Com reflexos observados no Direito de Família, a Alienação Parental exerce influência no contexto psicológico e social do (s) indivíduo (s) atingido (s) por ela.
Certamente, você já ouviu falar de algum caso em que uma criança e/ou um (a) adolescente foi vítima de Alienação Parental (AP) tanto por parte do (a) genitor (a) que tem sua guarda física quanto por aquele (a) que não a tem (ou seja… não convive diariamente no âmbito de igual domicílio).
O artigo 4°, inciso II, alínea “b”, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vislumbra a AP como “violência psicológica”. Ela, em suma, opera sob a ótica da depreciação de um (a) genitor (a) ante o (a) outro (a) e compromete, de forma direta, a construção dos laços de afetividade com a criança e/ou o (a) adolescente.
No Brasil, a Alienação Parental encontra-se positivada na Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. O artigo 2°, de referido documento legal, diz que ela pode ser “[…] promovida ou induzida […]” não somente “[…] por um dos genitores […]”, mas também, “[…] pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”1.
A lei específica indica, ainda, as situações que caracterizam práticas de AP. São elas, conforme o artigo 2°, parágrafo único, incisos I ao VII, da Lei n° 12.318/2010:
Art. 2o – […]
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
(grifo nosso)
Isso posto, você há de se questionar: mas se for observada alguma passagem que se apresente como ato de AP, quais procedimentos podem ser tomados?
Segundo o aponta o artigo 4°, da Lei n° 12.318/2010, “[…] o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso”. Com a declaração do “[…] indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício2, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária […]”.
Síndrome de Alienação Parental (SAP) e Alienação Parental (AP) são a mesma coisa?
Não são, exatamente, a mesma coisa. A Síndrome da Alienação Parental (SAP) se firma por ocasião do acontecimento da Alienação Parental. Ou seja, a SAP é o efeito negativo que se insurge na vida daquele (a) que padece diante dos atos decorrentes da AP.
Segundo Madaleno e Madaleno3, a SAP pode ser entendida como “[…] uma campanha liderada por um genitor, no sentido de programar a criança para que odeie e repudie, sem justificativa, o outro genitor, transformando a sua consciência mediante diferentes estratégias, com o objetivo de obstruir, impedir ou mesmo destruir os vínculos entre o menor e o pai não guardião, caracterizado, também, pelo conjunto de sintomas dela resultantes, causando, assim, uma forte relação de dependência e submissão do menor com o genitor alienante. E, uma vez instaurado o assédio, a própria criança contribui para a alienação”.
Caracterizada como um cenário em que a descompensação emocional dos genitores causa intenso sofrimentos aos filhos, a SAP é um modo de abuso recorrente dentro das ações que envolvem o estabelecimento de pensão alimentícia, tal como exemplifica Madaleno e Madaleno (2021, p. 47)4. Ainda, de acordo com os autores,
“[…]
As crianças são usadas como verdadeiras armas e cada parte acredita ter razão; de um lado, um genitor que alcança os proventos financeiros, mas pouco vê o filho e acaba sentindo-se enganado, esquecido, deixado de lado, acredita ser apenas um provedor sem vínculo emocional com os filhos, o que gera um círculo vicioso de cada vez querer pagar menos e comumente causa um desinteresse na própria criança.
De outro lado, um genitor sobrecarregado com o cuidado da prole, que muitas vezes depende dos valores alcançados, ou que deveriam ser alcançados pelo outro, para sua sobrevivência e dos filhos e que acaba, de forma culturalmente aceita, barganhando e atrelando a convivência do filho com o recebimento da pensão alimentícia.
[…]”
Diante do exposto, cabe destacar os estágios que compõem a SAP e a AP, na visão de Ana Carolina Carpes Madaleno:
“O primeiro estágio é o “tipo ligeiro ou leve”. Aqui a visitação é amistosa, com alguma dificuldade quando se dá a troca dos genitores. A criança demonstra afeto com o cônjuge alienado, mas a campanha de manipulação já existe. […] Um dos comportamentos manifestados pela criança neste estágio é o de mentir para agradar os pais, ou seja, quando a criança está com a mãe ela passa a concordar com ela para agradar, da mesma forma ocorre na companhia do pai.
O segundo estágio, um pouco mais grave, é chamado “moderado ou estágio II médio”. […] Geralmente existe conflito na troca de genitores após os finais de semana. A criança já percebe qual dos pais desenvolve o papel de bom ou mau. Apesar de defender o alienante, a criança ainda consegue em algumas situações defender o genitor alienado. […] Nesse estágio o vínculo afetivo passa a ser afetado, e isso não atinge somente o alienado, mas também a sua família.
No terceiro estágio, “tipo grave ou III grave”, a criança sofre perceptível lavagem cerebral cometida pelo alienador. Aqui a criança já está muito perturbada. As visitas, quando ocorrem, são repletas de ódio. O menor alienado tende a difamar ou agredir o genitor alienado, ou ao contrário, ficam mudas. Não existe diálogo e até tenta fugir. […] O vínculo entre pai e filho é cortado. O genitor alienante demostra uma visão obsessiva, tudo gira em torno da proteção dos filhos. […] o genitor não guardião é mostrado como uma ameaça à criança e ao alienante. Da mesma forma ocorre em relação aos filhos, que passam a ter uma conduta paranoica, geralmente em relação ao pai […]”5.
Observa-se, até aqui, que a trajetória que se desenvolve até a concretização da SAP é permeada de ações que relegam à insignificância dois importantes aspectos que exercem influência na formação (humana e social) da criança e/ou adolescente: direito “ao respeito e à dignidade como pessoas humanas” e “à convivência familiar (e comunitária)”, conforme apontam, respectivamente, os artigos 15 e 19, do ECA.
Nessa seara, é recomendável atenção máxima a toda e qualquer sinal que possa indicar alteração comportamental (como episódios de ansiedade, depressão e agressividade) na criança e/ou adolescente alienado (a). Em dado momento, conseguir angariar os meios de prova para comprovar que houve, de fato, a AP, se mostrará necessário.
Assim, verificada a prática da AP, o juiz poderá adotar, “cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos”, considerando “a gravidade do caso”, de acordo com o artigo 6°, da Lei n° 12.318/2010, estas posturas: “declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; declarar a suspensão da autoridade parental”.
Cabe indenização por dano moral decorrente de Alienação Parental?
Sim, cabe. No entendimento da advogada Vanessa Simonassi, em constatando-se a Alienação Parental, “[…] é possível a responsabilização civil parental por dano moral sofrido pelo menor e, também, pelo genitor/parente alienado, que sofre de forma reflexa as consequências nefastas da prática de tal ato”.
Entendimento jurisprudencial sobre Alienação Parental
Ementa 1: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PEDIDO DE AVALIAÇÃO DE PERÍCIA PSICOLÓGICA E PSIQUIÁTRICA. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. A ALEGAÇÃO DE ALIENAÇÃO PARENTAL SUPOSTAMENTE PRATICADA PELA GENITORA DEVE SER AVERIGUADA EM AÇÃO PRÓPRIA, E NÃO EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, O QUAL SE DESTINA APENAS, COMO O NOME JÁ DIZ, AO CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL PREVIAMENTE ESTABELECIDA. EX VI DO ART. 5º DA LEI 12.318/2010. AGRAVO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 52216205720218217000, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 10-03-2022)
(grifo nosso)
No exemplo trazido na ementa acima, a imposição de se averiguar a Alienação Parental em uma ação própria significa dizer que, a partir do indício da prática do destacado ato, a requerimento da parte interessada, promover-se-á uma ação específica – em separado – a fim de analisar a demanda. Isso tudo, na prática, projeta uma concepção de celeridade processual e torna mais rápida a dinâmica que visa coibir os atos despropositais de alienação.
Ementa 2: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO REVISIONAL DE CONVIVÊNCIA PARENTAL E SUPRIMENTO DE OUTORGA. INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO QUE AUTORIZOU A ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO DA CRIANÇA, A FIM DE ACOMPANHAR A GENITORA, COM QUEM RESIDE. DESCABIMENTO.1. SE A MÃE É QUEM POSSUI A RESPONSABILIDADE DIRETA PELO FILHO, DESDE A SEPARAÇÃO DOS PAIS, POIS EMBORA A GUARDA SEJA COMPARTILHADA A CRIANÇA COM ELA RESIDE, NÃO HÁ RAZÕES PARA IMPEDI-LA DE LEVAR O INFANTE CONSIGO PARA A CIDADE EM QUE IRÁ EXERCER SUAS FUNÇÕES LABORAIS. 2. INEXISTINDO SITUAÇÃO DE RISCO PARA A CRIANÇA OU INTUITO DE ALIENAÇÃO PARENTAL, É LÍCITA A ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO DA CRIANÇA PARA ACOMPANHAR O(A) GENITOR(A) COM QUEM RESIDE, SENDO ATÉ MESMO PRESCINDÍVEL O SUPRIMENTO JUDICIAL DE OUTORGA. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50153826920228217000, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 04-02-2022)
(grifo nosso)
Embora a decisão exposta na ementa 2 seja enfática quanto a ser, “até mesmo”, dispensável o consentimento judicial para que a criança possa mudar de domicílio junto com um de seus (suas) genitores (as), há a necessidade de se analisar, criteriosamente, o impacto que o afastamento gerará na vida do (a) infante e do pai (ou da mãe) que ficará distante. Feito tal procedimento e comprovada cabalmente, por exemplo, a mudança em função de trabalho (priorizando, obviamente, o bem estar do (a) menor), não restará impeditivos e nem irá configurar “mudança abusiva de endereço”.
Contudo, lembre-se do seguinte: o artigo 1.634, inciso V, do Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/2002), diz que “compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: […] conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município”.
Ementa 3: APELAÇÃO CÍVEL – Ação de modificação de guarda – Reconvenção – Acordo entre as partes a respeito da guarda unilateral pela genitora – Sentença de parcial procedência, reconhecendo alienação parental por parte do genitor e fixando regime de visitas – Manutenção – Sentença que se apoiou em estudo psicológico, que foi claro ao reconhecer a alienação parental por parte do autor – Regime de visitas que atende ao retorno gradual do convívio entre pai e filho – Honorários de acompanhante terapêutico que deverão ser custeados pelo autor, alienante, posto que foi quem deu causa a essa necessidade – Recursos não providos. (TJSP; Apelação Cível 1008136-98.2017.8.26.0704; Relator (a): José Carlos Ferreira Alves; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV – Butantã - 2ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 01/04/2022; Data de Registro: 01/04/2022)
(grifo nosso)
Na presente explanação, o foco não será dissertar a respeito das cobranças de honorários suscitada na ementa 3, mas em explicar sobre o papel do Acompanhamento Terapêutico (AT) quando houver circunstância que sacramente a AP.
Dentro do Direito de Família, nos casos em que se firma o acontecimento da Alienação Parental, na opinião da doutora em Direito, Bruna Barbieri Waquim, “[…] o efetivo resguardo do Superior interesse da criança e do adolescente exige que a lei seja ferramenta de reequilíbrio das relações familiares, em uma perspectiva pedagógica e restaurativa que atravessa todo o microssistema da Proteção Integral”. Ou seja, a fim de que aquele (a) alienador (a) não perpetue mais com suas condutas abusivas, é preciso que ele (a) tome ciência da nocividade dos seus atos e busque evoluir rumo ao restabelecimento da relação com a criança e/ou adolescente.
Nessa perspectiva, nas palavras da pesquisadora supracitada, o acompanhante terapêutico pode atuar, inclusive, “[…] na condução das chamadas “visitas assistidas” (que prefiro chamar de “convivência assistida”), que se afiguram de extrema relevância diante dos casos de comunicações de abuso na constância da “disputa de guarda”.
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