Estudos sustentáveis sobre a determinação da vazão de rios para obras de engenharia do tipo barragens

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Resumo: Por meio do estudo de algumas metodologias técnicas aplicadas em bacias hidrográficas de rios brasileiros, como também em casos internacionais, vislumbra-se encontrar saídas ecologicamente sustentáveis ou ao menos, não puramente estatísticas, para obras de engenharia do tipo barragens. A metodologia aplicada foi bibliográfica e estudo de caso. Utiliza-se o estudo de caso do Rio Tibagi, localizado no Estado do Paraná como exemplo prático de aplicação de certa metodologia que possui um olhar mais holístico quanto às questões sociais e ambientais, ou seja, com enfoque além do tecnicismo. Discute-se também os pontos positivos e negativos decorrentes da implementação de barragens, principalmente no que concerne a geração de energia elétrica a partir das hidrelétricas. Tema levantado durante a Conferência da Rio + 20, em 2012, em dois de seus documentos.

Palavras-chaves: vazão ecológica, sustentabilidade, recursos hídricos, Rio Tibagi.

Abstract: Through the study of some techniques methodologies applied in Brazilian river basins, as well as in international affairs, glimpses find outlets ecologically sustainable or at least not purely statistics for engineering works like dams. It was used the case study of Tibagi River, located in the state of Paraná as a practical example of application of certain methodology that has a more holistic look at how social and environmental issues, ie, focusing beyond the technicality. It was discussed also the pros and cons of implementing dams, especially with regard to electricity generation from hydropower. Theme raised during the Rio + 20 Conference, in 2012, in two of his documents.

Key-words: instream flow, sustainability, water resources, Tibagi River

Sumário: Introdução. 1. Vazão Ecológica. 2. Estudo de Caso – Rio Tibagi. 3. Discussão. Considerações. Referências.

Introdução

Busca-se por meio deste artigo demonstrar que algumas metodologias técnicas aplicadas em determinados meios ambientes, especificamente rios, podem gerar uma melhor sustentabilidade no que concerne a obra de engenharia, do tipo barragem.

1 Vazão Ecológica

As barragens são associadas às iniciativas destinadas ao aproveitamento hídrico (ou energético), cujas finalidades podem envolver os seguintes objetivos (DIAS, 1999, p. 281): “a) Geração de energia elétrica; b) Controle de enchentes; c) Irrigação; d) Navegação; e) Abastecimento de água; f) Regularização de vazões e g) Piscicultura”.

A Resolução CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hidricos nº 37 (2004) estabelece diretrizes para a outorga de recursos hídricos para a implantação de barragens em corpos de água de domínio dos Estados, do Distrito Federal ou da União. Para a resolução, uma vazão de restrição é definida como a vazão que expressa os limites estabelecidos para que haja o atendimento satisfatório aos múltiplos usos dos recursos hídricos e que orienta a operação do reservatório. Os múltiplos usos podem ser exemplificados conforme itens “a” a “g” no parágrafo acima.

Analisando o artigo de Walter Collischonn et al. Em Busca do Hidrograma Ecológico, percebe-se que os critérios utilizados para definir as vazões remanescentes em rios, quando do projeto e da construção de hidrelétricas, têm tido um valor único, válido para todos os anos e para todas as estações do ano.

Contudo, de acordo com Collischonn (Ibid), a quantidade de água necessária para além de manter a vida natural de um rio concomitantemente a uma obra realizada pelo homem, como uma barragem, por exemplo, é variável no tempo, e os critérios de definição de vazão remanescente nos rios deveriam contemplar não apenas as situações de vazões mínimas durante os períodos de estiagem, mas também os outros períodos que caracterizam o regime hidrológico.

“As metodologias desenhadas para avaliar vazões ecológicas sintonizadas com os avanços teóricos da ecologia de rios, surgiram somente nas décadas de 1970 e 1980” (LONGHI, FORMIGA, 2011, p. 34).

Existem aproximadamente 207 metodologias, distribuídas em 44 países, para a avaliação da vazão ecológica classificadas em quatro tipos principais: hidrológicas, hidráulicas, habitat e holísticas (SARMENTO, 2007).

As metodologias hidrológicas (LONGHI, FORMIGA, 2011) são as que utilizam dados hidrológicos (séries temporais de vazões diárias ou mensais) para fazer recomendações sobre a vazão ecológica a adotar. Geralmente elas fixam um percentual ou proporção da vazão natural do curso de água em questão para representar a vazão ecológica. O segundo tipo, as metodologias hidráulicas, considera as mudanças em variáveis hidráulicas simples, como perímetro molhado ou profundidade máxima, medidas numa única seção transversal dos rios. As vazões ecológicas são obtidas através de uma figura no qual é representada a variável em estudo e a vazão. O terceiro tipo abrange as metodologias que utilizam o habitat, e objetivam avaliar a vazão ecológica quanto ao habitat físico disponível para as espécies pesquisadas. Estas metodologias são processos de desenvolvimento de uma política de vazão ecológica que incorpora regras variáveis ou múltiplas, para uso em negociação com base na vazão para atender as necessidades de um ecossistema aquático, considerando as demandas de abastecimento de água e de seus outros usos. Elas normalmente implicam na determinação de uma relação de vazão-habitat, a fim de comparar alternativas de vazão ecológica ao longo do tempo. As metodologias holísticas, quarto tipo, identificam os eventos críticos de vazão em função do critério estabelecido para variabilidade da vazão, para alguns ou principais componentes ou parâmetros do ecossistema do rio. Elas são, em síntese, maneiras de organizar e usar dados de vazão e conhecimento. É uma metodologia que utiliza procedimentos distintos ou métodos para produzir resultados que nenhum outro procedimento e/ou método produziria sozinho.

As vazões chamadas de residuais, remanescentes, ecológicas ou ambientais, são definidas, pois, como a quantidade de água que permanece no leito dos rios depois de retiradas para atender usos externos como abastecimento público, industrial, irrigação, dessedentação animal, energia elétrica, etc. Dessa forma, os usuários de água devem assegurar vazões mínimas para a manutenção dos ecossistemas aquáticos, ribeirinhos e dos bancos de areia, conforme Souza, Fragoso Jr e Giacomoni (2004).

Assim, os autores Collischonn et al apresentam uma das metodologias existentes, que é a de manejo adaptativo que se aproxima da sustentabilidade ecológica da água, que já vem sendo aplicada na América do Norte, porém no Brasil esta metodologia é, por enquanto, apenas discutida e pouco utilizada. O termo utilizado por muitos autores na definição de sustentabilidade ecológica de um rio, ou da água em si, refere-se especificamente à vida natural que tal ambiente levaria se ali nenhuma interferência humana houvesse. Ocorre que nem sempre isso se chega ao ideal, principalmente pelo simples fato de que qualquer alteração e/ou interferência mínima que seja ali aplicada, já estará alterando o micro ou macrossistema daquele rio. Por isso, entende-se que tal definição trata-se mais de uma utópica teoria ambiental da área de engenharia, para que os ambientalistas, agentes públicos e defensores dos ecossistemas se “sintam” mais confortáveis aos concederem as autorizações públicas e consentirem com este tipo de obras de engenharia.

O reconhecimento do problema ambiental interligado à quantidade de água nas vazões remanescentes ou residuais, que deveriam ser mantidas no rio durante as épocas de estiagem (seca), as chamadas “vazões ecológicas”, é um tema recente e de pouco estudo interdisciplinar, mas já bastante estudado tecnicamente[1], ou seja, do ponto de vista da engenharia.

A sustentabilidade desta vazão dada aos rios brasileiros dá suporte à legislação dos recursos hídricos, e é importante “porque evitam, em muitos casos, que rios inteiros sejam completamente utilizados para usos consuntivos (irrigação), chegando a secar seu leito” (Ibid, p. 3).

Porém, os autores (POFF et al., 1997; BUNN E ARTHINGTON, 2002; POSTEL E RICHTER, 2003; NAIMAN et al., 2002 apud COLLISCHONN et al. 2003. p. 2) entendem que:

“os períodos de estiagem são apenas uma das faces do regime hidrológico. A qualidade ambiental de um rio e dos ecossistemas associados é fortemente dependente do regime hidrológico, incluindo a magnitude das vazões mínimas, a magnitude das vazões máximas, o tempo de duração das estiagens, o tempo de ocorrência das cheias, a frequência das cheias, a época de ocorrência dos eventos de cheias e estiagens, entre outros”.

Este é o motivo para que haja uma definição específica, para cada rio, de sua vazão mínima; a ser mantida a jusante para o uso equilibrado da água, quando da construção de uma barragem, por exemplo.

A Resolução 01/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) estabelece a obrigatoriedade de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), quando da construção de uma obra que possa ter impacto ambiental.

Na época da publicação desta Resolução, década de 80, a construção das hidrelétricas tinha como justificativa o crescimento nacional (por exemplo, os PND – Planos de Desenvolvimento Nacional). Contudo nos últimos anos, estes empreendimentos não têm tido a mesma receptividade de 30 anos atrás, principalmente em razão dos impactos ambientais que geraram estas obras.

Assim, uma das soluções encontradas foi de restringir a “quantidade de água que poderia ser retirada de um rio, na forma da especificação de uma vazão mínima que deveria permanecer no rio após todas as retiradas de água para uso humano, denominada vazão ecológica” (COLLISCHONN et al. 2003, p. 3). É um modo de evitar a falta de oxigênio para os animais que ali ainda vivem, porém questiona-se como avaliar corretamente o mínimo possível?

A partir do instante que se modifica um espaço natural, o mínimo alterado já resulta em consequências negativas àquele ambiente. A sustentabilidade ecológica dita e esperada pelos técnicos, repita-se, torna-se utópica. Afinal, quando um ambiente natural recebe alterações antropológicas em seu sistema, ainda que benéficas para a população (o que se espera com estes tipos de obras), ele deixa de ser sustentável e cíclico naturalmente.

Os métodos hidrológicos hoje ainda aplicados em algumas obras não analisam o aspecto ambiental e interdisciplinar (de outras temáticas, como questão social, religiosa, holística) da implantação de uma barragem no rio, apenas:

“presumem que a manutenção de uma vazão de referência, calculada com base em alguma estatística da série histórica, possa acarretar benefício ao ecossistema. A principal vantagem destes métodos está na pequena quantidade de informações necessárias para sua implementação, em geral apenas a série histórica de vazões” (COLLISCHONN et al. 2003, p. 4).

Enquanto o método sugerido pelos autores citados anteriormente leva em consideração os aspectos ambientais de forma holística, pois contemplam várias etapas, como “a identificação das características físicas e ambientais do local em estudo, um plano de estudo elaborado por uma equipe multidisciplinar, chegando até a análise de diferentes alternativas antes da tomada de decisão” (Ibid). Esta metodologia pode ainda levar em conta o aspecto econômico da região, se dispondo a pagar pela preservação ambiental e os benefícios criados pela utilização da água, mas nem sempre este método é interessante economicamente aos investidores destes empreendimentos.

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Os autores (LOWE-MCCONNEL, 1999 apud COLLISCHONN et al. 2003, p. 8) trazem ainda o exemplo do Rio Paraná quanto à questão das cheias e da reprodução favorável dos peixes. Caso não houvesse um estudo pormenorizado junto a este rio, muito provavelmente a época de reprodução e estoque seria prejudicada.

“Estudos realizados no rio Paraná mostram que cheias prolongadas afetam favoravelmente os estoques de alguns peixes (por exemplo, os curimbas), reduzindo a mortalidade de peixes jovens porque prolongam o período de alta disponibilidade de abrigo e, assim, limitam o número de predadores potenciais pelo maior tamanho alcançado pela presa (curimba jovem) quando esta volta ao rio principal, durante a vazante”.

E ainda “as diferentes espécies de um ecossistema associado a um rio respondem de formas diferentes aos eventos hidrológicos como cheias e estiagens”, complementa Collischonn et al. (2003, p. 8).

A proposta de metodologia sugerida por esses autores chama-se: MESA – Manejo Ecologicamente Sustentável da Água, que requer o gerenciamento dos recursos hídricos de uma maneira equilibrada entre os usos para os seres humanos juntamente à manutenção ou à recuperação da integridade dos ecossistemas associados à reprodução dos peixes e dos demais animais que vivem daquele ou naquele rio.

A metodologia MESA está organizada em seis passos, que são (Ibid, p. 9) os seguintes, de caráter informativo:

“(1) estimar necessidades de vazão para conservar os ecossistemas naturais associados ao rio;

(2) estimar as necessidades de vazão atuais e futuras para uso humano;

(3) avaliar os conflitos entre usos humanos e necessidades dos ecossistemas;

(4) buscar soluções para os conflitos de forma colaborativa;

(5) realizar experimentos práticos de manejo de água;

(6) desenvolver um programa de manejo adaptativo, baseado no monitoramento hidrológico e ambiental, com o objetivo de reduzir as incertezas envolvidas na resolução dos conflitos.”

Esta metodologia (MESA) e outras, como o IFIM (Instream Flow Incremental Methodology, que é um “método conceitual para determinar o efeito do desenvolvimento do recurso hídrico ou atividades de gerenciamento em ecossistemas aquáticos, ribeirinhos e dos bancos de areia” (SOUZA, 2004, p. 6)) já vêm sendo aplicadas nos Estados Unidos, desde 1982, e tem grande potencial em serem também aplicadas nos rios brasileiros, pois contribuirão no fato de que, conforme Longhi e Formiga (2007)

“as metodologias incrementais, sendo uma delas a MESA, servem como um excelente instrumento para a tomada de decisões pelo poder público, pelo comitê de bacia e outras partes interessadas, no que se refere ao gerenciamento dos recursos hídricos da bacia hidrográfica, visto que proporciona a simulação de vários cenários e/ou situações futuras de interesse dos usuários da bacia”.

Obviamente que essas metodologias e quaisquer outras que venham a ser aplicadas aos rios trarão alterações, a priori indesejadas, ao ecossistema ali vivente e também às pessoas que moram no entorno do rio.

Porém, por meio de estudos bem fundamentados e de longo prazo, podem vir a auxiliar na implantação de obras de engenharia que são necessárias para a geração de energia elétrica, por exemplo. Com certeza, há casos de obras mal desenvolvidas e mal planejadas, sem qualquer preocupação com o meio ambiente e com os moradores ribeirinhos e suas opiniões sobre o assunto, mas isso não pode ser considerado uma regra, quando se trata dos estudos das vazões nas construções de barragens.

Afinal, não só os moradores ribeirinhos poderão se beneficiar com essas obras que geram energia elétrica para seu conforto, mas também outros usuários, de cidades e Estados vizinhos, enfim, todo o sistema.

Estas metodologias têm sido aplicadas, conforme os exemplos a seguir citados por Sarmento (2007, p. 32):

“Em 1999, Northern Shenandoah Valley Regional Commission, Technical Committee; Virginia Tech; United States Geological Survey- USGS; Virginia Department of Game and Inland Fisheries (VDGIF) e Virginia Department of Environmental Quality, iniciaram um estudo para avaliar a resposta da hidráulica e do habitat dos peixes às condições de vazões mínimas na bacia do North Fork Shenandoah River, Virginia, USA.”

A imagem mostra o Rio North Fork Shenandoah, da cidade de Virginia, nos Estados Unidos.

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E continua Sarmento (2007, p.33)

“Os resultados do modelo foram utilizados para identificar vazões de conservação aquática e estabelecer um processo para a implementação da gestão de vazões de conservação aquática nessa bacia. Esse processo facilitou a adoção de medidas de conservação da água para condições de futuras secas extremas.

O Washington State Department of Ecology e o Washington Department of Fish and WildLife, 2001 e 2004, adotam os estudos de vazão ecológica o método aplicado nos  Rios: Green (1989), Entiat e Mad (1955), Little Klickitat (1990), Methou (1992), Tucannon (1995), East Fork Lewis (1999), Kalama (1999), Biq Quilcene (1999), Washougal (1999), Wala (2002) and Chehalis (2004).”

Os resultados destas metodologias trazem dados entre as vazões ecológicas e o meio onde seus peixes vivem, as quais podem ser utilizadas para o mínimo suficiente de vazões pelos peixes nesses rios.

“O European Cooperation in the Field of Scientific and Technical Research (COST) é uma cooperação inter-governamental entre cientistas e pesquisadores na Europa, com a participação de 35 países. Um projeto em execução, de três anos, é o COST ACTION 626: “European Aquatic Modelling Network (EAMN)” envolvendo Áustria, Finland, France, Germany, Great Britain, Norway and Switzerland, que trata da modelagem da determinação das vazões ecológicas em bacias hidrográficas na Inglaterra e em Wales.

O conhecimento da vazão ecológica de um rio é um processo complexo que inclui a evolução da ciência, um público com interesses diversos, e um conjunto de aspectos legais e institucionais. Para ser mais efetivo, os atores envolvidos no processo para a determinação da vazão ecológica, devem considerar um programa específico para tratar com a vazão ecológica, administrado por profissionais treinados, cuja função principal seja trabalhar com os temas da vazão ecológica da bacia hidrográfica do rio, como preconizado pelo IFC-Instream Flow Council, 2004, e a IUCN – The World Conservation Union, 2003.” (SARMENTO, 2007, p.33)

O programa é elaborado por profissionais voltados aos estudos das barragens, ou seja, engenheiros e arquitetos, aliando ciência e tecnologia nessa área de conhecimento, porém também recebe auxílio dos operadores do Direito para a sua implementação, já que previsto nos contratos de licitação, elaborados pelo governo com “auxílio” das empresas concorrentes do certame.

2 Estudo de Caso – Rio Tibagi

A partir do ano 2000 (REIS, 2007), iniciou-se no Brasil a utilização da metodologia habitat, especificamente o método IFIM, já anteriormente citado.  Salienta-se que todas as abordagens são destituídas de significado ecológico e que a vazão ecológica é determinada indiretamente, a partir dos critérios de outorga adotados pelos Estados. Assim, a Política Nacional de Recursos Hídricos, determina que a vazão residual ou remanescente deve satisfazer às seguintes demandas: sanitária, ecológica (vazão ecológica), abastecimento humano e industrial, dessedentação de animais, geração de energia elétrica, irrigação, navegação, lazer, dentre outras, não havendo, contudo, uma clara definição de como será calculada essa vazão.

O IFIM tem sido considerado como a metodologia que utiliza o habitat de modo científico e confiável para avaliar a vazão ecológica. O método permite avaliar os aspectos temporais e espaciais do habitat do rio como uma consequência das propostas de gestão dos recursos hídricos. “A coleta de dados requer muito tempo, equipamentos caros e necessita equipe multidisciplinar para trabalhar os seus módulos e a interpretação das análises requer biólogos treinados” (LONGUI e FORMIGA, 2007, p. 46).

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Na hidrelétrica da Bacia do Rio Tibagi, por sua vez, utiliza-se outra metodologia que vem sendo aplicada recentemente.

É a chamada Avaliação Ambiental Integrada (AAI) que faz a avaliação de aproveitamentos hidrelétricos situados em diferentes bacias hidrográficas, tendo como objetivo “avaliar a situação ambiental da bacia com os empreendimentos hidrelétricos implantados e os potenciais barramentos, considerando seus efeitos cumulativos e sinérgicos sobre os recursos naturais e as populações humanas” (EPE, 2012), e os usos e potenciais dos rios atual e futuramente.

“A AAI leva em conta a necessidade de compatibilizar a geração de energia com a conservação da biodiversidade e manutenção dos fluxos gênicos, e sociodiversidade e a tendência de desenvolvimento socioeconômico da bacia, a luz da legislação e dos compromissos internacionais assumidos pelo governo federal.       (EPE, 2012)

O EPE é a Empresa de Pesquisa Energética, sendo uma empresa pública, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responsável por estudar o planejamento do setor energético, envolvendo energia elétrica, petróleo, gás, fontes renováveis, geração nuclear e o carvão, ou seja, trata especificamente da eficiência energética brasileira.

No quadro abaixo se apresenta o uso de energia elétrica no Brasil, no ano de 2011.

O objetivo deste artigo é demonstrar através de estudos bastante técnicos que é possível trazer soluções ambientalmente sustentáveis e viáveis para a construção de barragens hidrelétricas nos rios brasileiros.

Os autores (COLLISCHONN et al, 2003, p. 18) ainda indicam que “um desafio importante está relacionado aos estudos interdisciplinares entre a hidrologia e a ecologia”. É indispensável saber qual o tipo de metodologia aplicado àquele ecossistema para responder às grandes questões do conhecimento sobre o regime hidrológico brasileiro e o seu ecossistema específico.

Para se ter uma ideia sobre a utilização de energia renovável ou não pelo Brasil e pelo Mundo, apresenta-se o quadro abaixo.

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Percebe-se que os usos energéticos renováveis brasileiros são muito acima do uso mundial, em 2011, 44,1 %, o que de certa forma é algo favorável, mas ainda não ideal. Os usos renováveis englobam a biomassa da cana, a energia hidráulica, a lenha, o carvão vegetal, a lixívia (água de lavagem das cinzas da queima de madeira), a energia eólica e outras. Já as fontes não renováveis são o petróleo e seus derivados, o gás natural, o carvão mineral e o urânio.

O Brasil é considerado hoje o 3º país em potencial hidroenergético instalado do mundo, o que mostra o seu grande desempenho em poder gerar energia para ser autossuficiente. O quadro abaixo confirma tal situação, o Brasil estando apenas atrás da China e Rússia.

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O inventário e o AAI, por sua vez, que estão sendo realizados no Rio Tibagi, do Estado do Paraná, tem o objetivo de determinar o potencial hidrelétrico daquela bacia, buscando a identificação de um empreendimento que possa produzir mais energia com um menor custo de investimento, consequentemente espera-se um menor impacto ambiental e socioeconômico.

O licenciamento ambiental – conhecido como EIA RIMA – diz que para os estudos de barragens, necessário se faz caracterizar o meio biológico através de coleta de flora e fauna. Alguns órgãos públicos, exemplo IBAMA, FATMA/SC, exigem que essas coletas abranjam tanto o período de seca quanto de cheia do rio onde será instalada a obra. Neste caso é preciso de no mínimo um ano para realizar essas coletas.

Desde a década de 60 já se estuda a possibilidade de implantar barragens neste rio, contudo as metodologias aplicadas até então, não demonstravam a sua viabilidade, conforme EPE (2012).

Os impactos socioambientais encontrados e identificados foram os seguintes, de acordo com EPE (2012):

“- Usina de pequeno porte (32MW)

– Reservatório pequeno (~ 7km2)

– Não atingirá núcleo urbano, nem terras indígenas, mas atinge uma pequena área da APA (área de proteção ambiental) da Escarpa Devoniana e uma pequena área de vegetação nativa.”

“Essa situação resulta que a inclusão de Tibagi Montante deve produzir pequena influência sobre os efeitos sinérgicos e cumulativos dos impactos causados pela alternativa selecionada” (Ibid).

3 Discussão

Nem sempre as metodologias aplicadas são suficientemente favoráveis a todos os atores sociais envolvidos. Algumas pessoas e até mesmo cidades podem vir a sofrer impactos a partir do desenvolvimento de empreendimentos da monta de uma usina hidrelétrica e os “direitos que vem sendo negociados através do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), iniciado na Bacia do Rio Uruguai (SC/RS) no final da década de 1970, contando atualmente com projeção nacional e internacional” (Reis, 2012, p.99), são uma das diversas formas de se discutir estas metodologias, ainda que já implantadas e acabadas.

O que se percebe, de acordo com Reis (2012) é que desde o início da intervenção estatal na produção de energia elétrica há a priorização dos aspectos técnicos e econômicos com estas obras entrando em descompasso com uma série de prejuízos ou efeitos negativos socioambientais provocados pelo processo de instalação das usinas voltadas para este fim.

Caubet (2005, p.5) trata da questão da participação “popular” quando das decisões referentes à gestão da água

“O fato de reputar que a participação política é fundamental, quando se trata de gestão da água, exige que se analise se a participação prevista pelos textos jurídicos corresponde a práticas de cidadania. A palavra participação não é auto-suficiente nem auto-explicativa; não santifica qualquer tipo de reunião ou de decisão pelo simples fato de ser utilizada. O conteúdo efetivo das relações ditas de participação deve ser examinado, para qualificar adequadamente essas relações.”

Deléage (1991) entende que entre as causas que se opõem ao progresso da humanidade no caminho para a felicidade, de ordem biológica, é a relativa à tendência de todos os seres vivos aumentarem a espécie para além dos recursos alimentares de que podem dispor os homens, crescendo segunda a progressão 1,2,4,8,16, enquanto os meios de subsistência crescerão segundo a progressão, 1,2,3,4,5,6. No fim de dois séculos, população e meios de subsistência terão uma relação de 256 para 9. O crescimento da população tende para um limite imposto pelo caráter finito dos recursos disponíveis.

Deste modo, a própria limitação dos recursos alimentares deve ser levada em conta quando se trata dos meios de gerar energia, pois para que o alimento chegue à boca destas pessoas, existe todo um trajeto, ou seja, um sistema de distribuição e gerência destes produtos, que somente por meio do uso da energia elétrica (refrigeração de alimentos, armazenamento adequado para que não estraguem, distribuição nos mercados, etc) e de energias não renováveis (petróleo, carvão) poderá ser alcançado.

Assim, ainda sobre as mudanças ocorridas na vida de populações afetadas pela construção de barragens.

“Do ponto de vista social, no caso das populações rurais, mais comumente vítimas dos processos em pauta, trata-se da destruição e perda do acesso a áreas de produção e captação de recursos naturais e de postos de trabalho, do rompimento do tecido social comunitária, além da mutilação ou total transformação dos espaços simbolicamente mapeados, tais como bens comunitários – entre outros, escolas, igrejas, cemitérios, áreas de sociabilidade e de lazer, – compreendendo também aspectos cognitivos, míticos e afetivos” (REIS; 2012, p. 104 e BLOEMER, 2001, p. 12)

Vale lembrar que os EIAs e RIMAs têm recebido muitas críticas juntamente com as metodologias aplicadas nas barragens pelos integrantes do MAB e de outros movimentos sociais. Necessário, nas mais das vezes, haver correções e complementações para que haja critérios avaliadores dos efeitos socioambientais mais precisos, em razão da obra que está em estudo, havendo assim, mitigações para as populações regionais e locais atingidas.

Considerações

Analisando algumas das metodologias aplicadas nas barragens brasileiras e também nos casos internacionais pode se concluir que cada rio, ou melhor, “cada caso, é um caso”. Os regimes hidrológicos que se aplicam ao Rio Tibagi, no Paraná, não se aplicariam ao Rio Xingu (Barragem de Belo Monte), por exemplo, e assim sucessivamente para outros casos.

Os estudos tanto de impacto ambiental como do regime hidrológico dos recursos hídricos disponíveis para possíveis barragens é tema dos mais complexos. A questão econômica e energética muitas vezes suplanta as questões socioambientais, que detém a mesma ou até maior importância, mas nem sempre é assim vista.

O tema barragens vem sendo tratado, com cuidado e desconfiança por parte dos ambientalistas, principalmente a corrente mais realista, contudo interessante analisarmos os pontos positivos da vinda e instalação de barragens para fins de geração de energia, a partir de hidrelétricas. O principal deles é a própria geração e o outro é a possibilidade das pessoas que antes viviam sem qualquer “conforto elétrico” vir a sentí-lo, a partir desta instalação.

O Documento Cúpula dos Povos (2012, p.9) prevê Causas Estruturais que tratam de diversos temas, sendo as hidrelétricas um deles.

A economia verde é mais uma forma de despossuir os povos, com mais apropriação da terra e do território, e não pode ser solução para as crises ambientais. Agrava as desigualdades de gênero, raça e etnia, bem como a injustiça ambiental. Grandes projetos de infra-estrutura como as grandes hidrelétricas, a matriz energética e o atual modelo de produção e consumo são incompatíveis com o cuidado com a vida. Algumas energias renováveis, como a eólica, em mãos das grandes empresas também vêm causando injustiças ambientais e expulsando os povos de seus territórios. Além disso, o modelo energético que promove a economia verde baseado na biomassa repete os erros do modelo energético baseado na exploração e uso dos combustíveis fósseis.

É ainda considerada como uma falsa solução, apresentada por governos e as grandes corporações, para alimentar a humanidade, “a produção de energia em grande escala (seja por meio de hidrelétricas, “fracking”, o petróleo e a camada do pré-sal)” (Ibid, p. 19) sendo avaliada como ameaçadora.

Em contrapartida, no Documento da Rio + 20 (2011, p.14) organizada pelos governos participantes, tem-se a seguinte sugestão/determinação no item 13 – Energia:

É possível criar incentivos e promover reformas regulatórias e institucionais com vistas a ampliar o uso de fontes renováveis e, ao mesmo tempo, assegurar oferta e acesso à energia para as populações, sobretudo nos países em desenvolvimento e naqueles de menor desenvolvimento relativo. Dentre as fontes renováveis, a energia hidrelétrica, a cogeração de energia elétrica a partir da biomassa, a energia eólica e solar, entre outras fontes não convencionais, como resíduos sólidos, microalgas e efluentes, são oportunidades para a geração de emprego e desenvolvimento. Deve-se levar em conta ainda a necessidade de implementação de ações, que favoreçam o aumento da eficiência energética. (grifo nosso)

Não se pode, portanto, abandonar nenhum dos lados destes pontos, positivos e negativos, eles devem ser debatidos, questionados e arguidos, sempre levando em consideração ambas as vertentes, para se chegar num “meio termo” consciente e ecologicamente saudável.

 

Referências:
CAUBET, Christian Guy. Antes e depois do dano: da decisão arriscada à certeza do prejuízo. In: VARELLA, Marcelo. Direito, Sociedade e Riscos: a sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco. Brasília: Uniceub. 2006. p. 311-320.
COLLISCHONN, Walter, et al. Em busca do hidrograma ecológico. In: Metodologias para determinação de vazões ecológicas em rios. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 8, no. 2, 2003.
DOCUMENTO de contribuição brasileira à Conferência Rio+20. Disponível em: <www.mma.gov.br/…/182/_…/rio20> Acesso em: 14 nov 2012. Brasília, 2011. 37p.
DOCUMENTOS finais da Cúpula dos Povos na Rio + 20 por justiça social e ambiental. Disponível em: <www.cupuladospovos.org.br/> Acesso em: 14 nov 2012. Rio de Janeiro, 2012
DELÉAGE, Jean-Paul. História da ecologia: uma ciência do homem e da natureza, Le Seuil, collection Points-Sciences, 1991.
DIAS, Maria do Carmo O  et al. Manual de  impactos ambientais: orientações básicas sobre aspectos ambientais de atividades produtivas. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 1999.
EMPRESA de Pesquisa Energética – EPE. GUERREIRO, Amilcar. O contexto energético da avaliação ambiental integrada da bacia do Rio Tibagi.  Londrina e Ponta Grossa, PR. Jul 2012.
LONGHI, Eloisa Helena. FORMIGA, Klebber Teodoro Martins. Metodologias para determinar vazão ecológica em rios. Revista Brasileira de Ciências Ambientais. n. 20, jun 2011. p. 33-48.
REIS, A. A. dos.  Estudo comparativo, aplicação e definição de metodologias apropriadas para determinação da vazão ecológica na bacia do rio Pará, em Minas Gerais. Dissertação (Mestrado de Engenharia) UFMG. Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Belo Horizonte, MG, 2007. 191p.
REIS, Maria José. Projetos de grande escala e campos sociais de conflito: considerações sobre as implicações socioambientais e políticas da instalação de hidrelétricas. Revista Intern. Interd. Interthesis. p.96 a 126, v. 9 n.01 jan jun 2012. UFSC, Florianópolis.
Conselho Nacional de Recursos Hidricos. Resolução – CNRH nº 37, 26 de março de 2004 (Publicado no DOU em 24/06/2004). Estabelece diretrizes para a outorga de recursos hídricos para a implantação de barragens em corpos de água de domínio dos Estados, do Distrito Federal ou da União.
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Nota:
 
[1] Marques et al., 2003; Garcia e Andreazza, 2004; Pelissari et al., 1999; Pelissari et al., 2000; Pelissari e Sarmento, 2001; Sarmento e Pellissari, 1999; Santos et al., 2003; Benneti et al., 2003; Gonçalves et al., 2003; Mortari, 1997, apud COLLISCHONN et al. 2003, p. 3.


Informações Sobre o Autor

Christiane Heloisa Kalb

Doutoranda no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas pela UFSC Florianópolis. Mestre em Patrimnio Cultural e Sociedade pela Univille Joinville. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela ACE Joinville. Advogada atuante em Santa Catarina. Membro representante da OAB-subseção Joinville na Comissão de Patrimnio Cultural – Comphaan da cidade de Joinville


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