A lei, como um dos meios de controle que é, imputou à Administração Pública o dever de instaurar o procedimento licitatório , como uma das formas de suprir as necessidades de interesse público, art. 37-XXI CF/88.
Assim, surgindo o motivo, isto é, a causa que é “a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo”1, a Administração Pública instaurará a licitação, com objetivo de atender uma dada necessidade concreta.
Revestido de caráter público, o procedimento licitatório, assim como todos os atos administrativos, está sujeito a controle. O controle sobre o procedimento licitatório pode ser exercido tanto por aqueles que nele atuam, como por aqueles interessados em exercer seu direito de fiscalização legitimado em lei.
Deste breve intróito ao tema, extrai-se que a realização do procedimento licitatório é objeto de dois tipos de controle, quais sejam, o interno e o externo.
CONTROLE INTERNO
O procedimento licitatório perfaz-se em duas fases estanques e subseqüentes, quais sejam, as fases interna e externa.
Atente-se para o fato de que a expressão controle interno, a que se refere este tipo de fiscalização, diz respeito tão somente aos atos emanados da fase interna da licitação.
A fase interna da licitação compreende a prática de uma série de atos sucessivamente ordenados, com escopo de, na forma da lei, propiciar a instauração pública do certame. Importa dizer que, a fase interna corresponde aos atos preparatórios, anteriores à convocação dos interessados em contratar com a Administração Pública. Nesta fase atuam, portanto, somente as autoridades operadoras da máquina administrativa.
Assim, o controle interno da licitação é praticado somente por aqueles que executam os atos necessários para a instauração do certame, quais sejam, os agentes da administração licitadora.
Portanto, na fase interna, tem-se que durante a prática dos atos necessários e indispensáveis para o desencadeamento da licitação, os agentes que nela atuam devem observar com afinco a lei, que é seu horizonte limitador, quanto ao exercício de suas funções. Qualquer ato em desconformidade com o mandamento legal, torna-se passível de nulidade.
Mister informar que, não há na lei 8.666/93 rito procedimental para a fase interna da licitação, determinado tão somente por meio da sua interpretação sistemática, a qual, por sua vez, induz ao entendimento de que o início do certame ocorre com a emissão da requisição expedida pela autoridade competente. A requisição é o instrumento que a unidade administrativa expede requerendo a aquisição de um bem ou serviço. A requisição deve conter os seguintes elementos informativos:
a) a pessoa do requisitante que corresponde à autoridade administrativa competente;
b) o motivo, que se refere ao porquê da solicitação;
c) o objeto, descrito de forma clara, sucinta e objetiva;
d) e o custo estimado para a contratação.
O art. 38 da lei 8.666/93, ao prever a expressão contendo a autorização, preceitua a necessidade de apreciação concernente à autorização ou não da contratação por parte da autoridade superior competente responsável pela expedição da requisição. Se não for aprovada a requisição, encerra-se o prosseguimento do certame. 2
Se aprovada, a autorização deverá consignar no mesmo ato, a fixação do preço máximo da contratação. Com o fim destes trâmites, remete-se o feito à etapa de autuação, protocolização e numeração do procedimento licitatório. Após este momento, já com a juntada da autorização, com a indicação sucinta do objeto e dos recursos financeiros, envia-se à comissão da licitação. À comissão da licitação, cabe, em observância ao art. 40 da lei 8.666/93, elaborar a minuta do instrumento convocatório e do contrato. Finda a elaboração do instrumento convocatório, já com as devidas rubricas presentes em todas as folhas, bem como, com a assinatura da autoridade que o expedir (art. 40-§1° lei 8.666/93), o mesmo, obedecendo a dispositivo legal ( art. 38-§ único lei 8.666/93), é encaminhado à assessoria jurídica para aprovação das minutas. Com o retorno do feito, da assessoria jurídica para a comissão, esta deverá publicar o aviso da licitação.
Neste momento permita-se uma pausa para tecer um comentário à respeito da comissão da licitação.
O artigo 51 caput da lei da licitação, disciplina a composição da comissão licitante, e em seu §4°, o legislador com intuito de controlar os atos por ela praticados, veda a recondução total de seus membros para o período subseqüente ao seu mandado, que é de 01 ano. O espírito legislativo que norteia esse dispositivo, é o de evitar a ocorrência de fraudes, infelizmente, tão incidentes neste tipo de procedimento, e não o de dificultar a realização do certame. Assim como bem doutrina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o ideal é que se mude sempre parcialmente a comissão, porque o procedimento é complexo e exige certo preparo por parte de seus membros”. 3
Após este aparte, retomando o assunto, a comissão da licitação ao executar a publicação do aviso da licitação, deve pautar-se no disciplinado no art. 21 da lei 8.666/93, o qual prescreve a forma e a intensidade de publicação do instrumento convocatório.
Ressalte-se que com a publicação do ato convocatório, encerra-se a fase interna da licitação, prosseguindo-se à sua fase externa.
CONTROLE EXTERNO
Não obstante a prática de controle interno promovido durante todo o desenrolar do certame, há que se ressaltar a importância do controle externo. A lei de per si não consegue coibir as artimanhas fraudulentas. Ela necessita da participação da sociedade, que como sua coadjutora atuante, poderá, se não eliminar as fraudes, ao menos diminuí-las consideravelmente.
Com a publicação do instrumento convocatório, encerra-se a fase interna da licitação e tem início a sua fase externa. Importante mencionar que a publicação do aviso da licitação, o torna lei interna do certame, ou seja, deverá ser observado na sua totalidade pelos licitantes e principalmente pela administração licitadora.
Ao iniciar a fase externa da licitação, abre-se aos interessados, a oportunidade de contratar com a Administração Pública, e é neste momento que se torna possível, a impugnação do instrumento convocatório, que deu publicidade ao certame.
Assim, já prevendo a incidência de possíveis irregularidades, é que a lei 8.666/93, com intuito de proporcionar o controle sobre a licitação, elenca em seu art.41, duas formas de impugnação ao edital, quais sejam, a incursionada pelo cidadão – §1°- e a exercida pelo licitante-§2°.
A pretensão de impugnar o edital deve ser dirigida à autoridade signatária do ato convocatório, e como a lei não determina qual é esta autoridade, deve-se, então, atentar ao que dispõe o regimento interno de cada unidade.
A impugnação deve ser enviada à assessoria jurídica para apreciação. Se a impugnação for intempestiva, a autoridade deve recebê-la, não como impugnação, mas como direito de petição, e neste caso, ela mesma – a autoridade- , deverá apreciá-la.
Apreciada a impugnação, pela assessoria jurídica, aquela retorna para a autoridade, que nesta oportunidade deverá decidir sobre a procedência ou improcedência da impugnação. Se procedente, deve-se mediante nova publicação, abrir novo prazo aos interessados em contratar com a administração , salvo se a alteração não afetar a formulação das propostas ( art. 21-§4° da lei 8.666/93 ).
Vencidos os obstáculos, o instrumento convocatório é publicado, abrindo-se a fase externa da licitação, na qual, efetua-se a análise das condições para a habilitação, dos interessados e de suas respectivas propostas.
Em sessão pública na qual se verificam as condições de habilitação, deve a comissão de licitação, abrir todos os envelopes, rubricá-los e dar vistas aos demais participantes. Nesta ocasião são acolhidas as eventuais manifestações dos concorrentes em relação à documentação dos demais participantes. Poderá ainda, nesta sessão, a comissão licitante, decidir pela habilitação ou inabilitação dos participantes.
Deve-se acentuar que resolvida a etapa concernente à habilitação, “não cabe desistência da proposta, salvo por motivo justo decorrente de fato superveniente e aceito pela comissão”, conforme preceitua o art. 43-§6° da lei 8.666/93.
Com a apresentação das propostas, consoante a doutrina de Adilson Abreu Dallari, “estabeleceu-se um vínculo entre a administração e os eventuais interessados, passando os proponentes a adquirir a situação de licitantes”. 4
Importante salientar que no procedimento licitatório não se pode passar de uma etapa para outra, enquanto se não houver exaurido a anterior.
Assim, de acordo com o destino dado ao mecanismo de controle colocado à disposição dos participantes, qual seja, a interposição de recurso, o esgotamento da etapa habilitatória pode se dar em três momentos distintos :
a) pelo decurso do prazo recursal, que passou in albis;
b) pelo julgamento dos recursos, eventualmente interpostos;
c) pela desistência unânime, ou seja, pela desistência de todos participantes presentes, ao recurso.
Exaurida a etapa da habilitação, passa-se à abertura dos envelopes contendo suas respectivas propostas. Neste momento, a comissão licitante deve verificar se as propostas apresentadas estão ou não em conformidade com as exigências do edital. Esta análise é um procedimento anterior à avaliação do conteúdo das propostas, com intuito de examinar a adequação das propostas às condições do edital. Se passar por essa verificação preliminar, as propostas serão julgadas em caráter competitivo, de acordo com seu conteúdo, sua qualidade.
Superada a etapa de julgamento das propostas, sem a interposição de recursos, ou com o julgamento dos eventualmente interpostos, a comissão licitante procede à lavratura da ata, na qual apenas sugere a homologação da licitação e a conseqüente adjudicação do objeto ao proponente classificado em primeiro lugar. Já com os autos do certame em mãos, a autoridade superior competente , – que é externa à comissão -, confirma ou não a regularidade do procedimento, através de um ato administrativo denominado homologação.
Cabe destacar que os eventuais recursos interpostos, tanto na etapa da habilitação, quanto na etapa do julgamento das propostas, possuem efeito suspensivo, conforme estatui expressamente o art. 109 -§2° da lei 8.666/93.
Retomando o momento em que a autoridade competente examina os autos da licitação, deve-se atentar para o fato de que é nesse momento que ela exerce determinado controle sobre os atos realizados no procedimento licitatório. O exercício desse controle poderá percorrer três caminhos distintos, a seguir mencionados.
Se, da análise do procedimento a autoridade perceber que estão presentes os dois pressupostos que ensejaram a abertura da licitação, quais sejam, oportunidade e conveniência, e que todos os atos foram realizados com estrita observância da lei, deve homologar a licitação, ou seja, deve conferir-lhe legitimidade. Se, entretanto, a autoridade perceber que após a abertura da licitação , esta deixou de ser oportuna e conveniente, pelo surgimento de fato superveniente ou por interesse público, deverá revogar o certame.
Por mais, se constatar que determinado ato praticado durante o certame, esta em desconformidade com a lei, deve anular o procedimento licitatório.
Conforme depreende-se da leitura das singelas linhas descritas neste item, das decisões proferidas durante a realização do certame, cabe a interposição de recurso, que de acordo com a disposição do art. 109 da lei 8.666/93, denominam-se:
a) recurso hierárquico;
b) representação;
c) pedido de reconsideração.
Vale uma breve pausa porque oportuna, para salientar que os recursos, assim como, todos os meios disponíveis para exigir a prestação da tutela pertinente estão guarnecidos com conteúdo axiológico de controle.
Voltando às considerações tecidas sobre recursos, tem-se que no âmbito concernente à matéria licitacional, o recuso hierárquico cabe tão somente nas hipóteses taxativas das alíneas do art. 109-l da lei 8.666/93. Deve ser interposto no prazo de 05 ou 02 dias úteis, determinado pela modalidade de licitação.
A representação (art. 109-ll, da lei 8.666/93), é cabível quando não for possível a interposição de recurso hierárquico, ou seja, por exclusão. Assim como o recurso hierárquico, deve ser interposto no prazo de 05 ou 02 dias úteis, também observando-se a modalidade de licitação que o determina.
O pedido de reconsideração (art. 109-lll – lei 8.666/93), serve para atacar declaração de inidoneidade proferida por decisão de Ministro de Estado, ou Secretário Estadual ou Municipal. Deve ser interposto no prazo máximo de 10 dias úteis contado da intimação do ato.
Assim como na esfera cível, a interposição de recursos licitacionais, deve orientar-se pelas regras do Código do Processo Civil, no que se refere aos requisitos formais. Desta feita, a autoridade a quem for dirigido o recurso, deve, antes de exercer o exame quanto a apreciação do conteúdo do recurso, analisar se os pressupostos legais formais estão presentes para garantir a admissibilidade do recurso.
Os pressupostos formais a serem analisados nos recursos interpostos durante a realização do certame, são os seguintes: a tempestividade e a legitimidade para poder recorrer.
Chama-se a atenção, para o fato de que à comissão licitante é imputado o dever de comunicar a todos os licitantes a interposição de recursos, bem como, o de abrir prazo para a impugnação dos licitantes interessados.
Julgados os recursos, na esfera administrativa não há mais o que fazer, sobejando ainda aos licitantes, se necessário, a invocação da tutela jurisdicional.
NOTAS
1 Conceito extraído do insigne jurista MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 136.
2 Entendimento retirado dos ensinamentos exarados no quadro sinótico apresentado por BLANCHET, Luiz Alberto. Licitação: O Edital à Luz da Nova Lei. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1994. p. 182.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1996. p. 281.
4 DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos Jurídicos da Licitação. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 109.
Informações Sobre o Autor
Ilza Maria Barros Spiazzi
Bacharel em Direito/PR