Ética utilitarista de Jeremy Bentham

INTRODUÇÃO

O jurista Jeremy Bentham preferiu o estudo da teoria do Direito em lugar de exercer a profissão de advogado. Além disto, era economista e filósofo que chefiou um grupo de pensadores ingleses, entre os séculos XVIII e XIX, que ficou conhecido como grupo de radicais filosóficos ou “utilitaristas”. Seus componentes pregavam por reformas políticas e sociais, entre elas uma nova constituição para o país, que foi alcançado no ano da morte de Bentham.

“A primeira lei de natureza, para Bentham, consistiria em buscar o prazer e evitar a dor, sendo necessário para alcançar tal escopo que a felicidade pessoal fosse alcançada pela felicidade alheia. (…) A solução para encontrar a cooperação entre os homens, ele a aponta na e identificação de interesses, factível através da atividade legislativa do governo”.[1]

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Os membros desta corrente trabalhavam em vista do mesmo fim, e assim seus componentes uniram-se na reverência a seu mestre: Jeremy Bentham. Estes “radicais” propuseram uma modificação no panorama filosófico e científico. As teorias defendidas em comum e aplicadas a vários campos, tanto no social como no humano formaram uma doutrina que se sobrepôs às escolas cartesianas e kantianas, pensamento predominante na época.

 

OBJETO

O ponto de partida de sua doutrina foi seus estudos sobre a ciência do direito, concentrado no jusnaturalismo. Sua teoria dizia que o pacto entre os membros de uma sociedade deveria necessariamente ser feito um contrato anterior (original). Partindo desta premissa, sustenta que se a autoridade suprema não cumpre suas obrigações para com os súditos, ainda assim a obediência deve prevalecer.

“Se a justiça é, falando em sentido estritamente jurídico, o comportamento não arbitrário imposto mediante o sistema legal positivo, e então a justiça se funda na utilidade, posto que não há nada mais útil para a conservação da coesão social e para o desenvolvimento da vida coletiva que a conduta não arbitrária (no fundo, a teoria de Hobbes e Hume”).[2] A doutrina constituída acerca do direito natural dizia ser insatisfatória, e por duas razões: diante da não possibilidade histórica de constatar a existência de tal contrato; e mesmo provando ser verossímil isto, ainda permanece a pergunta sobre por que os homens são obrigados a cumprir compromissos em geral. Sua visão, as únicas respostas possíveis são as vantagens que o contrato proporciona a sociedade.

Para Bentham o cidadão deveria obedecer ao Estado na medida em que a felicidade geral viria como sua contribuição (obediência). Esta felicidade geral ou interesse da comunidade em geral, seria como “uma equação” hedonista, isto é, uma soma dos prazeres e dores dos indivíduos. Assim, a teoria do direito natural é substituída pela teoria da utilidade, e o principal significado dessa transformação é a passagem de um mundo fictício para o mundo dos fatos (real). É no mundo empírico, afirma Bentham, que é possível a verificação de uma ação ou instituição, sua utilidade ou não. O direito de livre discussão na crítica é constituída pelo que é necessário em primeiro plano.

 

PARADIGMA

Note-se que Jeremy Bentham não se deteve somente à análise teórica das idéias sobre o homem como ser social e moral. Toda a sua estrutura doutrinária procurou a aplicabilidade prática, dedicando-se a concepção da legislação de acordo com princípios naturais no ser humano, buscando a codificação das leis com o intuito de tornar acessível por qualquer pessoa.

Em sua obra intitulada “Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação” teve como principal objetivo materializar seu principal ponto de vista com uma grande carga axiológica. Bentham expôs de maneira pormenorizada efetiva aplicação do princípio da utilidade, como fundamento de toda a conduta social e principalmente individual. Inicialmente, se verifica a indagação dos sentimentos em uma escala de preferência, onde o valor atribuído é levado em consideração o prazer que oferece nas circunstâncias geradas. Na parte subseqüente do livro, são expostas outras opções que poderiam induzir o homem a promover ações criadoras de felicidade (os castigos e recompensas), adicionado os motivos determinantes e seus respectivos valores morais.

Bentham em sua trajetória contou com a colaboração de vários seguidores do utilitarismo, formando uma escola de renovação de idéias. Entre estes, estavam o filósofo James Mill e seu filho John Stuart Mill.

 

ESSÊNCIA DO UTILITARISMO

O entendimento da teoria proferida por Bentham e sustentada por seus seguidores era que para a interpretação da norma deveria levar em consideração os efeitos reais produzidos. A qualificação dos efeitos teria como base a utilidade, sendo o bom aquilo que traz prazer e mau, o que causa dor. Complementando esta frase, sob o prisma social bom e justo é tudo aquilo que tende a aumentar a felicidade geral.

O universalismo &eacutetico, ou o que se chama habitualmente utilitarismo, sustenta a posição segundo a qual o fim o último é o maior bem geral – que um ato ou regra de ação é correto se, e somente se, conduz ou provavelmente conduzirá a conseguir-se, no universo como um todo, maior quantidade de bem relativamente ao mal do que qualquer outra alternativa; é errado o ato o regra de ação quando isso não ocorrer e é obrigatório, na hipótese de conduzir ou de provavelmente conduzir a obtenção no universo, da maior quantidade possível de bem sobre o mal[3]

Para quantificar as vantagens e desvantagens foram criadas teorias sobre o método valorativo e causa social, evidenciando que a função do jurista seria então calcular as vontades lícitas, levando em consideração as fórmulas para conciliar os interesses individuais formando um só coletivo.

Seu ponto de partida foi a crítica ao legalismo da escola analítica de jurisprudência[4], pois o lema é a maior felicidade para o maior número de pessoas. Tal é a ética hedonista, justamente o que proporciona prazer é bom e evitar o sofrimento, é este o objetivo do utilitarismo.

 

 

SUA FILOSOFIA

Acreditou que uma melhoria gradual do nível de instrução da sociedade, os povos seriam mais corretos acerca da decisão em escolher a base do cálculo racional para seu próprio benefício em longo prazo, e conseqüentemente tomar a decisão mais justa que tendesse cada vez mais a promover a felicidade geral.

Nesta linha de pensamento, as leis devem ser socialmente úteis e não meramente para refletir algo abstrato. Acredita que quando os homens perseguem o prazer e evitam a dor, Bentham chamou esse procedimento de “a true sacred” (uma verdade absoluta).

Supôs ainda que toda a moralidade poderia ser derivada do “self-interest enlightened” em que uma pessoa que agissem sempre com vista a sua própria satisfação máxima ao longo prazo agiria sempre conforme o direito.

 

MÉTODO QUANTITATIVO “CÁLCULO” – “HEDONIC CALCULATION”

Como dito anteriormente, o método designado para definir a quantidade (valor) das condutas foi dado o nome de “cálculo”. Apesar do termo, que não está muito distante de uma fórmula matemática, de onde consiste em uma engenhosa classificação das espécies de ações, uma valoração de cada ato praticado por cada membro da sociedade.

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Mas o cálculo dos efeitos ou conseqüências não é uma tarefa fácil, ainda que se faça com unidades numéricas, como pretendia Bentham nos seu famoso “cálculo hedonista”, no qual as unidades de bem eram unidades de prazer.”[5]

 

ÉTICA

Este conjunto de padrões morais depende da sua obrigação – indivíduo – em relação a si mesmo. No momento em que se constrói um sólido conjunto normativo, teremos a capacidade de afetar a felicidade de outros que nos rodeiam: “A ética privada tem por objetivo a felicidade, sendo este também o da legislação. A ética privada diz respeito a cada membro, isto é, à felicidade e as ações de cada membro, de qualquer comunidade que seja; a legislação, por sua vez, tem a mesma meta[6]

O segundo passo é a harmonização da ética privada. Quando há compatibilidade de felicidades individuais, estaremos diante de um objetivo comum. Convertendo este saldo positivo, nos encontramos no âmbito máximo da conveniência coletiva.

 

MORAL X MORALIDADE

Tanto o conjunto de princípios, valores e prescrições que os homens, de uma dada sociedade, consideram validos como os atos reais em que aqueles se concretizam ou encarnam. É necessário ter sempre presente a distinção entre o plano puramente normativo (o ideal), e o factual (real ou prático), estabelecendo dois termos para designar respectivamente cada plano: moral e moralidade.

A moral seria a designação de um conjunto de princípios, normas, imperativos ou idéias morais de uma época ou de uma sociedade determinada, ao passo que a moralidade se refere ao conjunto de relações efetivas ou atos concretos que adquirem um significado moral com respeito a “moral” vigente.

A finalidade da ação humana é um “padrão” de moralidade. Por sua vez, a moralidade é estabelecida como sendo as regras e preceitos norteadores da conduta humana que venha a ter efeitos perante a comunidade, considerando seu conjunto de interesses individuais.Podemos então afirmar que a diferença entre a moral e moralidade corresponde assim àquela indicada entre a norma e o fato e, como esta não pode ser negligenciada. a tendência é da moral transformar-se em moralidade, pois a exigência da realização na essência do próprio normativo; a moralidade é a moral em ação, a moral prática e praticada.

Contribuição de John Stuart Mill

A utilidade ou o princípio da maior felicidade, como fundamento da moral, sustenta que as ações são certas na medida em que elas tendem a promover a felicidade e erradas quando tendem a produzir o contrário da felicidade. Por felicidade entende-se prazer e ausência de dor, por infelicidade, dor e privação do prazer”.[7]

A diferença para Bentham na sua exegese é a definição exata do termo “felicidade”, para Stuart Mill o prazer não se restringe ao quantitativo do comensurável pela duração e intensidade. Ainda este quantitativo dos prazeres inferiores e superiores estão presentes não apenas no racionalismo à maneira de Bentham, mas as percepções da alma humana realçada pelo romantismo. O fundamental é a afirmação da capacidade do ser humano de exercer a liberdade, escolhendo e decidindo entre o bem e o mal.

Escolhendo entre aquilo que é certo ou errado, o utilitarismo não configura a análise do ser virtuoso, mas aquilo que ele faz ou deixa de fazer. Esta teoria teve um forte impacto nas decisões coletivas, pois buscou em gravar um sentido de direção voltado para o bem-estar da sociedade. E por esta razão, desde a gênese do utilitarismo idealizado por Bentham esta “escola” está vinculada ao reformismo e o progresso. Toda sua estrutura está voltada a eliminar os males, a começar pelo sofrimento. Aparentemente o critério se constitui a base da teoria utilitarista não é a felicidade individual nas a multiplicação da felicidade na maior amplitude possível.

 

JUSTIÇA SOCIAL

Diante do conceito comum do bem e do mal, é necessário um juízo de valor que possa efetivamente abranger todas as condutas individuais, classificando-as e definindo a graduação perante o conjunto social. O utilitarismo utilizando o clássico critério “meritório” na justiça, que aparece em Aristóteles. “De acordo com este ponto de vista, o critério do mérito é a virtude, e a justiça consiste em distribuir o bem (felicidade) tendo em conta a virtude.[8] Sob uma segunda visão, igualitarista (que surge na teoria democrática) onde o ser é considerado abstratamente, independentemente de suas particularidades. Por fim, a terceira corrente é a contribuição do conceito marxista: “de cada um, de acordo com sua capacidade; a cada um, de acordo com suas necessidades”.

Na busca do ideal de justiça, sua teoria também colocou algumas responsabilidades para o Estado. A primeira obrigação consiste em não deixar povos sofrerem necessidade. Isto significa de garantir um nível de subsistência mínima, renda para assegurar a sobrevivência de todos os cidadãos e a provisão da segurança aos indivíduos.

A segunda obrigação estatal é incentivar a abundância, de riqueza e a população. Se a riqueza for constante, a seguir uma população mais grande reduzirá a riqueza per capita. Entretanto, Bentham acreditou que uma população abundante é necessária para a defesa. Em toda a taxa, pelo princípio de diminuir a utilidade “marginal” e soma direta da utilidade, uma população grande embora pobre pôde ter “uma utilidade agregada mais elevada” do que uma população pequena e abastada.

A terceira obrigação é a igualdade dos meios. Pelo princípio de diminuir a utilidade marginal, uma determinado percentual de felicidade contribui menos para a utilidade de um homem rico do que faz a um pobre. Conseqüentemente, a localização da renda para determinar a igualdade é por mais desejável que a perda de serviço público dos ricos seja mais do que compensada pelo ganho de serviço público dos pobres.

 

CONCLUSÃO

A teoria do utilitarismo visa a maior felicidade, não do próprio agente, mas a maior felicidade ao maior número de pessoas envolvidas “the greatest happiness for the greatest number“. Também é defendida a nobreza de caráter, avaliada e classificada de acordo com extensão de seus efeitos ao bem comum.

O comportamento moral manifesta-se na forma de hábitos e costumes. O objetivo do estudo foi a influência deste fato na confecção da legislação, desde a motivação, sua vigência e eficácia (efetividade). Insistindo que os indivíduos são os melhores juizes de sua própria felicidade, Bentham teve uma tendência automática em optar pelo ideal da não interferência por parte do governo. Entretanto, reconheceu que as ações individuais de um indivíduo implicaram freqüentemente na felicidade de outro e que os indivíduos não podem ter o incentivo ou a habilidade de coordenar as ações que melhoram a utilidade agregada.

 

Referências bibliográficas
BACQUE, Jorge A. Derecho, filosofia y lenguaje. Buenos Aires: Astrea, 1976
BENTHAM, Jeremy. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução a ciência do direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
FRANKENA, Willian K. Etica. Rio de Janeiro : Zahar, 1969. 143p. (Curso moderno de filosofia). Traducao de Ethics.
FREITAS, Juarez. As grandes linhas da filosofia do direito. Caxias do Sul: UCS, 1986.
MILL, John Stuart. O utilitarismo. São Paulo: Iluminuras, 2000.
SANCHEZ VASQUEZ, Adolfo. Ética. 14. ed. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 1993.
Notas:
[1] FREITAS, Juarez. As grandes linhas da filosofia do direito. Caxias do Sul : UCS, 1986. p.44
[2] BACQUE, Jorge A. Derecho, filosofia y lenguaje. Buenos Aires: Astrea, 1976. xvi, 235p. (Coleccion mayor. Filosofia y derecho, 3). p.123
[3] FRANKENA, Willian K. Etica. Rio de Janeiro : Zahar, 1969. 143p. (Curso moderno de filosofia). Traducao de Ethics. p.30-31
[4] Juristas dos países onde o sistema judiciário é o common law, especificamente criado por Austin e Salmond, vieram a admitir o fetichismo dos textos e a função mecânica da atividade judicial, induzindo a adoção de processos lógico-analíticos na integração aplicação e interpretação do direito costumeiro e do direito derivados das decisões da Corte da chancelaria.
[5] SANCHEZ VASQUEZ, Adolfo. Ética. 14. ed. Rio de Janeiro : Civilizacao Brasileira, 1993. p. 174
[6] BENTHAM, Jeremy. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979 p.65
[7] MILL, John Stuart. O utilitarismo. São Paulo: Iluminuras, 2000. Tradução de: The utilitarism. p.49
[8] FRANKENA, Willian K. Etica. Rio de Janeiro : Zahar, 1969. 143p. (Curso moderno de filosofia). Traducao de Ethics. p.62

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Fabio Brych

 

Bacharel em Direito – Universidade Regional de Blumenau – FURB Pós-graduando em Direito Administrativo – UFG

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