Resumo: Procuramos analisar o direito fundamental à saúde do cidadão e seus embates, no que muitos se valem das tutelas de urgência concedidas pelo Poder Judiciário para manter-se vivos. Analisando a jurisprudência de nossos Tribunais, notamos que os operadores do direito têm sido sensíveis e concedido as tutelas urgentes pleiteadas, mormente quando a escusa estatal invoca princípios de direito financeiro, na malfadada desculpa de que não se tem dinheiro. Ora se não se tem dinheiro para manter um cidadão vivo, como se tem para permitir que um deputado ou senador custe aos cofres públicos mais de R$ 100 mil por mês? O que dizer da enxurrada da corrupção? Há algo errado com nosso Brasil.
Palavras- chave: Direito fundamentais- Saúde- Tutela de Urgência- Vida
Abstract: We review the fundamental right to health of citizens and their struggles, as many are utilizing the immediate injunctions granted by the judiciary to keep alive. Analyzing the decisions of our courts, we note that the operators of the right sensitivity and have been granted guardianship cases pled urgent, especially when the state relies excuse principles of financial law, the ill-fated excuse that you do not have money. Now if you do not have money to keep alive a citizen, as we have to allow a deputy or senator can not the public coffers more than $ 100 thousand a month? What about the spate of corruption? There is something wrong with our Brazil …
Keywords: Fundamental law-Health-Emergency Custody-Life
I. INTRODUÇÃOPensar em saúde pública no Brasil é querer aterrorizar-se. Hospitais sucateados, funcionalismo mal remunerado, equipamentos vetustos, atendimento precário, senão ausente, enfim são muitas as mazelas a afligir o cidadão que adoeceu e depende do doentio sistema de saúde oferecido pelo Estado. Em casos de premente necessidade, quando a morte bate à porta, o cidadão acaba buscando guarida no Poder Judiciário, tentando assim permanecer vivo, vez que o Estado não lhe socorre espontaneamente, oferecendo escusas as mais diversas. Hugo de Brito Machado[1], disserta sobre o assunto com singular sensibilidade: “…mesmo sem qualquer comparação com a carga tributária de outros países, é possível afirmar-se que a nossa é exageradamente elevada, posto que o Estado praticamente nada nos oferece em termos de serviços públicos”. Intentamos neste artigo estudar a atuação do Judiciário, como Poder último a socorrer o jurisdicionado quando lhe é negado, pelo Poder Executivo, o direito fundamental à saúde, corolário do direito fundamental à vida. II. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDEAlexandre de Moraes[2], traz à colação a idéia de direito fundamental: “O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais”.
Alexandre concatena as idéias de vida, dignidade, condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, sendo desnecessário dizer que sem saúde tudo resta prejudicado.
A saúde é tratada pela Constituição Federal como um direito social, conforme reza o artigo 6°,[3] verbis: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. O artigo 196 por seu turno traz em seu bojo que: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Os direitos sociais exigem do Estado uma prestação, uma atuação concreta, como ensina Vicente Paulo Barreto:[4]
“[…] dentro de uma interpretação ética dos direitos humanos, fundada em valores intrínsecos à racionalidade humana, deve-se compreender os direitos sociais como direitos essenciais e inafastáveis, por conseguinte fundamentais. A partir dessa eticidade dos direitos humanos, pode-se falar em direitos fundamentais sociais, quais sejam, aqueles que, em vez de serem direitos contra o Estado, se constituem em direitos através do Estado, exigindo do Poder Público certas prestações materiais […]”
As prestações materiais que poderiam ser imaginadas são várias: fornecimento de medicamentos, custear cirurgias, equipar hospitais e postos de saúde com equipamentos modernos, exercer forte atuação preventiva e de vigilância sanitária, difundir ações de prevenção a doenças, entre tantas outras.
Sobre o direito à saúde discorre Maria Cristina Barros Gutiérrez Slaibi[5], acrescentando que a saúde por estar umbilicalmente ligada à vida é um direito superior aos demais. Vejamos:
“O direito à saúde é um dos direitos sociais arrolados no caput do art. 6º da Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, um direito constitucional de todos e dever do Estado, no sentido amplo de Poder Público. Sua aplicação tem eficácia imediata e direta, dispensando a interpositio legislatoris, pois, na verdade, o que está em questão é o direito à vida, à sobrevivência do ser, e esse direito é superior a todos.”
E mesmo quando o estado tem que despender uma vultosa quantia de recursos para tentar restaurar o status quo ante, trazer o indivíduo de volta às suas condições fisiológicas normais, não lhe é lícito negar o tratamento impondo a conhecida escusa da ausência de recursos. Já se ouviu falar que tal numerário fará falta em outras áreas do serviço público, mas esta hipocrisia não pode imperar. Será que o ilustre autor desta assertiva pensaria da mesma forma, se um familiar seu dependesse de oneroso tratamento bancado pelo Estado? Não interessa quem seja o necessitado, o Estado deve proporcionar todos os meios para a recuperação da saúde de todos os seus cidadãos. E recursos existem, o que dizer da enxurrada levada pela corrupção? E do excesso de gastos no Congresso Nacional?
José Afonso da Silva[6] ensina-nos sobre o conceito de vida, e deduzimos que o estado patológico contraria o fluir espontâneo e incessante que é a vida :
“Vida, no texto constitucional (art. 5o, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital) que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando,então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.”
Temas ligados entre si, direito à saúde e direito à vida, ambos direitos fundamentais, unidos também ao conceito de dignidade da pessoa humana, mola mestra da interpretação constitucional. Para Flávia Piovesan[7]:
o valor da dignidade humana – imediatamente elevado a princípio fundamental da Carta, nos termos do art. 1º, III – impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.
Sarlet[8] é brilhante ao discorrer sobre o tema:
“Ao Estado não se impõe apenas o direito de respeitar a vida humana, o que poderá até mesmo implicar a vedação da pena de morte, mas também o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui a razão de ser da própria comunidade e do Estado, além de ser o pressuposto para a fruição de qualquer direito fundamental. Negar ao particular o acesso ao atendimento médico-hospitalar gratuito, ou mesmo o fornecimento de medicamentos essenciais, certamente não nos parece à solução mais adequada.”
Bem assentada está a obrigatoriedade do Estado em prestar uma assistência de à saúde digna. Mas o que fazer quando tal assistência não se faz presente, o que, no Brasil, admitimos apenas no plano teórico e para propiciar um debate doutrinário-acadêmico…
Germano Schwartz[9], nos brinda com a resposta: “[…] a saúde é direito público subjetivo, tornando possível ao cidadão-credor exigir do Estado-devedor a devida prestação sanitária, seja por meio judicial ou administrativo, desde que o Estado não cumpra com o dever a ele imposto”.
III. SOBRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA As tutelas de urgência, de nomenclatura auto-explicativa, relacionam-se fortemente com a noção de tempo, mais precisamente com a premente necessidade que tem a parte impetrante de ver seu petitum rapidamente acolhido, sem o quê haverá perda do objeto. Nestes casos o risco de dano iminente ou de difícil reparação é acentuado.Como bem enfatiza Carreira Alvim[10]: “O princípio do acesso à justiça dá também o tom das tutelas de urgência, em particular das consagradas nos arts. 273, 461 e 461-A do CPC, porquanto não antecipar um provimento tutelar indispensável ao direito da parte é o mesmo que obstaculizar-lhe o acesso à justiça, ou não lhe proporcionar o adequado acesso”. Marinoni[11] insere o conceito de brevidade nas tutelas de urgência: “O processo para ser justo, deve tratar de forma diferenciada os direitos evidentes, não permitindo que o autor espere mais do que o necessário para a realização do seu direito”.
É seguido em seu entendimento por outros doutrinadores, como Tucci[12]:
“Partindo-se do pressuposto de que o fator tempo tornou-se um elemento determinante para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, a técnica de cognição sumária delineia-se de crucial importância para a idéia de um processo que espelhe a realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos”.
Também para o eminente Carnelutti:[13] “El valor que el tiempo tiene en el proceso es inmenso y, em grand parte desconocido. No sería demasiado atrevido parangonar el tiempo a un enemigo contra el cual el juez lucha sin descanso”.
As tutelas de urgência, modalidades de prestação jurisdicional para casos específicos e que demandam pronto atendimento, são amiúde utilizadas para exigir-se do Estado um facere, mormente nas questões relacionadas à área da saúde. Luiz Antonio Nunes [14] as conceitua como “as antecipações parciais ou totais dos efeitos do provimento final”. Na doutrina encontram-se várias classificações de tutelas de urgência, destacando-se a apontada pela Ministra Eliana Calmon:[14]“a) Tutela provisória ou cautelar- busca afastar o embaraço à jurisdiçãob) Urgência presumida- situações específicas estabelecidas pelo legislador (ações possessórias, mandados de segurança, etc)c) Medidas interinais- situações fáticas, no curso da lided) Abuso do direito de defesa- pena (mesmo quando não há perigo de dano, mas pune-se o embaraço ao exercício do direito ou o abuso do direito de defesa)e) Tutela antecipada- antecipa os efeitos da sentença para assegurar a efetividade do direito.” José Carlos Barbosa Moreira[15], exemplifica as tutelas de urgência: “medidas a que, por assim dizer, podemos chamar ‘puramente’ cautelares, como as de produção antecipada de prova; b) medidas incluídas no elenco legal das cautelares, mas produtoras de efeitos antecipados suscetíveis de cessação: v.g., a concessão de alimentos a título provisório; c) medidas também incluídas no elenco legal das cautelares, mas produtoras de efeitos antecipados definitivos; por exemplo: a demolição de prédio em ruína iminente, para resguardar a segurança pública (Código de Processo Civil, art. 888, nº VIII); d) medidas antecipatórias fundadas no art. 273, ou em regra especial inserta em lei extravagante, e desprovidas de índole cautelar: v.g., a imissão do expropriante na posse do bem objeto de desapropriação (Dec.-lei nº 3.365, art. 15)”. Humberto Theodoro Júnior[16] e José Roberto dos Santos Bedaque[17] dividem as tutelas de urgência em duas categorias. Para o primeiro: “a)tutela cautelar- serve para preservar a utilidade e eficiência do futuro e eventual provimento. Exige, basicamente, a demonstração da aparência do direito e o receio fundado de um dano iminente e de difícil reparação.b)antecipação da tutela- por meio de liminares ou medidas incidentais, permite à parte, antes do julgamento definitivo de mérito, usufruir, provisoriamente, do direito subjetivo resistido pelo adversário. Exige da parte a prova inequívoca tendente a um imediato juízo de verossimilhança, além do perigo de dano iminente, ou, alternativamente, o abuso de direito de defesa por parte do réu (art. 273).” Já para Bedaque: “Poderíamos até mesmo elaborar a categoria de tutelas urgentes ou sumárias e dividi-las em cautelares e não-cautelares, reservando àquelas apenas os provimentos de caráter puramente conservativo, como o arresto e o seqüestro. As tutelas sumárias e provisórias, mas de conteúdo antecipatório, seriam espécie do gênero tutela de urgência”. A visceral importância das tutelas de urgência é ressaltada por Ada Pellegrini Grinover[18]:
“O procedimento ordinário de cognição, tradicionalmente tomado como base e ponto central do ordenamento processual, foi sendo corroído por novas posturas, preocupadas com a efetividade da tutela jurisdicional e com um processo de resultados.
[…]observou-se que o modelo tradicional de procedimento ordinário é inadequado para assegurar a tutela jurisdicional efetiva a todas as situações de vantagem. O procedimento ordinário de cognição não pode mais ser considerado técnica universal de solução de controvérsia, sendo necessário substituí-lo, na medida do possível e observados determinados pressupostos, por outras estruturas procedimentais, mais adequadas à espécie de direito material a ser tutelado e capazes de fazer face às situações de urgência”.
Para Ovídio A. Baptista da Silva[19]:“Se suprimíssemos de um determinado ordenamento jurídico a tutela da aparência, impondo ao julgador o dever de julgar somente após ouvir ambas as partes, permitindo-lhes a produção de todas as provas que cada uma fosse capaz de trazer ao processo, certamente correríamos o risco de obter ao final da demanda, uma sentença primorosa em seu aspecto formal e assentada em juízo de veracidade do mais elevado grau, que, no entanto, poderia ser inútil sob o ponto de vista da efetividade do direito reclamado. O que ganhássemos em segurança teríamos perdido em efetividade.”
O Supremo Tribunal Federal, defende que ante a inércia do Poder Público em oferecer uma vida digna aos cidadãos, cabe ao Poder Judiciário, constranger a Administração a fazê-lo, conforme se depreende da análise do julgado abaixo esposado:
“Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado — e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico —, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.” (ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04 – grifei).
IV- A JURISPRUDÊNCIA. AS TUTELAS DE URGÊNCIA. A OMISSÃO DO ESTADO E O DIREITO À SAÚDE.Pesquisando a jurisprudência de nossos tribunais, nota-se quão freqüente é o uso das tutelas de urgência pelas pessoas que buscam saúde, concebida esta nos seus mais variados matizes. No agravo regimental relatado pelo Ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu-se tutela antecipada à parte, consistente no fornecimento de medicamentos, vez que presente severo risco de morte. Senão vejamos:“AgRg no REsp 1072934 / MGRelator Min. Benedito GonçalvesData de Julgamento: 05/03/2009EMENTAADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO SUS. JUNTADA DE DOCUMENTO NOVO AO LONGO DO FEITO E SOBRE O QUAL SE FUNDOU O JULGADOR A QUO PARA FORMAR SUA CONVICÇÃO. CONTRADITÓRIO POSTERIOR AO DEFERIMENTO DA TUTELA. NULIDADE INEXISTENTE NO CASO ESPECÍFICO DOS AUTOS. IMINENTE PERIGO DE MORTE. PRESENÇA DA VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E NECESSIDADE DE URGÊNCIA NA CONCESSÃO DO PROVIMENTO. ART. 273 DO CPC. (grifo nosso)1. Pretende-se o desentranhamento dos autos dos documentos trazidos à colação pela recorrida, seja pela extemporaneidade de sua juntada, seja pela ausência de contraditório.2. A juntada de documentos novos é possível a qualquer momento durante a tramitação do processo. Em que pese, de fato, o julgado singular tenha-se baseado nos documentos sobre os quais não teve prévia vista da parte adversa, considerando as peculiaridades específicas dos autos, de iminente risco de vida da autora, não é de ser proclamada a nulidade. A uma, por se tratar de tutela antecipada e presentes os seus requisitos autorizadores, consubstanciados no risco de lesão grave e verossimilhança do direito alegado, pode ela ser requerida, concedida e/ou revogada a qualquer momento, no curso da lide, e independentemente da audiência do réu. A duas, porque, mesmo tendo o deferimento da antecipação da tutela sido embasado em documento novo trazido aos autos, posteriormente o agravante teve a oportunidade de se manifestar acerca de tal prova e optou por não impugná-la quanto ao seu conteúdo. E, por último, a prova juntada aos embargos declaratórios (relatório médico) tratava do grave estado de saúde atual da autora e poderia não ter mais utilidade se a prestação jurisdicional se desse tão somente após a intimação da parte adversa para se manifestar nos autos.3. Agravo regimental não-provido.” No julgado relatado pelo Ministro Luiz Fux (STJ), houve a possibilidade de bloqueio de verbas públicas, haja vista que o fornecimento de medicamentos pelo Estado não foi feito, mesmo tendo havido decisão judicial em antecipação de tutela neste sentido. Assentou-se prevalecer o direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana em detrimento de princípios de direito financeiro e administrativo. Medicamentos existem que atingem valores de mercado impensáveis para a maioria dos brasileiros. Veja-se a decisão:“AgRg no REsp 1002335 / RSRelator Min. Luiz FuxData do Julgamento: 21/08/2008EMENTAPROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA.POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA. (grifo nosso)1. O art. 461, §5.º do CPC, faz pressupor que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a “imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”, não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o seqüestro ou bloqueio da verba necessária ao fornecimento de medicamento, objeto da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável.2. Recurso especial que encerra questão referente à possibilidade de o julgador determinar, em ação que tenha por objeto o fornecimento do medicamento RI-TUXIMAB (MABTHERA) na dose de 700 mg por dose, no total de 04 (quatro) doses, medidas executivas assecuratórias ao cumprimento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor da recorrente, que resultem no bloqueio ou seqüestro de verbas do ora recorrido, depositadas em conta corrente.3. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante. (grifei)4. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. Não obstante o fundamento constitucional, in casu, merece destaque a Lei Estadual n.º 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõe em seu art. 1.º: “Art. 1.º. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recurso indispensáveis ao próprio sustento e de sua família. Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente.” (grifei)5. A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana. (grifei)6. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.7. In casu, a decisão ora hostilizada importa concessão do bloqueio de verba pública diante da recusa do ora recorrido em fornecer o medicamento necessário à recorrente.8. Por fim, sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori serem, também, entregues, por ato de império do Poder Judiciário.9. Agravo Regimental desprovido.”O Superior Tribunal de Justiça tem demonstrado grande sensibilidade nas causas envolvendo o direito fundamental à saúde. No julgado abaixo, relator o Ministro Teori Albino Zavascki, o Poder Judiciário foi provocado a obrigar o Estado a pagar despesas com tratamento médico de menor em tutela antecipada. Prevalece o direito à saúde em face dos interesses financeiros do Estado. Leia-se:
“REsp 901289 / RS
Relator Min. Teori Albino Zavascki
Data do Julgamento: 04/09/2007
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. PAGAMENTO DE DESPESAS COM TRATAMENTO MÉDICO DE MENOR PELO ESTADO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. PRECEDENTES. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇÃO AO DEVEDOR (CPC, ARTS. 273, §3º E 461, §5º). BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. CONFLITO ENTRE A URGÊNCIA NO TRATAMENTO E O SISTEMA DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (grifei) Neste agravo regimental o Superior Tribunal de Justiça entendeu possível o bloqueio de verbas públicas, necessárias a realização de procedimento cirúrgico, vez que o Estado, novamente, descumpriu decisão judicial de antecipação de tutela. Abaixo a ementa da decisão:“AgRg no REsp 880955 / RSRelator Min. Luiz FuxData do Julgamento: 02/08/2007PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA”.(grifei) No Supremo Tribunal Federal o debate também é sentido. O ministro Celso de Mello, em julgado tecnicamente muito completo, mas que brilha mais elevado pela conotação sensível, pela humanidade aflorada, qualificou o direito à saúde como direito de todos e indissociável do direito à vida, não podendo o Estado ser indiferente a ele. Vejamos a ementa:“RE 271286 AgR / RS
Ag.Reg.no Recurso Extraordinário
Relator(a): Min. Celso de Mello
Julgamento: 12/09/2000 Órgão Julgador: Segunda Turma
E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS – PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS -DIREITO À VIDA E À SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS – DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) – PRECEDENTES (STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. – O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. – O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. – O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. – O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.” (grifei)
V. CONCLUSÃO
As tutelas de urgência, em suas mais diversas modalidades, são meios assecuratórios da pronta prestação jurisdicional àqueles que têm necessidade urgente de receber o bem da vida que peticionam. O transplantado que depende do medicamento para manter vivo o órgão que recebeu após, regra geral, anos de dolorosa espera na fila, não pode esperar. A demora rejeita seu órgão e a esperança em uma vida digna. O aidético não pode aguardar os medicamentos retrovirais que bloqueiam o avanço do vírus HIV, sob pena de rápido e sofrido perecimento. O paciente de câncer não pode se conformar com a cirurgia no futuro, para ele é necessário viver o presente, a cirurgia é uma realidade iminente, sem o que pode ser tarde demais. Para todos eles, resta à esperança na sensibilidade humana dos administradores públicos, e ausente esta, buscar amparo no Poder Judiciário através das tutelas de urgência, derradeira batalha na luta para manter acesa a chama da vida.
Informações Sobre o Autor
André Ricardo Dias da Silva
Delegado de Polícia Federal, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal, Especialista em Dieito Público, Mestrando em Direito