Evolução das penas: Da punição por flagelo a alternativa ressocializadora

Resumoo: Evolução histórica da pena como meio de punição de crimes; análise desta evolução cronológica por meio de embasamento doutrinário.


Palavras chave: palavras- chaves: Crime – pena- súplicio- evolução   


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Não podemos definir com exata precisão quando surgiu a idéia de crime e pena, mas é certo que a punição surgiu na origem do nascimento da humanidade e os primeiros grupos sociais. A pena em sua origem remota nada mais significa senão a vingança, revide à agressão sofrida, sem preocupação de justiça.


Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir descreve a trajetória das penas, à época em que a privação da liberdade, como punição, vem atrelada de uma dose de suplício que acompanha a humanidade desde sua organização básica em grupo, quando a punição por um mal a determinada pessoa e até mesmo sua família, era feita de maneira desproporcional, feroz, selvagem e, sobretudo, desumana.


O suplício, como bem nos explica Foucalt:


“É uma pena corporal, marcado por esquartejamento, amputação de membros, marcas simbólicas no rosto e uma exposição do condenado vivo ou morto a um dado espetáculo em praça”1. Era definida como fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade”. (FOUCAULT, Michel- Vigiar e Punir, Editora Vozes, 25a. edição, 2002, página 12).


No decorrer do século XVIII houve o afrouxamento da penalidade, surgia a idéia de se punir ao invés de se vingar. Vê-se formar uma nova estratégia para o exercício do poder de castigar, ao fazer da punição e da repressão das ilegalidades uma função regular, co-extensiva à sociedade, não punir menos, mas punir melhor. A proporção entre a pena e a qualidade do delito é determinada pela influência que o pacto violado tem sobre a ordem social. Porém, somente no início do século XIX começa a desaparecer a ideologia do corpo como alvo principal da repressão penal, agora o corpo não é mais suplicitado, mas a alma. Invertendo no último instante os papéis, passando os juízes a parecer assassinos e o suplicitado um objeto de piedade e de admiração. É o momento em que a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício; o fato dela matar ou ferir já não é mais a glorificação de sua força.


Desde então, os escândalos serão partilhados de outra forma; é a própria condenação que marcará o delinqüente com um sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e das sentenças.


As práticas punitivas se tornaram pudicas. Não tocar mais no corpo, ou o mínimo possível, e para atingir nele algo que não é o corpo propriamente. Dir-se-á:


“A prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão, a interdição de domicílios, a deportação- são penas “físicas”, mas a relação castigo-corpo não é idêntica ao que era nos suplícios. O corpo encontrava-se ai como instrumento. Segundo essa penalidade o corpo é colocado em um sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo, não são mais elementos constitutivos da pena” (FOUCAULT, Michel- Vigiar e Punir, Editora Vozes, página 14).


Várias foram as fases da vingança privada, etapas que não se sucederam sistematicamente, com épocas de transição e adoção de princípios diversos, normalmente envolvidos em sentido religioso.


Cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo). Essa reação era sem proporção à ofensa, atingindo por vezes, além do ofensor, todo seu grupo social. Caso a violação fosse praticada por pessoa estranha, de outra tribo, a reação era a “vingança de sangue”, considerada como obrigação religiosa e sagrada, culminando, não raro, o grupo era dizimado.


A vingança privada conseqüentemente acarretava a dizimação dos grupos, o que fez surgir o talião que limita a reação à ofensa a um mal idêntico praticado (idéia de: sangue por sangue, olho por olho e dente por dente), adotado inclusive da lei das XII Tábuas.


Posteriormente, surge a composição, sistema pelo qual o ofensor se livraria do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, etc.).


A fase da vingança divina deve-se à influência da religião na vida dos povos antigos. Onde o castigo, por delegação divina, era aplicado pelos próprios sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas.


É o direito penal religioso, teocrático e sacerdotal. Um dos principais códigos é o da Índia, de Manu (Manava, Dharma, Sastra). Tinha por escopo da purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que pudesse alcançar a bem-aventurança.


Já a fase da vingança pública o objetivo é a segurança do príncipe ou soberano, através da pena, também severa e cruel, visando a intimidação.


O nosso primeiro Código Penal surgiu no período do Brasil colonial, em 1.603, chamado Código Filipino. Nas Ordenações Filipinas, orientava-se no sentido de generalizada criminalização e de severas punições, predominando a pena de morte, dentre outras, as penas vis (açoite, corte de membro, galés, mutilações, etc.); degredo; multa; e a pena-crime arbitrária, que ficava a critério do julgador, já que inexistia o princípio da legalidade. A preocupação de conter os maus pelo terror vinculava-se ao delito, que era confundido com pecado ou vício. Consagravam-se amplamente nas Ordenações a desigualdade de classes perante o crime, devendo o juiz aplicar a pena segundo a gravidade do caso e a qualidade da pessoa, por isso, em regra, os nobres eram punidos com multa e aos peões eram reservados os castigos mais severos e humilhantes.


(GRECO, Rogério- Curso de Direito Penal, 5a. edição, editora Impetus, 2005, página 3).


A pena de morte, prevista no nosso primeiro estatuto, comportava várias modalidades. Havia a morte simplesmente dada na forca; a precedida de torturas; a morte para sempre, em que o corpo do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se; a morte pelo fogo, até o corpo ser feito pó. Essa legislação de excessivo rigor regeu a sociedade brasileira por mais de dois séculos (do código Filipino ratificado em 1643 por D. João IV e em 1823 por D. Pedro I). Somente em 1830 foi sancionado o Código Penal Criminal do Império no Brasil, primeiro código autônomo da América Latina, o qual criou o sistema de dias-multa e previu o princípio da legalidade, as regras sobre tentativa, agravantes e atenuantes, regras gerais e espécies de penas, dentre outras. Aboliu-se a pena de morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional. Em 1942 entrou em vigor o Código Penal (Decreto lei nº. 2848, de 7-12-1940), que ainda é nossa legislação penal fundamental. Teve o código origem em projeto de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta por Nelson Hungria, Viera Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira. Logo, após a proclamação da Independência, em 1822, e depois de ter-se submetido às Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, o Brasil editou, durante a história, os seguintes códigos: Código Criminal do Império do Brasil, em 1830; Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, em 1890; Consolidação das Leis Penais, em 1932; Código Penal, em 1969, que permaneceu por um período aproximado de nove anos em vacatio legis, tendo sido revogado, sem sequer ter entrado em vigor; Código Penal, em 1940. Com a independência e, sobretudo, com a Carta Constitucional de 1824, tornou-se imperiosa a substituição da legislação arcaica do Reino. A própria constituição determinava a feitura de um código criminal fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade, estabelecendo que nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. Estabelecia a abolição dos açoites, tortura, marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis. Já o código penal de 1832 admitia a pena de açoites para os escravos, a qual só foi abolida definitivamente em 1886; pena de morte.


 


Bibliografia:

FOUCAULT, Michael- Vigiar e punir, Editora Vozes, Edição 33, página 14.

GRECCO, Rogério- Curso de Direito Penal- Parte Geral, Editora Impetus Ltda, 2007, 8º edição Rio de Janeiro, página 3, 225, 510,.

BECCARIA, Cesare- Dos delitos e das penas- editora Rideel, 1ª edição São Paulo, 2003, paginas 17- 29 e 84-86.


Informações Sobre o Autor

Maria Inês Maturano Loes

Advogada militante em Roraima


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