Sumário:1. Introdução: tratamento penal em vigor; 2. A realidade atual; 3. Medidas necessárias.
1. Introdução: tratamento penal em vigor
O crime de extorsão mediante seqüestro está previsto no art. 159 do Código Penal, e sem sua forma fundamental será punido com reclusão, de oito a quinze anos, quem “seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”.
Se o seqüestro durar mais de vinte e quatro horas, se o seqüestrado for menor de dezoito anos, ou se o crime for cometido por bando ou quadrilha, a pena de reclusão será de doze a vinte anos.
Se do fato resultar lesão corporal de natureza grave a pena de reclusão será de dezesseis a vinte e quatro anos, e se resultar em morte, de vinte e quatro a trinta anos.
O parágrafo único do art. 159 cuida o instituto da delação premiada, autorizando a redução da pena de um a dois terços ao delator que tenha praticado o crime em concurso, desde que suas informações à autoridade facilitem a liberação do seqüestrado.
Para as hipóteses do caput e §§ 1º a 3º do art. 159, o art. 9º da Lei 8.072/90, a Lei dos Crimes Hediondos, estabelece especial causa de aumento de pena ao determinar que “estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal”, as penas serão “acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão”. O art. 224 do Código Penal, por sua vez, estabelece presunção de violência quando a vítima: a. não é maior de catorze anos; b. é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c. não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.
Trata-se de crime hediondo, tanto na forma simples como nas qualificadas, e disso decorre a impossibilidade de progressão de regime prisional.
Ao condenado restará a possibilidade de livramento condicional após o cumprimento de mais de 2/3 (dois terços) da pena imposta, consoante determina o inciso V do art. 83 do Código Penal, salvo se reincidente específico, quando então estará vedado o livramento por força do mesmo dispositivo.
2. A realidade atual
Em tempos de inquestionável achatamento do poder econômico-social e de fundadas inquietações com a elevação dos índices de criminalidade, a prática do crime de extorsão mediante seqüestro volta a preocupar os grandes centros urbanos e o cenário da segurança pública em sentido amplo, o que é possível sentir até mesmo por meio das reiteradas notícias que ocupam a imprensa especializada.
Basicamente alicerçada em causas sociais que vão desde a ausência de cultura e educação até a miséria e a negação de todo e qualquer direito fundamental, de status constitucional, com a inevitável interligação de tais fatores, de tempos em tempos as estatísticas criminais, que só fazem aumentar, se elevam sensivelmente em relação a delitos que estão diretamente ligados a causas econômicas como, em parte, é o caso do crime de que ora se cuida.
Não é correto pensar que tais delitos são praticados ou promovidos exclusivamente pelo “crime organizado”; pelo narcotráfico, visando à obtenção de recursos que se destinam ao fomento de todas as práticas ilícitas que envolvem tais atividades.
Muito embora notícias jornalísticas no mais das vezes se refiram às investidas de tal magnitude patrocinadas pelo “crime organizado”, estatisticamente, a criminalidade difusa e desorganizada, bem maior que a primeira, é reincidente em tal incidência penal.
Visando coibir a prática de tais delitos, a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), aumentou outrora o mínimo das penas de reclusão do caput e dos §§ 1º a 3º do art. 159, excluindo as penas de multa.
A solução perseguida, qual seja, a elevação da pena para tais crimes, como mecanismo de intimidação visando coibir a prática, não atingiu seu objetivo.
O critério _ elevação da pena, não surtiu efeitos de prevenção geral ou especial, até porque nem mesmo a reincidência em tais crimes diminuiu.
A Lei 9.269, de 2 de abril de 1996, alterou o § 4º do art. 159, que havia sido introduzido no ordenamento por força do disposto no art. 7º da Lei dos Crimes Hediondos.
A delação premiada, que no fundo recompensa o criminoso e reconhece a ineficiência dos meios investigatórios do Estado, resvalando em questão ética, na prática tem alcançado poucos resultados.
3. Medidas necessárias
Pelo que acima foi dito já é possível concluir que a elevação da pena e mesmo a previsão de benefícios como a delação premiada, não se prestam, isoladamente, à solução do problema que sempre insiste em preocupar a todos.
O que não se viu por parte do Estado, até o momento, foi a adoção de uma postura prática com investimentos que visem o homem em sociedade.
Não é com a criação isolada de normas jurídicas pura e simplesmente que se alcançará a paz social _ uma das finalidades do processo penal.
O ordenamento jurídico está abastecido com regras suficientes, seja no âmbito do Código Penal, seja nos contornos da Lei de Execução Penal.
O que ainda falta é o investimento social; é o investimento no homem.
Como última instância de preocupação, porém, de igual grandeza, até porque os investimentos anteriormente indicados assim determinam, faltam, ainda, os investimentos necessários à viabilização da execução das penas de molde a se proporcionar o alcance dos objetivos _ punir e humanizar, perseguidos pela Lei 7.210/84, a Lei de Execução Penal, que com duas décadas de vigência ainda não foi aplicada em sua plenitude por absoluto descaso do Estado.
As normas de direito estão postas.
O que falta; o que se reclama, é a aplicação das mesmas, e salvo razoável engano, foi para isso que foram criadas.
Informações Sobre o Autor
Renato Flávio Marcão
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).