Sumário: 1 Introdução. 2 Progressividade do IPTU no regime da EC nº 29/00. 3 Inconstitucionalidade do projeto de lei que aumenta o imposto para 2014. 4 Considerações finais.
1 Introdução
A atual administração utiliza-se do critério de progressividade do IPTU semelhante àquele utilizado nos governos Erundina e Marta Suplicy.
A progressividade introduzida pelo governo Erundina não tinha “pé nem cabeça”, pois a alíquota progredia em função do valor venal chegando até 5% a pretexto de que o imóvel não estava cumprindo a sua função social. Só que a progressividade atingia indiscriminadamente todos os imóveis abrangendo os prédios residenciais, prédios comerciais e terrenos, até mesmo aqueles localizados em áreas de mananciais aonde é vedada qualquer tipo de construção, esvaziando-se por completo a disponibilidade econômica do imóvel.
Essa progressividade foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos da ADI impetrada pelo Procurador Geral da Justiça. O acórdão do tribunal local foi confirmado pelo STF, porém, sob o fundamento de que imposto de natureza real como o IPTU não comportava a progressividade porque irrelevante seria o aspecto subjetivo do proprietário, por recair o imposto sobre o bem imóvel (RE nº199.281-6, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 12-3-99).[1] Ouvidou-se que a obrigação tributária, qualquer que seja a sua natureza, real ou pessoal, é sempre de natureza pessoal, pois é o contribuinte quem paga o imposto. Por isso, o fato gerador do IPTU é a disponibilidade econômica do imóvel pelo seu proprietário, seu titular do domínio útil ou seu possuidor. Isso justifica a intributação de imóveis sob efeito de imissão provisória na desapropriação, ou daqueles abrangidos pela legislação ambiental que interdita o uso da propriedade imobiliária.
Em razão dessa decisão da Corte Suprema o Município de São Paulo adequou a sua legislação instituindo a alíquota de 1% para todos os imóveis residenciais (art. 7º da Lei nº 6.989/66), 1,5% para imóveis não residenciais (art. 8º da Lei nº 6.989/66) e de 1,5% para imóveis não edificados (art. 27 da Lei nº 6.989/66).
2 Progressividade do IPTU no regime da EC nº 29/00
Em razão do posicionamento do STF contrário à progressividade do IPTU, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional de nº 29/2000 permitindo expressamente a sua progressividade “em razão do valor do imóvel,” bem como a adoção de “alíquotas diferenciadas em razão da localização e uso do imóvel” (incisos I e II, do § 1º, do art. 156 da CF). Na verdade, essa Emenda veio apenas explicitar o princípio da graduação do imposto segundo a capacidade contributiva que está expresso no § 1º, do art. 145 da CF.
Foi então editada, no âmbito do Município de São Paulo, a Lei nº 13.250 de 28-12-2001 instituindo a progressividade mediante redução ou acréscimo do imposto calculado na forma dos artigos 7º, 8º e 27, conforme prescrevem os artigos 7A, 8A e 28 da citada lei, in verbis:
“Art. 7-A Ao valor do imposto, apurado na forma do artigo 7o, adiciona-se o desconto ou o acréscimo, calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendida em cada uma das faixas de valor venal da tabela a seguir, sendo o total do desconto ou do acréscimo determinado pela soma dos valores apurados na conformidade deste artigo.
Faixas de valor venal ………………………………… Desconto/Acréscimo
até R$ 77.500,00 …………………………………………………….. – 0,2%
acima de R$ 77.500,00 até R$ 155.000,00…………………….. 0,0%
acima de R$ 155.000,00 até R$ 310.000,00………………….+ 0,2%
acima de R$ 310.000,00 até R$ 620.000,00 ……………….. + 0,4%
acima de R$ 620.000,00 …………………………………………..+ 0,6%”
(Faixas de valores venais de acordo com a Lei nº 15.044, de 3-12-2009)
“Art. 8o-A Ao valor do imposto, apurado na forma do artigo 8o, adiciona-se o desconto ou o acréscimo, calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendida em cada uma das faixas de valor venal da tabela a seguir, sendo o total do desconto ou do acréscimo determinado pela soma dos valores apurados na conformidade deste artigo.
Faixas de valor venal ……………………………….. Desconto/Acréscimo
até R$ 95.000,00……………………………………………………….. – 0,3%
acima de R$ 95.000,00 até R$ 190.000,00……………………… – 0,1%
acima de R$ 190.000,00 até R$ 380.000,00……………………..+ 0,1%
acima de R$ 380.000,00 até R$ 760.000,00……………………. + 0,3%
acima de R$ 760.000,00…………………………………………….. + 0,5%”
(Faixas de valores venais de acordo com a Lei nº 15.044, de 3-12-2009)
“Art. 28. Ao valor do imposto, apurado na forma do artigo 27, adiciona-se o desconto ou o acréscimo, calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendida em cada uma das faixas de valor venal da tabela a seguir, sendo o total do desconto ou do acréscimo determinado pela soma dos valores apurados na conformidade deste artigo.
Faixas de valor venal ………………………………. Desconto/Acréscimo
até R$ 95.000,00 ……………………………………………………… – 0,3%
acima de R$ 95.000,00 até R$ 190.000,00……………………. – 0,1%
acima de R$ 190.000,00 até R$ 380.000,00…………………..+ 0,1%
acima de R$ 380.000,00 até R$ 760.000,00…………………. + 0,3%
acima de R$ 760.000,00…………………………………………… + 0,5%”
(Faixas de valores venais de acordo com a Lei nº 15.044, de 3-12-2009)
Só que a progressividade, mediante redução ou acréscimo, do imposto regularmente apurado, na forma dos artigos 7º, 8º e 27 da Lei nº 6.989/66, segundo os fatores de regressão e de progresso do valor venal dos imóveis não tem amparo na EC nº 29/00 que permite apenas a progressividade das alíquotas em função do valor venal do imóvel, e a distinção de alíquotas em razão da localização ou uso do imóvel. O IPTU deve resultar unicamente da aplicação da alíquota (progressiva ou não) sobre a base de cálculo que é um dado objetivo, prescindindo da investigação quanto à capacidade contributiva de seu proprietário. Alíquota e base de cálculo espelham o aspecto quantitativo do fato gerador da obrigação tributária, ou seja, com a aplicação da alíquota sobre a base de cálculo esgota-se o procedimento do lançamento tributário, restando apenas a notificação do sujeito passivo para a constituição definitiva do crédito tributário. Sendo assim, a redução ou aumento do imposto depois de apurado segundo o procedimento retromencionado não faz parte da técnica de lançamento do imposto progressivo a que alude a EC nº 29/00.
Ao contrário do que acontece na matemática, em Direito não se aplica o provérbio “a ordem dos fatores não altera o produto,” nem se permite a equiparação de categorias jurídicas distintas baseada, na identidade do resultado.
Se a progressividade é necessariamente fundada na capacidade contributiva do proprietário (§ 1º, do art. 145 da CF) somente o valor venal, que é um dado objetivo, deve ser levado em conta para a progressão das alíquotas do imposto, à medida que ele expressa objetivamente essa capacidade contributiva.
Por que não cumprir o preceito constitucional que é de uma clareza lapidar?
É porque a nebulosidade incorporou-se na rotina do legislador tributário dos três níveis de imposição, na contramão do princípio da transparência tributária previsto no § 5º, do art. 150 da CF.
Elevar as alíquotas em função do valor venal possibilitaria ao contribuinte visualizar facilmente a elevação da carga tributária, podendo gerar contestação do contribuinte!
Mas a transparência tributária é um princípio imposto pela Constituição Cidadã de 1988, exatamente para que o contribuinte possa ter uma noção do valor do tributo que incide sobre as mercadorias, serviços e bens.
Infelizmente, o STF chancelou essa forma de tributação nebulosa, que eleva o imposto de forma disfarçada, conforme se verifica do RE nº 423.768/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 10-5-2011. Manteve, contudo, a inconstitucionalidade da tributação progressiva antes do advento da EC nº 29/00, nos termos da Súmula de nº 668 que assim prescreve:
“É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional nº 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.” [2]
3 Inconstitucionalidade do projeto de lei que aumenta o imposto para 2014
A técnica da tributação nebulosa para elevar o peso da imposição tributária de forma imperceptível já se acha definitivamente incorporada na legislação dos três entes políticos tributantes.
Exemplo disso é o projeto de lei que aumenta o IPTU para o exercício de 2014 em 30% para os imóveis residenciais e 45% para os imóveis não residenciais. Ao invés da progressão das alíquotas de conformidade com o mandamento constitucional, prevê três tabelas de incidência do IPTU, abaixo reproduzidas, aonde se vê o desconto ou acréscimo em função da faixa de valor venal, a ser aplicado sobre os impostos calculados, conforme prescrevem os artigos 3º, 4º e 5º do projeto de lei sob exame:
“Art. 3º A tabela constante do artigo 7º-A da Lei nº 6.989, de 29 de dezembro de 1966, com as alterações posteriores, utilizada no cálculo do Imposto Predial para imóveis de uso exclusiva ou predominantemente residencial, passa a vigorar na seguinte conformidade:
“Art. 4º A tabela constante do artigo 8º-A da Lei nº 6.989, de 1966, com as alterações posteriores, utilizada no cálculo do Imposto Predial para imóveis com utilização diversa da referida no artigo 3º desta lei, passa a vigorar na seguinte conformidade:
“Art. 5º A tabela constante do artigo 28 da Lei nº 6.989, de 1966, com as alterações posteriores, utilizada no cálculo do Imposto Territorial Urbano, passa a vigorar na seguinte conformidade:
Nas três tabelas transcritas o valor do imposto apurado sofre redução ou aumento segundo a faixa de valor venal em que se situa o imóvel objeto de tributação. O critério adotado é aleatório e arbitrário. Na tabela de imóvel residencial os imóveis com valor venal superior a R$1.200.000,00 sofrem um acréscimo de 0,5%, ao passo que os imóveis não residenciais e não edificados de valor venal superior a R$1.200.000,00 sofrem um acréscimo de apenas 0,4%. Da mesma forma, os imóveis residenciais de valor venal de até R$150.000,00 têm um desconto de apenas 0,3%, ao passo que os demais imóveis (não residenciais e não edificados) na mesma faixa de valor venal são contemplados com desconto maior de 0,4%. E mais, em relação a imóvel residencial a progressividade do imposto tem início na faixa de valor venal superior a R$300.000,00 até R$600.000,00 ao passo que em relação a imóveis não residenciais e terrenos a faixa de progressividade tem início a partir do valor venal superior a R$600.000,00 até R$1.200.000,00. Houve, pois, tripla violação do princípio da isonomia tributária.
Qual a lógica em onerar mais os contribuintes de imóveis residenciais? A irrazoabilidade do critério adotado fica mais evidente ao se confrontar o art. 7٥ com os arts. 8º e 27 da lei que fixam as alíquotas de 1% e de 1,5% para os prédios residenciais e prédios não residenciais e imóveis não edificados, respectivamente, no pressuposto de privilegiar os primeiros em consonância com a norma constitucional do inciso II, do § 1º, do art. 156 da CF.
Ocorre que, por ocasião da aplicação dos fatores de redução e de acréscimo [3] inverteu-se o critério adotado para o cálculo do imposto, atentando-se contra o princípio da razoabilidade que deve nortear a ação do próprio legislador. Sua inobservância conduz à inconstitucionalidade da lei.
É chegada a hora de o STF rever a sua jurisprudência em face do tratamento incoerente e discriminatório dispensado aos contribuintes de imóveis residenciais.
Essa forma de lançamento do IPTU não encontra guarida no texto constitucional, nem antes, nem depois da Emenda Constitucional de nº 29/00. Ela é atentatória aos princípios da isonomia e da razoabilidade.
4 Considerações finais
Ao invés de elevar tributos o Prefeito deveria colocar em prática a formulação de uma política governamental eficiente e planejada, evitando desperdícios e desvios de verbas públicas facilmente detectáveis mediante o confronto entre as despesas fixadas na Lei Orçamentária Anual e aquelas efetivamente executadas.
Não se sabe aonde foram parar as diferenças resultantes desse confronto, existentes em quase todas as dotações por conta de inúmeras realocações de verbas por meio de transposição, transferência e remanejamento. Nessa dança de verbas de um lugar para outro muitas delas desaparecerem pelos ralos da administração.
Quando se detecta desvios de verbas públicas é costume extinguir o órgão em que atuava o agente público responsável, ao invés de promover a sua punição, criando em seguida um novo órgão ou vários outros órgãos públicos, inchando a máquina administrativa a exigir novos aumentos tributários para cobrir os desfalques e os custos do aumento burocrático que, em termos nacionais, já consomem 2.600 horas dos contribuintes para dar cumprimento à legislação tributária caótica, dúbia, confusa e bastante insegura que não obedece ao princípio da hierarquia vertical das leis.
É assim que o País vai crescendo no ranking mundial da burocracia e da corrupção, contaminando a sua imagem no cenário internacional.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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