Sumário: I. Introdução. II. Entidade especializada. III. Entidade especializada e árbitro. IV. Entidades de Classe. V. Formação estatutária das entidades. VI. Neutralidade, isenção e imparcialidade. VII. Conclusão.
I. Introdução.
Muito se tem falado das instituições voltadas à arbitragem, eis que a própria Lei 9.307/96 se refere a elas e, nesta esteira, foram alvo de denúncia perante os membros do ministério público e ações policiais.
A falta de regulamentação da atividade propicia a existência de tais “instituições”, desprovidas de qualquer formação profissional adequada e que passam a oferecer “vantagens”, se não de atuação criminosas. Tal atitude vem desmerecer um avanço significativo do instituto da arbitragem.
As instituições idôneas não fazem alarde de sua atividade; as criminosas atraem a atenção e divulgação, cujo tema já foi longamente debatido.
No entanto, existem outras no mercado, ofertando o serviço de mediação e arbitragem, que não estão na mira da ilegalidade criminosa, mas permeiam um vício em sua constituição, formação e desenvolvimento, os quais poderão gerar dúvidas e possíveis pedidos de anulação do procedimento arbitral.
É sobre este significativo tema que pretendemos desenvolver alguns pontos para reflexão.
II. Entidade Especializada.
Algumas disposições contidas na Lei de Arbitragem (9.307/96, arts. 5; 10-II; 13-§3; 16-§1; e, 21), fazem remissão à Entidade Especializada ou órgão arbitral institucional.
Ressalva-se que tais denominações merecem maior atenção a propósito da sua nomenclatura e se houve ou não intenção legislativa em distingui-las.
Com o advento da Lei de Arbitragem, a iniciativa de solução de conflitos deixou de ser um monopólio do Estado, outorgando aos particulares a possibilidade de sua resolução de forma extrajudicial, pela via da autocomposição (negociação, conciliação e mediação) ou da heterocomposição (arbitragem).
Em que pese a dicção do artigo 13[1] da Lei de arbitragem, a iniciativa não está isenta de conhecimento, técnica específica e não exime o estudo aprofundado da disciplina, com estipulação de regras processuais adequadas e que assegurem princípios norteadores do direito e da relação processual.
No mesmo momento da edição da Lei de Arbitragem, houve um volume significativo da criação de entidades arbitrais sob as mais variadas denominações, algumas como institutos sem finalidade lucrativa, outras em verdadeira atividade mercantil. Outras tantas, incautas e despreparadas, vislumbram nesta nova atividade uma expectativa de ganho fácil e que, não raras ocasiões se apropriam da boa fé de terceiros em verdadeiro negócio que se torna caso de polícia.
Estas normalmente se apresentam com pomposos nomes sugestivos, com a nítida intenção de levar ao engano pessoas de boa-fé que crêem na justiça. O exemplo disso: “instituições” que distribuem “carteiras de mediadores e juízes arbitrais”, nomeiam “oficiais de justiça arbitral”, determinam a “citação” para formação da arbitragem, usam o brasão, símbolos e distintivos da república, ora de forma dissimulada, ora de forma ostensiva.
Entidade Especializada ou órgão arbitral institucional que a lei faz referencia (artigo 5º) são organizações, com ou sem fins lucrativos, que tem em seu objeto de constituição a atividade de administração processual que levará a solução extrajudicial do conflito, incluindo ou não a mediação, a negociação, a conciliação e a própria arbitragem.
Para tanto basta ter seu ato constitutivo depositado e registrado na forma da lei de registro público, até então sem qualquer outra formalidade adicional, eis que não há qualquer disposição legislativa específica sobre a atuação destas instituições ou mesmo da atividade de árbitro, além daquelas previstas na Lei 9.307/96.
III. Entidade especializada e árbitro
São distintas as figuras da entidade especializada e do árbitro.
O árbitro poderá ser qualquer pessoa que goze da confiança das partes, nomeado pelas partes ou receberá o encargo por indicação da entidade administradora da atividade arbitral, se assim autorizar a convenção (cláusula ou compromisso arbitral).
É importante saber que não será a entidade que decidirá o conflito e que também não determinará o curso do processo, mas sim a pessoa do árbitro escolhido, nomeado e aceito pelas partes.
A este se aplica o disposto no artigo 18 da Lei de Arbitragem[2], bem como as responsabilidades pela reparação de danos causados às partes e equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.
Cabe exclusivamente ao árbitro a condução do processo para formação de seu livre convencimento, culminando na deliberação final pela sentença arbitral irrecorrível. (artigo 18)
IV. Entidades de Classe
A par das entidades autônomas e independentes, outras nasceram no bojo de uma atividade já existente, constituídas a partir de associações de classe e órgão de representação de categoria profissional ou econômica.
Estas instituições, por seus gestores, atentos a esta possibilidade e atendimento de seus interesses (de sua classe), projetaram uma nova atividade a já existente. Criaram, ora no próprio corpo da entidade, outras constituídas sob seu domínio e administração, mas por interposta pessoa (nova pessoa jurídica) suas câmaras de conciliação, mediação e arbitragem.
Faz parecer que, nascida do encontro de interesses específicos, proteção e representação de uma determinada categoria, passaram a negociar direitos antagônicos. Estão, de maneira fundamental e irrefutável, eivados de vício de origem no que tange a condução e deliberação no processo arbitral.
A discussão debruça na possibilidade (ou não) que tal atividade possa ser exercida por entidades ou associações de classe, órgãos de representação de categoria profissional ou econômica, sem que haja qualquer mácula aos fundamentos da arbitragem, ou que a decisão emergida estaria desde o seu início maculada por um vício de origem.
V. Formação estatutária das entidades.
Tais entidades, constituídas a partir da necessidade de representação coletiva, deliberam em seu ato constitutivo fundacional a proteção e representação de seus exclusivos interesses, compreendidos todos aqueles vinculados por atividade econômica ou profissional.
Desenvolvem atividades coorporativas, esportivas, intelectuais, etc. voltadas ao seu público de associados e colaboradores diretos.
Esta formação estatutária, protetiva dos interesses coletivos próprios, são mitigados segundo critérios de negociação, sabido que negociador jamais será um terceiro imparcial.
Como advertido, estas instituições partem de um sectarismo dogmático, fruto de um corporativismo legítimo, porém contraditório à proposição dos princípios da heterocomposição.
VI. Neutralidade, isenção e imparcialidade.
O árbitro, nomeado e validamente constituído para decidir uma controvérsia, deverá assumir uma posição desapaixonada entre os interesses conflitantes e de sua atuação deverá emergir uma decisão de espírito limpo e isento.
Árbitro nomeado por representante da categoria econômica ou profissional vinculada ao objeto do conflito poderá estar desde logo impedido de aceitar o encargo da arbitragem pela suspeição, haja vista que seu dever se vincula aos estatutos da entidade coorporativa que representa ou da qual é associado.
Diferentemente do que ocorre com as comissões de ética e disciplina das entidades profissionais (OAB-CRM-CRC-etc.), que deliberam sobre a conduta ética e profissional frente a atividade regulamentada. Porém, não decidem a controvérsia resultante desta atividade com terceiros, expedindo uma sentença irrecorrível, com força de título executivo judicial.
Seria o caso de conferir ao paciente o direito de indenização pelo erro médico; a devolução de quantia contratualmente estabelecida pela “má” prestação dos serviços contábil; ainda isentar o vendedor do pagamento de comissão pela venda de imóvel intermediado pelo imobiliarista; ou ainda, estabelecer o direito de reparação de dano ao proprietário da obra numa anotação de responsabilidade técnica.
Faz parecer que processo administrado por aqueles atuam como representantes (atividade tipicamente de negociadores), não exercerão um equilíbrio de forças a fim de se alcançar a igualdade das partes frente a relação litigiosa.
Buscar a composição neste equilíbrio de forças, mas sempre como negociadores, parciais, coorporativos, cuja neutralidade, imparcialidade e isenção se encontram vulneráveis.
VII. Conclusão.
Cumpre concluir que as entidades nascidas ou administradas por instituições que representam uma categoria profissional ou econômica não poderão ultrapassar o limite da negociação, podendo ir à mediação do conflito, mas daí a conferir poder de heterocomposição (arbitragem), com a expedição mandamental de sentença irrecorrível poderá suscitar nulidade do processo pela suspeição e impedimento.
A arbitragem resgatou para as partes o poder de decisão, como partícipes do processo decisório, cabendo-lhes a escolha do processo, do árbitro e da regra de direito aplicada, ou somente pela equidade. Num segundo momento, serve como auxiliar do poder judiciário. Porém, o vício de origem poderá trazer maior discussão, agora não sobre o direito material, mas sobre a lisura imparcial e isenta do processo e seu julgamento proferido dentro de uma entidade de classe econômica ou profissional ou a ela vinculado.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Paulo Eduardo Christino Espada
Advogado Especialista em Filosofia Política Jurídica (UEL/PR) – Presidente do Instituto Jurídico Empresarial e d a Câmara de Mediação e Arbitragem de Londrina – Diretor jurídico do CEFIL – Centro de Estudos Filosóficos