sociais, mas foram determinantes para a Revolução Industrial que iria interferir na história futura da humanidade.


A RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA NO TEMPO DE EMILLE DURKHEIM


A filosofia Positivista de Comte e Spenser, que ditava suas influências no cotidiano de Durkheim, se estabelecia e trazia três fatores históricos relevantes:


1.      regularidade dos fatos sociais e históricos, fatos estes que passaram a ser considerados sujeitos a leis e, portanto passíveis de estudo científico;


2.      desejo de intervenção na história da sociedade, visto que a sociedade e a história estão sujeitas a leis, bastando apenas sobre as leis (nestes Séculos, saber era poder); e


3.      entrosamento do homem com a natureza, de modo que o homem, considerando à parte da natureza, passa a ser considerado como parte dela e, pois, sujeito a suas leis. (DELLA TORRE, 1989)


A Europa do Século XVIII, mais especificamente a Inglaterra, passou a sofrer influências orientais quanto à valorização do mundo natural, que até então eram considerados menores diante dos campos de cultivo ou dos animais domesticados. (THOMAS, 1983) Essa desvalorização da natureza começou a declinar a partir do início do Século XIX, passando a respeitar os naturalistas, que faziam a apologia em favor das áreas selvagens não-transformadas pelo homem.  Fazer parte da Revolução Industrial era viver na cidade, um sinal de civilidade, em contraposição à vida no campo.  No entanto, quando se percebeu que o ambiente urbano continha um ar poluído pelas fábricas e irrespirável, esse pressuposto de civilidade passou a ser criticado. (DIEGUES, 1994)


Viver no campo passou a ser o ideário daqueles que não estavam envolvidos diretamente com a produção agrícola, associado a um estado anti-social, individualista que tomava conta da sociedade industrial.  Assim, procurar o campo estava mais associado à contemplação da natureza selvagem, se constituindo em um lugar de reflexão e de busca espiritual. (THOMAS, 1983)


A Europa também sofreu influências dos escritores românticos dos Séculos XVIII e XIX, que tinham em seus cenários a “natureza selvagem”, onde se descobria a alma humana, do imaginário do paraíso perdido, da inocência infantil…, como a Ilha de Robinson Crusoé, do Século XVIII.


Nos Estados Unidos, a efetivação do conceito de área protegida se deu com a criação dos primeiros parques nacionais modernos do mundo, Yosemite e Yellowstone, no Século XIX.  Teve influência teórica de Thoreau e Marsh.  Thoreau era admistrados florestal e se incomodou com a destruição comercial das Florestas;  Marsh contribuiu para a formação da comissão nacional de especialistas florestais, que defendia a preservação das áreas virgens como instrumentos econômico e poético.  Esse resultado material foi fundamental para as idéias preservacionistas e a discussão da ação deletéria da vida cotidiana pelo processo capitalista de produção.  “Nesse período já se consolidava o capitalismo americano, a urbanização acelerada, e propunha-se reservar grandes áreas naturais… para fins de recreação.”(DIEGUES, 1994, p.20)


Em decorrência dessa complexa relação entre sociedade-natureza-produção, surge a necessidade de um referencial para compreender essa, que na época, era a gênese de uma nova ordem mundial, que com certeza, apesar das tangências defendidas por FERREIRA (2003), Durkheim teve influências significativas nessa nova concepção de mundo.


Em síntese, o que serviu de norte Durkheimiano para este ensaio foi a defesa do capitalismo como uma ordem natural e conseqüente evolução da humanidade.  Então, o uso dos recursos naturais de forma desordenada pelo capitalismo poderia ser considerada uma forma natural da sociedade, que passava por momentos de Anomia, isto é, pela falta de regras para a exploração dos recursos, estabelecendo uma espécie de crise ecológica.


A “TEORIA” DURKHEIMIANA


Para compreender Emille Durkheim é necessário buscar as bases teóricas que seu pensamento se sustentava. (DURKHEIM, 1971)  Ele foi um legítimo filho do Positivismo de Auguste Comte e Herbert Spenser (seus representantes mais expressivos).  Os pressupostos importantes do pensamento Positivista que certamente influenciaram Durkheim foram:


1.      a sociedade é algo superior e exterior ao indivíduo;


2.      a sociedade era considerada uma espécie de corpo com vida própria (um corpo orgânico), podendo ser estudada a partir de métodos das Ciências Naturais.


Defendia ainda que o industrialismo representava o que havia de melhor para desenvolvimento humano (DELLA TORRE, 1989)  e que o capitalismo era a evolução natural da sociedade.  Assim, a Europa, com destaque para a Inglaterra, apresentava o maior desenvolvimento industrial, deveria se constituir em modelo de evolução para o mundo, e deveria ser seguido. (ABRÃO, 1999)  É importante ressaltar que essa postura Positivista se disseminou como expressão ideológica naquele momento histórico europeu, visto que era sustentada por uma classe social que detinha os poderes político e econômico, a  burguesia, formada pelos principais proprietários das indústrias, dos bancos e dos grandes centros de comércio.  Era uma classe que se comportava hegemonicamente e necessitava adotar um corpo teórico que explicasse a sociedade e justificasse a importância do capitalismo como ordem social necessária.  Esse corpo de idéias deveria também gerar ações práticas que protegesse as estruturas sociais de possíveis abalos. (CAMPOS, 1988)


Os estudos de Durkheim estão centrados da descoberta das leis que fundamentam a sociedade (DELLA TORRE, 1989), isto é descobrir as leis gerais que ordenam a relações sociais.  Nesse pano de fundo histórico-ideológico, o pensamento de Durkheim se constituiu numa ratificação do capitalismo como ordem natural e conseqüente evolução da humanidade, tornando-se assim um dos maiores do capitalismo, sob uma abordagem sociológica.  Para o autor francês “a vida social não é outra coisa que o meio moral, ou melhor, o conjunto de diversos meios morais que cercam o indivíduo.” (Durkheim, in RODRIGUES, 1993, p.18)


 A sociedade como um corpo orgânico cria imagens de si mesma, a partir de valores, regras e formas de pensar e agir no âmbito coletivo.  Homens e mulheres que constituíam um grupo orgânico, são os criadores, daquilo que Durkheim denominou de representações coletivas.


Viver em sociedade para Durkheim tinha o sentido maior do que o reducionismo da junção ou a somatória dos atos, sentimentos e consciências individuais.  As relações sociais deveriam ser compreendidas como a unidade de análise em contraposição à compreensão centrada no indivíduo.  Por isso, é importante a imagem que a sociedade tem de si mesma.


Com isso, a teoria sociológica de Durkheim, apoiada no Positivismo, coloca as representatividades coletivas no nível externo dos indivíduos, provocando um processo de adequação dos indivíduos a esse conjunto de normas e valores pré-existentes. A sociedade (estruturas sociais e instituições) é colocada com o status de coercitiva sobre os indivíduos, a teoria chama a atenção de que:


 “o devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as   práticas da vida religiosa, existindo antes dele, é porque existem foram dele.  O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas minhas relações comerciais, as práticas  seguidas na profissão, etc. funcionam independente do uso que delas faço.” (Durkheim, in CANELLA, 2001, p.59)


As atitudes e o modo de ser dos indivíduos passam a ser determinadas pelas regras sociais externas e superiores a eles.  As regras são assimiladas gerando sentimentos de pertencimento àquela sociedade, promovendo um estado de coesão social.  Em outras palavras, o formato do pensamento e da percepção da sociedade não é inato aos indivíduos, mas aprendido socialmente.  Portanto, o controle social pode se efetivar através daquela consciência coletiva através das crenças e dos sentimentos comuns à média dos cidadãos de uma dada sociedade.


Na concepção Durkheimiana, um dos princípios da vida social é a solidariedade, sob duas formas:


1.      mecânica nas sociedades pré-capitalistas; e


2.      orgânica nas sociedade capitalistas. 


Essa distinção é possível ser traduzida da seguinte forma:


“(…) consciência coletiva forte, típica de sociedade pré-capitalistas.  Os indivíduos (…) seguiam as regras sociais cegamente, de forma mecânica e podiam se manter autônomos e independentes em relação a outros grupos. (…) O consenso se manifesta na semelhança entre os indivíduos (…) diminuição da consciência coletiva, típica das sociedades capitalistas. A divisão social do trabalho é acelerada e espalhada pelos  setores econômicos  da sociedade (…).  A solidariedade poderia se romper, mas é assegurar pela interdependência dos indivíduos, mantendo, assim, os laços sociais” (FIGUEIRÓ,  2001, p.37)


 


Nessa distinção entre os tipos de solidariedade, Durkheim mostrou o surgimento do individualismo na sociedade moderna.  A concepção do individualismo liberal, principalmente em França, estava um tanto destoante da realidade, dando margem a uma série de ataques de grupos de direita, que a viam como sinal de decadência “da estrutura cultural”. (MACHADO, 2004)


Outra preocupação de Durkheim é quando ao fato social, definido por ele como:


 “(…) toda maneira de fazer, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou então que é geral em toda a extensão de uma dada sociedade, embora tenha existência própria, independente de suas manifestações individuais.” (Durkheim, in  FIGUEIRÓ, 2001, p.39)


e deve ser tratado como coisa, ou seja, o fenômeno social pertence ao âmbito da natureza, o que implica que a sociedade existe de forma objetiva, independente da capacidade de existir dos indivíduos.  Esses fatos sociais externos ao indivíduo têm a capacidade de exercer coerção sobre eles, transformando o indivíduo em um simples elemento daquela totalidade maior, uma totalidade que não se reduz à somatória dos indivíduos. (MACHADO, 2004)


Os fatos sociais para Durkheim ainda mostram outras características:


1.      são generalizados na sociedade, repetindo em todos ou na maioria dos indivíduos;


2.      se expressam sempre na coletividade; e


3.      se originam de outros fatos sociais.


Outra problemática estava centrada nas fontes e na natureza moral, levando o autor francês à enunciar uma Teoria da Anomia Social, isto é, as sociedades pedem, total ou parcialmente, o estabelecimento de limites diante das metas que os indivíduos traçaram.  Quando existem, esses limites são cuidadosamente elaborados no sentido de garantir aos indivíduos razoável chance de atingir suas metas. Considerando o momento histórico de Durkheim, uma  solidariedade orgânica favorecia os indivíduos com maior potencial de recursos e que estabeleceram metas igualmente mais elevadas. (GIDDENS, 1978)


Nesse mesmo momento histórico do industrialismo, disse GIDDENS (1978) que poderia, em certas condições, desfavorecer as sociedades e contribuir para uma perda da habilidade para regular as metas individuais, visto que nas sociedades industrializadas, a diversidade dos interesses de grupo, a competição em relação ao que se pode e  o que não se pode fazer (normas sociais), podem gerar uma consciência coletiva débil e diminuir o controle social.  Tal desregulamentação conduz a uma multiplicação de referenciais de normas e valores, à complexidade social, ao comportamento desviante.


O mundo estava vivendo a experiência de uma sociedade em transição (entre tradicionais e industrializadas): forças reduzidas foram às suas mais débeis condições.  As velhas estruturas normativas desfaleceram, enquanto as novas estavam por nascer. 


A falta de regras formais estava levando a uma condição de Anomia Social, geradora de crescimento e desenvolvimento do desvio.


O desvio social defendido por Durkheim serve para manter os confins entre a normalidade e a anormalidade (desvio), definindo os confins da reta conduta como confirmação da solidariedade da sociedade, reforçando as normas e os valores, provocando os sentimentos coletivos e alimentando a coesão social e por fim pode provocar transformações sociais.(GIDDENS, 1978)


Através de seu método sociológico, Durkheim objetivava ir além da explicação da sociedade, buscava encontrar soluções para os conflitos sociais.  Compreendia a sociedade como um corpo orgânico e considerava que qualquer disfunção ou anomalia corpórea poderia ser traduzida como desordem ou doença social.  Portanto, os conflitos sociais, pobreza, desemprego, insegurança pública… seriam anomias, isto é falta de ordem. E tão logo a sociedade retomasse sua organização, desapareceria o estado de desordem e doença social, estabelecendo-se a nomia.


A EXPLORAÇÃO INSUSTENTÁVEL DA NATUREZA COMO RESULTADO DE ANOMIA SOCIAL DO INDUSTRIALISMO


Tomando os pensadores racionalistas dos Séculos XVII e XVIII e suas influências no Século XIX, é possível perceber que houve na historicidade da tradição ocidental o imperativo de colocar a natureza à disposição do homem para que ele a subjugasse.  Esse pensamento ocidental de dominação da natureza se verificou também nas sociedades fundadas com a revolução industrial, porém, nesta revolução o antagonismo homem-natureza se aprofundou e se definiu como sustentáculo ideológico para o sucesso do industrialismo.


As bases sociológicas no período do industrialismo estavam se remetendo às influências do Positivismo.  Durkheim, como herdeiro positivista, considerava o industrialismo como um fato social determinante para a evolução natural da humanidade.  Sua metodologia tratava o fato social como coisa externa ao homem, mas coerciva.  Nesse clima positivista Durkheimiano, o pensamento ecológico foi elaborado e introduzido como conhecimento científico da natureza, esse pensamento sobre a natureza transformou os mecanismos “naturais” em fenômenos exclusivamente naturais, deslocados da ação humana.


Uma conversa sobre a questão do uso dos recursos naturais deve passar pela concepção de natureza que uma sociedade tem, pois toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada idéia sobre o que seja natureza.  Nesse sentido, “o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens” (BOTTOMORE, 1990, p.115).  A natureza se definiu na sociedade do Século XIX, como uma coisa que se opunha à cultura.  A cultura era considerada superior, pois conseguiu controlar e dominar a natureza.  Dominar a natureza era um exercício para dominar o que era inconstante, instintivo…  Nesse cenário de dominação o Estado, a Lei e a Ordem (Nomia) tornavam-se necessários para evitar a rebeldia da natureza, onde reina o caos e a lei da selva (Anomia).  Pensar assim a natureza é um subsídio para justificar a existência do Estado, das Leis e da necessidade de Ordem.  Além disso, a expressão “dominar a natureza” só tem sentido a partir da premissa de que o homem é um ser externo à natureza, corroborando com a concepção Durkheimiana e Positivista da época, de que a sociedade, com a natureza, se auto-regulada e uma vez equilibrada evoluiria naturalmente, independente da vontade da  ação dos homens, exercendo coerção sobre este mesmo homem. (DURKHEIM, 1971)


O desenvolvimento industrial acarretou uma exploração mais intensiva dos recursos naturais e teve conseqüências ambientais que se traduziram pela poluição dos rios e do ar e pelo desequilíbrio ecológico de algumas regiões, com substituição do ecossistema natural.  Nesse momento a economia humana sofria uma das mais importantes alterações, o ambiente que era o suporte de vida passou a não responder de forma eficiente para manter o crescimento populacional que se acentuava.  Era necessário promover um tipo de economia que garantisse uma produtividade capaz de suprir as necessidades do aumento populacional e apresentasse um caráter includente, pois havia trabalhadores que não estavam vinculados diretamente ao processo produtivo.  Lima (1984), comentou que nesse cenário precariamente abastecido de recursos naturais, o impacto sobre a natureza assumiu proporções gigantescas.


O uso da natureza como produtora de alimentos pela agricultura e de matéria prima para a indústria (metais, fibras…) causou impactos negativos ao ambiente, redundando quase sempre em desequilíbrios ecológicos.  Esses desequilíbrios levaram a uma simplificação dos ecossistemas, na tentativa de suprir a demanda das necessidades básicas humanas.  Outro efeito da industrialização foi o deslocamento de contingentes populacionais rurais para os centros urbanos, assumindo um modelo de ocupação que comprometeu a quantidade e qualidade do ambiente.


Essa crescente ocupação espacial proporcionada pela agricultura, industrialização e urbanização, durante os Séculos XVII a XIX, levou as regiões ao nível da escassez, comprometendo o progresso idealizado pelos Positivistas.  Havia uma inovação social advinda com essa nova sociedade, que não estava dotada de Leis e Regras que regulassem esses novos fatos sociais.  Para Durkheim, esse cenário seria um exemplo de Anomia Social (ausência de referenciais a grupos primários de relações), e trouxe conseqüências imediatas sobre políticas de controle social, visto que a sociedade em questão não estava estabelecendo limites às metas de produção e urbanização que a burguesia traçou.  Essa Anomia Social desenhou um celeiro que abrigou e alimentou as idéias de criação de áreas protegidas, no sentido de impedir o avanço da agricultura, da indústria e da urbanização, que uniformizavam os ambientes, destituindo-os de suas Ordens e Leis internas que os sustentavam, apesar de Durkheim tangenciar a questão.  Os conservacionistas pioneiros, ainda no Século XIX, tentaram criar uma “Nomia Durkheimiana”, propondo o estabelecimento de áreas protegidas, do tipo Parques Nacionais, desabitados, onde o homem poderia somente contemplar as belezas da Natureza, garantindo assim os valores intrínsecos da natureza, que deveria evoluir sem a presença do homem, que como já foi apresentado anteriormente, naquele momento histórico não pertencia à natureza.


CONCLUSÃO


Naquele limiar do Século XIX, quase todas as sociedades enfrentavam a desanimadora perspectiva de uma infindável crise urbana, conseqüência de um modelo político-econômico capitalista de ocupação do espaço, que se fazia há quase dois séculos.  Ademais, a acumulação de riquezas sem distribuição eqüitativa de benefícios sociais exacerbava contradições e conflitos, particularmente nas grandes aglomerações urbanas.  Uma urbanização rápida e uma intensa concentração de indústrias, serviços e, portanto, de seres humanos, transformaram as cidades no oposto de sua raison d’etre – um lugar para viver bem, nas palavras de Aristóteles.  Durkheim, ao estudar as possíveis causas dessa anomia social – que, segundo ele, se originava, sobretudo do desenvolvimento que “as funções econômicas tomaram desde há cerca de dois séculos”, e que suas causas seriam principalmente a falta de disciplina, de leis e principalmente, causas morais.


A idéia de uma natureza objetiva e exterior ao homem, o que pressupõe uma idéia de homem não-natural e fora da natureza, cristalizava-se com a Revolução Industrial e tornava-se dominante no pensamento ocidental, criando uma falta de disciplina, de leis e de moralidade para com o uso dos recursos naturais que sustentavam o estilo de vida daquele cotidiano.  Era um sintoma a ser diagnosticado durkheimianamente como um fato social gerador de Anomia, talvez sócio-ambiental.  O mundo ocidental estava experimentando um conflito, via a natureza como algo hostil, lugar de luta de todos contra todos, da chamada “lei da selva”, ou via a natureza como “harmônica e bondosa”.  No primeiro caso, justificava-se a intervenção do Estado para impor a lei e a ordem e impedir o caos e a volta ao “Estado da Natureza”, à animalidade (Anomia).  No segundo caso, criticava-se o homem que destruía a natureza, mantendo-se a dicotomia homem-natureza.


A presença do Estado, com suas Leis e Ordens, se concretizou com a intervenção na Anomia “sócio-ambiental”, aceitando as propostas de destinar algumas áreas naturais para que fossem resguardadas da ação humana, tomando assim como nomia a criação de áreas protegidas, na forma de Unidades de Conservação que naquele momento da história e ideologia positivista queria estabelecer espaços, se não políticos-econômicos, pelo menos geográficos para que houvesse um entrosamento do  homem com a natureza, de modo que o homem, considerado à parte da natureza, passasse a ser considerado como parte dela, no entanto sujeito a suas leis.


Nesse sentido, encontramos na análise de Durkheim um exercício que estipula deterministicamente a autonomia da espécie humana em criar conceitos que possam transformá-la numa espécie com “Sociologismo Orgânico Durkheimiano” que se explica de forma específica, influenciada e sob sujeição das contingências da interação e dependência para com o ambiente, tornando-se assim um instrumento de controle social do homem que se adapta à evolução social, resignificando o aporte de Durkheim como um conceito de “Anomia Sócio-ambiental”.


 


Referências


ABRÃO, B.S. (Org.) História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultura, 1999 (Os Pensadores)


BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zarar, 1990.


CAMPOS, R. Estudos de História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Atual Editora, 1988.


DELLA TORRE, M.B.L. O homem e a sociedade: uma introdução à sociologia,15ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1989.


DIEGUES, A.C.S. O mito da natureza intocada. São Paulo: NAPAUB-USP, 1994.


DURKHEIM, E. Regras do Método Sociológico. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1971.


ECKERSLEY, R. Environmentalism and political theory. London: UCL Press, 1995.


FERREIRA, L. C.  Sociologia Ambiental, teoria social e a produção intelectual no Brasil. Disponível em: http://www.memoriadomeioambiente.org.br/biblioteca/ artigos.asp. Acesso em: 17/11/2003.


FIGUEIRÓ, A.L. et.al. Noções Básicas de Sociologia: caderno instrucional. Santa Catarina: Imprensa Oficial do Estado, 2001.


FOSTER, J.B. A Ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro:  Civilização Brasileira, 2005.


HOGAN, D. & VIEIRA, P. Dilemas Socioambientais e Desenvolvimento Sustentável. Campinas, Ed. Unicamp, 1992


LIMA, M.J.A. Ecologia Humana: realidade e pesquisa. Petrópolis, RJ, Vozes, 1994.


RODRIGUES, J.A. (Org.) Durkheim, São Paulo, Ática, 1993.


THOMAS, K. O homem e o mundo natural. São Paulo, Cia. das Letras, 1983.



Informações Sobre o Autor

Paulo Sergio de Sena

Biólogo, Mestrado em Ciência Ambiental, Mestrado em Ecologia e Doutorado em Ciências Sociais – Antropologia. Docente do Centro Universitário Teresa De´Ávila – UNIFATEA – Lorena, SP. Docente Permanente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu – Mestrado em Design, Tecnologia e Inovação, disciplinas: Ecodesign; Inovação e Cognição


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