Resumo: Os avanços biotecnológicos à disposição de profissionais de saúde facilitaram a realização de procedimentos médicos e geraram benefícios transitórios a pacientes de forma crescente com o passar dos séculos. À disposição dos médicos, tais aparatos, não trouxeram apenas benefícios. A manutenção da dignidade da pessoa humana – art. 5º, Constituição Federal – é a grande questão a ser analisada na aplicação das novas intervenções médicas no final da vida humana. Interromper ou permitir o decurso natural da morte por consequência de uma doença terminal, com procedimentos e “cuidados” médicos serão, neste artigo analisados sob a ótica jurídica. Esclarecer o teor da Resolução 1.995/2012, do Conselho Federal de Medicina no tocante à prática da eutanásia, ou “aceleração da morte” e ortotanásia ou “morte natural” e o reflexo desta no ordenamento jurídico brasileiro é a investigação que se propõe esse artigo. É licito permitir que o doente em estado terminal morra naturalmente, sem interferência ostensiva dos modernos procedimentos médicos que prolongam a vida, por escolha expressa do paciente: a ortotanásia. É regulamentada pela Resolução supramencionada. O Código de Ética Médica – Resolução 1931/2009-2010 compartilha do entendimento. A eutanásia não se confunde com tal conduta. É prática que encontra penalização e adequação do ato do sujeito ativo na legislação penal brasileira.
Palavras-chave: Ortotanásia. Eutanásia. Conselho Federal de Medicina. Resolução 1.995/2012. Código Penal.
Abstract: Biotechnological advances available to health professionals have facilitated medical procedures and have generated transient patient benefits over time over the centuries. At the disposal of doctors, such devices did not bring only benefits. Maintaining the dignity of the human person – art. 5, Federal Constitution – is the great question to be analyzed in the application of new medical interventions at the end of human life. To interrupt or allow the natural course of death as a consequence of a terminal illness, with medical procedures and "care" will be analyzed in this article from a legal point of view. Clarifying the content of Resolution 1995/2001 of the Federal Council of Medicine regarding the practice of euthanasia, or "acceleration of death" and orthatanasia or "natural death" and the reflection of this in the Brazilian legal system is the research proposed in this article . It is permissible to allow the terminally ill patient to die naturally, without overt interference of the modern medical procedures that prolong life, by express choice of the patient: ortho- thasia. It is regulated by the aforementioned resolution. The Code of Medical Ethics – Resolution 1931 / 2009-2010 shares the understanding. Euthanasia is not confused with such conduct. It is a practice that finds penalization and adequacy of the act of the active subject in Brazilian criminal law.
Key-words: Orthopathy. Euthanasia. Federal Council of Medicine. Resolution 1,995 / 2012. Criminal Code.
Sumário: Introdução. 1. A ortotanásia, a eutanásia e a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina – CFM- do brasil. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO.
A morte do Papa João Paulo II em 2005, por escolher “aceitar o decurso natural da sua doença terminal” em casa, trouxe novamente à tona questionamentos no mundo inteiro sobre os limites de decisão do indivíduo no que se refere à disposição da sua própria vida na fase terminal de uma doença. Que cuidados quer ter, se pode decidir sobre a dispensa de procedimentos e tratamentos médicos que prolongariam o seu tempo de vida, ou encurtariam o tempo da morte. Isso não seria atentar contra a própria dignidade humana? No Brasil e diversos países estrangeiros, essa conduta descrita, não.
Em países estrangeiros como a Holanda, por exemplo, especificamente a prática da eutanásia, ou “antecipação da morte” já é legalizada e a ortotanásia, ou “morte natural” aceita no seu ordenamento jurídico. No Brasil, a eutanásia é considerada uma conduta criminosa, ou melhor, homicídio privilegiado, como dispõe o art. 121, §1º do Código Penal brasileiro vigente, se a conduta estiver de acordo com o que dispõe o texto normativo. A ortotanásia, defendida pela Resolução 1.995/2012, embora não utilize explicitamente o termo, busca a preponderância da vontade expressa do paciente quanto à prática de tratamentos ou não em estado crítico de vida e por obrigação, a aceitação do médico. São as chamadas “diretivas antecipadas de vontade”, ou “testamento vital”.
Como se observa, é um tema que gera posições divergentes, pois envolve a moral, a ética médica, a dignidade humana, o sofrimento físico e psíquico do paciente e da sua família. A reflexão acerca do tema em questão, diferenciando os conceitos, fundamentando na visão, por exemplo, de Fernando Capez (2003) e do que preleciona o Código de Ética Médica – Resolução 1931/2009-2010 enriquecerá a elaboração desse artigo como se observará.
1. A ORTOTANÁSIA, A EUTANÁSIA E A RESOLUÇÃO 1.995/2012 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM- DO BRASIL.
Todo o desenvolvimento do tema exposto, gira em torno da defesa da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da Carta Constitucional brasileira em vigor. Isso porque, os avanços tecnológicos existentes no campo da medicina utilizados, acabam por retardar o processo natural da morte do paciente, o que afeta diretamente a pessoa do paciente. A ortotanásia e a eutanásia são as condutas investigadas nesse campo de estudo, pois se trata de intervenção ou não no decurso do tempo de vidado paciente terminal.
A Resolução 1.995/2012 do CFM regulamentou as intituladas “diretivas antecipadas de vontade” ou “testamento vital” do paciente acometido de doença em estado terminal de vida. Isso significa afirmar que o indivíduo terá respeitada a sua vontade de não prosseguir com a utilização de artifícios tecnológicos para atrasar a sua morte. É a ortotanásia, ou como mencionado anteriormente, a “morte natural”.
Existem alguns pontos interessantes nesta prática; o Conselho Federal de Medicina buscou a preservação da relação médico-paciente, de acordo com posicionamento do presidente deste Conselho, Roberto D´Ávila, em entrevista à jornalista Marina Marquez do R7 Notícias em agosto de 2012. Essa preservação dar-se-á através da garantia da “tranquilidade no momento da partida”. Vale ressaltar que não se confunde tal prática com eutanásia. D´Ávila destaca a diferença, exemplificando: “[…] Não vamos desligar aparelhos. A pessoa não será abandonada, vai receber cuidados paliativos para ter conforto o tempo necessário e morrer em paz”. Ainda afirma que o CFM defende a ortotanásia e não a eutanásia.
Outro ponto importante relativo a esse assunto é a definição do que seriam estas “diretivas antecipadas de vontade” ou “testamento vital”. De acordo com o que está publicado no site oficial do CFM (2012), seria o instrumento que:
“[…] permite ao paciente registrar, por exemplo, a vontade de, em caso de agravamento do quadro de saúde, não ser mantido vivo com a ajuda de aparelhos, nem submetido a procedimentos invasivos ou dolorosos. Nos países onde existe, o testamento vital tem respaldo legal e deve ser observado pelos profissionais de saúde; o documento recebe a assinatura de testemunhas e é elaborado enquanto o paciente ainda está consciente. O testamento também tem caráter de procuração: por meio dele, o interessado pode indicar uma pessoa de sua confiança para tomar decisões sobre os rumos do tratamento a que será submetido a partir do momento em que não tiver condições de fazer escolhas.”
Por fim, a Resolução 1.995/2012 está em sintonia com o atual Código de Ética Médica – Resolução 1931/2009 – 2010 – que dispõe em seu Capítulo V (Relação com pacientes e familiares), a vedação ao médico de:
“Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”
Já a eutanásia, de acordo com Fernando Capez (2003, p.34):
“[…] significa boa morte. […] Consiste em pôr fim à vida de alguém, cuja recuperação é de dificílimo prognóstico, mediante o seu consentimento expresso ou presumido com a finalidade de abreviar-lhe o sofrimento. Troca-se, a pedido do ofendido, um doloroso prolongamento de sua existência por uma cessação imediata da vida, encurtando sua aflição física.”
Ao observar o conceito de eutanásia e de ortotanásia, é perceptível que as duas intencionam não prolongar o sofrimento de um paciente em estado terminal. Porém, a eutanásia, pelo conceito delimitado acima, pode ser encaixada na previsão de homicídio, auxílio ao suicídio, ou ainda uma conduta atípica. No ordenamento brasileiro, é considerado um “homicídio privilegiado”, art. 121, §1º, se a conduta for motivada por piedade ou compaixão em relação ao doente. Na ortotanásia não há comissão ou omissão do sujeito ativo. Apenas deixa-se o curso natural de uma doença terminal acontecer sem intervenção alguma de terceiros com procedimentos médicos que extrapolam os cuidados básicos.
A eutanásia pode ser classificada como comissiva, em que há um comportamento ou conduta ativa do agente e a omissiva, quando há, por conseguinte uma conduta omissiva, ou “passiva” do agente. A eutanásia ativa seria, segundo citação de Raquel Elias Ferreira Dodge (2009, p.4):
“[…] provocar a morte rápida, através de uma ação deliberada, como por exemplo, uma injeção intravenosa de potássio.” Já a forma passiva, seria […] deixar morrer através da suspensão de uma medida vital, e que levaria o paciente ao óbito em um espaço de tempo variável.”
Segundo Capez (2003,p.34), as duas modalidades são consideradas homicídio privilegiado.
No tocante a esse assunto, o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal Brasileiro, ainda em tramitação, prevê no art. 121:
“Eutanásia
§ 3º Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena – Reclusão de três a seis anos.
Exclusão de ilicitude
§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.”
No parágrafo terceiro do supramencionado Anteprojeto a doença deve ser grave, incurável e o paciente tem que ser terminal para que haja redução de pena do crime de homicídio. Já no parágrafo quarto está a ortotanásia descrita, e esta como causa de exclusão da ilicitude da conduta do sujeito ativo. Seriam estes artigos de grande importância para a regulamentação clara e objetiva tanto da ortotanásia quanto da eutanásia no ordenamento brasileiro. Uma realidade ainda sem previsão exata.
CONCLUSÃO
O tema eutanásia e ortotanásia perpassaram os séculos sem um consenso na questão dos limites do ser humano no que tange a disponibilidade da sua própria vida. É majoritário apenas o entendimento de que não se deve utilizar de meios cruéis ou degradantes que atentem contra a vida, ainda que em fase terminal, de um indivíduo enfermo que deseje findar com o sofrimento físico e psíquico.
Como se sabe, a eutanásia é considerada como uma conduta incriminada pelo ordenamento jurídico brasileiro, embora não esteja esse termo expresso no Código Penal ou mesmo no Código de Ética Médica. A questão precípua da não aceitação desta conduta está fundamentada na impossibilidade de terceiro dispor de um direito que é intransferível: a vida. Compete, portanto apenas ao seu titular abdicar ou dispor deste direito – o caso, por exemplo, do suicídio -, não lhe sendo lícito consentir a terceiros o encurtamento ou abreviação da própria vida.
Já a ortotanásia não pode ser considerada uma conduta praticada por terceiro, pois, não há de fato a interferência do médico no momento da morte do paciente, antecipando ou adiando a mesma. Em verdade é evidente que inexiste sequer o que se entende por encurtamento do período de vida, pois, o mesmo, em regra já se encontra em avançado e inevitável estado de esgotamento. Enfim, nada é feito em termos de procedimentos médicos, além dos cuidados básicos necessários mantidos, como higiene e alimentação, por exemplo. A prática da ortotanásia visa também evitar a “distanásia”. Essa nada mais é do que o prolongamento da vida pela desnecessária utilização de recursos médicos reiteradamente em estados terminais de pacientes, fazendo com que haja sofrimento pela desproporcionalidade dos procedimentos, sem a reversão do processo de morte em curso indiscutível.
Enfim, há que se buscar a razoabilidade no caso concreto, e pelo que se observa, respeitando resoluções, códigos e a Constituição Federal vigente em seus direcionamentos, no que couber. Acima de tudo, respeitar a vontade do paciente, familiares ou representantes legais que detenham a informação sobre a diretiva do enfermo e buscar a Comissão de Ética Médica do hospital ou recorrer ao Conselho Regional e Federal de Medicina quando inexistir as hipóteses anteriores de expressão de vontade.
Informações Sobre o Autor
Eduardo Lopes de Almeida Bitencourt
Mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Unifacs, é advogado e administrador, pós-graduado em Finanças Corporativas e em Direito Público.