Resumo: A execução individual de sentença coletiva é um tema amplamente debatido na seara jurídica brasileira, mas tem ocorrido a minimização das dificuldades conceituais e práticas acerca do assunto. Juristas como Teori Zavascki, Ada Pellegini Grinover, Ricardo de Barros Leonel, Patrícia Miranda Pizzol e outros analisam esta prática e, de modo geral, verifica-se que a execução coletiva inerente aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos tem sua dificuldade de interpretação a partir da conclusão de que o objeto do Código de Processo Civil é a tutela do direito individual. Verifica-se que os direitos coletivos não pertencem à administração pública nem a indivíduos particularmente determinados. O direito individual homogêneo é aquele que tem um sentido apenas instrumental e cuja coletivização possui o intuito de possibilitar sua tutela mais efetiva em juízo. Os direitos difusos são aqueles que se distinguem dos demais por não pertencerem a uma pessoa isolada, sequer a um grupo nitidamente delimitado, mas a uma série indeterminada e de difícil ou impossível determinação cujos membros não têm obrigatoriamente um vínculo jurídico definido e se caracterizam por serem transindividuais, de natureza indivisível e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas. Atualmente, considera-se pacificada a questão da viabilidade de propositura de ação individual para execução de sentença em ação coletiva, porém, o principal obstáculo relacionado à liquidação dos direitos coletivos e difusos é o fato de que os mesmos são indivisíveis e sua natureza vai além da esfera individual, dificultando a determinação do quantum. Antigamente, a ação de execução de sentença somente poderia ser proposta por quem figurasse no título executivo judicial, apesar de que, atualmente, ainda exista uma corrente que defenda esta postura. Hodiernamente, verifica-se uma mudança no modo como é avaliado o entendimento do STJ quanto à liquidação e execução individual de sentença coletiva.
Palavras-Chave: Sentença Coletiva. Execução Individual. Direito Civil.
Abstract: The individual execution of a collective sentence is a subject widely debated in the Brazilian judicial sphere, but it has a minimization of conceptual and practical difficulties on the subject. Jurists such as Teori Zavascki, Ada Pellegini Grinover, Ricardo de Barros Leonel, Patrícia Miranda Pizzol and others analyze this practice and in general, verifying and applying collective inherent to diffuse, collective rights and homogeneous individuals for their difficulty of interpretation from conclusion that the object of the Code of Civil Procedure is a protection of the individual right. It can be seen that human rights do not belong to the public administration or the public market. The homogeneous individual right is that it has only an instrumental sense and the collectivization has the intention of enabling its more effective protection in court. Diffuse rights are an isolated person, not even a group of delimited data, but a series of indetermination and of difficult or impossible determination and where a definite legal bond is not obligatory and if they are characterized by being transindividuals, of indivisible nature and whose holders and Undetermined people. Counseling on the feasibility of the individual action proposal for execution of sentence in collective action, however, the main obstacle related to the liquidation of collective and diffuse rights is the fact that they are indivisible and their nature beyond the individual sphere, making a determination difficult of the quantum. Formerly, a sentence enforcement action, there has been a sentence enforcement proposal, there is no judicial enforcement order, although there is still legislation to defend this position. There is now a change in the way in which the STJ is evaluated or understood regarding the individual settlement and execution of a collective judgment.
Keywords: Collective Sentence. Individual Execution. Civil Right.
Sumário: 1. Introdução. 2. Dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. 3. Da execução individual de sentença coletiva. 4. Considerações Finais. Referências.
1. Introdução
Alguns temas possuem, dada sua abrangência e complexidade, a característica de se fazerem presentes em diversas situações e debates do cotidiano jurídico. Um elemento que confere esta constância é a condição de existirem vertentes diversas nas abordagens, o que faz com que existam divergências entre os juristas e resulte em obstáculos na interpretação dos julgados, sem falar na dificuldade de análise do próprio texto legal.
As variações na abordagem de temas com estas características e mesmo sua discussão sob o prisma destas três fontes do Direito cria a necessidade da pesquisa, consistente e com fundamento em fontes fidedignas, buscando a aproximação a um consenso que possa elucidar as dúvidas existentes principalmente no meio acadêmico.
Um exemplo que ilustra esta situação é a questão da execução individual de sentença coletiva, que é um tema amplamente debatido na seara jurídica brasileira e tem hodiernamente conquistado maior espaço, suscitando esclarecimentos em diversos pontos. Pode-se verificar que a minimização das dificuldades conceituais e práticas acerca do assunto surgiram com a Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, mas o tema ainda possui relativa complexidade para entendimento.
O presente artigo buscará, à luz de referencial composto por diversos juristas, como Teori Zavascki, Ada Pellegini Grinover, Ricardo de Barros Leonel, Patrícia Miranda Pizzol e outros, analisar esta prática considerando as diferentes abordagens a ela inerentes e as possíveis divergências surgidas.
2. Dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos
A execução coletiva inerente aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos obtém sua dificuldade de interpretação a partir da conclusão de que o objeto do Código de Processo Civil é a tutela do direito individual. Urge considerar, no entanto, que conforme Gregório Assagra de Almeida[1], as reformas ocorridas no Código de Processo Civil não contemplaram a execução coletiva em qualquer dimensão.
O entendimento sobre a distinção entre tais direitos é necessário para o estudo da questão em tela. Entretanto, a diferença entre interesses e direitos também passa a ser importante. Observada a lição de José Carlos Barbosa Moreira[2], verifica-se que estas expressões durante muito tempo foram usadas, e não apenas no Brasil, em forma, por assim dizer, promíscua, isto é, sem a preocupação de uma distinção nítida entre os 02 (dois) conceitos[3].
Para Ricardo de Barros Leonel[4], a expressão interesses demonstra maior abrangência para situações não reconhecidas como direitos subjetivos.
No entanto, para Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. [5], o termo interesses é equivocado por não existir diferença prática entre direitos e interesses, já que os direitos coletivos e difusos são garantidos constitucionalmente. Para o ilustre professor, a opção pelo termo interesses normalmente predomina devido à nossa tradição individualista ligada ao direito, mas o correto deve ser este último termo.
O Código de Defesa do Consumidor determina a proteção ao consumidor e em seu artigo 81 estabelece que:
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”.
À luz do referido diploma legal, os direitos difusos podem ser considerados como aqueles que possuem a maior transindividualidade real e se caracterizam pela indeterminação dos sujeitos titulares. Por outro lado, os direitos coletivos podem ser compreendidos como aqueles de transindividualidade restrita e a determinabilidade dos sujeitos titulares. Por derradeiro, os direitos individuais homogêneos podem ser compreendidos como direitos acidentalmente coletivos[6].
Conforme Péricles Prade apud Teori Albino Zavascki, os direitos coletivos são aqueles que não pertencem à administração pública nem a indivíduos particularmente determinados, sendo titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares […] num quadro abrangente de conflituosidade[7].
O direito individual homogêneo pode ser compreendido como aqueles cuja coletivização possui o intuito de possibilitar sua tutela mais efetiva em juízo, tendo um sentido apenas instrumental.
“[…] os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o art. 46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), […] os direitos homogêneos são, por esta via exclusivamente pragmática, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de uma indivisibilidade inerente ou natural (interesses e direitos públicos e difusos) ou da organização ou existência de uma relação jurídica-base (interesses coletivos stricto sensu), mas por razões de facilitação de acesso à justiça, pela priorização de eficiência e da economia processuais. Quando se fala, pois, em ´defesa coletiva´ou em ´tutela coletiva´ de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa.”[8]
Os direitos difusos podem ser caracterizados de acordo com a lição de Moreira[9], que defende que eles se distinguem dos demais por não pertencerem a uma pessoa isolada, sequer a um grupo nitidamente delimitado, mas a uma série indeterminada e de difícil ou impossível determinação e onde os membros não têm obrigatoriamente um vínculo jurídico definido. São considerados como direitos coletivos lato sensu e surgiram na cena jurídica brasileira com a Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor.
Estes direitos difusos se caracterizam por serem transindividuais (metaindividuais, supraindividuais, pertencentes a vários indivíduos), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas. Um exemplo é a publicidade enganosa que possa a afetar uma multidão incalculável de pessoas, sem relação jurídica-base entre elas.
Acerca dos direitos coletivos stricto sensu, estes se caracterizam por serem:
“[…] transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas (indeterminadas, mas determináveis, frise-se, enquanto grupo, categoria ou classe) ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Nesse particular cabe salientar que essa relação jurídica base pode se dar entre os membros do grupo “affectio societatis” ou pela sua ligação com a “parte contrária”. No primeiro caso temos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (ou qualquer associação de profissionais); no segundo, os contribuintes de determinado imposto”[10].
Uma maneira prática de se distinguirem as características entre os direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos é proposta por Ada Pellegrini Grinover[11]. Ao estabelecer a individualização das categorias em três grupos, origem, grupo e objeto, a jurista explica que a origem define a natureza da relação que faz com que o interesse do grupo seja comum. Quanto ao grupo, ele diz respeito à possibilidade de individualização dos titulares de um determinado direito e o objeto diz respeito ao interesse e à condição de ser dividido aos interesses tratados de forma coletiva. Para a jurista, os interesses coletivos são:
“Indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto, colocados no meio do caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capaz de transformar conceitos jurídicos estratificados, com a responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos. Como a legitimação, a coisa julgada, os poderes e a responsabilidade do juiz e do Ministério Público, o próprio sentido da jurisdição, da ação, do processo”[12]
Identifica-se que a elaboração da Carta Magna de 1988 necessitou observar de forma crítica a legislação infraconstitucional, de modo a atender o ideário da democracia amplamente por ela preconizado, indicando a importância dos direitos de terceira dimensão. Estes incluem os direitos transindividuais anteriormente analisados e destinados à proteção humana[13].
Nesse ínterim, urge definir-se a coisa julgada, que conforme Gelson Amaro de Souza é a:
“[…] qualidade que torna a sentença imutável (coisa julgada formal) ou a imutabilidade de seu comando sobre a questão decidida (coisa julgada material). Assim, a coisa julgada é a imutabilidade da sentença ou de seu comando, que não mais poderão ser alterados. Não é um efeito direto da sentença como já foi visto, mas uma qualidade que depois de incorporada à sentença, produz indiretamente os efeitos da imutabilidade da sentença.”[14]
Compreende-se que a concepção da existência do fato, valor e norma indicou a necessidade das citadas mudanças infraconstitucionais, já que, conforme Miguel Reale[15], o Direito é o reflexo do ambiente cultural de determinada época e lugar, cujas três dimensões se fundem e se relacionam de forma mútua.
Até a identificação da necessidade de tais mudanças, observava-se relativa eficácia dos remédios processuais idealizados para resolução de pequenos conflitos, mas que soavam inócuos para dirimirem os litígios envolvendo dezenas, centenas ou até milhares de pessoas. No entanto, o Brasil foi pioneiro na elaboração de uma teoria geral do processo coletivo com a Lei 4.717/65, que regula a ação popular[16]. Ainda assim, a individualidade continuou predominante no âmbito do Direito Civil brasileiro.
Neste diapasão, é possível ilustrar a complexidade da questão a partir das diferentes abordagens sobre uma das origens da discussão sobre o tema, que têm fulcro nas ações individuais voltadas ao aspecto econômico, relacionado aos planos Bresser, Collor e Verão. Nessa época, os pedidos de execução individual sem o requerimento de fase prévia de liquidação foram comuns, o que pode ser considerada a gênese das controvérsias envolvendo a questão, inclusive nos intervalos entre os referidos planos[17].
Antes da análise sobre a execução individual de sentença coletiva, é importante que se compreenda a execução coletiva, mesmo para o estabelecimento de uma comparação e melhor entendimento. A execução coletiva pode ser compreendida como aquela que tem por título a sentença condenatória destinada a um fundo coletivo, como previsto no art. 13 da Lei 7.347/85:
“Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”[18].
Conforme Ariane Fernandes de Oliveira[19], a legitimação extraordinária nesses casos seria condicional e subsidiária, na situação onde inexistissem interessados na execução individual.
Quanto à instrumentalidade de pedidos de ação civil pública, deve-se observar, conforme Rodrigues[20], que existindo algum conflito ou lacuna neste sistema, a solução deverá ser buscada no Código de Processo Civil, observando-se uma interpretação dos dispositivos que sejam atinentes à tutela coletiva (efetividade e instrumentalidade).
3. Da execução individual de sentença coletiva
Atualmente, considera-se pacificada a questão da viabilidade de propositura de ação individual para execução de sentença em ação coletiva. Entretanto, antes de se adentrar na especificidade desta natureza de ação, faz-se importante a descrição das espécies de sentença coletiva, apesar de que a única modalidade passível de execução/cumprimento é a sentença condenatória. De acordo com o artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, estas podem ser condenatórias, declaratórias, constitutivas, mandamentais ou executivas lato sensu.
De acordo com Humberto Theodoro Jr.[21], a classificação das sentenças em declaratórias, constitutivas e condenatórias consideram o objeto, sendo que quando são classificadas em executivas ou mandamentais, ocorre a distinção quanto a seus efeitos.
Alguns doutrinadores defendem que com as alterações proporcionadas pela Lei 11.232/2005, todas as sentenças passaram a ser executivas lato sensu, mas não se pode desconsiderar que, por exemplo, uma ação de cobrança exige uma sentença condenatória preliminar. O que muda é a definição, já que esta não mais será executada, mas efetivada ou cumprida no processo de conhecimento[22].
Conforme Paulo Henrique dos Santos Lucon[23], a sentença executiva lato sensu é o provimento judicial detentor de eficácia condenatória que não existe necessidade de novo processo, agora executivo. Assim, o juiz deve determinar a realização prática do comando emergente da sentença de natureza condenatória, dispensando-se a iniciativa da parte para o início da execução.
As ações coletivas são disciplinadas, quanto aos limites subjetivos da coisa julgada, pelo art. 103 do Código de Defesa do Consumidor.
“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe”.[24]
Excetuam-se nestes casos a sentença prolatada em mandado de segurança coletivo. Conforme Ada Pellegini Grinover apud Luiza Milagres[25], estas determinações ocorrem também com respeito às ações promovidas por entidades associativas em defesa dos interesses coletivos de seus filiados.
Urge compreender que de acordo com o art. 2º da Lei 7.347/85, a competência territorial nos processos coletivos é absoluta. No entanto, ocorre com frequência a situação em que o dano transcende o âmbito local, tornando-se regional ou nacional, determinando a concorrência de competência em diferentes juízos. No entanto, com o objetivo de regularizar esta questão, o art. 93 do CDC fixou um critério para esses casos, onde a justiça local passa a ter competência para julgar as causas de âmbito local, e no foro da capital, do estado ou no Distrito Federal, nos casos em que o dano tenha âmbito nacional ou regional. Nesses casos, aplicam-se as regras do CPC aos casos de competência concorrente. Nos casos de dano de âmbito nacional ou regional, conforme Fredie Didier Jr. e Hermes Zanetti Jr[26], o réu pode ser demandado em qualquer capital dos estados ou em Brasília, conforme opção do demandante. Os autores denominaram esta escolha de fórum shopping.
A Lei n. 12.016/2009 determina que “no mandado de segurança coletivo a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante."
Vicente de Paula Maciel Jr.[27] considera a necessidade de devolver aos interessados difusos a legitimação deles subtraída pelo processo coletivo centrado no individualismo. Esta afirmação denota que o autor defende o direcionamento da ação coletiva no objeto e não no sujeito, possibilitando a abordagem das ações coletivas como ações temáticas e numa abordagem convergente à formação participada do mérito do provimento jurisdicional ante a legitimação integral dos interessados difusos.
Quanto à natureza da ação de liquidação, Alcides de Mendonça Lima e Pontes de Miranda defendem que se trata de ação constitutiva e integra o título, constituindo-o. Compartilham desta convicção os juristas Humberto Theodoro Jr. e Cândido Rangel Dinamarco. Assim, ainda que a liquidação de sentença busque a constituição de um título executivo, este é uma obrigação que a liquidação pretende tornar líquida, faltando apenas o valor desta obrigação que será declarado na liquidação de sentença[28].
Para Venturi[29], as ações difusas e coletivas não possuem condenação genérica, mas ilíquidas, por não serem formalizadas por pedidos genéricos. Contrariando esta posição, Pizzol[30] crê que se os pedidos são de condenação genérica, a sentença deve ser igualmente genérica.
Compreende-se que o principal obstáculo relacionado à liquidação dos direitos coletivos e difusos é o fato de que os mesmos são indivisíveis e sua natureza vai além da esfera individual, o que dificulta a determinação do quantum[31].
Para Ibraim Rocha[32], na hipótese de interesses individuais homogêneos, sendo improcedente o pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como assistentes poderão propor ação de indenização a título individual.
Outrora, a ação de execução de sentença somente poderia ser proposta por quem figurasse no título executivo judicial, apesar de que atualmente ainda exista uma corrente que defenda esta postura. Entretanto, a partir da consideração da influência da coisa julgada erga omnes com a nova sistemática processual das ações coletivas, a pessoa não participante do processo de conhecimento, pode propor ação de execução individual, ainda que exista o cumprimento da sentença coletiva em andamento[33].
Conforme Sérgio Shimura[34], de modo oposto ao que dispunha o artigo 575, II, do CPC/73, alterado pelo art. 781, do CPC/15, que determina a competência para a execução de sentença condenatória no mesmo juízo que tenha proferido, nos casos de execução individual de sentença coletiva, o interessado poderá utilizar do foro de seu domicilio para propositura da execução, ainda que a sentença tenha sido proferida em outro foro.
Pode-se afirmar que a vítima de dano individual poderá se valer da sentença coletiva condenatória e solicitar execução individual em outro foro. Esta execução tem a característica de processo autônomo, em que a defesa do devedor deve se utilizar de embargos à execução de sentença[35].
O limite territorial da coisa julgada apresenta uma contradição na Lei 7.347/85, determinada em seu art. 16 que:
“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada “erga omnes” nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”[36].
Esta lei, eivada de equívocos, se faz incongruente ao afirmar que a sentença fará coisa julgada erga omnes na competência jurisdicional do órgão prolator, ocorrendo desvio da coisa julgada e dos institutos da competência. Outro erro é afirmar que qualquer legitimado é apto à propositura de nova ação com idêntico fundamento. Na improcedência do pedido e na ausência de coisa julgada, pode-se propor a mesma ação.
Observa-se que no âmbito da sentença coletiva ocorre a indivisibilidade dos interesses tutelados e a condição de que o prejuízo a um dos tutelados representa prejuízo de todos, bem como as vantagens de um devem representar vantagens a todos. Assim, conforme Ricardo de Barros Leonel[37], esta indica a indivisibilidade do objeto que determina a extensão dos efeitos do julgado a quem não foi parte no sentido processual, mas figura como titular dos interesses em conflito.
O entendimento acerca da competência jurisdicional para julgamento é de que esta somente pode ser regida pela Constituição Federal. No entendimento do STF, não compete a ele o processo e julgamento de execução individual de sentenças genéricas de perfil coletivo, devendo ser esta de competência dos órgãos judiciários de primeira instância. A decisão se fundamenta em jurisprudência do STJ, afirmando que a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, entendimento que é inteiramente aplicável às ações mandamentais coletivas[38].
A coerência com os preceitos do microssistema brasileiro de processos coletivos, no tocante aos direitos individuais homogêneos, deveria determinar que a coisa julgada desfavorável do mandado de segurança coletivo não impedisse que os membros do grupo ajuizassem ações individuais para a defesa de seus direitos[39].
4. Considerações Finais
Verifica-se que a tradição romano-germânica que inspirou o processo civil brasileiro fez com que este se definisse como individualista e privatista. O que resta demonstrado é a existência da dificuldade de ruptura com a ideia de que o processo não serve aos direitos do autor ou a ele mesmo, sendo essencialmente um elemento a serviço da sociedade.
No contexto da execução individual de sentença coletiva, muitas vezes as decisões não se pautam pela razoabilidade, priorizando a aplicação de institutos processuais e limitam a decisão de mérito que, sob outro prisma, poderia ser aplicada por analogia a outros litigantes. Assim, verifica-se a necessidade de impedir a limitação da coisa julgada devido à legitimidade ativa, favorecendo a efetivação dos princípios da igualdade e da eficiência.
Hodiernamente, verifica-se uma mudança no modo como é avaliado o entendimento do STJ quanto à liquidação e execução individual de sentença coletiva. A massificação das relações de consumo proporcionou um aumento considerável de ações relacionadas à mesma tese jurídica, o que favoreceu esta nova abordagem. O prestígio à instrumentalidade das formas demonstra integrar a pauta do atual ordenamento jurídico brasileiro, objetivando-se, principalmente, o acesso à justiça e a proteção ao direito.
Mesmo que verificada a concordância da maioria dos juristas com relação a este assunto, este permanece como elemento pautado por complexidade e por divergências, suscitando pesquisas e análises à luz das decisões dos tribunais e da própria legislação. Espera-se que o presente artigo possa fomentar a elaboração de novas pesquisas sobre o tema, de relevância inquestionável na seara do Direito.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Nunes Sindona
Advogado especialista em direito previdenciário tributário e empresarial pela PUC-SP graduando em ciências contábeis e economia