A ética e a responsabilização social têm que ser repensadas em todos os seus aspectos.
O homem precisa refletir sobre o seu papel social. O ser humano precisa construir o seu novo ser. Atualmente, temos um grande desafio na vida: construir o nosso ser com espírito ético, fraternal e voltado para o resgate de uma hipoteca social.
Temos a seguinte realidade crua: dois terços da população mundial vivem em condições de pobreza absoluta e cerca de dezessete por cento desse contigente passa fome. Sabe-se que o número de pobres é um bom instrumento para se avaliar o desenvolvimento humano. Segundo estudos do Banco Mundial, o exército de pessoas que vivem na pobreza absoluta – aquelas que subsistem com uma renda equivalente a menos de US$ 1 por dia – continuará a aumentar. Esse contingente de pessoas desprovidas de qualquer condição de sobrevivência atingiu a triste marca de 1,2 bilhão de miseráveis em 1987. Hoje está em torno de 1,5 bilhão, ou 25% da população do mundo, e deve chegar a perto de 2 bilhões no ano de 2015. No Brasil temos cerca de 54 milhões de pobres, ou seja, em torno de 34 por cento da população é pobre ou miserável. Por outro lado, cada brasileiro paga R$ 6.000,00/ano pela corrupção do país. Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas com base em dados do Banco Mundial e da organização não-governamental “Transparência Internacional” mostra essa miserável realidade.
Esses dados nos causam perplexidade ética, mas a nossa indignação, na maioria das vezes, não se transforma em ação.
Ter boas intenções não basta. É preciso agir na busca da contraposição contra todas as mazelas que ferem a ética do direito constitucional “dignidade da pessoa humana”, estatuído no inciso III do artigo 1º da Lei Maior.
Sabe-se que a corrupção é uma torneira que derrama os recursos que poderiam salvar muitas vidas, construir escolas e hospitais, fazer estradas para escoar a produção agrícola para matar a fome do povo…
Ser ético é um grande negócio. A ética é um investimento que traz muitos frutos. O professor de ética profissional Mário Alencastro, ao falar para empresários do Paraná, defendeu “se você for correto na sua empresa, as pessoas vão ter confiança em você, no trabalho e no produto. O lucro aparece na seqüência”. A Auditora-Fiscal Ana Emília Baracuhy Cavalcanti, em matéria publicada em um periódico, preleciona que não existe um manual de procedimentos éticos, pois o comportamento ético é um “impulso natural por agir corretamente nascido da nossa livre compreensão das coisas. É essencialmente espontâneo. É naturalmente orientado para não causar dor ou sofrimento e para fazer o bem sempre que possível. O respeito profundo por si e pelos outros é a base do comportamento ético”.
Nesse sentido, várias empresas do país estão investindo cada vez mais na ética. A ética passou a ser um assunto discutido pela sociedade brasileira. O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, composto por cerca de trezentos e seis empresas, é uma luz que se abre para encantar os olhos dos que sabem ver. Essa entidade tem o objetivo de divulgar práticas empresariais socialmente responsáveis.
Isso tudo se chama ética de responsabilidade solidária, que significa colocar-se no lugar do próximo. É se indignar com as minorias que são excluídas da sociedade. É fazer algo para reverter à situação de vítima de todos aqueles sofredores do apartheid social. Para os professores Jung Mo Sung e Josué Cãndido da Silva, na obra “Conversando sobre ética e sociedade”, uma ação solidária é necessariamente uma ação coletiva que se expressa atualmente nos movimentos sociais em defesa dos mais fracos – movimento pelos direitos humanos, ecológicos, de mulheres, índios, de combate à fome e tantos outros que se baseiam numa nova ética social, a ética solidária.
Nesse sentido, temos que parar com a retórica de botar a culpa de todas as mazelas da sociedade somente no governo. Vamos aproveitar o ensejo para definir as expressões “Estado” e “Governo”.
Para Hely Lopes Meirelles, o conceito de Estado varia conforme o aspecto em que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é “a corporação territorial dotada de um poder de mando originário”; sob o aspecto político é “a comunidade de homens, fixados sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção”; sob o prisma constitucional, é “a pessoa jurídica territorial soberana”; na conceituação do Código Civil, é “a pessoa jurídica de direito público interno”.
Para esse mesmo autor, o governo, em sentido formal, é o conjunto de Poderes e de órgãos constitucionais; em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. O Governo é um dos elementos do Estado. Os outros são Território e Povo. Governo é a base condutora do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização emanado do Povo, segundo as lições do autor supracitado.
Como vimos, Governo é distinto de Estado. Governo deveríamos ser todos nós. Existe, assim, uma falsa imagem de todos sobre a diferença entre Governo e Estado. Essa ignorância faz com que as pessoas se revoltem contra o Estado como se estivessem se revoltando contra o Governo. O cidadão quebra os telefones públicos, picha os muros das escolas públicas com palavras de baixo calão, quebra ônibus públicos, com o sentimento de que o bem público é daquele que exerce o Governo.
Através da conscientização da distinção entre Governo e Estado, alguns males da sociedade poderiam ser resolvidos com a participação ativa da sociedade civil organizada.
Aprendi trabalhando numa empresa multinacional japonesa o seguinte: o exemplo carrega e a imagem vale mais que mil palavras.
Como aplicação desse ensinamento, vou citar alguns exemplos positivos de sucesso no cenário de realizações da sociedade civil em busca de resolver alguns problemas que assolam a sociedade.
Primeiramente, vou mencionar as ações do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase, de combate à miséria, instituído pelo brasileiro ilustre chamado Herbert de Sousa, o Betinho. Betinho presenteou-nos com algumas convicções que se transformaram em conquistas concretas que estão mudando a realidade social brasileira. A responsabilidade das empresas públicas e privadas com o bem-estar da comunidade é uma delas. Este é o princípio da empresa-cidadã, ou seja, aquela que é comprometida com a qualidade de vida da sociedade e que, através do seu Balanço Social, apresenta os seus investimentos nos mais diversos projetos socioculturais. Através do selo criado pelo Ibase, as empresas com esta preocupação social poderão mostrar, através de seus anúncios, embalagens de produtos, balanço social e campanhas publicitárias, que investem em educação, saúde, cultura, meio ambiente; enfim, em tudo aquilo que é preciso preservar.
Cito o exemplo, também, do Movimento Paz pela Paz e Não-Violência na cidade do Recife – PE, que possui vinte e uma ações que visam promover o desenvolvimento de uma cultura da paz na sociedade brasileira, levando em consideração três aspectos fundamentais: a paz social, a paz ambiental e a paz interior. Esse trabalho de cidadania é coordenado, nacionalmente, pelo professor Clóvis Nunes e, no Estado de Pernambuco, pelo cantor e compositor Nando Cordel. Dentre as várias ações pela paz empreendidas pelo referido movimento, realiza-se todos os anos, desde 1992, na cidade de Feira de Santana – BA, a “Caminhada Pela Paz”, que se tornou um dos maiores eventos no Nordeste Brasileiro, atraindo mais de oitenta mil pessoas, quando da sua última realização em março de 2001. Ressalta-se que a cidade do Recife escreveu seu nome na história como a primeira capital do mundo a instituir o seu “DIA MUNICIPAL DA PAZ” a ser comemorado no último domingo do mês de novembro de cada ano. A primeira caminhada pela paz na Veneza Tropical Brasileira aconteceu no dia 26 de novembro de 2000, tendo atraído cerca de sessenta mil pessoas, segundo dados do Oficial da PM de Pernambuco Cel. Amaro Lima, um dos integrantes do movimento de cidadania no Estado.
Aduzo que, em recente participação em um seminário realizado para se discutir a experiência de órgãos públicos no combate aos crimes contra a ordem tributária, Lei Nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, como cidadão tive o prazer de conhecer exemplos da aplicação da ética da responsabilidade social por parte de servidores públicos que se fizeram presentes ao citado evento divulgando os trabalhos desenvolvidos em alguns Estados da Federação.
O exemplo dos promotores de Justiça do Estado de Santa Catarina, no combate ao crime de sonegação fiscal, me fez acreditar que existe esperança na transformação da sociedade. O exemplo do trabalho desenvolvido por dois jovens promotores públicos do Rio Grande do Sul me fez crer que ainda existe gente que se preocupa com o povo, que sofre os reveses de ações delituosas de empresários inescrupulosos que sonegam tributos. O exemplo dado pelo professor Alfredo de Oliveira Moraes, em sua palestra sobre a ética no serviço público, durante o “Seminário sobre Probidade na Administração Pública Fiscal”, que tive a realização profissional de fazer parte da equipe de organização, fez-me reflexionar melhor sobre o papel de agente público, que precisa fazer o diferente, implementar ações criativas, revolucionar o serviço público com atitudes mais voltadas para o interesse da coletividade que paga o seu salário.
O primeiro exemplo digno de louvor vem do Estado de Santa Catarina. Após a realização de um trabalho de apuração de crimes contra a ordem tributária, realizado em diversas cidades do Vale do Itajaí – SC, empreendido em conjunto pelo Ministério Público Estadual e por Órgãos da Fiscalização Fazendária Estadual e Receita Federal, e pela Polícia Federal, o Promotor de Justiça Pedro Roberto Decomain, um dos participantes dessa operação, asseverou com maestria altruísta:
O outro exemplo que gostaria de expressar é do Estado do Rio Grande do Sul, desenvolvido pelos Promotores Públicos Renato Vinhas Velaques e Áureo Rogério Gil Braga, que denunciam várias pessoas por terem cometido crimes contra a ordem tributária em suas várias modalidades. Ressalta-se que, em 2000, as Promotorias Especializadas no Combate aos Crimes Contra a Ordem Tributária fizeram oitenta e seis denúncias, denunciando cento e setenta e uma pessoas por crime contra a ordem tributária no valor de R$ 80.690.017,33 e foram decretadas as prisões preventivas de nove pessoas. Dados parciais do ano de 2001 revelam que já foram feitas vinte e seis denúncias com a denúncia de sessenta e seis pessoas contra o crime de sonegação fiscal no montante de R$ 93.321.038,98 e foi decretada a prisão preventiva de nove pessoas e a quebra de sigilo de seis pessoas.
O terceiro exemplo traz à baila uma reflexão advinda das palavras do Professor Alfredo de Oliveira Moraes. Esse profissional sustenta que o servidor público, enquanto cidadão, nutre o mesmo sentimento em relação à falsa identidade entre Governo e Estado, por isso se percebe como tendo no Governo não um gestor temporário, mas um patrão transitório, como alguém que trabalhasse numa empresa que constantemente muda de proprietário; o servidor público, em conseqüência, não vê por que aumentar sua produtividade e assim favorecer os ganhos desse seu patrão transitório, ganhos que ele sabe serão convertidos em benesses para usufruto de poucos; o servidor público é visto pelo público como partícipe ou mesmo cúmplice dos possíveis desvios de conduta do Governo, por ser visto como sendo do Governo e não, como de fato é, como membro do Estado, daí o servidor público ser identificado com o Governo nos seus atributos negativos. O servidor público, por sua vez, vê o público como sendo o responsável pelo Governo, afinal foi o público-povo que o colocou lá, ‘elegendo-o’. Portanto, as insatisfações relativas à baixa remuneração, às más condições de trabalho, à carência de critérios para a carreira profissional, etc. afloram no atendimento a esse público; o servidor público, que se vê obrigado a dar um tratamento diferenciado aos ‘amigos’ do Governo, termina por fazer dessa prática uma rotina no cotidiano da execução de suas tarefas, perde a referência de que seu serviço deve estar voltado para o público indistintamente; o servidor público que percebe que a promoção profissional e mesmo os cargos das funções do serviço público são distribuídos menos pela capacidade de bem fazer no desempenho de suas tarefas e mais pela capacidade de fazer bem aos ‘patrões temporários’ no desempenho da adulação ou do favorecimento, perde o estímulo de dedicar-se inteiramente à função pública e a auto-estima por ter de fazer parte de um jogo no qual a honestidade é o que menos conta; o servidor público que se sente coagido, ou melhor, proibido de fazer críticas ao Governo, pois isso lhe causaria transtornos, ou pior, perseguição por parte dos seus gerentes, podendo até mesmo em alguns casos implicar a perda de direitos ou na exclusão do serviço público, cede na sua liberdade do exercício da cidadania e se vê lançado no jogo do simulacro e finalmente o servidor público que se sentindo injustiçado pelo poder do Governo não tem uma instância de autoridade a qual recorrer, percebe-se envolto na trama das relações autoritárias, onde prevalece, segundo o dito popular, o princípio do manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Os três exemplos nos dão a esperança da construção de um mundo melhor: o comportamento ético imperando, a sociedade civil se organizando, os empresários se associando na busca de nova visão da transformação da sociedade, o desenvolvimento convicto da responsabilidade solidária.
Enquanto há esperança, há vida… Levar vantagem em tudo sozinho implica levar vantagem em coisa alguma… Implica: todos são perdedores!
Termino a minha reflexão com o raciocínio defendido pelo professor Alfredo de Oliveira Moraes que assim descreve: “Mas, é preciso acreditar que o espírito é tanto maior quanto maior a negação da qual ele retorna a si, portanto, a constatação da precariedade ética de nossa sociedade não deve nos paralisar, não deve ser para nós motivo de resignação e perda de esperança, antes, devemos seguir renovando os esforços de conhecer o nosso ethos, de penetrar nos meandros de sua construção histórico-social, para intervir no presente na expectativa de criar um futuro diferente, no qual a normatividade ética esteja em consonância com as mais legítimas aspirações de elevação da condição humana e, ao mesmo tempo, que a norma ética presente na lei permita que cada um de nós se reconheça nela, ou seja, que ela constitua a expressão verdadeira de nossa autonomia como cidadãos do Estado”.
Informações Sobre o Autor
João Bosco Barbosa Martins
Auditor-Fiscal da Receita Federal, parecerista do Escritório de Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal em Recife – PE E pós-graduando em Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Recife da UFPE.