Enclave. Demarcação contígua de área indígena e a decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil

Resumo: Em geografia política enclave é um terrítorio com distinções políticas, sociais ou culturais, cujas fronteiras geográficas ficam inteiramente dentro dos limites de um outro território. A origem de um enclave pode ser devida a razões históricas, políticas ou mesmo geológicas, sendo que certas zonas tornaram-se enclaves simplesmente por causa da mudança do leito de um rio. No Brasil, entre outras áreas, são consideradas enclaves à soberania, as demarcações contíguas de Áreas Indígenas ou Terras Indígenas. Neste Artigo, sob a perspectiva política e jurídica, pretendemos refletir e demonstrar sobre a existência do enclave como área indígena, denominada Raposa Serra do Sol, em relação à soberania do Estado brasileiro, bem como um aparente conflito entre dois princípios constitucionais, a saber, o art. 20, §2º, e os art. 231, e 232, todos da Constituição Federal do Brasil e a solução judicial proferida pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil STF, para a manutenção da aludida Reserva Indígena e a  harmonização e a coexistência de tais princípios.

Palavras Chaves: acordo, constituição, estado, enclave, judicial, índio, indigena, país, político, princípio, soberania, social, territorio, tratados. 

Abstract: In political geography enclave is a territory with political distinctions, social or cultural, whose geographical boundaries are entirely within the boundaries of another territory. The source of an enclave may be due to historical, political or geological reasons, such that certain zones become enclaves simply because of the bed of a river change. In Brazil, among other areas, are considered enclaves sovereignty, contiguous boundaries of Indian Lands or Indigenous Lands. In this article, under the political and legal perspective, we want to reflect and demonstrate the existence of the enclave as an indigenous area, called Raposa Serra do Sol, in relation to the sovereignty of the Brazilian state, as well as an apparent conflict between two constitutional principles, namely, art. 20, paragraph 2, and art. 231 and 232, all of the Federal Constitution of Brazil and the judicial remedy issued by the Supreme Court of the Supreme Court Brazil, to maintain alluded Indian Reservation and the harmonization and coexistence of these principles.

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Key Words: agreement, constitution, state, enclave, judicial, Indian, indigenous, country, political, principle, sovereignty, social, territory, treated.

Sumário: 1 Introdução. 2 Breves Noções sobre o Enclave. 3 Enclave. Áreas Indigenas ou Terras Indigenas. 4 Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. 5 Aparente Conflito entre o Princípio concernente às Terras Indígenas e o Principio concernente às Terras da União para Defesa Nacional. 6 A Decisão do Supremo Tribunal Federal. 7 Conclusão. Referências Bibliográficas.

1 Introdução.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 consagrou o princípio de que os índios são os primeiros e naturais senhores da terra. Esta é a fonte primária de seu direito, que é anterior a qualquer outro. Conseqüentemente, o direito dos índios a uma terra determinada independe de reconhecimento formal.

A definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios encontra-se nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal do Brasil que reza serem reconhecidos aos índios, a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens, por ser por eles habitadas em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, e imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Por outro lado, no art. 20 está estabelecido o princípio de que essas terras destinadas aos índios são bens da União, sendo reconhecidos aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, fixando-se ainda, no seu § 2º, que a faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

Não obstante, também por força da Constituição Federal do Brasil, o Poder Público está obrigado a promover tal reconhecimento. Sempre que uma comunidade indígena ocupar determinada área nos moldes do artigo 231, o Estado terá que delimitá-la e realizar a demarcação física dos seus limites. A Constituição Federal estabeleceu um prazo para a demarcação de todas as Terras Indígenas, que seria em 5 de outubro de 1993. Contudo, isso não ocorreu, e as Terras Indígenas no Brasil, encontram-se em diferentes situações jurídicas.

Grande parte das Terras Indígenas no Brasil sofre invasões de mineradores, pescadores, caçadores, madeireiras e posseiros. Outras são cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão, ou têm porções inundadas por usinas hidrelétricas. Freqüentemente, os índios colhem resultados perversos do que acontece mesmo fora de suas terras, nas regiões que as cercam: poluição de rios por agrotóxicos, desmatamentos etc.

É sobre as Terras Indígenas, que a rigor é um enclave à soberania nacional, notadamente em região de fronteira, e a análise dos princípios constitucionais contidos nos arts. 20,§2º e 231 e 232 da Constituição Federal do Brasil, é que se propõe o presente Artigo.

2 Breves Noções sobre os Enclaves.

A partir do final do Século XIX, os Estados nacionais tomaram a forma como pode ser visto hoje, na maioria dos países. Hoje se tem um conceito bem definido para identificar o que seja um Estado. Pode-se definir o Estado como um agrupamento humano estabelecido permanentemente em um território determinado, e sob um governo independente. Da análise desta definição, constata-se teoricamente, que são quatro os elementos constitutivos do Estado, conforme a Convenção Interamericana Sobre os Direitos e Deveres dos Estados, firmada em Montevidéu, Uruguai, em 1933, que define: (a) população permanente; (b) território determinado; (c) governo; (d) capacidade de relacionar-se com os demais Estados existentes.

Soberania é o Poder ou autoridade suprema. É a propriedade que tem um Estado de ser uma Ordem Suprema que não deve sua validade a nenhuma ordem superior. O conceito de Soberania do Estado foi objeto do Tratado de Westfália, firmado em 24 de outubro de 1648, que pôs fim à guerra dos 30 (trinta) anos na Europa[1]. Não se pode negar que todos os Estados possuem a Soberania, mas o poder soberano é medido ou quantificado pela importância de alguns poderes, tais como o poder econômico, o poder militar (de armas convencionais ou nucleares), o poder tecnológico e o poder político exercido em cada região geográfica.

Assim, alguns Estados, pelo seu poder econômico, militar, tecnológico, poder político e ideológico, que exercem em cada região geográfica do globo, tem a soberania política sobre seu território, sobre os arquipélagos, sobre as ilhas costeiras, oceânicas e ultramarinas, em face dos princípios da territorialidade ou extraterritorialidade, impondo a estes territórios ou regiões, as suas leis civis, penais ou comerciais, seus costumes, seja no plano econômico, político, social ou ideológico. Essa extraterritorialidade ou transcendência política do poder soberano em outros territórios, ilhas e arquipélagos, quando localizados em territórios ou regiões de domínios de outros Estados, denominam-se enclaves ou exclaves.

Enclave. Em geografia política enclave é o terrítorio de um Estado com distinções políticas, sociais ou culturais cujas fronteiras geográficas ficam inteiramente dentro dos limites de um outro território ou região, de domínio de outro Estado. A palavra enclave vem do francês medieval enclaver (cercar) e do latim vulgar inclavare, fechar. A origem de um enclave pode ser devida às razões históricas, políticas ou mesmo geológicas, podendo certas zonas territoriais tornarem-se enclaves simplesmente por causa da mudança do leito de um rio.

No Brasil, entre outras áreas, são consideradas enclaves à soberania, as demarcações contíguas de Áreas Indígenas ou Terras Indígenas.

3. Enclave. Demarcação de Áreas ou Terras Indígenas.  

Sobre as demarcações das terras indígenas dispõe a Constituição Federal do Brasil[2], nos seus artigos 231 e 232:

“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º – O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º – As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º – É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º – Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.”

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Terra Indígena (TI)[3] é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, por ele (s) utilizados para suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata-se de um tipo específico de posse, de natureza originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada.

O direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional configura-se como um direito originário e, conseqüentemente, o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas se reveste de natureza meramente declaratória. Portanto, a terra indígena não é criada por ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição Federal do Brasil de 1988.

Ademais, por se tratar de um bem da União, a terra indígena é inalienável e indisponível, e os direitos sobre ela são imprescritíveis. As terras indígenas são o suporte do modo de vida diferenciado e insubstituível dos cerca de 300 povos indígenas que habitam, hoje, no Brasil.

As terras demarcadas e ocupadas pelos índios, em caráter permanente, destinam-se a sua posse, para utilização de atividades produtivas, bem como para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar, e às necessidades de sua reprodução física e cultural, de acordo com seus usos costumes e tradições[4].

Estima-se que o Brasil possui mais de 700 mil índios, que representam cerca de 0,4% da população brasileira, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), os índios ocupam um total de 580 áreas demarcadas, perfazendo um total de mais de 100 milhões de hectares (ha), equivalente a 12% do território nacional (851.487.659 milhões hectares). Um hectare corresponde a 10.000,00m².

A população indígena é formada por aproximadamente 215 etnias e se comunica em 180 línguas e dialetos. A maior concentração dos povos indígenas localiza-se na região Norte, notadamente no Estado Amazonas, seguido do Estado de São Paulo e do Mato Grosso do Sul.

Uma das dificuldades que enfrentam os povos indígenas são as constantes invasões de terceiros, com o objetivo de exploração econômica de suas terras, notadamente por fazendeiros em primeiro plano, e em segundo lugar, madeireiros, garimpeiros e empresas de mineração. A população branca, quando em contato com os índios, acaba por disseminar doenças desconhecidas pela população indígena.

Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas. De acordo com a Constituição Federal do Brasil, os povos indígenas detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As fases do procedimento demarcatório das terras tradicionalmente ocupadas, abaixo descritas, são definidas por Decreto da Presidência da República e atualmente consistem em:

Em estudo. Realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da terra indígena.

Delimitadas. Terras que tiveram os estudos aprovados pela Presidência da FUNAI, com a sua conclusão publicada no Diário Oficial da União e do Estado, e que se encontram na fase do contraditório administrativo ou em análise pelo Ministério da Justiça, para decisão acerca da expedição de Portaria Declaratória da posse tradicional indígena.

Declaradas. Terras que obtiveram a expedição da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça e estão autorizadas para serem demarcadas fisicamente, com a materialização dos marcos e georreferenciamento. 

Homologadas. Terras que possuem os seus limites materializados e georreferenciados, cuja demarcação administrativa foi homologada por decreto Presidencial.

Nos termos da legislação vigente, ou seja, a Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei 6001, de 19/12/1973[5], que aprovou o Estatuto do Índio, e o Decreto n.º 1775, de 08/01/1976, que dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, as terras indígenas podem ser classificadas nas seguintes modalidades:

Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas. São as terras indígenas de que trata o art. 231 e 232, da Constituição Federal de 1988, direito originário dos povos indígenas, cujo processo de demarcação é disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.

Reservas Indígenas. São terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, que se destinam à posse permanente dos povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da União, mas não se confundem com as terras de ocupação tradicional. Existem terras indígenas, no entanto, que foram reservadas pelos estados-membros, principalmente durante a primeira metade do Século XX, que são reconhecidas como de ocupação tradicional. 

Terras Dominiais. São as terras de propriedade das comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil.

 Interditadas. São áreas interditadas pela Fundação Nacional do Índio, FUNAI, para proteção dos povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área. A interdição da área pode ser realizada concomitantemente ou não com o processo de demarcação, disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.

 

OBS: O Total de 113.112.112,8462 ha correspondem a 1.131.112, 85 Km2, equivalente a 12%, do território nacional que tem 851.487.659 ha, que corresponde a 8.515 767 km². Cada hectare (ha) tem 10.000 m².

4 Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.

Um dos aspectos mais importante diz respeito às fronteiras do Brasil. A demarcação de terras indígenas em áreas de fronteiras, ou seja, em áreas contíguas às áreas indígenas de outros países pode ser considerado um enclave à soberania nacional, uma ameaça à integridade territorial. Um exemplo de reserva contígua é a Reserva Ianomami, no Estado de Roraima, na região norte do Brasil, criada no Governo Fernando Collor (1990/1992). A Reserva Ianomami possui mais de 9,6 milhões de hectares no Brasil e outros 8,3 milhões de hectares na Venezuela, uma área maior do que Portugal e Uruguai juntos e uma das mais ricas reservas minerais do Planeta. A demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, com 1.747.474 ha, inclui as fronteiras do Brasil com a Venezuela, numa faixa de aproximadamente 136 km, e a República Cooperativista da Guiana, cerca de 370 km.

A Reserva Indigena Raposa Serra do Sol foi demarcada pelo Ministério da Justiça, através da Portaria Nº 820/98, posteriormente modificada pela Portaria 534/2005[6]. A demarcação foi homologada por Decreto de 15/04/2005[7], da Presidência da República. O Decreto Presidencial de 15/04/2005 homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada nos Municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, no Estado de Roraima.

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 19, § 1o, da Lei no 6.001, de 19 de dezembro de 1973, e 5o do Decreto no 1.775, de 8 de janeiro de 1996, e

Considerando o imperativo de harmonizar os direitos constitucionais dos índios, as condições indispensáveis para a defesa do território e da soberania nacionais, a preservação do meio ambiente, a proteção da diversidade étnica e cultural e o princípio federativo;

DECRETA:

Art. 1o Fica homologada a demarcação administrativa, promovida pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, destinada à posse permanente dos Grupos Indígenas Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana, nos termos da Portaria no 534, de 13 de abril de 2005, do Ministério da Justiça.

Art. 2o A Terra Indígena Raposa Serra do Sol tem a superfície total de um milhão, setecentos e quarenta e sete mil, quatrocentos e sessenta e quatro hectares, setenta e oito ares e trinta e dois centiares, e o perímetro de novecentos e setenta e oito mil, cento e trinta e dois metros e trinta e dois centímetros, situada nos Municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, e circunscreve-se aos seguintes limites: NORTE: partindo do marco SAT RR-13=MF BV-0, de coordenadas geodésicas 05º12’07,662″ N e 60º44’14,057″ Wgr., localizado sobre o Monte Roraima, na trijunção das fronteiras Brasil/Venezuela/Guiana, segue pelo limite internacional Brasil/Guiana, passando pelos Marcos de Fronteira B/BG-1, B/BG-2, B/BG-3, B/BG-4, B/BG-5, B/BG-6, B/BG-7, B/BG-8, B/BG-9, B/BG-10, B/BG-11, B/BG-11A, B/BG-12, B/BG-13, até o Ponto Digitalizado 01, de coordenadas geodésicas aproximadas 05º11’54,8″ N e 60º06’32,0″ Wgr., localizado na cabeceira do Rio Maú ou Ireng; LESTE: do ponto antes descrito, segue pela margem direita do Rio Maú ou Ireng, a jusante, acompanhando o limite internacional Brasil/Guiana, passando pelos Marcos de Fronteira B/5, B/4, até o Ponto Digitalizado 02, de coordenadas geodésicas aproximadas 04º35’25,5″ N e 60º07’42,7″ Wgr., localizado na confluência com um igarapé sem denominação; daí, segue pela margem direita do referido igarapé, a montante, até o Ponto-03, de coordenadas geodésicas aproximadas 04º35’44,7641″ N e 60º10’45,7776″ Wgr., localizado na confluência de um igarapé sem denominação; daí, segue por uma linha reta até o Ponto-04, de coordenadas geodésicas 04º34’40,1683″ N e 60º11’24,6414″ Wgr., localizado na nascente de um igarapé sem denominação; daí, segue pela margem esquerda do referido igarapé, a jusante, até o Ponto Digitalizado 05, de coordenadas geodésicas aproximadas 04º33’43,1″ N e 60º09’32,3″ Wgr., localizado na sua confluência com o Rio Maú ou Ireng; daí segue pela margem direita do citado rio, a jusante, acompanhando o limite internacional Brasil/Guiana, passando pelos Marcos de Fronteira B/3 e B/2, até o Ponto Digitalizado 06, de coordenadas geodésicas aproximadas 03º51’56,5″ N e 59º35’25,1″ Wgr., localizado na confluência com o Igarapé Uanamará; SUL: do ponto antes descrito, segue pela margem esquerda do Igarapé Uanamará, a montante, até o Marco 04, de coordenadas geodésicas 03º55’15,4420″ N e 59º41’51,6834″ Wgr., localizado na confluência com o Igarapé Nambi; daí, segue por uma linha reta até o Marco 05 (marco de observação astronômica, denominado Marco Pirarara), de coordenadas geodésicas 03º40’05,75″ N e 59º43’21,59″ Wgr.; daí segue no mesmo alinhamento até a margem direita do Rio Maú ou Ireng; daí, segue por essa margem, a jusante, acompanhando o limite internacional Brasil/Guiana, até a sua confluência com o Rio Tacutu, onde está localizado o Marco de Fronteira 1, de coordenadas geodésicas 03º33’58,25″ N e 59º52’09,19 Wgr.; daí, segue pela margem direita do Rio Tacutu, a jusante, até o Ponto Digitalizado 07, de coordenadas geodésicas aproximadas 03º22’25,2″ N e 60º19’14,5″ Wgr., localizado na confluência com o Rio Surumu; OESTE: do ponto antes descrito, segue pela margem esquerda do Rio Surumu, a montante, até o Ponto Digitalizado 08, de coordenadas geodésicas aproximadas 04º12’39,9″ N e 60º47’49,7″ Wgr., localizado na confluência com o Rio Miang; daí segue pela margem esquerda do Rio Miang, a montante, até o Marco de Fronteira L8-82, de coordenadas geodésicas 04º29’38,731″ N e 61º08’00,994″ Wgr., localizado na sua cabeceira, na Serra Pacaraima, junto ao limite internacional Brasil/Venezuela; daí, segue pelo limite internacional, passando pelos Marcos de Fronteira BV-7, BV-6, BV-5, BV-4, BV-3, BV-2, BV-1 e BV-0=Marco SAT RR-13, início da descrição deste perímetro. Base cartográfica utilizada: NB.20-Z.B; NB.21-Y-A; NB.20-Z-D; NB.21-Y-C; NA.20-X-B e NA.21-V-A – Escala 1:250.000 – RADAMBRASIL/DSG – Anos 1975/76/78/80. As coordenadas geodésicas citadas são referenciadas ao Datum Horizontal SAD – 69.

Art. 3o O Parque Nacional do Monte Roraima é bem público da União submetido a regime jurídico de dupla afetação, destinado à preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios.

§ 1o O Parque Nacional do Monte Roraima será administrado em conjunto pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pela Comunidade Indígena Ingarikó.

§ 2o O Ministério da Justiça e o Ministério do Meio Ambiente, ouvidos a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e a Comunidade Indígena Ingarikó, apresentarão, para homologação do Presidente da República, plano de administração conjunta do bem público referido no caput.

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Art. 4o É assegurada, nos termos do Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, a ação das Forças Armadas, para a defesa do território e da soberania nacionais, e do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, para garantir a segurança e a ordem pública e proteger os direitos constitucionais indígenas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Parágrafo único. As Forças Armadas e o Departamento de Polícia Federal utilizarão os meios necessários, adequados e proporcionais para desempenho de suas atribuições legais e constitucionais.

Art. 5o Fica resguardada a prerrogativa do Presidente da República de, em caso de real necessidade, devidamente comprovada, adotar as medidas necessárias para afetar os bens públicos da União de uso indispensável à defesa do território e à soberania nacional, bem como de exercer o poder de polícia administrativa para garantir a segurança e a ordem pública na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Art. 6o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 15 de abril de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Márcio Thomaz Bastos

(Foto: Editoria de Arte/G1 http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0, MUL464471-5598,00. html).

5. Aparente Conflito entre o Princípio concernente às Terras Indígenas e o Principio concernente às Terras da União para Defesa Nacional.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 consagrou o princípio de que os índios são os primeiros e naturais senhores da terra. Esta é a fonte primária de seu direito, que é anterior a qualquer outro. Conseqüentemente, o direito dos índios a uma terra determinada independe de reconhecimento formal.

No art. 20 da Constituição Federal do Brasil está estabelecido o princípio de que essas terras são bens da União, sendo reconhecidos aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, fixando no seu § 2º, que a  faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

Dessa forma, há um aparente conflito concernente às Terras Indígenas estabelecida no art. 231 e 232, CF, e o princípio concernente às Terras da União para Defesa Nacional estabelecida no art. 20, § 2º, da CF. E bem verdade que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, (LINDB), aprovada pelo Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942, estabelece no seu art. 4º,  que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Ricardo D. Rabinovichh-Berkman[8], Professor e Doutor em Direito, pela Universidade de Buenos Aires, UBA, Professor Catedrático de História do Direito da Universidade de Buenos Aires, nos ensina que,

As veces el ordenamiento expressamente remite a unos princípios, pero no explica cuáles son, ni de donde surgen. Um exemplo característico ES el art. 16 del Cód Civil Argentino, que estabelece: “Si uma question civil no puede resolverse, ni por las palbras, ni por el espiritu de La ley, seatenderá a lós princípios de leyes análogas; y si aún La questión fuere dudosa, se reslverá por lós princípios generales Del derecho, teniendo em consideración lãs circunstnacias Del caso”. Mucho se há debatido acerca de cuáles son esos “princípios generales del derecho”.

 Nessa seara, é inevitável a pergunta de qual principio que deverá prevalecer para alcançar a Justiça, os princípios que regem os direitos dos índios ou os princípios que confere às Terras da União para Defesa Nacional?  Sabe-se que a resposta difere da hierarquia leis, a qual está consignada no art. 59, da Constituição Federal do Brasil, razão pela qual necessário observar o posicionamento doutrinário para eleger o princípio prevalente ou não, para a solução da controvérsia principiológica.

Renato Rabbi-Baldi Cabanillas[9], Professor e Doutor em Direito da Universidade de Buenos Aires, UBA, e da Universidade Católica de Salta, Ex Secretário Letrado de La Corte Suprema de Justicia de La Nación, Juez de La Câmara Federal de Apelaciones de Salta, Argentina, sobre os princípios, nos ensina que,

…De onde surgen lós princípios? Cual es, en efecto, la fuente de eso que muchos ordeniamentos jurídicos – incluso, muchos códigos – suellen llamar “princípios generales del derecho? No es fácil dar una respuesta unívoca a esta pergunta pero, en un plano mas general, a doctrina ha sabido hallar una respuesta plausible. Así, para Gustavo Zagrebelski, remitem a un “mundo de valores” o a “las grandes opciones de cultura jurídica de las que forma parte y a las que las palabras no hacen  sino una simple alusión”. Por eso, añade, a lós princípios “se presta adhesion[10]. De igual modo explica Alexy que lós princípios son razones que “surgens naturalmente” en tanto “pueden ser derivados de una tradición de normaciones detalladas y decisiones judiciales que, por ló general, son expressión de concepciones difundidas acerca cómo debe ser el derecho[11]. Se trata, pues, segun Ronald Dworkin, de razones que inhieren en una prática inveterada del foro y/o en conjunto de convicciones sociales[12] y que, en ultima instancia, remite a ciertas tradiciones históricas o, para decirlo en lenguage próprio del hermenêutica filosófica, a un “horizonte de signficado”, es decir, a un determinado ethos que debe ser compreendido[13]. De aí que, observa Canaris anticipando un tema fundamental de la teoria del derecho (y, especialemente, del derecho natural, a saber, su relación con “história” al que se ha referido ya lós capítulos II e III, e se aludirá más adelante), no se lós debe imaginar “ahistóricos y, en cierto modo, estáticos”, conclusión que añade, se aplica incluso para lós princípios que remitem a la “Idea del derecho! O a la “naturaleza de la cosa” ya que “ello no supone desconecer que consiguen su figura concreta (…) solo a través de la relación con una determinada situación histórica y con la intervención de la conciencia jurídica general respectiva[14]. En definitiva, y dico de manera breve, tengo para mi que lós princípios sintetizan las exigências básicas y permanentes de la  naturaleza humana vistas en la concreta situación espacio-temporal en que ésta se da cita.

Geraldo Ataliba (1936-1995)[15] foi Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, e da Pontíficia Universidade São Paulo, PUC-SP, e afirmava que os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do Governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da Administração e da Jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; tem que ser prestigiados até as últimas conseqüências.

José Joaquim Gomes Canotilho (1941)[16], jurista portugues, Professor catedrático da Faculdade de Coimbra, Portugal, e Professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, nos ensina que os princípios são normas compatíveis com vários graus de concretização, conforme os condicionalismos fáticos e jurídicos, enquanto que as regras impõem, permitem ou proíbem uma conduta, de forma imperativa, que é ou não cumprida. No caso de conflito, os princípios podem ser harmonizados, pesados conforme seu peso e seu valor em relação a outros princípios. Já as regras, se têm validade, devem ser cumpridas exatamente como prescritas, pois não permitem ponderações. Se não estão corretas, devem ser alteradas. Isso demonstra que a convivência dos princípios é conflitual, coexistem, enquanto a das regras é antinômica – excluem-se.

Sustenta ainda Canotilho[17] que a existência de regras e princípios que permite a compreensão do direito constitucional como um sistema aberto. Se o modelo jurídico estivesse formado apenas por regras, estaríamos restritos a um sistema fechado, com uma disciplina legal exaustiva de todas as situações, alcançando a segurança, mas impedindo que novas situações fossem abarcadas pelo sistema. Por outro lado, a adoção somente de princípios seria impossível, pois diante de tal indeterminação (sem a existência de regras precisas), o sistema mostrar-se-ia “falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema”.

Os principios  apresentam a dimensão de peso ou importância, não sendo lógico falar em validade. Dentre os princípios aplicáveis ao caso concreto, será eleito aquele que apresentar maior peso relativo aos demais em face da situação analisada. Nesse contexto, faz sentido o questionamento: qual princípio  é mais importante nesse caso? Assim, será escolhido aquele que for eleito como sendo mais relevante. O princípio eventualmente deixado de lado continuará existindo e poderá ser evocado em outro momento, sem qualquer tipo de consequência a sua existência.

Todos os princípios, a priori, têm o mesmo valor e peso. Na hipótese de dois ou mais princípios colidirem, deve ser ponderado no caso concreto qual o princípio que deve prevalecer para fazer Justiça. Não se resolve o conflito eliminando um dos princípios do rol dos princípios. Também não se estabelece uma regra geral, pela qual um princípio prevalece diante de outro, e tampouco, se estabelece uma regra de exceção, pela qual, em tese, um princípio prevalece, mas que em certos casos pode prevalecer o outro. Assim, a rigor, não existe uma precedência absoluta de um princípio diante de outro, mas uma precedência condicionada.

  Robert Alexy (1945)[18], que é um dos mais influentes filósofos alemães contemporâneos na Ciência do Direito, Professor da Universidade de Kiel, Alemanha, afirma que a solução da colisão consiste antes em que, tendo em conta as circunstâncias do caso, se estabelece uma relação de precedência condicionada entre os princípios. A determinação da relação de precedência condicionada consiste em que, tomando em conta o caso, se indicam as condições sob quais, um princípio precede ao outro. Sob outras condições a questão da precedência pode ser solucionada da forma inversa. A colisão pode ser pela ponderação no caso concreto, mas a lei da colisão, elaborada por Alexy, sustenta que se as condições em dois casos diferentes são iguais, deve prevalecer em ambos os casos o mesmo Princípio.  Porém, se as condições concretas são diferentes pode prevalecer no conflito dos mesmos princípios, o outro princípio. Assim a solução da colisão de princípios se dá no caso concreto mediante a ponderação. Para avaliar, qual princípio é, no caso concreto, o mais justo utiliza-se, para tanto, o princípio da proporcionalidade, como critério da ponderação.

Dessa forma, afirma o jus filósofo Alexy[19] que na colisão de princípios se pondera os princípios em colisão. No caso concreto será analisado se a aplicação de ambos os princípios é adequado e necessário, e se realmente for, será analisada, a proporcionalidade em sentido estrito.

Na mesma linha, Ronald Dworkin (1931-2013)[20] que foi um Filósofo do Direito norte-americano e Professor na University College London e na New York School of Law,  ensina que quando dois princípios entram em colisão, ganha aplicação aquele princípio que, pelas circunstâncias concretas do caso, mereça primazia sem que isso importe na invalidade do princípio oposto. Diversamente, se duas regras entram em conflito, afirma Dworkin, uma delas definitivamente não pode ser considerada válida. A colisão dos princípios, portanto, segundo Dworkin, resolve-se na dimensão de peso; já o conflito entre regras resolve-se no plano da validade (1).

Os princípios, conforme Dworkin, apenas contêm motivos que falam a favor de uma decisão, de tal forma que, num caso concreto, apresentando-se um princípio que exija aplicação, podem existir outros princípios que, colocando-se numa posição contrária, por circunstâncias específicas do caso, acabem tendo maior peso ou primazia sobre aquele primeiro princípio e, afastando-o, ganhem aplicação (2). De toda forma, completa Dworkin, isso não significa que o princípio preterido não mais pertença ao sistema jurídico, pois, em um próximo caso, ou por já não existirem aquelas circunstâncias contrárias, ou por terem perdido o seu peso, o princípio anteriormente preterido pode tornar-se decisivo para o caso e, então, ganhar primazia sobre os princípios que lhe eram contrários (3).

Dessa forma, há um aparente conflito concernente à Terras Indígenas estabelecida no art. 231 e 232, da CF,  e o princípio concernente  às Terras da União para Defesa Nacional estabelecida no art. 20, § 1º,  da CF.

Dessa forma, dado a importância dos princípios que regem a Ciência do Direito, conforme Ataliba, seja pelas exigências básicas y permanentes de la  naturaleza humana defendida por Rabbi-Baldi Cabanillas, seja pelo principio de proporcionalidade como critério de ponderação defendido por Alexy, seja pelo critério de seu peso e seu valor em relação a outros princípios, defendida por Canotilho e Dworkin, fato é, que no presente, está estabelecido um aparente conflito concernente às Terras Indígenas estabelecida no art. 231 e 232, da CF,  e o princípio concernente  às Terras da União para Defesa Nacional estabelecida no art. 20, § 2º,  da CF, embora, sabendo-se que na realidade, do cotejo dos dois dispositivos constitucionais apontados, depreende-se que cada um protege um bem jurídico próprio e distinto.

Diante desse quadro, é que caberá ao magistrado, neste caso aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, definir a existência de um eventual ou aparente conflito entre os princípios constitucionais, julgando pela proporcionalidade como critério de ponderação ou pelo critério de seu peso, ou ainda pelo cotejo dos dois dispositivos constitucionais apontados, pelo critério de harmonização e complementaridade de ambos os princípios, contidos no art. 231 e 232, CF, (Direito dos Índios) e o art. 20, §2º, CF (Direito União para Defesa Nacional).

 6. A Decisão do Supremo Tribunal Federal.

De acordo com a Fundação Nacional do Índio, FUNAI, a Reserva Raposa Serra do Sol, com 1.747.474 ha, ocupa territórios de três municípios do Estado de Roraima, a saber, Urimatã, Pacaraima e Normandia.  Na área vivem cerca de 20 mil índios, a maioria deles da etnia macuxi.

Embora o § 5º, do art. 231, da Constituição Federal do Brasil defina que é vedada a remoção das populações indígenas das áreas demarcadas, surgiu um grande debate de natureza jurídica sobre a permanência de terceiros, sobretudo de fazendeiros produtores de arroz, na Área Indígena demarcada e denominada Raposa Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima, na região Norte do Brasil. A área de 1,7 milhões de hectares, equivalente a 8% do território do Estado de Roraima, abriga cerca de 20.000 índios, de cinco povos, que se distribuem em mais de 100 aldeias.

A Reserva indígena Raposa Serra do Sol foi homologada pelo Decreto Presidencial de 15/04/2005, com a demarcação de forma contínua. Entretanto, na Reserva, existem fazendas e estradas, incluindo municípios. Por essa razão, os fazendeiros produtores de arroz, conhecidos como arrozeiros, que se encontravam na área desde a década de 1970, pretendiam que a demarcação fosse de forma descontínua, como uma maneira de preservar as suas plantações de arroz.

Para a formalização do processo de homologação da reserva Raposa Serra do Sol, era necessário que os fazendeiros e terceiros deixassem a área. Entretanto, conforme amplamente noticiada pela imprensa, houve momentos de tensão no primeiro semestre de 2008, com a resistência dos plantadores de arroz e de terceiros em deixar área, armando barricadas nas vias de acesso à Reserva, fato que obrigou o deslocamento de agentes da Polícia Federal, para desobstrução do respectivo acesso, fazendo-se cumprir a desocupação da área daqueles não índios.

A matéria encontrava-se no Supremo Tribunal Federal, STF, que após amplos debates, no inicio de 2009, foi finalmente julgada, consignando-se na decisão que a Área Demarcada da Reserva Raposa Serra do Sol seria de forma contínua, como é de tradição nas demais Reservas Índígenas existentes no país. Todavia ficou também consignado que, tratando-se de área de fronteira, no caso, com limites e confrontações com os países vizinhos da Venezuela e da Guiana, ficaram resguardados os direitos da União sobre a área, notadamente em função da Soberania nacional, e assim ao final foi proferida a decisão do STF, em março de 2009, ao concluir o julgamento da PET 3388, relativo à AÇÃO POPULAR de autoria dos Senadores da República do Brasil, Augusto Affonso Botelho Neto e Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti contra UNIÃO, quando a Corte considerou válidos a Portaria e o Decreto Presidencial, reto citados, que homologaram a demarcação da Reserva, e listou uma série de condições para a execução da decisão, que seria supervisionada pelo Supremo com apoio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), conforme se constata na ementa da r. Decisão.

“EMENTA: AÇÃO POPULAR. DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO- DEMARCATÓRIO. OBSERVÂNCIA DOS ARTS. 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO DA LEI Nº 6.001/73 E SEUS DECRETOS REGULAMENTARES. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA PORTARIA Nº 534/2005, DO MINISTRO DA JUSTIÇA, ASSIM COMO DO DECRETO PRESIDENCIAL HOMOLOGATÓRIO. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO INDÍGENA DA ÁREA DEMARCADA, EM SUA TOTALIDADE. MODELO CONTÍNUO DE DEMARCAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. REVELAÇÃO DO REGIME CONSTITUCIONAL DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO ESTATUTO JURÍDICO DA CAUSA INDÍGENA. A DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. INCLUSÃO COMUNITÁRIA PELA VIA DA IDENTIDADE ÉTNICA. VOTO DO RELATOR QUE FAZ AGREGAR AOS RESPECTIVOS FUNDAMENTOS SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS DITADAS PELA SUPERLATIVA IMPORTÂNCIA HISTÓRICO-CULTURAL DA CAUSA. SALVAGUARDAS AMPLIADAS A PARTIR DE VOTO-VISTA DO MINISTRO MENEZES DIREITO E DESLOCADAS PARA A PARTE DISPOSITIVA DA DECISÃO. 1. AÇÃO NÃO CONHECIDA EM PARTE.

A ação popular de autoria dos Senadores da República Augusto Affonso Botelho Neto e Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti contra União, foi ajuizada em maio de 2005 e impugnava o modelo contínuo de demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol e pedia, liminarmente, a suspensão dos efeitos da portaria nº 534/2005 do Ministro de Estado da Justiça, bem como do decreto homologatório do Presidente da República, alegando vícios no processo administrativo e argumentando que a reserva em área contínua traria prejuízos para o Estado roraimense, sob aspectos comercial, econômico e social, bem como comprometimento da segurança e da soberania nacionais. Em março de 2009, o STF decidiu pela constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena em questão e determinou as seguintes condições a serem observadas: (i) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, §2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o art. 231, §6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar; (ii) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional; (iii) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando-se-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei; (iv) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira; (v) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados e independentemente de consultas às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI; (vi) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI; (vii) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e educação; (viii) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; (ix) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da FUNAI; (x) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; (xi) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI; (xii) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas; (xiii) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço público, tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não; (xiv) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios (art. 231,§2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei nº6.001/1973); (xv) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativista ( art. 231, §2º, Constituição Federal, c/c art. 18, §1º, Lei nº 6.001/19730; (xvi) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo da riqueza naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI, e 231, §3º, da CF/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros; (xvii) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada; (xviii) os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis (art. 231, §4º, CF/88); e (xix) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observadas a fase que se encontrar o procedimento”.[21]

Assim, em se tratando de faixa de fronteira, a Polícia Federal e as Forças Armadas podem adentrar na Reserva para a realização de operações de segurança e defesa nacional, de modo a garantir e resguardar os interesses e a soberania do Estado Brasileiro.

Dessa forma, a respeitável decisão do STF levou em consideração que área se situava em região de fronteira e por esta razão deve-se obedecer ao disposto contido no art. 20, § 2º, da Constituição Federal, que determina:

“Art. 20 – (…)

§ 2º A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.”

Para tanto, o Decreto nº. 4.412, de 07 de outubro de 2002, dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas Terras Indígenas.

Em função da decisão final do STF, os fazendeiros e terceiros que ocupavam a área, procederam à desocupação da Reserva, mediante o acompanhamento da Polícia Federal.

7 Conclusão.

Conforme pode ser constatado no julgamento do Supremo Tribunal Federal que ação popular, para a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, na fronteira entre o Brasil, Guiana e Venezuela, constatou-se a inexistência de vícios no processo administrativo – demarcatório, bem como foi observado o principio contido nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal do Brasil, bem como da Lei nº 6.001/73 e seus decretos regulamentares, a constitucionalidade e legalidade da Portaria nº 534/2005, do Ministro da Justiça, assim como do Decreto Presidencial homologatório, com o reconhecimento da condição indígena da área demarcada, em sua totalidade, como modelo contínuo de demarcação, vale dizer, constitucionalidade e revelação do regime constitucional de demarcação das terras indígenas.

A Constituição Federal como estatuto jurídico da causa indígena, a demarcação das terras indígenas como capítulo avançado do constitucionalismo fraternal, por inclusão comunitária pela via da identidade étnica, e ao mesmo tempo, consignou no r. decisun, a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, ficando assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI, em observância ao art. 20, §2º, do Constituição Federal, vale dizer, harmonizando, finalmente, e, em complementaridade, os princípios, contidos no art. 231 e 232, CF, (Direito dos Índios) e o art. 20, §2º, CF (Direito União para Defesa Nacional).

Assim, em se tratando de demarcação de Áreas ou Terras Indígenas, tal como ocorreu com a Reserva Raposa Serra do Sol, que tem fronteiras entre o Brasil, a Guiana e a Venezuela, portanto, em faixa de fronteira, consigna-se, não obstante, que tal território, se revela como um enclave dentro do território brasileiro, porém, em face da r. decisão do STF, a Polícia Federal e as Forças Armadas do Brasil, poderão adentrar na Reserva para a realização de operações de segurança e defesa nacional, de modo a garantir e resguardar os interesses e a soberania do Estado Brasileiro.

 

Referências
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Notas:
[1] René Dellagnezze. Soberania – O Quarto Poder do Estado. Cabral Editora e Livraria Universitária. 2011. Taubaté, SP, p.42.
[2] Brasil. Constituição Federal do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm (acesso em 27/04/2015).
[3] FUNAI. http://www.funai.gov.br/index. Php/2014-02-07-13-24-32. Acesso em 07/12/2014.
[4] René Dellagnezze. Soberania – O Quarto Poder do Estado. Cabral Editora e Livraria Universitária. 2011. Taubaté, SP, p.179-182.
[5] Brasil. Lei  nº 6001, de 19/12/1973. Estatuto do Índio. www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm(Acesso em 27/04/2015).
[6] Brasil. Portaria 534/2005, do Ministério da Justiça.
[7] Brasil. Decreto Presidencial de 15/04/2005.
[8] Ricardo D. Rabinovichh-Berkman. Principios Generales Del Derecho Latinoamericano. 2ª Impression. Editora Astrea. Buenos Aires – Argentina – Bogotá- Colômbia. 2013. p.26.
[9] Renato Rabbi-Baldi Cabanillas. Teoría Del Derecho. 3ª ed. Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma. Ciudade  de Buenos Aires. Argentina. 2013, p. 260-261.
[10] Gustavo Zagrebelski. El Derecho Dúctil, Madrid, 1995 (Del Italiano por M Gascón Abellán), p. 110.
[11]Robert Alexy . Una Concepción Teórico-Discursiva de La Razóns Prática. (del alemán por José M. Seña) en El Concepto y La  validez Del Derecho, 2ª Ed. Gedisa, Barcelona, 1997, p.141.
[12] Ronald Duworkin. Taking Rights Seriously. Duckworth, London, 1987, 5ª, caps, II e III.
[13] Gustavo Zagrebelski. Ob. Citada, p. 173.
[14] Karl Larenz. Methodenlehre der Rechtswissenschaft, Sechst, Neubearbeiete, Auflage, Springer Verlag, Heidelberg, 1991, p. 173.
[15] ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2004.
[16] CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1125.
[17] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 998, p. 1126.
[18] ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Baden-Baden: Suhrkamp. 4 ed. 2001, Uma Teoria da Argumentação Jurídica.
[19] ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Baden-Baden: Suhrkamp. 4 ed. 2001, Uma Teoria da Argumentação Jurídica.
[20] 1, 2, 3,  Dworkin, Ronald. Taking Rights Seriously, p. 27 e seguintes, Levando o Direito a Sério.
[21][21] Ana Sinara Fernandes Camilo. O STF, A CONDICIONANTE Nº 17 DO CASO “RAPOSA SERRA DO SOL” E A SUA POSSÍVEL REPERCUSSÃO NA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS NO CEARÁ.
 http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3830.pdf- acesso em 09/12/2014.

Informações Sobre o Autor

René Dellagnezze

Advogado; Doutorando em Direito das Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília UNICEUB; Mestre em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL; Professor de Graduação e Pós Graduação em Direito Público e Direito Internacional Público no Curso de Direito da Faculda de de Ciências Sociais e Tecnológicas – FACITEC Brasília DF; Ex-professor de Direito Internacional Público da Universidade Metodista de São Paulo UMESP; Colaborador da Revista Âmbito Jurídico www.ambito-jurídico.com.br; Advogado Geral da Advocacia Geral da IMBEL AGI; Autor de Artigos e Livros entre eles 200 Anos da Indústria de Defesa no Brasil e Soberania – O Quarto Poder do Estado ambos pela Cabral Editora e Livraria Universitária. Contato: [email protected]; [email protected].

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