Resumo: Estudo introdutório da lei que regulamentou as guardas civis municipais a partir da sua previsão constitucional do art. 144, §8º. Conceito de estatuto. Princípios aplicáveis no exercício da função. Direitos humanos e políticas públicas.
Abstract: Introductory study of the law which regulated municipal civil guards from its constitutional provision of art. 144, § 8. Concept of status. Principles applicable on the exercise of the function. Human rights and public policy.
Palavras-chave: Poder de polícia.
Keywords: Police power.
Sumário: Introdução. Estatuto Geral das Guardas Municipais. Estatuto. Disposições preliminares. Princípios. Proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas. Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Direitos da cidadania. Observação. Preservação da vida e redução do sofrimento e das perdas. Patrulhamento preventivo. Compromisso com a evolução social da comunidade. Princípio do uso progressivo da força.
Introdução.
O desenvolvimento deste trabalho seguirá as etapas de construção de textos jurídicos, ou seja, de análise de disposições legais em cotejo com aspectos de ciência do direito.
Assim como os demais trabalhos, este texto busca tornar acessíveis aos cidadãos a leitura e a compreensão dos textos legais que podem e devem trazer reflexos na vida de cada um.
Estatuto Geral das Guardas Municipais.
A Lei 13.022, de 8/8/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, institui normas gerais para as guardas municipais, disciplinando o art. 144, §8º da Constituição Federal de 1988.
Ao tratar de um estatuto geral, a lei estabelece o corpo de regras em que são postos os princípios institucionais ou orgânicos de todas as guardas municipais do país.
A Lei 13.022, de 2014, disciplina o art. 144, da Constituição Federal de 1988, que prevê que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos órgãos que prevê, dentre os quais: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. Após esta previsão, por meio do §8º do mesmo artigo, a Constituição assegura aos Municípios a possibilidade de constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme disposição legal.[1]
Em outras palavras, a Constituição mesma previu a criação pelos municípios de suas guardas com fins específicos de proteger os seus bens, serviços e instalações, conforme a lei que ora se analisa.
Estatuto.
A palavra estatuto nasceu do latim e significava estabelecer, constituir, fundar. Amplamente considerado, estatuto é lei ou regulamento onde são estabelecidos princípios institucionais ou orgânicos de uma corporação pública ou privada.[2]
Estatuto é o conjunto de normas ou regras observadas por uma instituição, a ser utilizado como lei orgânica, pelas qual, desta forma, passa a ser regida.[3]
Os estatutos criam regras para as relações dos indivíduos componentes da instituição de que tratam e podem impor sanções para os atos contrários aos interesses sociais, consistentes na exclusão ou na suspensão de direitos, ou de outras penalidades, até mesmo pecuniárias.[4]
Os estatutos não possuem características contratuais, mas de pacto ou legal. Estatuto é, assim, a constituição fundamental da pessoa jurídica, por ela regulada. É um pacto coletivo.[5]
Para o Direito Administrativo refere-se ao conjunto de princípios e regras que regulam as atividades dos servidores públicos, assegurando as vantagens e direitos sobre o exercício dos respectivos cargos ou funções. “É o estatuto dos servidores”.[6]
Disposições preliminares.
A Lei 13.022, além de cumprir a determinação constitucional de regular as guardas municipais criadas para protegerem seus bens, serviços e instalações, a título de disposição preliminar também determina que é tarefa das guardas municipais, instituições civis e não militares, uniformizadas e armadas de acordo com previsão legal, exercer a atribuição preventiva de proteção ao município, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Princípios.
O caput do art. 3º da Lei fala em princípios mínimos de atuação das guardas municipais. Não se pode deixar de abordar o significado da adjetivação utilizada para caracterizar os princípios da atuação das guardas municipais.
Mínimo é o que há de menor em alguma coisa. Por princípios mínimos de atuação das guardas municipais, portanto, podem ser considerados os valores primeiros e iniciais de atuação das guardas municipais em relação às sociedades onde forem as mesmas constituídas.
Proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas.
Inicialmente, princípio mínimo de atuação da guarda municipal é a proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas.
As guardas municipais, como não poderiam deixar de ser, são garantidoras dos direitos humanos fundamentais dos munícipes e constituem, desta forma, o primeiro grupo de proteção a estes direitos posto que tudo começa no município.
Também o exercício dos direitos da cidadania é objeto de proteção das guardas municipais. Direitos de cidadania podem ser considerados aqueles relativos ao poder de participação da vida política do município ou do país.[7]
Observe-se que é muito comum a utilização conjunta das referências aos direitos humanos, direitos fundamentais e direitos de cidadania. Entretanto, pode ser explicado de modo independente cada um destes termos relativos aos direitos humanos, aos direitos fundamentais e aos direitos de cidadania. Já em relação ao texto legal, também se pode utilizar um significado próprio para liberdades públicas.
Direitos Humanos e Direitos Fundamentais.
Direitos humanos têm a ver com as necessidades mais básicas de toda a humanidade que nem sempre foram respeitados pelos governantes. Abordar direitos humanos muitas vezes é legitimar barreiras aos poderosos que, em uma situação de maior força e poder, abusam dos mesmos sobre as pessoas e as atingem em seus direitos mais fundamentais, em seus direitos mais básicos e elementares facilmente perceptíveis.
As origens dos direitos humanos estariam em todos os momentos nos quais, a qualquer título, uma pessoa natural tivesse seus direitos mais fundamentais, seus direitos naturais, violados por alguém.[8]
Segundo Erival Oliveira, os direitos humanos foram incrementados em importância durante o século XX. No século XXI, portanto, já estariam incorporados ao pensamento jurídico.
Os fundamentos teóricos dos direitos humanos estariam no positivismo ou no jusnaturalismo.
Segundo os autores do positivismo, previstos no ordenamento jurídico interno, ou seja, na Constituição e nas normas infraconstitucionais, como é o caso brasileiro, os direitos humanos podem ser exigidos. Além disto, também podem ser exigidos se estiverem previstos em tratados e em convenções internacionais sobre direitos humanos.
Em relação aos que defendem os direitos humanos como parte do jusnaturalismo, a pessoa humana seria o fundamento, seria a base e a razão de ser dos direitos humanos. A pessoa humana deveria ser tratada de modo justo e solidário.
Seriam marcos históricos dos direitos humanos o Iluminismo, a Revolução Francesa e a IIª Guerra Mundial.
O Iluminismo foi o movimento caracterizado pela exaltação da razão, do espírito crítico e da fé na ciência, em geral. Foram personalidades marcantes os filósofos John Locke, Jean-Jaques Rousseau, Thomas Hobbes, Immanuel Kant e Montesquieu. Estes autores teriam precedido os direitos humanos, teriam fundamentado filosoficamente o momento seguinte que experimentou a sociedade humana após a eclosão do movimento da Revolução Francesa de 1789.
As primeiras declarações de direitos humanos foram impulsionadas pelo iluminismo. Destaque-se a Declaração de direitos do Homem e do Cidadão, de 26.08.1789.
A Revolução Francesa teria feito nascer os ideais dos direitos humanos representados nos seguintes valores: igualdade, liberdade e fraternidade.
Após o fim da II Guerra Mundial, em 1945, tomou-se consciência de que as atrocidades então cometidas pelos alemães, pelos ingleses, norte-americanos e por quaisquer outros exércitos não poderiam acontecer novamente.
No momento seguinte foi criada a Organização das Nações Unidas e foram assinados diversos tratados internacionais de direitos humanos como, por exemplo: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional de direitos Civis e Políticos, etc.
Direitos Humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos. Direitos civis e políticos, podem ser exemplificados como direito à vida, direito à propriedade, direito às liberdades de pensamento, direito de expressão, direito de crença, direito de igualdade formal de todos perante a lei, direito à nacionalidade, direito de participação do governo do seu Estado, direito de votar e direito de ser votado, entre outros, com base no valor de liberdade.[9]
Também são considerados direitos humanos os direitos econômicos, sociais e culturais como direitos ao trabalho, à educação, à saúde, à previdência social, à moradia, à distribuição de renda, entre outros, fundamentados no valor igualdade de oportunidades.[10]
Finalmente, são os direitos difusos e coletivos, direito à paz, direito ao progresso, direito à autodeterminação dos povos, direito ambiental, direitos do consumidor, inclusão digital, entre outros, fundamentados no valor fraternidade.[11]
Em relação aos Direitos Fundamentais, ponto pacífico é a sua identidade com os direitos humanos. Em outras palavras, direitos fundamentais são direitos humanos.
O texto da Constituição Federal de 1988, em seu Título II, denominado Direitos e Garantias Fundamentais, segundo Silva, é subdividido em cinco capítulos, ou seja, direitos individuais e coletivos, previstos no art. 5º e ligados ao conceito de pessoa humana e à sua personalidade; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; partidos políticos.[12]
Direitos da cidadania.
Em relação aos direitos da cidadania, por sua vez, são os mesmos considerados uma extensão dos direitos humanos. É comum a expressão direitos humanos e da cidadania significando ponto chave para a produção de políticas públicas com o fim de satisfazê-las mediante a sua promoção, garantia e defesa.[13]
No município de Belo Horizonte, por exemplo, a Secretaria Municipal Adjunta de Direitos da Cidadania atua em volta de três grandes eixos, ou seja, Educação Política em Direitos Humanos e Cidadania, Promoção de Ações Afirmativas e Atendimento Psicossocial e Orientação Jurídica.[14] Tal consideração seria um sinal de atuação para reforçar a indivisibilidade destes direitos. Além disto, a estrutura de uma Secretaria Municipal consolidaria administrativamente a universalidade e a especificidade dos direitos fundamentais para a consolidação da cidadania contemporânea.[15]
Observação.
A constatação a que se chega é a de que as guardas municipais devem primeiramente pautar sua ação pelo respeito aos direitos humanos e pela garantia aos munícipes do exercício de seus direitos de cidadãos.
Preservação da vida e redução do sofrimento e das perdas
O segundo princípio mínimo da atuação das guardas municipais é o da preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas. Preservação da vida é o próprio dever de resguardar o direito humano à vida em todas as suas dimensões, incluídas a redução do sofrimento e a diminuição das perdas decorrentes de todo o tipo de fatos que causem dor e prejuízo aos cidadãos dos municípios.
Patrulhamento preventivo
O princípio do patrulhamento preventivo tem a ver com a presença dos guardas municipais nas ruas da cidade a fim de evitar a prática de atos que causem prejuízos aos munícipes, destacando-se, primeiramente, a atuação daqueles que desrespeitam as leis e ou os direitos dos demais munícipes, fazendo imperativa a utilização do poder de polícia a ser conferido aos guardas municipais para restringir a utilização abusiva de direitos individuais ou a prática de atos ilícitos contra os demais cidadãos do município.
O princípio do patrulhamento preventivo, no entanto, deve ser amplamente discutido em sua aplicação a fim de não se sobrepor à atuação do policiamento realizado pelas polícias militares estaduais na defesa da segurança dos cidadãos.
Compromisso com a evolução social da comunidade.
Este compromisso deve ser ponderado a partir da competência dos municípios de cuidar dos assuntos de interesse local. A evolução social de uma comunidade representa todo um arcabouço de políticas públicas e de medidas de ação dos poderes públicos em prol do desenvolvimento das coletividades que fazem parte dos municípios. O princípio do compromisso com a evolução social da comunidade, então, representa o dever das guardas municipais praticarem na implantação mesma das políticas públicas municipais de melhoria na vida de todos os seus habitantes.
Princípio do uso progressivo da força
Exemplos do princípio do uso progressivo da força podem ser os das guardas municipais que utilizam armamentos que causam paralisia temporária aos infratores, sendo exemplos o spray de pimenta e os equipamentos teaser.[16]A compra destes armamentos pelo Ministério da Justiça com recursos do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci)[17] foi realizada para o lançamento da Campanha Nacional do Desarmamento.
A utilização de equipamentos causadores de paralisia temporária e dos sprays de pimenta é um passo à frente na atuação das Guardas Civis Municipais em prol do atendimento do princípio do uso progressivo da força na preservação da vida e dos direitos humanos como um todo.
Para se caracterizar o uso progressivo da força, basta ser considerado que para ameaças menores, medidas de menor potencial capazes de neutralizá-las podem e devem ser utilizadas, algo como o cumprimento do princípio administrativo da proporcionalidade entre meios e fins evitando o abuso de poder dos guardas municipais.
De outra forma, o uso progressivo da força é estudado e considerado no que toca aos seguintes passos: 1. A força deve ser utilizada progressivamente, sempre que possível; 2. O aumento da utilização da força ocorrerá se as circunstâncias mudarem e deve ser feito de maneira consciente e proporcional.[18]
Informações Sobre o Autor
Francisco Mafra.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.