Estágio na carreira jurídica – uma obrigação institucional

Considerado um método de aprendizagem, o estágio é, algumas vezes, interpretado de forma errônea e precipitada, sendo até mesmo considerado um contrato de trabalho. Mas por que ocorre essa interpretação equivocada? Qual é a sua natureza? Qual sua função na sociedade? Qual sua importância na formação dos novos profissionais de Direito? Aqui se fará uma breve análise do estágio.

O curso de Direito tem relevância social desde os seus primórdios pela sua fundamental função de criação, formação e aperfeiçoamento dos juristas na sociedade hodierna. Entretanto, não cessa por ai, a magnitude desses cursos na consolidação de uma sociedade mais consciente de seus direitos e deveres.  Além de formar profissionais doutrinariamente qualificados, os atuais cursos de Direito devem estar preocupados com o senso de responsabilidade e criticidade de seus discípulos. Uma das formas de unir esses dois objetivos acadêmicos é a partir do estágio curricular. Muitos devem estar perguntando: como assim? É isso mesmo, senão vejamos.

Regulado pela Lei n° 6.494 de 07/12/77 e regulamentado pelo Decreto n° 84.497 de 18/08/82, o estágio deve ser:

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“Atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizada na comunidade em geral e junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob a responsabilidade e coordenação de instituições de ensino”.

Desse modo, o estágio torna-se um procedimento didático-pedagógico de ensino que irá favorecer, no caso o estudante de Direito, no entendimento dos preceitos que está sendo ensinado na universidade e, sobretudo, dando-lhe a real dimensão da função social da sua futura profissão.

É importante realçar que o estágio não beneficia somente o estudante que adquire a prática profissional, mas traz vantagens também a comunidade que se vê munida de profissionais habilidosos e competentes desde o início de sua formação acadêmica.

Segundo Sergio Pinto Martins[1]evidencia outras vantagens advindas do estágio:

“Há vantagens para as partes envolvidas com o estágio: (a) a escola tem a possibilidade de dar ensino prático ao aluno, sem qualquer custo; (b) o estudante adquire experiência prática no campo de trabalho, mesmo ainda fazendo o curso; (c) a empresa passa a contar com pessoa que está qualificando-se profissionalmente, porém sem ter qualquer encargo social sobre os pagamentos feitos ao estagiário” (Martins, 2001, p. 156).

A natureza do estágio, portanto, é bem peculiar, diferente de outras formas de atividades laborativas. Não se pode confundir estagiário com aprendiz. O estagiário, se obedecidas todas regras estabelecidas na Lei 6.494/77, não é considerado empregado, enquanto que o aprendiz é empregado, tendo contrato de trabalho especial. Além disso, o aprendiz deve ter a idade entre 14 e 18 anos. No estágio, não há esse limite temporal.

O estágio, portanto, tem as seguintes características:

É um acordo estabelecido entre o estudante e a parte concedente com a obrigatória supervisão da instituição de ensino competente;

Não existe vínculo empregatício entre as partes;

Sua finalidade é a formação profissional do estagiário;

Deve ser originado através de um termo de compromisso escrito entre aluno e parte concedente, que especifica o horário a ser cumprido, sua duração, as atividades principais a serem exercidas, etc;

Realizado em unidades que tenham condições de proporcionar experiência prática na linha de formação específica;

O estudante deve estar regularmente matriculado na instituição de ensino e tenha freqüência efetiva às aulas;

Jornada de trabalho compatível com o horário escolar;

Não há incidência de contribuição previdenciária ou de FGTS (Fundo de garantia por tempo de serviço) sobre a bolsa que por ventura ele receber, já que esta não é obrigatória sua concessão;

O estagiário tem direito a seguro de acidentes pessoais, que será feito pela instituição de ensino diretamente ou por meio de atuação conjunta com agentes de integração;

Duração do estágio não pode ser inferior a um semestre letivo.

Estando definida a natureza do estágio, não resta dúvida da importância do estágio na formação acadêmica de todo e qualquer curso. No curso de Direito, segundo o entendimento doutrinário, esse estágio é considerado como prática jurídica, preenchendo os requisitos de alguns concursos jurídicos que exigem tal prática como atributo indispensável para a posse em determinado cargo, senão vejamos:

“Corroborando com este entendimento, vem à baila recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça, quando da verificação da abrangência da expressão ‘prática forense’ exigida nos concursos públicos, no sentido de que referida prática deve ser entendida em sentido amplo, não atingindo apenas os bacharéis, mas também os estagiários de Direito que habitualmente se encontrem em meio às lides forenses” (MOREIRA, RAMOS, 2005)[2].

Será que os atuais profissionais do Direito encaram o estágio dos estudantes com a devida importância? Será que a sociedade percebe a função sócio-pedagógica do estágio? Será que os próprios estudantes têm noção do benefício que o estágio pode lhe proporcionar? Esses e outros questionamentos devem ser respondidos o mais rápido possível, já que a proliferação de novos cursos de Direito e a inclusão de novos bacharéis de Direito no mercado de trabalho estão vulgarizando a profissão e, principalmente, deslocando a função social do Direito a uma mera fonte de renda promissora.

Atualmente, diante das atrocidades e injustiças que estão ocorrendo e se proliferando no próprio seio do Poder Judiciário, o lado social e filosófico do Direito está novamente sendo posto como característica fundamental e intrínseca da ciência jurídica. A ética, a responsabilidade social e o compromisso indispensável com a justiça tornam-se quesitos indispensáveis nos futuros profissionais do Direito. É nesse momento que o estágio pode contribuir de forma considerável nessa árdua tarefa de consolidar tais qualidades nos estudantes.

Sendo uma forma de aprendizagem, é no estágio, com a supervisão das instituições de ensino, que o estudante colocarão em prática os conhecimentos adquiridos nos bancos universitários. A parte concedente do estágio mostrará o que é correto e ético em sua atuação, procurando realçar as práticas devidas que se deve tomar. Entretanto, não omitirá as práticas erradas e injustas que, por ventura, possa existir nesse mundo sócio-jurídico. Alertará, entretanto, o estudante das suas conseqüências e punições.

A instituição de ensino que o estudante esteja vinculado deve estar diretamente ciente do trabalho sócio-pedagógico que o estágio está proporcionando ao aluno. Tal supervisão pode ser realizada através de várias medidas, por exemplo:

Visitas mensais de pessoa competente da instituição ao local onde está ocorrendo o estágio;

Relatório mensal das atividades que o estagiário está executando no estágio;

Relatório pessoal das impressões e expectativas do estagiário quanto ao local de trabalho e às pessoas que está diariamente convivendo;

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Relatório da parte concedente do estágio das condutas pessoais e profissionais do estagiário.

Assim, a responsabilidade e o compromisso com a ética e a justiça são trabalhados na própria instituição de ensino e, conjuntamente, no estágio. Os futuros profissionais do Direito estarão mais capacitados e qualificados para lidar e resolver os problemas sócio-jurídicos que estão extrapolando a seara jurídica e obrigando a imediata e comprometida interdisciplinaridade entre as diversas ciências em prol da harmonia e bem-estar social da humanidade.

O Ministério da Educação já está fazendo mudanças na grade curricular dos cursos de Direito para atualizar o mundo acadêmico para ter condições de saciar as reais necessidades e exigências que o Brasil está sofrendo atualmente. Procura-se, portanto, imprimir o lado prático e útil nos ensinamentos acadêmicos que, muitas vezes, ficam distantes e alheios da realidade, tornando-se meras especulações e filosofias inúteis que não procuram solucionar problemas, minimiza-los ou, até mesmo, conscientizar a população da existência desses conflitos sócio-jurídicos.

Com a valorização do estágio na formação dos profissionais de Direito, a sociedade ficará certa de que os futuros bacharéis serão mais que meros profissionais competentes, serão pessoas responsáveis socialmente e, acima de tudo, éticos e meios de proliferação da justiça, independentemente de suas profissões, ou seja, a ética e o senso de justiça estarão intrinsecamente incorporados na sua personalidade e na sua conduta pessoal.

 

Notas
[1] MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 13.ed., São Paulo: Atlas, 2001.
[2] MOREIRA, Luiz Fernando; RAMOS, William Junqueira. O reconhecimento do exercício de “atividade jurídica” desenvolvida pelo estagiário de Direito em face da Emenda Constitucional nº 45/04. DireitoNet, São Paulo, 15 mar. 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/48/1948/>. Acesso em: 21 mar. 2005

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rebeca Ferreira Brasil

 

Advogada, formada pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR e mestranda em Políticas Públicas e Sociedade da UECE

 


 

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