Entre ricos e pobres: Ensaio sobre a desigualdade social

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Resumo: O ensaio a seguir busca as origens das desigualdades sociais como ponto inicial para o entendimento das teorias que permeiam a tentativa de alcançar uma sociedade mais justa e igualitária. A pesquisa e o levantamento de dados foram realizados principalmente por meio de revisão bibliográfica, analisados artigos, livros e documentários. Para isso, tem-se como base o livro “Ética prática” de Peter Singer e seu projeto de equilíbrio que é aludido por diversos estudiosos como Nozick e Pogge. Tenta-se, basicamente, entender se essa teoria é possível, tendo em vista que envolve a aceitação e benevolência de uma classe social que, essencialmente, é egoísta, assim como a sociedade no geral. A pesquisa resultou satisfatória e nos leva á conclusão que amenizar a desigualdade social é tarefa claramente Estatal, não excluindo, porém, a participação dos cidadãos que são peças fundamentais na solução do problema exposto.[1]


Palavras-chave: riqueza, pobreza, desigualdades, peter nozick, divisão.


Abstract: The following essay seeks the origins of social inequality as a starting point for understanding the theories that underlie the attempt to achieve a more just and egalitarian society. The research and data collection were carried out mainly through literature review, reviewed articles, books and documentaries. For this, it has been based on the book “Practical Ethics” by Peter Singer and your project balance which is alluded to by many scholars as Nozick and Pogge. We try to basically understand whether this theory is possible, given that involves the acceptance and grace of a social class that is essentially selfish, as well as society in general. The research resulted in satisfactory and leads to the conclusion that social inequality is to ease the task clearly State, not excluding, however, citizen participation that are fundamental in solving the stated problem.


Keywords: wealth, poverty, inequality, peter nozick, division.


Sumário: 1. Origem da diferença; 2. A visão de Peter Singer; 3. A visão de Robert Nozick, Locke e Garret Hardin; 4. Pensamento comum; 5. Conclusão; 6. Referências.


1. Origem da diferença entre ricos e pobres.


Na obra “Manifesto Comunista” de Karl Marx e Friedrich Engels propõe-se a exposição de princípios do chamado socialismo científico, representados pelo materialismo histórico, mais-valia, luta de classes e revolução socialista. Interessa aqui, a ideia de luta de classes, segundo a qual existe um confronto entre as partes (aqueles que mandam em contraposição àqueles que obedecem), visto que possuem objetivos diferentes. Na Idade Antiga, contrastavam-se cidadãos e escravos; na Idade Média, senhores e servos; na Idade Moderna, nobreza, burguesia e camponeses; e na Idade Contemporânea, os operários e burgueses.


É nesse contexto que Teresa Sales no artigo “Raízes da desigualdade social na cultura política brasileira”, tenta mostrar que o princípio dessas discrepâncias está na continuidade de padrões de mando e subserviência. Realmente, não se pode duvidar da lógica dessa hipótese, tendo em vista que sempre existiram pessoas para ordenar e pessoas para obedecer, até mesmo nas relações cotidianas mais simples da família. É válido, portanto, estender a ideia de Teresa, do contexto do Brasil para toda a história da vida humana e do mundo.


David S. Landes, historiador econômico, também analisou as raízes das desigualdades na obra “A riqueza e a pobreza das nações”. A partir dos estudos dos motivos que levaram ao fracasso ou ao sucesso de algumas nações, o autor chegou à conclusão de que o foco no trabalho e no saber foram essenciais para o desenvolvimento pelo fato de impulsionar a produtividade. Os lugares que se alertaram para essas necessidades, obviamente, alcançaram um nível de grandiosidade incomparável, o que acabou dando força para o aparecimento das diferenças sociais.


2. Visão de Peter Singer


“Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho finíssimo, e se banqueteava magnificamente todos os dias. Havia também um pobre mendigo chamado Lázaro, que jazia coberto de úlceras à porta do rico, e que bem quisera saciar-se com as migalhas que caíam da mesa deste, mas ninguém lhas dava; e os cães vinham lamber-lhe as chagas. Ora, aconteceu que o mendigo morreu e foi transportado pelos anjos ao seio de Abraão. O rico morreu também e teve o inferno por sepultura. Quando este, dentre os seus tormentos, levantou os olhos e ao longe viu Lázaro no seio de Abraão, disse em gritos estas palavras: Pai Abraão tem piedade de mim e manda-me Lázaro para que, molhando n’água a ponta do dedo, me refresque a língua, pois sofro tormentos nestas chamas. Abraão, porém, lhe respondeu: Filho lembra-te de que recebeste bens em tua vida e de que Lázaro só teve males; por isso ele agora é consolado e tu és atormentado. Demais, grande abismo existe entre nós e vós de modo que, os que querem passar daqui para vós não o podem, nem os de lá passar para nós. Replicou o rico: – Pai Abraão, eu te suplico então, que o mandes à casa de meu pai, onde tenho cinco irmãos, para lhes dar testemunho destas coisas, a fim de que eles não venham a cair neste lugar de tormentos. Abraão lhe retrucou: Eles têm Moisés e os profetas; que os escutem. Não, Pai Abraão, insistiu o rico, se algum dos mortos lhes for falar, eles farão penitência. Se não escutam nem a Moisés nem aos profetas, retorquiu Abraão, não acreditariam do mesmo modo, ainda que algum dos mortos ressuscitasse”. (Lucas, 16 :13-31).


A parábola acima faz uma crítica à sociedade estratificada na qual os ricos desfrutam da tranquilidade enquanto os pobres sofrem ao lutar pelo mínimo de condições de sobrevivência. A resolução, segundo consta na leitura bíblica, seria desse modo, buscar um equilíbrio em que ocorra uma partilha de bens entre todos.


Desfrutando dessa mesma perspectiva, Peter Singer, filósofo e professor australiano, faz um estudo acerca da riqueza e da pobreza basicamente através da ótica da fome no mundo, comprovando que os poderosos dispõem de uma quantidade de cereais cinco vezes maior que os mais fracos. Tendo esses dados em vista, elabora uma teoria que tenta provar que as diferenças existem porque as pessoas são, na essência, egoístas demais. Se uns possuem em excesso e outros sofrem com a falta, então é natural que se pense que a solução seria procurar um equilíbrio no qual houvesse uma transferência de recursos dos estratos superiores para os estratos inferiores. Muitas pessoas possuem o básico para sobreviver e manter um padrão de vida considerado normal e confortável.  Mas há, também, os que gastam com roupas de luxo, restaurantes caros, aparelhos de som e celulares de última geração. A proposta seria, então, eliminar essas mordomias.


Corroborando com o pensamento de Singer, Thomas Pogge acredita que a pobreza absoluta (pobreza nos limites da existência) existe por culpa dos mais ricos que acabam criando mecanismos para que os menos favorecidos não ultrapassem essa linha divisória entre o paraíso e o inferno. Ao descobrir quem são os responsáveis pela geração dessas diferenças, Thomas elabora uma teoria corretiva que se traduz na obrigação moral de ajudar. Para Pogge, seria necessário a criação de uma ordem social mais justa na qual todos tivessem acesso às mesmas oportunidades de crescer, pois são as injustiças as responsáveis pelas desigualdades. Mas será, no entanto, que só os ricos devem ser recriminados? Quando o governo não aplica corretamente o dinheiro em saúde e educação ele também favorece o ambiente para o aumento da pobreza. A teoria de Peter, dessa forma, tem o dever de ser mais abrangente e procurar todos os culpados.


Parece, à primeira vista, uma saída genial ao problema das desigualdades existentes entre ricos e pobres. Mas, ao mesmo tempo, é impossível não pensar que a proposta soa utópica demais quando se leva em conta que sua completa efetivação depende, de certo modo, do altruísmo de boa parte da população que, conforme explanado por Peter, é, consideravelmente, egoísta.  Soa ainda mais utópica se trazida para o contexto brasileiro, no qual persiste, segundo Raymundo Faoro, uma cultura patrimonialista, derivada de uma formação histórica e que determina ainda hoje padrões de comportamento. Roberto da Matta já afirma que o Brasil é dualista, “é uma sociedade interessante, é moderna e tradicional. Combinou, no seu curso histórico e social, o indivíduo e a pessoa, a família e a classe social, a religião e as formas econômicas mais modernas”, nós somos desiguais pela nossa construção histórica e cultural que se caracteriza pelo gostar das distinções, nós gostamos da diferença entre ricos e pobres, entre altos e baixos, nós gostamos de poder nos mostrar-nos superiores pelo menos em alguns aspectos.  Segundo Da Matta:


“a sociedade brasileira não poderia ser entendida de modo unitário, na base de uma só causa ou de um só princípio social. Ao contrário, dos domínios que tomamos para estudo e investigação, todos se revelaram como que possuídos por uma lógica comum. Uma lógica que chamei de relacional e que na política aparece com o nome de negociação e conciliação. Que no mundo econômico surge na curiosa combinação de uma economia altamente estatizada com uma iniciativa privada vigorosa e ainda importante. Que na religião aparece com a intrigante mistura de catolicismo com religiões afro-populares. E que na cosmologia em geral aparece sob uma certa ânsia de criar personagens intermediários, gente que pode permitir a conciliação de tudo o que a sociedade mantém irremediavelmente dividido por um movimento inconsciente”. (Da MATTA, p80. 1986)


Esse não é, no entanto, o único argumento contrário ideia de Singer.


3. Visão de Robert Nozick, Locke e Garret Hardin


Robert Nozick, renomado filósofo norte-americano, ao criticar John Rawls no que se refere à ideia de redistribuição de riquezas, acabou elaborando uma outra teoria conhecida por “teoria da justiça como titularidade legítima”. Segundo Nozick, a tentativa de concretizar uma divisão igualitária acaba transgredindo direitos que, teoricamente, deveriam ser invioláveis, como a propriedade privada por exemplo. Afirma, ainda, que o Estado teria um poder mínimo que, de modo algum, poderia interferir na vontade das pessoas de doar ou não os seus bens que foram alcançados de modo legítimo. Caso o Estado o fizesse, teria que utilizar do “benefício” da força, o que mancharia toda a auréola e glória revestidas na ideia de ajudar o próximo.


Locke, por sua vez, compartilha do mesmo pensamento de Robert Nozick ao afirmar que, se o homem trabalha, agindo e esforçando-se para retirar algo da natureza, então é esperado que aquilo que foi retirado pertença ao homem. John Locke, portanto, acredita na teoria da justiça como titularidade legítima.


 Contudo, o projeto de Peter Singer apresenta falhas ao propor que todos têm a obrigação de evitar uma desgraça caso nada de valor moral comparável esteja comprometido. No entanto, percebe-se que incentivar o egocentrismo, como faz Nozick, só agrava o problema que está sendo tratado e, indiretamente, tentando-se resolver.


Garret Hardin ao referir-se ao “bote salva-vidas”, pretende dizer é que se as pessoas comuns se propuserem a ajudar, estarão reforçando e contribuindo para a já constatada apatia do governo. Seria como um pai, que sempre ajuda o filho, não permitindo que ele amadureça logo. A criança vai achar que sempre terá auxílio da família e, portanto, não buscará crescer, evoluir, tornar-se independente. E, supondo que as pessoas se abstenham da caridade, o que ocorreria? Novamente, assim como no caso de Nozick, as desigualdades só se acentuariam, os ricos ficariam mais ricos e os pobres ficariam mais pobres. Parece clichê, mas, de fato, se ninguém se dispuser, o que era ruim ficará bem pior, podendo alcançar um nível irreversível. O Estado, desse modo, deve fazer-se mais presente e efetuar o dever que lhe é incumbido ao invés de depender do povo.


4. Pensamento comum


É concebível pensar que o problema das desigualdades sociais envolvendo ricos e pobres pode ser resolvido com uma simples redivisão de bens. Aqui, então, de novo, surge o conceito de utopia quando se leva em conta o que os mais ricos acham de se desfazer de suas riquezas em prol de outras pessoas.


Um primeiro pensamento que, provavelmente, poderia vir à tona seria: quem são esses “outros” que serão ajudados? Aliás, será que eles receberão mesmo algum tipo de auxílio? A ideia de deixar de fazer uma viagem para o exterior somente para prestar assistência a um desconhecido é, no mínimo, pouco lógica. Quem ajuda gosta de saber quem será o alvo, gosta de ver o rosto para, só então, poder sentir mais aflorada a emoção de ser responsável, talvez, até por salvar uma vida. Será que deixar de contribuir porque não se sabe quem são os envolvidos é correto? Uma grávida que deve esperar nove meses para conhecer o filho, deveria, por isso, não amá-lo ou deixar de tomar os devidos cuidados?


Claro que as pessoas comuns não são as responsáveis diretas pelas desigualdades e, portanto, não têm o dever moral de reverter a situação. Mas Jesus Cristo também não tinha obrigação alguma de morrer na cruz para salvar seus filhos e mesmo assim o fez e, até hoje, é adorado por seu ato de compaixão e amor.


Outro ponto a ser destacado é a diferença entre matar e deixar morrer.  Alguém pode pegar uma arma, atirar em uma pessoa e, por fim, matá-la. Pode, também, encontrar um vizinho passando mal, não fazer nada e, portanto, deixá-lo morrer, até porque talvez ele possa não morrer. Ou então, uma outra pessoa poderá salvá-lo. Essa diferença, aos olhos de Peter Singer, contudo, vai além, visto que envolve aspectos relacionados à riqueza e à pobreza. Grande parte das pessoas acha que matar é, moralmente, mais condenável. Todavia, no fim de tudo, ou matando ou deixando morrer, o resultado não é a morte? Então por que essa diferença entre “ruim” e “não tão ruim” se o desfecho é o mesmo? A vida deve ser zelada em qualquer circunstância, não importa como e muito menos com quem.


CONCLUSÃO:


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Entende-se que a proposta de Peter Singer de haver uma transferência de riquezas dos estratos superiores para os estratos inferiores seria incontestável se não envolvesse a benevolência das pessoas. Não ajudar parece ser mais fácil quando se leva em conta, por exemplo, a exigência do alto padrão para doação e o fato de a contribuição ser tarefa do governo.


Por isso, Robert Nozick e John Locke atacam a teoria de Peter. Eles pensam ser injusto incentivar ou, até mesmo, obrigar, uma pessoa a doar algo que é fruto do trabalho legítimo. Até mesmo porque parece impossível conseguir o apoio de todas as pessoas nessa tarefa altruísta.


É notório então o fato de não existir teoria perfeita e exata para por um fim às desigualdades.  O que pode ser feito é tentar amenizar essas diferenças apelando ao bom senso de todos, já que violaria o direito à propriedade tentar obrigar alguém a dar algo que lhe pertence. Cabe ao Estado Democrático de Direito, o qual ainda guarda muitas características do Estado do Bem Estar Social (Welfare State) responsável pelo bem-estar de todos, atentar ao seu dever de procurar proporcionar uma boa qualidade de vida e cabe aos cidadãos a busca efetiva, junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Principalmente Judiciário, de seus direitos dignamente estabelecidos na Carta Maior.


 


Referências:

LANDES, David S. Riqueza e a pobreza das nações. Tradução de Lucínia Azambuja Gradiva. Editora Campus, 2001.

SALES, Teresa. Raízes da desigualdade social na cultura brasileira. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, São Paulo. Disponível em: < http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_25/rbcs25_02.htm>.  Acesso em: 14 de novembro de 2011.

MAIA, Diana. Aplicar a ética: a questão da pobreza absoluta. Universidade do Minho, Repositório Institucional (Repositórium), 2004. Disponível em: < http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/919/8/05%20TESE.pdf>. Acesso em: 14 de novembro de 2011.

CAMPANTE, Rubens Goyatá. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 46, n° 1, 2003, PP. 153 a 193.

DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil. Rocco, Rio de Janeiro, 1986.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1994.

 

Notas:

[1] Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Nelson Juliano Cardoso Matos


Informações Sobre os Autores

Lanna Raíssa Soares Costa

Acadêmica de Direito na Universidade Federal do Piauí

Joel Coelho Ferreira Portela

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Piauí. Membro do núcleo de pesquisa sobre direito, democracia e republicanismo-República coordenado pelo Doutor Nelson Juliano Cardoso Matos. Membro do Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Direitos Humanos e Cidadania-DiHuCi, subgrupo de estudos Socioambientais, coordenado pela Doutora Maria Sueli Rodrigues. Bolsista em Iniciação Científica Voluntária (ICV) pela Universidade Federal do Piauí, com a linha de pesquisa centrada no tema Judicialização da Política


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