“… .We cannot have trade and commerce in world markets and international waters on our terms, governed by our laws, and resolved by our courts.[1]”
I – INTRODUÇÃO
Os conflitos internacionais inevitavelmente conduzem a uma multiplicidade de jurisdições. Vejamos, à guisa de exemplo, a seguinte situação: um exportador brasileiro conclui um acordo com um importador canadense para vender soja paraguaia, a ser embarcada em navio de bandeira liberiana, em um porto argentino com destino a Miami, EUA. Se desta transação surgir um litígio, há pelo menos seis potenciais fora aptos a processar a demanda com amplas possibilidades de diferentes resultados. As leis processual e material diferem de um país a outro, assim como a especialidade, neutralidade e celeridade dos respectivos tribunais estatais. Não raro, as partes envolvidas em transações internacionais partem, estrategicamente, em busca de vantagens localizadas: imprevisibilidade, e, consequentemente, forum-shopping parecem inevitáveis. Com o objetivo de diminuir as inerentes incertezas das disputas comerciais internacionais, as partes normalmente inserem cláusulas de resolução de conflitos, as quais se consubstanciam em eleição de foro estatal ou de convenção arbitral, com expressa previsão da lei aplicável ao fundo do litígio.
Tratando-se, no entanto, de previsões contratuais, tais cláusulas ficam sujeitas a questões de interpretação e validade. Ademais, uma vez adjudicado o processo e proferida a decisão, a parte vencedora pode desejar (ou se vir obrigada a) buscar seu reconhecimento e execução em outras jurisdições; isto é, perante o Judiciário do país onde o sucumbente tenha bens. Se as partes acordaram resolver o conflito perante uma corte estatal nacional, o vencedor pode ainda enfrentar dificuldades e consideráveis atrasos, na hipótese de inexistência de convenção – entre os respectivos países – para reconhecimento e execução de sentenças judiciais estrangeiras. Se, por outro lado, as partes convencionaram o uso da arbitragem, podem surgir problemas relacionados à execução da cláusula compromissória ou às diferentes particularidades de legislação ou jurisprudência locais; em especial, questões envolvendo arbitrabilidade ou ordem pública. Portanto, ainda que o acordo contenha uma expressa eleição de foro (estatal ou arbitral) permanecem, embora reduzidas, as incertezas.
A primeira parte deste trabalho se conduz à análise das duas principais ferramentas destinadas a reduzir a natural insegurança que afeta as transações internacionais: a) Convenção das Nações Unidas para o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (“CNY”) e b) A Lei Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (“LM-UNCITRAL”). As questões a colocar são: (i) Contempla a CNY um conjunto de regras e princípios capaz de moldar-se às particularidades locais de cada Estado-membro? Tais princípios têm recebido interpretação harmônica pelas respectivas cortes estatais? (ii) No que se refere à LM-UNCITRAL oferece tal “modelo” um padrão legislativo universalmente aceito? É possível afirmar que tais instrumentos[2] representam um consenso internacional no regime da arbitragem? Em caso afirmativo, está o Brasil em conformidade com tal consenso? A segunda parte destina-se, pois, a uma singela análise dos avanços legislativo e jurisprudencial brasileiros em matéria de arbitragem comercial internacional. A preocupação parece-nos justificada. Após dez anos de vigência da lei de arbitragem[3] (“LAB”), ao estrangeiro – também ao brasileiro – interessa não mais somente saber se o país ratificou a CNY ou se a LAB foi inspirada na LM-UNCITRAL. Face a importância do Brasil, a potencialidade de seu mercado no contexto global e sua necessidade de atração de investimentos – sobretudo em infra-estrutura – empresários, advogados e consultores buscam saber se o país está em linha com o chamado ”consenso internacional” em matéria de arbitragem comercial internacional. Tal fato é de fundamental importância haja vista que a decisão do empresário em (não) firmar contratos – no contexto internacional – passa por uma avaliação da equação econômica, a qual se encontra atrelada aos riscos do negócio; estes, por sua vez, à segurança jurídica.
II – O SIGNIFICADO DE “INTERNACIONAL”
O termo “internacional” é geralmente usado para caracterizar a diferença entre arbitragens puramente domésticas daquelas que trascendem as fronteiras nacionais. Dois critérios podem ser usados, individualmente ou em conjunto, na definição de “internacional”. O primeiro envolve a análise da natureza da disputa, segundo a qual a aribtragem é considerada internacional se contempla os interesses do comércio internacional.[4] O segundo dá ênfase às partes; sua nacionalidade, lugar de residência habitual, ou – se pessoa jurídica – sua sede ou lugar de seu principal estabelecimento.”[5] Na prática, normalmente a maioria das arbitragens internacionais satisfaz a ambos os critérios. Todavia, diferenças existem em diversos países, mormente, após ter sido proferida a sentença arbitral. Requerimentos visando ao seu reconhecimento e execução, por exemplo, são processados de forma distinta, seguindo comando das respectivas legislações[6] (estatutária ou jurisprudencial) e tradições jurídicas e culturais.
Quanto à recepção da arbitragem em contratos internacionais, a jurisprudência norte-americana trouxe valiosas contribuições nas emblemáticas decisões nos casos Scherk[7] e Mitsubishi[8]. No primeiro, em que pese a existência de uma cláusula arbitral CCI[9], o comprador americano, sob a alegação de que o conflito decorria de matéria não suscetível de arbitragem, ajuizou ação, perante as cortes federais americanas, contra vendedor alemão, reclamando indenização por violação ao U.S. Securities Exchange Act de 1934. A Suprema Corte entendeu que “considerando a insegurança que inevitavelmente surgirá com respeito a contratos, como é o caso do presente, com diversas conexões com dois ou mais países, uma previsão contratual determinando previamente o foro competente – bem como o direito aplicável – é condição quase indispensável para se obter segurança e previsibilidade em qualquer transação comercial internacional.”[10]
Passados onze anos, novamente a Suprema Corte americana proferiu uma das mais comentadas decisões judiciais no campo da arbitragem comercial internacional. Mitsubishi, uma companhia japonesa acionou[11], na justiça federal americana, seu distribuidor portorriquenho, buscando uma ordem judicial que o compelisse a resolver o conflito, pela via arbitral. O distribuidor demandado não apenas contestou como reconveio defendendo, inter alia, que a questão conflituosa não era passível de arbitragem, pois decorrente de violação à legislacão anti-truste (Sherman Act). A Suprema Corte entendeu que “… pleitos baseados na legislação antitruste são arbitráveis em obediência à Lei Federal Americana (FAA). Respeito à capacidade das partes e às decisões proferidas por tribunais internacionais, “bem como a necessidade de aumentar a previsibilidade na resolução de conflitos relacionados ao comércio internacional impõe seja respeitada a cláusula arbitral em questão, ainda que diferente resultado possa advir em um contexto doméstico.”[12] (ênfase acrescentada)
III – O SIGNIFICADO DE “COMERCIAL”
É prática usual denominar “arbitragem comercial internacional”, no lugar de simplesmente “arbitragem internacional”. A menção (e qualificação) de comercial revela-se necessária face ao fato de que em alguns países (principalmente provenientes do sistema continental), há ainda a distinção legislativa entre matérias cível e comercial. Aliás, vale registrar que a CNY abre a possibilidade ao país aderente de adotar a chamada “reserva commercial”[13]. Recomenda-se, pois, que – logo na fase de negociação do contrato – seja verificado se os países dos quais provêm as partes contratantes são membros da CNY, bem como se houve, por parte de um deles (ou de ambos), a reserva comercial.[14] A LM-UNCITRAL adequadamente optou em não conceituar o termo “comercial”; porém, oferece uma lista que abarca inúmeros tipos de transação comercial.[15] Cabe asseverar, portanto, que apesar da amplitude proporcionada pela LM-UNCITRAL, a questão se a transação é ou não comercial pode encontrar a resposta na lei nacional do local escolhido para ser a sede da arbitragem, ou, em momento posterior, por ocasião da execução da sentença arbitral.
IV – POR QUE ARBITRAR?
Com a expansão do comércio internacional, a arbitragem despontou como a principal alternativa para resolucão de conflitos. Inúmeros comentários já foram feitos sobre as características e vantagens da arbitragem. A nós parece-nos que, na arena internacional, os mais significantes sejam: a) oportunidade dada às partes na escolha de seus julgadores[16]; b) flexibilidade procedimental[17] e c) maior facilidade na execução de sentenças arbitrais em jurisdições distintas daquela em que o laudo foi proferido.[18] Mas, para que estas vantagens ocorram de fato é preciso que haja um sistema minimamente harmônico e consensualmente interpretado a fim de sejam contempladas as diversidades culturais e legais globalmente existentes. Neste cenário, é inquestionável a importância de um conjunto de regras e principios internacionalmente aceitos pelos atores do comércio internacional e recepcionados pelas cortes estatais, independentemente de suas práticas domésticas. Este conjunto de regras e principios encontra-se presente na CNY e na LM-UNCITRAL.
V – A CONVENÇÃO DE NOVA YORK (CNY)
Tratados internacionais constituem um elemento vital na moldura da arbitragem comercial internacional, sendo que a CNY (ratificada por mais de 137 países[19]) é considerada como a mais exitosa experiência convencional internacional, universalmente acolhida tanto por países desenvolvidos como em desenvolvimento, independentemente de sistemas legais ou tradições culturais[20]. Mas, o significado da CNY é tão importante quanto mais seja uniforme ou harmonicamente interpretada. A revisão judicial, baseada em práticas locais, prejudica esta missão, o que conspira contra o desejado grau de segurança almejada pela CNY[21] e pelas próprias partes.
Assim, em que pese a sua aderência universal, a CNY[22] ainda busca sua completa internacionalização, haja vista que – no que se refere ao reconhecimento e execução de laudos arbitrais – enquanto especifica os motivos pelos quais um pedido pode ser denegado, ela deixa para as corte estatais a interpretação de tais motivos. O artigo V (2), por exemplo, dispõe que o reconhecimento pode ser denegado se o Judiciário do país onde tal pedido é apresentado, entender sponte sua que (a) a matéria não é, nos termos da lei (e prática) local, passível de arbitragem ou (b) é contrária à ordem pública. O papel das cortes nacionais é, portanto, decisivo para determinar a execução de laudos arbitrais internacionais e preservar a necessária efetividade, previsibilidade e segurança da arbitragem comercial internacional.[23] Imaginemos outro cenário: “A”, exitosa numa arbitragem realizada no estrangeiro, pede ao Judiciário do país de “B”, sucumbente em tal processo, para que este recepcione um documento (laudo arbitral) firmado por não integrante(s) do Poder Judiciário. Imaginemos também a possibilidade de “B” ser o próprio Estado (ou entidade por este controlada) onde se pede o reconhecimento do laudo estrangeiro. Se a corte estatal do país da parte sucumbente adotar um entendimento de proteção ao seu nacional[24] estará dando um recado à comunidade internacional. Se tal entendimento basear-se em razões estritamente domésticas, poderá distanciar tal país do “consenso internacional”, trazendo consequências quanto ao fator risco em futuras transações comerciais. Por isso que, ao contratar, as partes normalmente procuram se cercar de informações sobre o case-law existente[25], em matéria de arbitragem comercial internacional, no país do parceiro, bem como do lugar almejado para ser o seat da arbitragem.
O papel das cortes estatais proporciona, pois, consideráveis efeitos práticos. Como é sabido, a percepção de maior ou menor probabilidade de disputas perante o Poder Judiciário – uma vez surgido o conflito ou ao seu final – é vista como um dos riscos do negócio. Se a parte constatar na fase de negociação (neste particular, importante é o auxilio de advogados ou consultores locais) que existe certa vocação jurisprudencial do país de nacionalidade da outra parte para processar ações judiciais (i.e. revisão de mérito, denegação do laudo por práticas locais e/ou anti-arbitration injunctions), duas consequências podem advir: ou rejeita-se o contrato, porque o risco é tido como muito elevado, ou aumenta-se o prêmio para cobrir o acréscimo do risco.
VI – A LEI MODELO DA UNCITRAL (LM-UNCITRAL)
O fato de o estrangeiro sentir-se mais à vontade com o tema do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras em um determinado Estado, não significa necessariamente dizer que aceitará aquele Estado como sede (seat) da arbitragem. Em um momento globalizante em que a competição entre os países está cada vez mais acirrada[26], é importante que a legislação arbitral local adote a LM-UNCITRAL[27] ou, pelo menos, recepcione os seus princípios básicos. Por quê?
A harmonização das legislações nacionais arbitrais, em torno de uma lei-modelo, universalmente elaborada, é desejável. Aliás, a idéia dos idealizadores da LM-UNCITRAL[28] era o de oferecer um texto capaz de ajustar-se ou servir de inspiração para toda a comunidade internacional não apenas para facilitar o reconhecimento e execução de laudos arbitrais, mas também prestigiar o princípio da autonomia da vontade, enfatizar o respeito aos princípios do contraditório e devido processo legal e limitar o papel das cortes nacionais. Não é por acaso que a escolha da sede da arbitragem recai na grande maioria das vezes em países que recepcionaram a LM-UNCITRAL, ratificaram a CNY e contam com o fundamental apoio da cortes estatais na defesa dos princípios internacionalmente reconhecidos às arbitragens comerciais. Eis o grande desafio: estar em linha legislativa e jurisprudencial com o consenso internacional.
VII – ESTÁ O BRASIL EM CONFORMIDADE COM O CONSENSO INTERNACIONAL?
Durante os 10 anos de vigência da Lei de Arbitragem LAB, o Brasil ratificou a Convenção do Panamá[29] e a CNY[30]. A LM-UNCITRAL (assim como a CNY) serviu de inspiração para a LAB, embora existam algumas diferenças, a notar: a) a LAB não contém regras específicas para arbitragem internacional[31] e b) a LAB preserva, em determinadas circunstâncias, o tradicional compromisso arbitral. Por outro lado, há inquestionável afinidade com a LM-UNCITRAL tais como o prestígio a autonomia da vontade[32] o respeito, no procedimento arbitral, aos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento[33] e as hipóteses semelhantes àquelas preconizadas pela CNY para a denegação de pedidos de reconhecimento e homologação de laudos arbitrais estrangeiros.[34]
Se o Brasil dispõe da espinha dorsal legal adequada em matéria de arbitragem, a pergunta que daí emerge é saber qual tem sido a resposta do Poder Judiciário brasileiro ao longo da década arbitral; quer seja no início do processo (execução da cláusula compromissória) durante o seu curso (nomeação de árbitros, condução de testemunha renitente ou execução de cautelares) ou no seu final (apreciação de pedidos de anulação ou homologação de laudos estrangeiros)
A jurisprudência brasileira, apesar da “infância” da LAB, tem sido fértil em matéria de arbitragem. Considerando, porém, o enfoque proposto por este singelo artigo, a análise a seguir limita-se a decisões proferidas em contratos internacionais.
No comentado caso Renault v. CAOA[35], o tribunal arbitral, sediado em Nova York, proferiu um laudo arbitral parcial, no qual reconhecera a sua própria competência para conhecer e decidir o mérito do conflito. A parte, descontente com tal decisão, buscou anulá-la no Brasil sob a argumentação de que a lei brasileira – à época – não recepcionava laudos arbitrais parciais. O Judiciário brasileiro,[36] rejeitando tal pedido, corretamente deixou claro que faltava-lhe competência para apreciar tal pleito, haja vista que eventual descontentamento deveria ser formalizado perante as cortes estatais do país sede da arbitragem.[37]
No caso Copel (com repercussões internacionais adversas face à decisão de primeiro grau da Justiça paranaense ter acolhido ação judicial visando a suspender o curso do processo arbitral anteriormente instaurado em Paris, debaixo das regras da CCI), é de se registrar a decisão proferida em segundo grau, em sede de agravo regimental[38], através do qual se reconheceu que “a requerida COPEL concordou expressamente com a resolução do litígio por meio da arbitragem, de modo que não lhe é dado pretender obstar o regular processamento do preocedimento arbitral.” Em outra passagem, o d. des. Relator, enfrentando o tema da kompetenz/kompetenz, esclareceu ser “evidente que a competência para apreciar a validade ou invalidade da cláusula arbitral é primeiramente do juízo arbitral e depois do Supremo Tribunal Federal por ocasião da homologação da sentença arbitral estrangeira.” (ênfase nossa)
Recentemente, com a Emenda Constitucional n. 45/2004[39], a competência original para apreciar pedidos de homologação de sentenças estrangeiras passou do do Supremo Tribunal Federal (“STF”) para o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”)[40]. Em Maio de 2005, o STJ proferiu sua primeira decisão sobre o tema no caso Aiglon.[41] A questão central posta em debate referiu-se a um contrato, contendo cláusula compromissória, não assinado pelas partes. Deferindo o pedido de homologaçao do laudo proferido no exterior, com base nas regras da Liverpool Cotton Association, os Ministros da Corte Especial do STJ, à unanimidade de votos, entenderam que a requerida, “de acordo com a prova dos autos, manifestou defesa no Juízo Arbitral, sem impugnar em nenhum momento a existência da cláusula compromissória.” Em que pese o contido no artigo II, 2 da CNY, a decisão, à luz dos fatos demonstrados nos autos[42], revela-se correta. Não pode a parte atuar ativamente no processo arbitral, nomeando árbitros, pleiteando o que entende ser de direito e, ao final, porque a decisão lhe soa desfavorável, levantar um vício formal que teria maculado todo o processo arbitral.
No caso Espal[43], a questão controvertida relacionava-se ao cabimento da aplicação da lei de arbitragem em contrato firmado antes de 1996. À unanimidade de votos, o E. STJ entendeu “[se tratar] de extinção do processo sem julgamento do mérito, se, quando invocada a existência de cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda que o contrato tenha sido clebrado em data anterior à sua vigência, pois as normas processuais têm aplicação imediata.” Em tal julgamento, fazendo menção ao precedente emblemático no caso Ivarans Rederi[44], a i. Ministra Andrighi fez importantes considerações atinentes a contratos internacionais, in verbis: “trata-se, portanto, de contrato internacional, com características que não correspondem exatamente às dos contratos internos, firmados para produzir efeitos integralmente dentro do país. Em razão desta peculiaridade, a hipótese sob julgamento deve receber tratamento jurídico próprio, o que implica, neste constexto, em observâcia das regras estabelecidas pelo Protocolo de Genegra de 1923, que, conforme já esclarecido, não distinguiu cláusula e compromisso arbitral. Nos contratos internacionais, ganha relevo a aplicação dos princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país, o que justifica, na espécie em exame, a análise da cláusula arbitral convencionada entre as partes, sob a ótica do Protocolo de Genebra de 1923.”
Trata-se, em nossa opinião, de uma decisão acertada não só do ponto de vista técnico como também pela preocupação e sensibilidade em reconhecer as particularidades dos contratos internacionais.[45]
No caso Thales Geosolutions[46], o STJ acolheu pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira proferida em Houston, Texas, com base nas Regras de Arbitragem da Uncitral, que condenara empresa brasileira ao pagamento de quantia superior a US$ 1 milhão. A defesa da requerida concentrou-se na afirmação de que suspendera os pagamentos devidos, em decorrência de inadimplemento de obrigação por parte da requerente, conforme lhe permitia, na época, o artigo 1092 do Código Civil brasileiro de 1916. Como consequência, a requerida insurgiu-se contra a homologação do laudo arbitral sob o fundamento de que este ofenderia a ordem pública.
Ao rejeitar tal argumento e acolher o pleito homologatório, o i. Ministro Delgado afirmou que “… a Requerida se vale da exigência dos dados brutos mencionados no preâmbulo, arvorando-se em fiel defensora da ordem jurídica, como mero pretexto para não pagar o que deve, em manifesta afronta ao avençado entre as partes.” Após trazer lições doutrinárias sobre o conceito de ordem pública, o e. Min. Relator concluiu que “… a alegação da parte requerida de que não efetuou o pagamento das quantias devidas à requerente, em face da regra do artigo 1092 do CC de 1916, não se enquadra no conceito de violação de ordem pública.”
Considerando que a CNY[47] oferece condições às cortes estatais para denegar, sponte sua, pedidos de homologação de laudos arbitrais estrangeiros, com base na ofensa à ordem pública é que vem se solidificando a noção de ordem pública internacional.[48]
Ainda sobre o tema da ordem pública, no caso Union Européenne de Gymnastique[49], o STJ recentemente acolheu pedido de homologação de laudo arbitral estrangeiro, afastando argumento de irregularidade na fase citatória. “Ex vi do parágrafo único do artigo 39 da Lei de Arbitragem brasileira, não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.”
Por fim, no caso Bouvery[50], o STJ acertadamente entendeu que cabe à parte contra quem o pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira é protocolado comprovar, nos termos do artigo 38, inciso III da LAB, que não fora notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando ampla defesa. Aliás, tal previsão está contida no Artigo V, 1 (b) da CNY que também poderia ter sido citada em tal julgamento. A propósito, o artigo VII da CNY não impede a utilização da lei local mais favorável (como é o caso da francesa) para fins de deferimento de pedidos de homologação de laudos arbitrais estrangeiros.
VIII – CONCLUSÃO
A arbitragem comercial internacional representa um fenômeno global na área da solução de conflitos e tende a se incrementar ainda mais no futuro. É incontroverso o papel da CNY e da LM-UNCITRAL na missão de harmonizar sistemas jurídicos e culturas distintas, possibilitando a formação de um consenso internacional. A LAB e a recente jurisprudência do STJ indicam uma postura consentânea com tal consenso, trazendo – por consequência – crescente previsibilidade e segurança aos participantes do comércio internacional, bem como aos estrangeiros que desejam investir no Brasil.
Advogado, Sócio do Escritório Seleme, Lara, Coelho & Gomm Santos – Advogados – Curitiba; Consultor em Direito Estrageiro do Escritório Buchanan, Ingersoll & Rooney PC – Miami; Professor do curso Arbitragem na América Latina da Universidade de Miami; Mestre em Direito Internacional Comparado pela Universidade de Miami (2006) e Mestre em Direito Comercial Internacional pela Universidade de Londres (1993)
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