Estudo sobre o desenvolvimento histórico evolutivo da noção de soberania estatal e sua delimitação conceitual

Resumo: O estudo apresenta a evolução histórica do conceito de soberania estatal por meio de sua delimitação conceitual ao longo do tempo. A pesquisa apresenta a relevância do conceito ao longo da história por meio da imposição de limites e do seu caráter social. A partir daí, a proposta de construção de um conceito contemporânea de  soberania é pautado no reconhecimento prévio de que a idealização da soberania que possui  como justificativa o restabelecimento da paz. Esse conteúdo histórico sofreu variações interpretativas dependendo do tempo e espaço em foi realizado durante décadas.


Palavras-chave: Soberania, Conceito, Evolução Histórica.


Abstract: The study presents the historical evolution of the concept of state sovereignty through its conceptual boundaries over time. The research shows the relevance of the concept throughout history by imposing limits and its social character. From there, the proposed construction of a modern concept of sovereignty is grounded in the recognition that the previous idealization of sovereignty that has to justify the restoration of peace. This content has historical interpretative variations depending on time and space was made for decades.


Keywords: Sovereignty, Concepts, Historical Evolution.


Sumário: 1.Introdução; 2.Principais Características da Soberania; 3.A construção de um Conceito  Mínimo de Soberania  Contemporânea; 4.Conclusão; 5.Referências.


1 Introdução


A definição originária de soberania já sofreu mudanças para se adaptar às necessidades hodiernas. Num primeiro estágio, o detentor da soberania era o rei e, entre outras características, esta era definida pela perpetuidade e por não conhecer limites de qualquer natureza; a soberania tinha, antes de tudo, o caráter de ser “o elemento essencial do Estado”. A primeira evolução do princípio da soberania já se encarregou de lhe impor limites. Dessa forma, o poder  não mais emanava do rei, mas do povo, e os limites eram aqueles inseridos na Constituição do Estado que o monarca representava. Outras características da definição clássica, com o passar do tempo e com a maior interação de nações soberanas e de seus cidadãos, foram recebendo nova interpretação. (FINKELSTEIN, 2003).


Normalmente os estudiosos do assunto afirmam que ambos os termos tem ligação com a expressão latina superanus. Em seus estudos, Eelco N. Van Kleffens constata que a palavra superanus deriva de “super”, “sobre”, “acima”. Contudo, as chancelarias do século XII não utilizavam a expressão superanus quando pretendiam designar a expressão mais alta. Primeiramente usavam a expressão “maior”, mas o termo “superior” é que veio a ser corrente. “Parece ter sido a linguagem popular na Inglaterra e na França que lançou mão da palavra ‘soberano’ para exprimir a mesma noção”, que foi consolidada no século seguinte. Apenas gradativamente é que foi perdendo sua significação puramente topográfica de “num lugar mais alto”. Do texto de Dante Alighieri “o inferno”, descrito no poema épico da literatura italiana “divina comédia”, escrito entre 1307 a 1321, extrai-se a síntese dessa evolução.


O  método histórico se analiza a trajetória concreta das teorias acerca da  soberania no seu condicionamento aos diferentes períodos da história. Emprega-se como fonte a bibliografia e como método investigativo a busca e a análise dos textos sobre conhecimentos já produzidos pela doutrina sobre a matéria em estudo. Isso apresenta o conceito teórico – doutrinário da soberania contemporânea, que não deixa de ser também jurídico-político.


A partir daí, a pesquisa levanta a hipótese de que a proposta de construção de um conceito contemporânea de  soberania pautado no reconhecimento prévio de que a idealização da soberania tem como justificativa o restabelecimento da paz. Esse  conteúdo eminentemente histórico sofre variações interpretativas dependendo do tempo e espaço em que se realiza.


Tendo em vista os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, que muitas vezes são esquecidos ou simplesmente não compreendidos pela sociedade com relação aos portadores de deficiência, torna-se necessária uma pesquisa mais aprofundada, dando-se prioridade a violação de seus direitos, sua inclusão na sociedade e os benefícios por ela trazidos.


 2. Principais Características da Soberania


Essa é uma verificação exata, porém, a palavra “soberano” (que certamente antecedeu à “soberania”) para significar o mais alto, o supremo poder de dada ordem jurídica, “pode ter sido produto da época feudal”, contudo, a noção que representa havia-se imposto ao espírito humano desde que a humanidade começou a formar grupos políticos independentes. “Nunca será demais afirmar que sempre houve soberania e soberanos, muito antes de estes termos serem cunhados”; “diferia a terminologia, mas não a essência daquilo a que o nome se referia”. E certamente interessa para este estudo mais a essência que sua designação.


Como visto, a “Paz de Westfália” (1648-1659) foi o texto normativo intergovernamental que reconheceu, pela primeira vez, o princípio da soberania nacional, colocando-o no topo da estrutura da ordem mundial da época. Desse modo, pôs fim às guerras religiosas e ao estreito vínculo que até então se dava às questões do Papado e do Império. As principais regras que coadunam os Estados soberanos expressadas na Paz de Westfália são as seguintes: a igualdade soberana entre os Estados; a prevalência do princípio territorial sobre o pessoal; o respeito ao limites internacionais e a não-intervenção em assuntos internos de outros Estados.


Em plena revolução, e pouco depois do advento da Declaração de Direitos de 1789, no ano de 1791, os líderes da Revolução Francesa, reunidos numa assembléia, aprovaram a primeira Constituição francesa que, dentre outras disposições, definia o conceito de soberania: “artigo 1º: a soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível.


Segundo Fernandes (2007), as quatro características da soberania expressas na Constituição francesa de 1791, a unidade, a indivisibilidade e a inalienabilidade resistiram à ação do tempo, porém, a idéia de que a soberania não está sujeita à prescrição (como forma de perda ou de aquisição da soberania) não se manteve, pelo menos no direito internacional.


Ainda de acordo com Fernandes (2007), a soberania una e exclusiva, os outros Estados ou indivíduos a devem respeitar. Desse modo, a soberania manifesta-se por meio de um único poder, denominado como soberano porque se impõe sobre os demais e por se fazer determinante no momento do reconhecimento por parte daqueles vinculados a ele. “Nesse sentido, a soberania do Estado, dito soberana, é exclusiva”.


Portanto, a característica da indivisibilidade extrai-se que a soberania “não pode ser cortada em fragmentos”. A soberania, além das razões que impõem sua unidade, “se aplica à universalidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo inadmissível, por isso mesmo, a existência de várias partes separadas da mesma soberania”.


Também é em decorrência da unidade e da indivisibilidade que se diz que a soberania, “enquanto considerada como elemento essencial do Estado, é dotada de inalienabilidade”.


Além destas características da soberania, expressas no texto do artigo 1º da Constituição francesa, de 03 de setembro de 1971, a doutrina se encarregou de acrescentar, pelo menos, mais duas: a originariedade e a limitação.


A soberania é originária na medida em que “não faz derivar a sua força e a sua validade de qualquer outro ordenamento jurídico ou político”. De fato, a soberania não se subordina às condições ou autorizações de outros poderes, nem mesmo pode ser limitada ou violada por qualquer outro poder que se diga superior. A soberania “é a qualidade do poder supremo ou, no máximo, condição de igualdade dos Estados”. Nesse pensar, pelo menos teoricamente, não pode existir nenhum poder superior ao poder soberano.


A soberania é limitada. Importante destacar que “a soberania é absoluta no sentido de que qualifica o poder mais elevado, o poder supremo, que nega qualquer tipo de limitação ou subordinação derivada de qualquer outro poder”. No entanto os termos “absoluto” e “ilimitado” não são sinônimos. “Poder supremo é poder absoluto, mas não significa poder ilimitado”. Um poder soberano pode ser limitado sem que isso o desqualifique. Contudo, só existe limitação à soberania do poder do Estado se essa for a vontade do próprio Estado e desde que não corresponda à renúncia do poder soberano, eis que um Estado que renuncia à sua soberania, pode materializar-se em algum tipo de organização política, mas não mais será um Estado (FERNANDES,2007,p.61).


O conceito de soberania é compará-la com pelo menos duas outras noções afins: independência e igualdade. Existem entendimentos no sentido de que “soberania” e “independência” são termos semelhantes e na direção de sua diferenciação. Para  Kleffens (1957), no âmbito jurídico a independência é soberania apenas no aspecto de não se achar dependente da autoridade de outro Estado. Quanto à igualdade, apesar das desigualdades de fato, perante o direito internacional os Estados soberanos são considerados iguais, porém, essa igualdade contrasta com os fatos nas relações internacionais, eis que “as grandes potências têm, devido à sua própria força, uma enorme vantagem sobre as potências menores, e essa vantagem faz-se sentir mesmo quando não é usada com propósito expresso” (KLEFFENS,1957,p.117).


A soberania se manifesta, ainda, de três modos: a respeito do território, concernente às pessoas e pertinente aos assuntos e negócios. No campo do direito internacional, várias são as teorias que tentam definir o território, porém importa, nos limites desse estudo, conceber que o território é o espaço dentro do qual, em princípio, só um único Estado tem o direito de exercer o seu poder jurídico, com exclusão de todos os outros Estados. Se não há Estado soberano sem território, também não existe Estado soberano sem população que se encontre sob sua jurisdição e resida permanentemente nesse território.


Por fim, um Estado soberano também precisa de jurisdição para exercer sua soberania. Como qualquer Estado pode promulgar leis sobre qualquer matéria, desde que não afronte o direito internacional, a quantidade de assuntos de que um Estado soberano pode ocupar-se na forma da lei é bastante vasta.


3  A Construção de um Conceito Mínimo de Soberania Contemporânea.


A proposta de construção de um conceito contemporâneo de soberania pauta-se no reconhecimento prévio de que a idealização da soberania tem como justificativa o restabelecimento da paz, cujo conteúdo eminentemente histórico sofre variações interpretativas dependendo do tempo e espaço em que se realiza.


Como ponto de partida à construção de um conceito mínimo de soberania contemporânea, tem-se a acepção de que o Estado soberano perfeito, no sentido livre, sem nada que o limite além do seu próprio arbítrio, já não existe. Sem se ater às limitações de fato, os Estados de hoje estão sempre sujeitos ao direito internacional, cujas normas limitam a sua liberdade de ação de vários modos.


A apresentação teorética segue a linha cronológica, ou seja, não se agrupa, como muitos autores preferem, as teorias em teocrática (Jacques-Benigne Bossuet), contratualista (Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Emanuel Kant) normativista (Hans Kelsen), decisionista (Carl Schmitt, Hermann Heller), negativista (Pierre Marie Nicolas Léon Duguit) e pluralista (Harold Joseph Laski).


Essa análise tem seu início na teoria da soberania sistematizada por Jean Bodin (1530 a 1596), primeiro autor a tratar da soberania de modo sistematizado. Jean Bodin, autor da clássica obra Six Livres de la République, foi um jurista francês, membro do Parlamento de Paris e professor de direito. Viveu no primeiro século da Idade Moderna, momento em que surgia o Estado como produto da transformação da ordem feudal. O poder político e militar, que esteve durante a Idade Média em posse dos senhores feudais, é transferido para um monarca absolutista e possibilita a estruturação do Estado soberano.


É neste cenário que Jean Bodin teoriza sistematicamente sobre a soberania, cuja definição por ele adotada reflete sua crença de que era preciso concentrar o poder totalmente nas mãos do governante, revelando suas idéias absolutistas. Para o citado jurista francês, o poder do soberano traduz-se no poder divino, devendo, portanto, ser obedecido pelos súditos. Jean Bodin não se preocupou com as origens da soberania, mas com sua natureza, ou seja, “o que lhe interessa é descrever o que a soberania é, uma vez que a presença de um poder soberano é que determina a existência de uma República” (BARROS,1999).


Para Jean Bodin, “a soberania é o verdadeiro fundamento, o eixo sobre o qual se move o estado de uma sociedade política e do qual dependem todos os magistrados, leis e ordenanças”.


Logo depois do conceito de soberania de Jean Bodin, destaca-se a teoria contratualista do filósofo e teórico político alemão, jusnaturalista e árduo defensor do absolutismo, Thomas Hobbes (1588 a 1679) e sua obra “o Leviatã” publicada em 1651. O Leviatã significa, para Thomas Hobbes, uma autoridade inquestionável, com poder soberano representada na pessoa do monarca ou no coletivo de uma assembléia que poderia até ser composta de todos, no caso de uma democracia.


Segundo Limongi (2002), a sociedade idealiza  a obra “o Leviatã” necessita de uma autoridade na qual todos os seus membros tem que abdicar o suficiente da sua liberdade natural, para que ela pudesse, de forma soberana, assegurar a paz interna e a defesa comum.


Thomas Hobbes entendeu que a origem das instituições políticas está num suposto contrato. Segundo ele, por meio desse contrato, os indivíduos se comprometem reciprocamente a submeter suas vontades à vontade de um indivíduo ou de uma assembléia, que passa a ter poder para decidir acerca de todos os assuntos concernentes à paz. É desse modo que o Estado hobbesiano é instituído. Não quer dizer que em determinado momento esse contrato foi firmado, mas que as pessoas devem obedecer “ao poder do Estado como se o tivessem fundado a partir de um contrato, pois é isso que nos permite compreender as razões, os limites e a forma da obediência civil; é isso que nos permite compreender a obediência como um dever ou uma obrigação”.


O poder soberano, de acordo com Limongi (2002), pode ser adquirido de dois modos: ou pela força (Estado por aquisição, por exemplo, quando um homem sujeita através da guerra seus inimigos a sua vontade) ou voluntariamente (Estado político ou por instituição, por exemplo, quando os homens concordam entre si em submeterem-se a um homem, ou a uma assembléia de homens, voluntariamente, com a esperança de serem protegidos por ele contra todos os outros).


Uma novidade trazida por Thomas Hobbes para o pensamento político é a diferenciação entre os conceitos de Estado e de governo, tanto é assim que a clássica discussão aristotélica acerca da melhor forma de governo, se a monarquia, a aristocracia ou a democracia, foi deixada para segundo plano. Para Thomas Hobbes, independentemente das formas de governo, o Estado é o mesmo. Segundo Berardo (2003,p.35), outra peculiaridade de Thomas Hobbes é a concepção do Estado como criação humana e, portanto, uma instituição “artificial” e não “uma evolução natural da família como no modelo Aristotélico”.


Para Berardo (2003, p.35), a teoria hobbesiana sobre soberania traz à tona diversas questões que atualmente estão sendo enfrentadas, pois “a idéia de que a soberania seja absoluta, ilimitada, irrevogável e inalienável se perpetuou através dos tempos”. Em suma, para essa teoria o poder soberano seria tão grande quanto os indivíduos fossem capazes de fazê-lo, não comportando nenhuma forma de limites, de modo que, se pensassem em limitar o poder soberano, deveriam sujeitar-se ao poder que fosse capaz de limitá-lo, ou seja, a um poder ainda maior.


Na seqüência cronológica, destaca-se a teoria de Jacques-Benigne Bossuet (1627 a 1704), que foi um bispo e teólogo francês. Jacques-Benigne Bossuet foi um dos primeiros teóricos a defender o absolutismo político, tendo criado o argumento de que o governo é divino e que os reis recebiam seu poder de Deus. Representa, desse modo, a teoria teocrática da soberania, cuja expressão do poder está na figura divina (teoria de direito divino).


Conforme Fernandes (2007), a importância das teorias teocráticas, em geral, “não estava em conferir ao poder do rei uma origem divina, mas, sim, em fazer acreditar que o poder do rei era legítimo na medida em que derivava de Deus”. Assim, em estando o poder soberano do monarca legitimado pela autoridade divina, não poderia ser limitado pela deliberação humana.


Na síntese de Fernandes (2007), a teoria do direito divino sobrenatural, representada por Jacques-Benigne Bossuet, “o poder soberano seria erigido em um indivíduo, designado diretamente por Deus, de modo que a qualidade de soberano não dependeria da atuação de qualquer outra autoridade”. Essa teoria, na interpretação da citada autora, “foi particularmente invocada contra o papado, na medida em que retirava dele a exclusividade do contato com Deus”. Contudo, ressalta que existia, também a “teoria do direito divino providencial”, que se traduzia na “idéia de que o poder soberano tinha a sua origem em Deus, mas era transmitido ao governante através de ‘meios humanos’, representados pela interferência da Igreja”.


Outro nome importante à construção do conceito de soberania é John Locke (1632 a 1704), filósofo inglês e individualista liberal que viveu na mesma época do francês Jacques-Benigne Bossuet, mas que defende entendimento absolutamente contrário, ou seja, enquanto para Jacques-Benigne Bossuet as restrições à atuação do monarca são apenas de ordem moral, cuja legitimidade do poder soberano deriva de Deus, para John Locke, a exemplo de Thomas Hobbes, o poder soberano é institucional, na medida em que concebe a ordem jurídica e política como produto da concorrência da vontade humana e não do sobrenatural (divina).


John Locke é autor da obra “dois tratados sobre o governo”, por meio da qual pretendeu refutar a teoria contratualista do bem comum da coletividade de Thomas Hobbes com a sua teoria contratualista da garantia dos direitos individuais, bem como conferir legitimidade teórica à Revolução Inglesa de 1688, conhecida como “revolução gloriosa”, pois representou o fim de uma era de guerra civil e de turbulências e a restauração da estabilidade monárquica.


Para contradizer a teoria do também inglês Thomas Hobbes, John Locke utiliza-se de pelo menos duas premissas hobbesianas: o estado de natureza e o contrato social. Na interpretação de Fernandes (2007,p.104), as idéias de John Locke podem ser resumidas na tríade “liberdade, igualdade e propriedade” (princípios que depois vieram a ser proclamados na Revolução Francesa – 1789 e 1799), concebendo a soberania como um poder supremo decorrente do Poder Legislativo (soberania parlamentar).


John Locke acolheu a teoria hobbesiana do direito natural, mas ao invés de associá-la ao bem comum da coletividade, concebeu o direito natural como “um conjunto de direitos inatos e invioláveis, inerentes aos indivíduos, de modo que o Estado deveria ser concebido para garantir esses direitos individuais”, desse modo, compreendia que preservando os direitos individuais, “o Estado estaria protegendo também a sociedade, conservando o bem comum”.


Na opinião de Locke (1994), a principal finalidade do governo é “garantir a conservação da propriedade”, definida de forma amplíssima, englobando a vida, a liberdade e os bens. A legitimidade do governo de John Locke está na existência de uma lei que o estabeleça, que esta lei seja aceita pela coletividade mediante consentimento comum, que exista um juiz conhecido e imparcial para resolver os conflitos e um poder para garantir a execução da decisão.


Embora defina o Poder Legislativo como um poder supremo em toda comunidade civil, quer seja confiado a uma ou mais pessoas, quer seja permanente ou intermitente, John Locke pontua que o poder supremo sofre pelo menos quatro limitações: a primeira está nos limites das leis estabelecidas e permanentes; a segunda é o bem comum; a terceira decorre do direito à propriedade e a quarta diz respeito à exclusividade legislativa do Poder Legislativo.


Ainda de acordo com Locke (1994), o primeiro limite ao poder soberano do Parlamento de John Locke está na lei, que deve ser expressa, promulgada e perene, ou seja, o Poder Legislativo deve “governar por meio de leis estabelecidas e promulgadas”, abstendo-se de “modificá-las em casos particulares, a fim de que haja uma única regra para ricos e pobres, para o favorito da corte e o camponês que conduz o arado”.


O segundo limite ao poder legislativo de toda sociedade civil, sob todas as formas de governo, é o bem comum, isto é, as leis só devem ter uma finalidade: o bem do povo. Significa dizer que o poder soberano não pode ser exercido de maneira absolutamente arbitrária sobre as vidas e sobre as fortunas das pessoas. Sendo o poder legislativo apenas a fusão dos poderes que cada membro da sociedade delega à pessoa ou à assembléia que tem a função do legislador, forçosamente permanece circunscrito dentro dos mesmos limites que o poder que estas pessoas detinham no estado de natureza antes de se associarem em sociedade e a ele renunciaram em prol da comunidade social. Desse modo, John Locke concebeu em sua época (na última década do século XVII) que mesmo considerado em suas maiores dimensões, o poder soberano se limita ao bem público da sociedade.


A terceira restrição de John Locke ao poder soberano é a proteção da propriedade, sob o argumento liberal-individualista de que o poder supremo não pode tomar para si nenhuma parte da propriedade de qualquer de seus súditos sem o seu próprio consentimento.Por fim, outro dado destacado por John Locke como limitativo do poder legislativo supremo é a intransferibilidade, tendo em vista que apenas o povo poderia modificar a forma de sociedade política.


A teoria de John Locke, ao defender que caso o governo não cumprisse a sua função, o poder retornaria ao povo que poderia designar um novo mandatário, um novo legislador, se aproxima da soberania popular contemporânea (FERNANDES, 2007). Em síntese, no pensamento de John Locke, “quando o Executivo ou o Legislativo violam a lei estabelecida e atenta contra a propriedade, o governo deixa de cumprir o fim a que fora destinado, tornando-se ilegal e degenerando em tirania”.


Seguindo-se a linha cronológica proposta, traz-se à colação a teoria de Jean-Jacques Rousseau (1712 a 1778), que foi um filósofo e teórico político suíço, cuja obra “o contrato social” onde defende a idéia da soberania popular e a centralização determinada pela vontade geral, em desconsideração aos interesses individuais de John Locke. Embora contratualista, “a liberdade, em obediência às leis, sendo estas expressão da vontade geral, delineada por Jean-Jacques Rousseau, era diferente da liberdade como se encontrava em John Locke”.


De acordo com Rousseau (2010), o contrato social foi a forma de associação idealizada para a proteção das pessoas e seus bens sem que com isso fosse necessária a perda da liberdade. O ente político formado por essa associação, que antes era denominado de “cidade”, agora traduz-se na “república” ou “corpo político”, chamado por seus membros de “Estado”, quando é passivo; de “soberano”, quando é ativo; e de “autoridade”, quando comparado a seus semelhantes. Os associados, por sua vez, adquirem coletivamente o nome de “povo”, e se chamam particularmente “cidadãos” na qualidade de participantes na autoridade soberana, e “vassalos” quando sujeitos às leis do Estado.


As características da soberania, na concepção de Jean-Jacques Rousseau, são: inalienabilidade, indivisibilidade, infalibilidade e o fato de ser absoluta, mas não ilimitada. Jean-Jacques Rousseau se posiciona de forma contrária à separação de poderes de Montesquieu e John Locke e, também, “contra os corpos intermediários, que reproduziriam os interesses unicamente particulares.


Ao definir o governo como um órgão da vontade geral, Rousseau (2010), concebeu que “o único governo possível seria a democracia direta, da qual todos participariam”. Desse modo, acabou por idealizar a teoria da soberania popular, também chamada de “soberania fracionada”, preparando o campo para as mudanças decorrentes da Revolução Francesa e servindo de inspiração para os regimes democráticos. Jean-Jacques Rousseau “concebia a soberania enquanto dividida entre todos os membros da comunidade, residindo sempre e necessariamente no povo, tomado enquanto unidade influente dos elementos pessoais individuais”.


Enquanto o suíço Jean-Jacques Rousseau foi um precursor da Revolução Francesa (1789 a 1799), o filósofo e contratualista alemão Emanuel Kant (1724 a 1804) tentou compreendê-la. Apesar de algumas influências recebidas de Jean-Jacques Rousseau, Emanuel Kant é “substancialmente um escritor liberal, na linha do pensamento liberal que forma a concepção política do iluminismo, à qual ele se ajusta e da qual é um dos teóricos mais coerentes”.


A partir daí, a  finalidade do Estado liberal, jurídico e formal de Emanuel Kant é o bem comum, “entendido como aquilo que deve ser levado em máxima consideração num Estado, é a constituição legal, que garanta a liberdade por meio da lei e, portanto, permita a cada um alcançar, no âmbito dessa liberdade, a felicidade pessoal, embora a forma de governo é considerada como ideal e preferida por Emanuel Kant que considerou a república monárquica, “àquela forma de governo que se tornará comum a todos os Estados da Europa com a queda das monarquias absolutas, ou seja, a monarquia constitucional”.


Emanuel Kant distingue as formas de governo por meio de dois critérios: no sentido das pessoas que detêm o poder soberano e em relação ao modo de governar. Com fundamento no primeiro critério, o Estado pode ser uma autocracia (administrado por um); uma aristocracia (regido por poucos); ou uma democracia (governado por todos). Em relação ao segundo critério, os Estados são diferenciados de acordo com o exercício do poder: legal (república) ou arbitrariamente (despotismo).


Desse modo “o chefe do Estado deteria a propriedade eminente não apenas do território do Estado, mas também do povo. O povo lhe pertenceria, não no sentido de propriedade, como direito real, mas, sim, na medida em que o chefe de Estado seria o chefe supremo do povo”. Significa dizer que o Estado seria “um possuidor universal público”, eis que “não possuiria propriedade privada, na medida em que esta pertenceria aos cidadãos, que a receberiam por distribuição realizada pelo Estado; caso contrário, se o Estado fosse possuidor de terras, poderia almejar expandi-las” (FERNANDES, 2007).


Na síntese de Luciana de Medeiros Fernandes, Emanuel Kant apresentou vários direitos de soberania, tais como: de exigir impostos, de regulação da economia pública, de inspeção como forma de conservação do Estado (a referência era a fiscalização de “sociedades secretas” da época que pudessem influir no bem comum), de punir e de conceder títulos honoríficos. Emanuel Kant ia mais além a suas colocações, expressando que se para sua segurança e proteção, os indivíduos se unem e instituem um poder público impositivo, então é direito do Estado exigir do povo os meios para amparar os pobres e desamparados: “el gobierno tiene el derecho de obligar a los ricos a facilitar medios de subsistencia a aquellos que carecen de lo indispensable para satisfacer las más imperiosas necesidades de la naturaleza.”


Portanto, para Emanuel Kant, a política deve adaptar-se ao direito e não o contrário. No seu prisma, a transformação do estado de guerra, nas relações internacionais, em um estado de paz, ocorre por meio do direito. Defende a idealização de um direito internacional baseado numa federação de Estados livres. Esta federação não corresponderia ao formato federativo de um Estado nacional; sua idéia é no sentido da instituição de um pacto federativo entre os diversos Estados nacionais que mantêm sua soberania, mas que estão vinculados por um objetivo comum, qual seja, a manutenção da paz, conseguida por meio do respeito aos direitos humanos.


Até o período das revoluções burguesas, notadamente as revoluções inglesas do século XVII e a Revolução Francesa de 1789, o conceito de Estado perpassa o pluralismo e o absolutismo, isto é, a sociedade medieval era predominantemente pluralista, cujo direito que a regulava originava-se de diferentes fontes de produção jurídica, e se encontrava organizado em diversos ordenamentos jurídicos. Contra essa sociedade pluralista, foram tomando forma as grandes monarquias absolutas da Idade Moderna e a unificação de todas as fontes de direito na “lei” e de todos os ordenamentos jurídicos superiores e inferiores ao Estado no ordenamento jurídico estatal, cuja expressão máxima é a vontade do príncipe. Nesse contexto, e desde suas origens, o Estado, compreendido como a forma suprema de organização de uma comunidade humana, coloca-se como poder soberano absoluto no sentido de que acima de si mesmo não existe nenhum outro poder. Foi no Estado absoluto que a soberania recebeu a definição de poder que não reconhece ninguém superior.


Contudo, a Revolução Francesa e seus movimentos provocaram o desenvolvimento do nacionalismo e a substituição do Estado absoluto pelo Estado liberal e democrático, situação que exigiu a revisão do conceito de soberania, eis que o conceito clássico já não era cabível naquele momento histórico. Desde então a preocupação do Estado moderno está direcionada aos limites do poder estatal e da própria soberania.


O nascimento do Estado moderno foi acompanhado por teorias políticas com o objetivo fundamental de descobrir a melhor forma para impedir o abuso de poder do Estado, ou seja, a preocupação com a legitimação do poder é substituída pela busca da melhor maneira pela qual o poder estatal pode ser exercido, que se traduz na construção do conceito e na exteriorização da soberania.


Em pleno momento revolucionário, Emanuel Kant, em sua teoria da paz perpétua, defende que a liberdade natural e ilimitada deveria ser substituída pela liberdade civil, a qual tem como limitação a vontade geral decorrente do direito que deve disciplinar a convivência humana.


Passado esse período naturalmente turbulento, toma forma o Estado contemporâneo e as teorias mudam de direção. Destaca-se, nesse período, Pierre Marie Nicolas Léon Duguit (1859 a 1928), importante jurista francês e especialista em direito público, que se tornou conhecido no mundo todo pela sua posição radical no sentido de negar a existência de um poder soberano. Segundo Fernandes (2007), a  teoria negativista defendida por este jurista, fundamenta-se, basicamente, “nos perigos que decorreriam de um poder supremo concedido ao ente estatal, que o isentaria de qualquer responsabilidade”.


Para formular sua teoria sobre soberania, Pierre Marie Nicolas Léon Duguit parte das transformações ocorridas com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, elaborada quando em curso a Revolução Francesa que teve seu início em 05 de maio de 1789, data da abertura da reunião do Estados Gerais na França. Recorde-se que, com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, toma lugar a idéia de soberania nacional, isto é, “o princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação”, sendo que “nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente”. Ademais, os valores afirmados na referida declaração, em decorrência das lutas pela liberdade individual, funcionam como limitadores do poder soberano nacional.


Já para o jurista Hans Kelsen (1881 a 1973), a soberania é propriedade do poder do Estado. Em sua teoria normativista, sustenta que o Estado (e não a nação, o povo, ou o príncipe) é que é o titular do poder soberano, sendo a soberania a qualidade de uma ordem normativa. Hans Kelsen atribui sentido normativo à soberania, concebendo-a como a validade da ordem jurídica estatal, defendendo a fusão entre Estado e direito como “ordem ideal”.


Para Fernandes (2007,p.127), o Estado seria uma ordem suprema “por não admitir que sua validade repouse em uma ordem jurídica superior, encontrada fora do sistema”. Destarte, “pode existir somente um único Estado ou, mais exatamente, que pode estar em vigor apenas um único sistema de normas jurídicas e que cada norma em contraste com uma norma desse sistema deva ser considerada não válida”. Assim, se o Estado for soberano enquanto ordem jurídica, então “a soberania é propriedade do direito por ser propriedade do Estado”.


Para Kelsen (1999), o Estado consiste na personificação do ordenamento jurídico de determinada comunidade. Ressalta, todavia, que para que um ordenamento jurídico seja considerado um Estado, é preciso que tenha um caráter de uma organização centralizada, onde existam órgãos funcionando segundo o princípio da divisão do trabalho: “a ordem jurídica da sociedade primitiva, bem como a ordem jurídica internacional geral, são ordens coercivas completamente descentralizadas e, precisamente por isso, não são Estados”.


Em sua teoria, o Estado é dotado de personalidade jurídica, mas é igualmente um sujeito artificial (personificação da ordem jurídica). Essa posição é coerente com sua concepção de um direito puro, que afirma ser a norma a única realidade jurídica, não havendo como sustentar, dentro dessa perspectiva, que possa existir uma pessoa jurídica real. Essas teorias, chamadas “ficcionistas”, aceitam a idéia do Estado-pessoa jurídica, mas como produto de uma convenção, de um artifício, que somente se justifica por motivos de conveniência.


Lembrando que o Estado, como comunidade social, e de acordo com a teoria tradicional, é composto por três elementos: a população, o território e o poder, que é exercido por um governo estadual independente, Hans Kelsen analisa que “todos estes três elementos só podem ser definidos juridicamente, isto é, eles apenas podem ser apreendidos como vigência e domínio de vigência (validade) de uma ordem jurídica”.


Ao analisar uma possível limitação do conceito de soberania, Kelsen (1999) pontifica que é pelo fato de o direito internacional se situar acima dos Estados que a soberania é limitada, cuja via permite uma organização mundial eficaz. Entende que a soberania do Estado não pode ser limitada pelo direito internacional situado acima dele, contudo, tal situação é conciliável com o fato de um Estado reconhecer o direito internacional e, assim, o tornar parte constitutiva da ordem jurídica estadual, limitando ele próprio a sua soberania e assumindo as obrigações estatuídas pelo direito internacional geral e pelos tratados por ele concluídos.


Em suma, Kelsen (1999), de modo peculiar, não estuda a soberania como elemento essencial do Estado, mas como qualidade de uma ordem normativa; e rejeita a soberania como atributo de vontade, sob o argumento de que esta não é uma concepção jurídica. Desse modo, dizer que o Estado é soberano é o mesmo que dizer que a ordem jurídica nacional é uma ordem acima da qual não existe nenhuma outra.


Outra teoria da soberania que se destaca é a apresentada por Carl Schmitt (1888 a 1985) jurista, cientista político e professor de direito alemão, que viveu na mesma época de Hans Kelsen, mas que apresentou uma teoria da soberania bastante diversa, trata-se da teoria decisionista, traduzida “pela idéia de que o soberano não é aquele que detém o poder de dominação, mas, sim, aquele que decide em estado de exceção”, eis que em casos extremos “o direito estatal é sustado, determinando-se uma decisão concreta para fazer frente a uma necessidade em vias de efetivação imediata” (FERNANDES,2007).


De acordo com Di Lorenzo (2010), Carl Schmitt “considera a decisão como um elemento do estado de exceção propriamente jurídico, mas o fazendo recusa as concepções transcendentais apriorísticas do neokantismo”, ou seja, entende que a decisão faz parte do processo de criação do direito, não decorrendo, desse modo, da ordem jurídica abstrata como entende Hans Kelsen. Ao distinguir soberania de Estado, Carl Schmitt “se insurge contra uma metafísica acrítica de Estado e a personificação do Estado que são resquícios do absolutismo e ignoram o sentido político da idéia de soberania”.


Ainda segundo Di Lorenzo (2010),  Carl Schmitt considera a soberania, em essência, como um poder de tomar decisões políticas a respeito de situações absolutamente excepcionais não explicitadas pelo direito. Não se trata, desse modo, de uma competência de decisão sobre atos legais e segundo regras jurídicas. Corresponde, portanto, a um “poder principiologicamente ilimitado, o poder de suspensão do conjunto do ordenamento existente”.


Para essa teoria decisionista, o monopólio da decisão última está nas mãos do soberano. Assim, a soberania do Estado não está no monopólio da coerção ou da dominação, mas reside na decisão.


O Estado de Carl Schmitt, em caso de dissociação com a política e da perda da capacidade e da autoridade em decidir sobre a distinção entre amigo e inimigo, simplesmente deixa de existir como formação política autônoma para se transformar numa mera organização da sociedade civil ou da economia. Assim, “onde o monopólio do político se dissolve, torna-se impossível à unidade jurídico-política denominada Estado tomar decisões e exercitar sua soberania”. Embora defensor da soberania, Carl Schmitt reconhece uma tendência à sua decadência. O Estado de Carl Schmitt pode suspender o direito independente de qualquer vínculo normativo, eis que é decisão pura, absoluta, para a própria auto-conservação do Estado. Nessa concepção, a soberania é de quem decide, não da norma. É daí que decorre a oposição entre a identificação de direito e Estado de Hans Kelsen e a superação do Estado pelo direito, em Carl Schmitt.


A teoria decisionista também foi desenvolvida pelo jurista e teórico político Hermann Heller (1891 a 1933), que pretendeu formular bases teóricas para as relações da social-democracia com o Estado e o nacionalismo. Conforme Fernandes (2007), a construção teórica de Hermann Heller parte da concepção de que, para a conservação da comunidade humana, é indispensável “uma esfera decisória universal e suprema, que estabeleça a solução para os vários conflitos surgidos entre os seus membros”. Explica que é “universal, por abranger todo e qualquer assunto manifestado na sociedade”, e é “suprema, por não reconhecer instância superior destinatária de eventual apelo contra a sua decisão”.


A questão que Hermann Heller pretende responder com sua teoria decisionista pauta-se na descoberta do sujeito da soberania. Entende que o Estado não pode ser considerado soberano, argumentando que o Estado é uma abstração, que tem sua unidade devida aos indivíduos e, por essa razão, não poderia ser detentor de soberania. Quem é titular da soberania, portanto, segundo essa doutrina, é o povo, que a exerce por meio dos princípios da representação e da maioria, os quais unificam a pluralidade das vontades.


Hermann Heller sustenta que a soberania é absoluta, mas que essa característica não é abalada pela existência do direito internacional e pela interdependência entre os Estados soberanos. Afirma que as obrigações resultantes de tratados entre os Estados não descaracterizariam o caráter absoluto da soberania, ao contrário, o reafirmaria, pois se trata de um dos sustentáculos do direito internacional.


A soberania, então figura como a qualidade de uma unidade territorial de decisão e ação, em virtude da qual, em defesa do mesmo ordenamento jurídico, se afirma de modo absoluto nos casos de necessidade, mesmo contra o direito (FERNANDES,2007). Desse modo, quando o Estado estiver ameaçado, é possível romper os limites do direito para garantir a existência e a segurança estatal. Desse modo, enquanto no âmbito interno o Estado é sempre soberano, na ordem internacional a intensidade é menos acentuada, face à igualdade e independência.


Dessa forma, a  teoria pluralista traz um conceito mais amplo de soberania, tendo em vista a concepção de que, além da soberania nacional do Estado, existem outros grupos sociais soberanos nos limites de sua competência, como, por exemplo, a soberania religiosa, a soberania sindical e a soberania econômica.


Harold Joseph Laski, de acordo com Luciana de Medeiros Fernandes, construiu sua teoria pluralista a partir de um conceito de soberania que ele definia como mais amplo, na medida em que não levaria em consideração a definição de soberania como poder absoluto dentro de sua esfera, mesmo porque não acreditava em um poder que alcançasse obediência absoluta.


Ainda de acordo com Fernandes (2007), o  destaque da teoria sustentada por Harold Joseph Laski está no fato de compreender que a convivência entre os Estados seria possível apenas por meio de um acordo que os vinculasse, sem abrir espaço à soberania. Desse modo, o pluralismo corresponderia ao reconhecimento de uma multiplicidade de centros de poder, situação que se opõe à concentração e unificação do poder do Estado moderno.


Esse pensamento leva à conclusão de que a multiplicação das fontes de produção normativa, também abarcadas pelos novos atores sociais, representados pelos organismos internacionais, comunidades econômicas, empresas transnacionais e pelas forças de mercado, levaria à supressão da idéia de soberania nacional na medida em que esta seria associada à soberania estatal.


A teoria pluralista, portanto, promove a identificação de organismos sociais autônomos e o compartilhamento da soberania. Combate à idéia de um Estado soberano todo-poderoso, colocando, em seu lugar, o conceito de pluralismo político. Nesse prisma, todo poder e toda organização são necessariamente federalistas, negando as perspectivas unitaristas e centralizadoras do Estado.


Na sua origem, a soberania era de caráter exclusivamente político. Atualmente, está juridicamente disciplinada. Significa dizer que o poder soberano é um poder jurídico e não mais político, embora mantenha, no aspecto fático, seu caráter político. Segundo Mello (2001), o progresso verificado rumo à soberania jurídica, a soberania continua a ser concebida de dois modos distintos: como sinônimo de “independência”, e dessa forma “tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira”, e como a expressão de um “poder jurídico mais alto”, “significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica”.


Nos dias atuais, soberania não mais é definida no seu sentido absoluto, pelo contrário, é tomada como dependendo da ordem jurídica internacional. Estado soberano deve ser compreendido como sendo aquele que se encontra subordinado direta e imediatamente à ordem jurídica internacional, sem que exista entre ele e o direito internacional qualquer outra coletividade de permeio. É assim, sujeito de direito internacional com capacidade plena o Estado que tem a “competência da competência” na linguagem dos autores alemães.


4 Considerações Finais


A compreensão do que se pretende apresentar neste estudo exige o entendimento prévio de que o conceito de soberania é um reflexo do pensamento dominante em cada época e lugar. Trata-se de uma construção humana, calcada nos princípios aos quais foram atribuídas imperiosidades de adoção e tratamento em dado espaço temporal. Daí a importância de se analisar de que modo à soberania foi recebida, analisada e definida pela doutrina desde quando sua existência pode ser visualizada e teoricamente definida e sistematizada, até a atualidade.


É evidente que a questão da soberania nunca foi fácil de ser resolvida, e quanto mais se avança no tempo, mais complexa se apresenta. Às denominações classicamente utilizadas para identificar sua fonte e sua orientação são agregadas outras, idealizadas a partir das novas formas de comportamento humano, geradas num tempo-espaço determinado.


Constata-se que a visão de soberania sempre foi voltada à satisfação e à legitimação dos poderes do próprio Estado, e nesse particular seu conceito está superado, eis que a realidade hodierna exige a satisfação dos indivíduos.


O Estado contemporâneo age pela consideração da vontade geral, e não mais para a satisfação de interesses próprios. Não existe mais um monarca personificador do Estado e determinador unilateral de sua vontade. Em seu lugar, surgem os representantes do povo que agem em seu nome, e que, por ele, podem ser destituídos. Isso não implica, porém, que a soberania não poderia mais ser compatibilizada com as novas tendências. A alteração da titularidade do poder transforma a soberania do monarca em soberania popular.


Em essência, o conceito de soberania foi formado a partir de meados do século XVI para permitir a resolução do problema ocidental da instituição de uma autoridade ao mesmo tempo legítima, portanto consentida e eficaz, e de uma comunidade política que reúna um grande número de indivíduos vivendo em comum em um território nacional.



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Informações Sobre o Autor

Luzia Gomes da Silva

Doutoranda na UMSA/ Universidad del Museo Social Argentino, em Ciências Jurídicas e Sociais; Especialista em Metodologia do Ensino da História no Processo Educativo, pela Faculdade de Educação São Luís; Bacharel em Direito pela Faculdade de Alagoas/Sociedade de Ensino Superior de Alagoas, desde dezembro de 2007; Bacharela em História pela FAFILE, concluído em julho de 1986; Bacharela em Geografia (Estudos Sociais) pela PUC- -Minas Gerais (1982); Especialista em Direito Constitucional.


Equipe Âmbito Jurídico

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