Resumo: O presente artigo científico de revisão aborda a construção do Direito Financeiro ao longo da história, com o objetivo de proporcionar ao leitor uma visão geral sobre o seu desenvolvimento e contribuir para a compreensão sobre a conjuntura atual do ramo jurídico. O estudo foi fundamentado na doutrina dos juristas Ricardo Lobo Torres, Regis Fernandes de Oliveira, Dejalma Campos, Sergio Jund, Luiz Emygdio entre outros. A pesquisa aborda a evolução do Direito Financeiro sob três aspectos, desenvolvidos em três partes. Na primeira parte observamos a evolução do Direito Financeiro segundo as formas de arrecadação de receita. Na segunda parte abordamos os acontecimentos históricos que contribuíram positivamente para a consolidação do Direito Financeiro. Na terceira, observamos a evolução do ramo jurídico segundo a atividade financeira do Estado. A pesquisa resultou num levantamento geral sobre a evolução histórica do ramo jurídico, e percebeu-se que o cenário atual do Direito Financeiro é fruto de um aprendizado construído ao longo da história.
Palavras-chave: Direito Financeiro, história, receita, fatos históricos, atividade financeira
Abstract: This scientific review article discusses the construction of finance law throughout history, in order to provide the reader with an overview of its development and contribute to the understanding of the current situation of the legal branch. The study was based on the doctrine of lawyers Ricardo Lobo Torres, Regis Fernandes de Oliveira, Dejalma Campos, Sergio Jund, Luiz Emygdio among others. The research addresses the evolution of Financial Law from three aspects, developed in three parts. In the first part we observe the evolution of Financial Law in the manner of revenue collection. In the second part we approach the historical events that contributed positively to the consolidation of the Financial Law. In the third we look at the evolution of the legal branch according to the situation of the financial activity of the state. During the research it can be seen that the current logic of the Financial Law is the result of learning built throughout history, and the failure of a system led to the development of a more enhanced system, culminating in the current stage, it already shows its flaws for learning a new system.
Keywords: Financial Law, history, recipe, historical facts, financial activity
Sumário: Introdução. 1. Conceito de Direito Financeiro. 2. Evolução do Direito Financeiro na História. 2.1. Fase Parasitária, Dominial, Regalista e Tributária. 2.2. Acontecimentos históricos do Direito Financeiro. 2.2.1. Magna Carta. 2.2.2. Declaração de Direitos – Bill of Rights. 2.2.3. Declaração de Virgínea. 2.2.4. Declaração de Direito do Homem e do Cidadão. 2.3. Estado Patrimonial, de Polícia, Fiscal e Socialista. 2.3.1. Estado Patrimonial. 2.3.2. Estado de Polícia. 2.3.3. Estado Fiscal. 2.3.4. Estado Socialista. Conclusão. Referências.
Introdução
Atualmente, se concebe o Estado como um ente que tem a função de assegurar ao seu povo o acesso a serviços públicos que lhe proporcionem uma vida justa e digna.
Na sociedade capitalista, estes serviços públicos são financiados por recursos públicos, arrecadados e administrados pelo Estado.
Ademais, no Estado Democrático de Direito, todo esse processo é conduzido por leis, sendo que e arrecadação desses recursos é regulada principalmente pelo Direito Tributário e Civil, e a sua administração pelo Direito Financeiro, ramo objeto desta pesquisa.
Assim, numa análise preliminar, podemos entender o Direito Financeiro como o ramo do Direito Público que regula o emprego das receitas públicas na execução das despesas públicas que financiam os serviços públicos.
Dentro do universo do Direito Financeiro, o presente artigo científico de revisão se dedica a investigação da contribuição que a história oferece ao ramo jurídico, com o objetivo de visualizar os principais aspectos desse processo e solidificar as bases necessárias para compreender com mais clareza a atual conjuntura do Direito Financeiro.
Todavia, antes de estudarmos qualquer aspecto do Direito Financeiro, devemos saber o que é Direito Financeiro. Assim, no primeiro tópico da pesquisa estudaremos os contornos da sua conceituação.
Em seguida, nos dedicamos ao estudo da evolução histórica do Direito Financeiro segundo a forma de arrecadação de receitas, destacando a fase parasitária, dominial, regalista, e tributária.
Após, expomos os acontecimentos históricos que influenciaram positivamente para a consolidação do Direito Financeiro a partir da reconstrução da civilização ocidental na Idade Média. Entre os diversos acontecimentos que poderiam ser trabalhados nessa pesquisa, selecionamos a Magna Carta, a Declaração de Direitos inglesa, a Declaração de Virgínea e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão francesa.
Finalmente, abordamos a evolução do Direito Financeiro segundo a atividade financeira do Estado, sobressaindo-se as fases do Estado Patrimonial, Estado de Polícia, Estado Fiscal e Estado Socialista.
Entretanto, o estudo não foi exaustivo, de modo que cada um dos enfoques abordados pode ser infinitamente aprofundado, e, existem outras formas de se debruçar sobre a história que não foram desenvolvidas por esta pesquisa.
Todavia, após as análises acolhidas pelo presente artigo, foi possível visualizar um panorama geral da história financeira do Estado sob o aspecto jurídico. Ademais, percebeu-se como cada uma das formas de observar a história contribui ao aperfeiçoamento da compreensão atual do Direito Financeiro.
1. Conceito de Direito Financeiro
Para Kiyoshi Harada (2014), Direito Financeiro é o ramo do Direito que estuda a atividade financeira do Estado sob o aspecto jurídico, que envolve a receita, despesa, orçamento e crédito público.
O autor Eduardo Marcial Ferreira Jardim (2011) define o Direito Financeiro como o ramo do Direito Público formado pelo conjunto de normas que regulamentam parte da atividade financeira do Estado, no que se refere à receita pública, despesa pública e orçamento público.
Lafayete Josué Petter (2009) enriquece nosso trabalho observando que as diversas conceituações de Direito Financeiro apresentadas pela doutrina sempre têm como núcleo as normas jurídicas positivadas que regulam a atividade financeira do Estado. O autor ainda explica que a atividade financeira do Estado engloba a receita, a despesa, o orçamento, o crédito público e a gestão fiscal.
Todavia, antes de propormos nossa própria definição de Direito Financeiro, devemos tecer considerações sobre os pontos mais destacados pela doutrina, quais sejam: atividade financeira do Estado, receita pública, despesa pública, orçamento público e gestão fiscal.
A obra de Tathiane Piscitelli (2015) analisa esses elementos de forma integrada, entendendo a atividade financeira do Estado como o conjunto de ações desempenhadas pelo Estado com o objetivo de obter recursos para os seus gastos e para a execução de necessidades públicas. De modo que o desempenho dessas ações depende da interconexão entre o orçamento público, obtenção de receitas e gasto do dinheiro público.
Receita é a entrada definitiva de dinheiro nos cofres públicos, de modo que o Estado detém a sua propriedade, e não apenas a posse. Por outro lado, as despesas públicas são os gastos do Estado para a manutenção da sua infra-estrutura e realização das necessidades públicas.
No contexto do universo brasileiro, J. R. Caldas Furtado (2009) conceitua o orçamento público como o instrumento fiscal que prevê a arrecadação de receitas e a fixação de despesas que o Estado está autorizado a realizar pelo período de 1 ano.
Pela gestão fiscal, o gestor público deve atuar de forma planejada e transparente na gestão das finanças públicas, garantindo sua adequação ao arcabouço jurídico. A autora Tathiane Piscitelli (2015) encara esta exigência como uma norma que assegura a realização do gasto público dentro de limites e regras que, se violadas, acarretam sanções aos entes públicos.
Considerando as colocações doutrinárias, podemos conceituar o Direito Financeiro como o ramo do Direito Público que regula a atividade financeira do Estado, colocando ordem na aplicação das receitas públicas nos gastos públicos, através do orçamento público, de forma responsável e equilibrada.
2. Evolução do Direito Financeiro na História
A evolução do Direito Financeiro na história é abordada sob diversos enfoques pelos doutrinadores. Alguns dividem a história do direito financeiro de acordo com a forma de arrecadação de receitas, identificando as fases parasitária, dominial, regalista e tributária. Por outro lado, há autores que apenas apontam fatos e documentos históricos relevantes para a consolidação do ramo jurídico. Ademais, temos juristas que acompanham a sua evolução segundo os contornos da atividade financeira ao longo da história a partir do feudalismo, destacando as fases: patrimonial, policial, fiscal e socialista.
2.1. Fase Parasitária, Dominial, Regalista e Tributária
Os autores Dejalma de Campos (1995), Sergio Jund (2008) seguem C. de Alvarenga Bernardes e J. Barbosa de Almeida Filho (1967) observando o desenvolvimento histórico do Direito Financeiro em quatro fases:
a) fase parasitária: nessa fase a principal fonte de receitas provinha da guerra. Assim, em vez de desenvolver suas potencialidades para obter receitas através da exploração de suas próprias riquezas, o Estado guerreava com outros países e saqueava seus recursos. A civilização ocidental vivenciou essa fase no período do Império Romano.
b) fase dominial: nesse momento a maior parte das receitas é obtida através da exploração das propriedades de domínio do Estado, sendo a arrecadação tributária apenas excepcional. Nossa civilização experimentou essa fase no período da Idade Média.
c) fase regalista: Com o crepúsculo da Idade Média tivemos a absorção das propriedades feudais pelo Rei, consolidando as monarquias absolutistas. Nessa fase as receitas eram obtidas através do pagamento de tributos e regalias, que eram contribuições devidas ao rei pela exploração de certas atividades comerciais.
d) fase tributária: esse estágio surgiu com a Revolução Francesa de 1789, a partir da qual a obtenção de receitas por meio de contribuição tributária passou a ter primazia.
Todavia, acompanhamos o autor Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. (2000) ao entender que a divisão acima apresenta a evolução das receitas públicas, e não do Direito Financeiro propriamente dito. Pois, como vimos no tópico anterior, o Direito Financeiro é composto de outros elementos além da receita, como a despesa, o orçamento e a gestão fiscal.
2.2 Acontecimentos históricos do Direito Financeiro
Todos os princípios e institutos do Direito Financeiro possuem origem na história. Desta forma, no presente trabalho apresentamos fatos históricos que influenciaram de forma positiva a construção do Direito Financeiro a partir da Idade Média, quando a civilização ocidental reinicia a evolução da ciência e da arte.
Todavia, alertamos que muitos outros fatos, em todos os períodos da história, poderiam ser aqui citados. Ademais, cada um dos fatos mencionados na pesquisa pode ser explorado com mais profundidade noutras oportunidades. Entretanto, considerando o objetivo da pesquisa de proporcionar ao leitor uma visão geral sobre a matéria, nos atemos a Magna Carta, Declaração de Direitos inglesa, Declaração de Virgínea e Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão francesa.
2.2.1 Magna Carta
As cláusulas 12 e 14 da Magna Carta, firmada pelo Rei João Sem Terra, em 1215, limitaram o poder de tributar do Rei, de modo que ele só podia instituir novos tributos se fosse autorizado pelo conselho comum do reino. Ademais, a criação de tais tributos deveria observar a razoabilidade e ser debatida entre o reino, a Igreja, os condes e os barrões, vide os dispositivos:
“Magna Carta Ano de 1215 John, […] Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino (commue concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento da nossa filha mais velha; e esses tributos não excederão limites razoáveis. De igual maneira se procederá quanto aos impostos da cidade de Londres. […] E, quando o conselho geral do reino tiver de reunir para se ocupar do lançamento dos impostos, exceto nos três casos indicados, e do lançamento de taxas, convocaremos por carta, individualmente, os arcebispos, abades, condes e os principais barões do reino; além disso, convocaremos para dia e lugar determinados, com a antecedência, pelo menos, de quarenta dias, por meio dos nossos xerifes e bailios, todas as outras pessoas que nos têm por suserano; e em todas as cartas de convocatória exporemos a causa da convocação; e proceder-se-á à deliberação do dia designado em conformidade com o cons elho dos que não tenham comparecido todos os convocados. […]”(Universidade de São Paulo, Biblioteca virtual de Direitos Humanos, 2016).
Para Heleno Torres (2015), a exigência de autorização legislativa para o exercício da atividade financeira surgiu com a Magna Charta Libertatum, que evidenciou o exercício da liberdade nos limites da legalidade, submetendo o governante ao direito, inclusive para a exigência de tributos, que deveria ser razoável e previamente consentida.
O advogado Fernando Facury Scaff (2015) destaca que a cláusula 14 preparou o caminho para institutos caros ao nosso ordenamento jurídico, quais sejam: publicidade dos atos, necessária justificativa para os atos convocatórios, intimação pessoal dos convocados e outros.
Outrossim, percebemos que a Carta já faz distinção entre impostos e taxas. Atualmente, entendemos que impostos e taxas são espécies do gênero “tributo”, sendo que as taxas são devidas em razão de uma contraprestação do Estado, e os impostos são devidos independentemente de contraprestação.
2.2.2 Declaração de Direitos – Bill of Rights
A Declaração de Direitos (1689) foi um documento elaborado pelo Parlamento Inglês e imposta aos soberanos, Guilherme III e Maria II, passando a constituir uma das leis fundamentais da Inglaterra (COMPARATO, 2015).
Segundo Regis Fernandes de Oliveira (2010), o Bill of Rights é o primeiro documento oficial que garante a participação popular, por meio de representantes parlamentares, na criação e cobrança de tributos, sob pena de ilegalidade. Vide o respectivo trecho da Declaração:
“[…] E, portanto, os ditos lordes espirituais e temporais, e os comuns, respeitando suas respectivas cartas e eleições, estando agora reunidos como plenos e livres representantes desta nação, considerando mui seriamente os melhores meios de atingir os fins acima ditos, declaram, em primeiro lugar (como seus antepassados fizeram comumente em caso semelhante), para reivindicar e garantir seus antigos direitos e liberdades: […] 4. Que é ilegal a arrecadação de dinheiro para uso da Coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem autorização do Parlamento, por um período de tempo maior, ou de maneira diferente daquela como é feita ou outorgada. […] 10. Que não deve ser exigida fiança excessiva, nem impostas multas excessivas; tampouco infligidas punições cruéis e incomuns. […}”(Universidade de São Paulo, Biblioteca virtual de Direitos Humanos, 2016).
Scaff (2015) destaca que o Bill of Rights, de 1689, reafirma que a criação de tributos depende de autorização parlamentar, realizada anualmente. Todavia, agora o Parlamento já possui tímida representação popular, diferentemente da época da Carta Magna, em que o Parlamento só contava com representantes da nobreza e da Igreja. O autor observa ainda que a autorização anual para a cobrança de tributos pode ser considerada o embrião do princípio da anualidade orçamentária, pelo qual o orçamento público tem vigência anual.
Além disso, o art. 10 da Declaração de Direitos veda a instituição de impostos excessivos, o que pode ser considerado o nascedouro do princípio do não confisco, pelo qual a cobrança de impostos deve ter limites razoáveis, de modo que não importe em confiscação dos bens do contribuinte.
2.2.3. Declaração de Virgínea
Em 1787, Virgínea, um dos estados integrantes dos Estados Unidos, elabora a sua Declaração de Direitos, que proibia a tributação sem o consentimento do povo ou de seus representantes eleitos.
“Declaração de direitos formulada pelos representantes do bom povo de Virgínia, reunidos em assembléia geral e livre; direitos que pertencem a eles e à sua posteridade, como base e fundamento do governo. […] VI Que as eleições de representantes do povo em assembléia devem ser livres, e que todos os homens que dêem provas suficientes de interesse permanente pela comunidade, e de vinculação com esta, tenham o direito de sufrágio e não possam ser submetidos à tributação nem privados de sua propriedade por razões de utilidade pública sem seu consentimento, ou o de seus representantes assim eleitos, nem estejam obrigados por lei alguma à que, da mesma forma, não hajam consentido para o bem público. […]”(Universidade de São Paulo, Biblioteca virtual de Direitos Humanos, 2016).
Em matéria financeira, o mérito da Declaração de Virgínea foi o de conservar os princípios desenvolvidos pelos documentos anteriores, especialmente o princípio da legalidade, e expandi-los para a América.
2.2.4. Declaração de Direito do Homem e do Cidadão
Sobre a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, fruto da Revolução Francesa, Oliveira (2010) observa que os arts. 13 e 14 da Declaração de Direitos prevêem a estrita legalidade para a criação e cobrança de tributos, ou seja, a instituição/cobrança de tributo necessita de total respaldo legal, sem margem para discricionariedade.
“Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão França, 26 de agosto de 1789. […] Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades. Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração. Art. 15º.A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração. […]. (Universidade de São Paulo, Biblioteca virtual de Direitos Humanos, 2016).
Todavia, também percebemos nesse dispositivo a presença do princípio da capacidade contributiva, pelo qual os impostos são cobrados de acordo com a capacidade do contribuinte, ou seja, quem possui maior capacidade financeira contribui com mais recursos, e quem tem menor capacidade financeira contribui com menos recursos.
Ademais, visualizamos que nos arts. 14º e 15º a aurora do princípio da transparência orçamentária, que consiste justamente em dar conhecimento ao povo dos atos dos gestores públicos relativos às finanças estatais.
Os arts. 14º e 15º também conferem ao povo o direito de pedir contas ao agente público sobre a gestão das verbas públicas, favorecendo a responsabilidade fiscal, pela qual o agente público é obrigado a gerir as verbas públicas dentro dos limites legais.
2.3. Estado Patrimonial, de Polícia, Fiscal e Socialista.
Essa forma de estudar a evolução histórica do Direito Financeiro é desenvolvida por Ricardo Lobo Torres (2006), na obra “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, que fundamenta esta parte da pesquisa.
2.3.1. Estado Patrimonial
A principal característica do Estado Patrimonial consiste no fato de que a origem das receitas está no próprio patrimônio do Estado, ou seja, a principal fonte de receita do Estado é a riqueza produzida por seu próprio patrimônio.
O Estado Patrimonial surgiu por volta do século XVI na Inglaterra, Holanda, França, Alemanha, Áustria, Espanha e Portugal num contexto de emergência dos interesses da burguesia, para fazer frente às guerras e administrar diferentes realidades sociais, políticas, econômicas, religiosas etc.
Nessa fase do Direito Financeiro, o Estado desempenha sua atividade financeira de forma obscura, pois há confusão entre as verbas que pertencem ao soberano e ao Estado, e não há o dever de prestar contas sobre a aplicação das receitas.
2.3.2. Estado de Polícia
O segundo estágio do Direito Financeiro apresenta um Estado modernizador, intervencionista, centralizador e paternalista, priorizando a garantia da ordem, da segurança e o bem-estar do povo e do Estado.
Conquanto, o autor Ricardo Lobo Torres adverte que a atividade de polícia tratada aqui corresponde ao conceito alemão de Polizei, e não ao de polícia no sentido grego ou latino.
Essa fase se desenvolve aproximadamente no século XVIII na Alemanha, Áustria, Itália, Espanha e Portugal.
2.3.3. Estado Fiscal
O Estado Fiscal, face financeiro do Estado de Direito, surge num contexto de fortalecimento do capitalismo e liberalismo político e financeiro.
Nessa fase, a receita pública alimentava-se fundamentalmente de empréstimos autorizados pelo legislativo, e contribuição tributária, em vez das receitas dominiais.
Houve a separação entre o patrimônio do Estado e do Rei, aprimoramento da burocracia fiscal, extinção dos privilégios e isenções do antigo regime, aperfeiçoamento dos orçamentos públicos e outras conquistas.
O autor Ricardo Torres aponta que o Estado Fiscal possui três subfases: Estado Fiscal Minimalista, Estado Social Fiscal e Estado Democrático Social Fiscal
a) Estado Fiscal Minimalista: Dá-se entre os séculos XVIII e XX, restringindo-se ao exercício do poder de polícia, a administração da justiça e a alguns serviços públicos. Em decorrência das poucas atividades, não possuía sistemas financeiros complexos.
b) Estado Social Fiscal: Desenvolveu-se com o suporte do Estado Social de Direito, também denominado Estado do Bem-Estar Social, no século XX. Nessa fase, o Estado inclui em suas atribuições responsabilidades no direcionamento da economia e sociedade, com redistribuição de renda, ampliação de serviços públicos, concessão de subvenções e subsídios. A principal fonte de receita continua sendo o tributo, mas assumindo caráter extrafiscal.
c) Estado Democrático Social Fiscal: Essa fase foi amparada pelo Estado Democrático e Social de Direito, num contexto de início da globalização, mudança de paradigmas político e jurídico, crise do socialismo e do excesso de intervenção estatal. Nesse momento temos o enxugamento do Estado e diminuição da intervenção na sociedade e na economia. A sua receita é essencialmente tributária, e ainda procura reduzir as desigualdades sociais e oferecer serviços de saúde e educação, mas com consciência das limitações do próprio estado.
2.3.4. Estado Socialista
O Estado Socialista demonstra-se neopatrimonialista, pois tem sua principal fonte de receita em empresas estatais, sendo que as receitas tributárias assumem papel secundário. Essa forma não obteve êxito por muito tempo, deteriorando-se com a unificação da Alemanha e extinção da URSS, todavia persiste em alguns países como China e Cuba.
Conclusão
O Direito Financeiro é o ramo do Direito que normatiza a atividade financeira do Estado, ou seja, administra as finanças púbicas oferecendo os meios para que as receitas públicas sejam empregadas nas despesas públicas para a realização dos serviços públicos, de forma responsável e equilibrada.
Entretanto, antes de adentrar na ciência do Direito Financeiro, devemos mergulhar na sua história para estabelecer as bases necessárias à compreensão da dinâmica atual do ramo jurídico.
Desse modo, percebemos que a maior parte da doutrina observa a história do direito financeiro sob um dos três aspectos: a) segundo a forma de arrecadação de receita; b) a partir de acontecimentos históricos; e c) de acordo com o exercício da atividade financeira.
A análise da história segundo a forma de arrecadação de receita nos permite avaliar a lógica de obtenção de recursos do Estado atual. Desse modo, se o Estado pretende obter suas receitas a partir do saque a outros Estados, ele será parasitário; por outro lado, se as obtiver por meio da exploração do seu próprio patrimônio, ele será dominial; no entanto, se as receitas provem da concessão onerosa de monopólios, ele será regalista; por fim, se a principal fonte de arrecadação de receitas for o pagamento de tributos, ele será tributário.
Após, a análise dos acontecimentos históricos que influenciaram positivamente para a consolidação do Direito Financeiro a partir da reconstrução da civilização ocidental na Idade Média, permite-nos identificar a origem dos nossos institutos jurídicos.
A Magna Carta nos trouxe os pródomos da legalidade tributária, da razoabilidade, da publicidade dos atos, da intimação pessoal dos convocados, da distinção entre impostos e taxas, entre outros. Ademais, a Declaração de Direitos inglesa garante a participação popular nos debates sobre a instituição de tributos, gera o embrião da anualidade orçamentária e do caríssimo princípio do não confisco. Por seu turno, a Declaração de Virgínea exige o consentimento popular na tributação. Já a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão francesa dispõe sobre o princípio da estrita legalidade tributária, da capacidade contributiva, transparência orçamentária e responsabilidade na gestão fiscal.
O estudo da história do Direito Financeiro de acordo com a evolução da atividade financeira do Estado mostrou-se o mais completo, pois considera o ramo jurídico como um todo, incluindo receita, despesa e serviços públicos. Desse modo, a partir do momento que conseguimos identificar a face atividade financeira do nosso Estado, podemos trabalhar com mais fluidez os institutos do ramo e prever as ações governamentais.
Destarte, o Estado Patrimonial caracteriza-se por produzir suas riquezas a partir do seu próprio patrimônio. Por outro lado, o Estado de Polícia é intervencionista, priorizando a ordem, a segurança e a felicidade do povo. Temos também o Estado Fiscal, subdividido em Estado Fiscal Minimalista (restringe-se ao poder de polícia, administração da justiça e alguns serviços públicos), Estado Social Fiscal (intervém na economia e na sociedade) e Estado Democrático Social Fiscal (busca reduzir desigualdades sociais, mas freia a intervenção da economia e sociedade). Já o Estado Socialista caracteriza-se pelo neopatrimonislismo, sua principal fonte de receita é a exploração de empresas estatais.
O contato com a história do Direito Financeiro nos permite conhecer os movimentos sociais que souberam mudar o contexto da atividade financeira, tornando-o mais justo e legitimo. Desse modo, ajuda-nos a planejar as ações necessárias para continuar aperfeiçoando o Direito, e ensina-nos a valorizar as conquistas obtidas ao longo dos séculos.
Assim, apreender com a História é enriquecer-se com a sabedoria e experiência de uma senhora idosa, evitando a repetição dos erros do passado e calculando com mais precisão as estratégias para o futuro.
Informações Sobre o Autor
Jéssica de Almeida Gonçalves
Advogada pós-graduada em Direito Civil com ênfase em Contrato e Direito do Consumidor pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia