Resumo: Este artigo tem com objetivo o estudo sobre nova técnica de estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, instituto jurídico trazido pelo novo Código de Processo Civil que busca efetivar direitos diante da inércia da parte ré.
Abstract: This article has the objective to the study of new injunctive relief stabilization technique granted in previous character, legal institution brought by the new Civil Procedure Code which seeks to carry out rights against the inertia of the aft part .
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Tutela provisória. Estabilização da tutela provisória concedida em caráter antecente.
Keywords: Civil Procedural Law . Interim protection . Stabilization of the interim relief granted in antecente character.
Sumário: 1. Notas introdutórias sobre a tutela provisória à luz do novo Código de Processo Civil. 2. Tutela antecipada requerida em caráter antecedente 3. Estabilização da tutela antecipada.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE A TUTELA PROVISÓRIA À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O instituto jurídico da antecipação da tutela foi significativamente inovado com a vigência do novo Código de Processo Civil. Inicialmente, nota-se a modificação da nomenclatura, denomina-se, agora, como gênero a TUTELA PROVISÓRIA, constante no Livro V, em que são espécies a tutela de urgência (cautelar e antecipada) – arts. 300 e ss – e a tutela de evidência – art. 311.
O presente artigo se restringirá a análise da tutela provisória de urgência, especificamente, a tutela antecipada, expondo análises sobre a possibilidade trazida pelo novo código de ritos processuais de estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, não havendo a interposição do processo principal.
O instituto processual jurídico da tutela provisória de urgência consiste na prerrogativa que possui a parte em pleitear a antecipação dos efeitos executivos de seu pedido, desde que preenchidos determinados requisitos legais, a fim de assegurar seu direito, eis que a espera de todo o trâmite processual até a prolação da sentença pode causar-lhe danos irreparáveis ou de difícil reparação.
A tutela provisória de urgência, em regra, é concedida com fulcro em cognição sumária, ou seja, o juiz não dispõe de todos os elementos de convicção para decidir em juízo de certeza o direito da parte, no entanto, existe o juízo de probabilidade, uma aparência de que esse direito exista. Excepcionalmente, a tutela provisória pode ser concedida em sede de cognição exauriente, no bojo da prolação da sentença, antecipando os efeitos executórios da decisão definitiva, enquanto não se dá o seu trânsito em julgado.
O CPC de 2015 também inovou quando estabeleceu, em seu art. 294, parágrafo único[1], a possibilidade de requerimento da tutela provisória de urgência ode ser concedida em caráter antecedente ou incidente em relação ao trâmite do processo principal.
Na realidade, o que se observa na prática forense é que as tutelas provisórias são requeridas, na maioria das vezes, de forma incidental, concomitantemente com o ajuizamento da demanda e, geralmente, são pleiteadas sem que ainda tenha ocorrido a citação do réu, como forma de garantir a efetividade da medida, denominada, nesta situação, como liminar, por razão meramente topológica.
Faz-se oportuno destacar que quando o magistrado concede a tutela provisória, não está antecipando a tutela pleiteada pela parte autora, mas sim antecipando os efeitos executórios do pedido, como forma de assegurar o direito vindicado, tanto que a efetivação da medida seguirá o rito da execução provisória de sentença.
O art. 300 do CPC-2015[2] elenca os requisitos exigidos para a concessão da tutela provisória de urgência, quais sejam probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Para além desses requisitos, ao analisar o caso concreto, o magistrado verificar se a medida requerida é reversível, pois do contrário não será concedida a tutela provisória, à luz do disciplinado no art. 300, § 3º, do CPC. Ainda, poderá exigir caução real ou fidejussória da parte autora, a fim de resguardar futuros danos em razão da concessão da medida, em juízo de probabilidade, a qual poderá ser dispensada se comprovar sua hipossuficiência (art. 300, § 1º, do CPC).
Quanto aos citados requisitos, o novo Código de Processo Civil unificou-os tanto para a tutela antecipada quanto para a tutela cautelar, superando a tênue distinção que o antigo diploma estabelecia.
Nesse sentido, o Enunciado 143 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), assim dispôs:
“A redação do art. 300, caput, superou a antiga distinção entre os requisitos da concessão da tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo da demora a requisitos comuns ara a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada”.
Ressalte-se que, em razão de seu caráter provisório, a decisão que concede a tutela provisória pode ser modificada a qualquer tempo, quando do surgimento de novas provas que modifiquem a existência da probabilidade do direito da parte requerente. Ademais disso, ela deixará de existir quando proferida a tutela definitiva, eis que esta será pautada em juízo de certeza, o qual se almeja nas decisões judiciais definitivas, garantindo a imparcialidade do julgado, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, e a segurança jurídica.
2. TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE
Em que pese a própria nomenclatura do instituto da “tutela antecipada”, por meio do pedido da antecipação da tutela, não se antecipa propriamente a tutela vindicada na inicial, mas seus efeitos práticos, no intuito de resguardar a concretização do próprio direito na esfera jurídica de seu titular.
Conforme ensinamento do jurista Daniel Amorim Assumpção Neves[3]:
“A antecipação é dos efeitos práticos que seriam gerados com a concessão definitiva da tutela pretendida elo autor e não da tutela jurisdicional em si. Portanto, não se antecipa a tutela constitutiva ou declaratória da mesma forma não se antecipa a tutela condenatória, mas sim os efeitos que essas tutelas geram no plano dos fatos”.
Conforme já dito acima, o CPC-2015 inovou ao prevê a possibilidade de concessão da antecipação de caráter antecedente. Assim, quando a necessidade de antecipar os efeitos da tutela se der de forma contemporânea à propositura da ação, o autor pode limitar seu pedido ao requerimento de antecipação de tutela, apenas fazendo referência ao futuro pedido principal (tutela final), com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo (art. 330, caput[4]).
Neste ponto, faz-se necessário proceder algumas notas de caráter procedimental do instituto.
Assim, ao analisar o pedido de antecipação de tutela antecipada, se o juiz indeferi-lo, caberá ao autor emendar a petição inicial, no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e o processo ser extinto sem resolução de mérito (art. 303, § 6º, do CPC). A referida decisão de indeferimento é impugnável por agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, I, do CPC.
Por outro lado, se concedida a antecipação de tutela, dispõe o art. 303, § 1º, do Código de Processo Civil, que o autor deverá emendar a petição inicial, podendo complementar os seus argumentos já apresentados, juntar novos documentos e renovar seu pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar.
Logo após, o réu deverá ser citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação (art. 334 do CPC) e, não havendo autocomposição, começará a transcorrer o prazo para a apresentação da contestação.
Em que pese o novel código elencar o referido procedimento quando da concessão da tutela, o mesmo traz em seu art. 304 o instituto da estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, ou seja, os efeitos requeridos e concedidos se estabilizarão quando não for interposto qualquer recurso em face da referida decisão, sendo, logo após, o processo extinto, sem a necessidade de emenda e trâmite do processo principal para prolação de uma tutela final. O recurso acima aludido, refere-se ao agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC), o qual possui o prazo de 15 (quinze) dias.
Nestes termos, parte da doutrina entende que houve um conflito estabelecido pelo legislador, pois diante da possibilidade de estabilização da tutela antecipada, prevista no art. 304, desnecessário seria a emenda à inicial exigida pelo art. 303, § 1º, do CPC.
Diante de tal circunstância, assim se posiciona Daniel Amorim Assumpção Neves[5]:
“A solução é seguir a literalidade do art. 303, § 1º, II, do Novo CPC e citar o réu e intimá-lo a comparecer a uma audiência de conciliação e mediação, que poderá não se realizar caso o autor não emende a petição inicial e o processo seja extinto ou o réu não se insurja contra a antecipação de tutela e o processo seja extinto com a estabilização da tutela antecipada”.
Estabelecidas tais considerações a respeito dos conceitos que circundam a estabilização da tutela antecipada, passemos a análise do tema propriamente dito.
3. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA
Uma das grandes inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil foi a possibilidade de estabilização da tutela antecipada, concedida de forma antecedente, quando da decisão concessiva não é impugnada por meio de recurso.
Conforme literalidade do art. 304, o legislador quis restringir tal instituto à, apenas, tutela antecipada concedida de forma antecedente, não se aplicando, assim, a tutela antecipada incidental, a tutela cautelar e a tutela de evidência, bem como não cabe em relação a antecipação de tutela antecedente de uma ação rescisória[6].
Desta forma, concedida a antecipação de tutela de forma antecedente e o réu, após ser intimado sobre a decisão, permanecer inerte, acarretará a estabilização dos efeitos concedidos em antecipação de tutela, sendo extinto o processo (art. 304, § 1º, do CPC). Para Fredie Didier, trata-se de uma “generalização da técnica monitória para situações de urgência e tutela satisfativa, na medida em que viabiliza a obtenção de resultados práticos a partir da inércia do réu”[7].
Discute-se se apenas por meio de recurso é que o réu poderia impedir a estabilização da tutela. A maior parte da doutrina entende que qualquer meio de impugnação, por meio do qual o réu se insurja contra a estabilização é meio hábil para afastar o referido instituto, pois o demandado possui o direito de ver a demanda interposta contra ele, devidamente analisada por um juízo exauriente, produzindo as provas para resguardar seu direito, homenageando o princípio da primazia da solução de mérito, bastante enfatizado pelo novo CPC.
Neste sentido, segue o entendimento do professor Fredie Didier[8]:
“Embora o art. 304 do CPC fale apenas em não interposição do recurso, a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada vai além disso: é necessário que o réu não se tenha valide de recurso nem de nenhum outro meio de impugnação da decisão (…)”
Cumpre destacar que até a resignação interposta pelo assistente simples é capaz de afastar a estabilização da tutela, salvo manifestação expressa do réu em sentido contrário[9].
A extinção do processo, certamente, se dará por uma sentença sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, X, do novo CPC, isto porque o decisum não resolveu qualquer pedido de mérito do autor, apenas homologando a estabilização dos efeitos decorrentes do deferimento da antecipação de tutela.
A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM aprovou enunciado n. 18[10] no sentido de que da referida decisão de estabilização da tutela antecipada o réu ficará isento do pagamento das custas processuais e os honorários advocatícios serão fixados no percentual de 5% sobre o valor da causa.
Cumpre ressaltar que a referida sentença não faz coisa julgada, ainda que seus efeitos sejam estabilizados diante da inércia do réu, pois trata-se de uma sentença sem resolução de mérito, a qual homologou uma decisão concedida em sede de cognição sumária, sendo incoerente e incompatível com toda a construção jurídica a respeito do instituto da coisa julgada lhe conceder os efeitos da imutabilidade e da indiscutibilidade.
Em razão da inexistência da coisa julgada, conclui-se, de forma majoritária, que é descabida a interposição de ação rescisória em face da referida decisão. Nesse sentido, a ENFAM aprovou o enunciado n. 27: "Não é cabível ação rescisória contra decisão estabilizada na forma do art. 304 do CPC/2015", corroborado também pelo enunciado n. 33 do Fórum Permanente de Processualistas Civis[11].
O magistrado ao analisar o pedido de antecipação de tutela de forma antecedente pode ainda conceder de forma parcial o pedido. Neste ponto, os doutrinadores divergem a respeito da possibilidade de estabilização parcial do efeitos da tutela deferida.
Daniel Assumpção entende que não é possível a estabilização, sob o argumento de que geraria indesejável confusão procedimental, com parcela do pedido estabilizado e outra parcela a ser decidida em cognição exauriente, bem como levantando a questão da economia processual, eis que o processo, ainda, que em parte tramitará, melhor que o pedido concedido de forma antecedente também seja analisado mediante o juízo de certeza e de modo definitivo[12].
Por outro lado, Fredie Didier entende como possível a estabilização da decisão que concede parcialmente o pedido de antecipação de tutela, fundamentado que “(…) ela tem aptidão para a estabilização justamente na parte em que atendeu ao pedido provisório do autor. Neste caso, sobrevindo a inércia do réu, estabilizam-se os efeitos apenas desse caítulo decisório, prosseguindo-se a discussão quanto ao restante”.[13]
Prevê o § 2º do art. 304 do CPC[14], que poderá qualquer das partes demandar com intuito de reformar, rever ou invalidar a tutela antecipada concedida, porém dentro do prazo decadencial de 02 (dois) anos[15]. Ultrapassado este prazo decadencial, constitui-se a chamada estabilização qualificada, absoluta ou forte.
Parcela da doutrina tem defendido que o referido dispositivo é inconstitucional, em razão de que impede o direito de ação do autor, constitucionalmente protegido. Nesse sentido, posiciona-se Daniel Assumpção[16]:
“(…)Sem os indevidos limites consagrados no § 2º do art. 304 do Novo CPC, é plenamente possível vislumbrar o interesse do autor em ingressar com processo após a estabilização para obter a tutela definitiva que ainda não conseguiu. Mas nesse caso, não buscará rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, mas sim confirmá-la por meio de uma decisão definitiva fundada em cognição exauriente e juízo de certeza. (…) Como entendo inconstitucional impedir ao autor a propositura da ação versada no § 2º do art. 304 do Novo CPC, entendo ser necessária a interpretação ampliativa do rol previsto em tal dispositivo, que deve, portanto, ser considerado meramente exemplificativo”.
O juiz que concedeu a tutela antecipada que se estabilizou é prevento para analisar o processo de revisão, reforma ou invalidação da referida decisão, sendo esta uma hipótese de competência absoluta de caráter funcional (§ 4º do art. 304 do CPC).
Tal ação seguirá o rito ordinário, podendo, inclusive ser requerida a antecipação de tutela no sentido de que a decisão anterior que se estabilizou seja desconstituída, apresentando novas provas para tanto. Nesse sentido, segue o enunciado n. 26 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados:
“Enunciado n. 26 do ENFAM: Caso a demanda destinada a rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada seja ajuizada tempestivamente, poderá ser deferida em caráter liminar a antecipação dos efeitos da revisão, reforma ou invalidação pretendida, na forma do art. 296, parágrafo único, do CPC/2015, desde que demonstrada a existência de outros elementos que ilidam os fundamentos da decisão anterior”.
Cabe consignar que, conforme enunciados do Fórum Permanente de Processualistas, a estabilização da antecipação da tutela é possível em face da Fazenda Pública, bem como em sede de alimentos provisórios, observe-se:
“Enunciado n. 582. (arts. 304, caput; 5º, caput e inciso XXXV, CF) Cabe estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública.
Enunciado n. 500. (art. 304) O regime da estabilização da tutela antecipada antecedente aplica-se aos alimentos provisórios previstos no art. 4º da Lei 5.478/1968, observado o §1º do art. 13 da mesma lei.”
Constata-se que o referido instituto harmoniza-se com o espírito do novo Código de Processo Civil, o qual prima pela concretização efetiva do direito na esfera jurídica do indivíduo, diminuindo de forma gradativa a cultura do litígio enraizada no ordenamento jurídico pátrio.
Informações Sobre o Autor
Rita Daniele Viana de Oliveira
Graduada no curso de Direito pela Universidade Federal de Alagoas, Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera Uniderp. Assessora Jurídica.