Família socioafetiva e a importância do princípio constitucional da afetividade

Resumo: A família é a base da sociedade e, portanto merece e possui especial proteção do Estado, afinal é por intermédio dos valores éticos e morais oferecidos por essa entidade familiar aos seus partícipes que contribuirá de forma significativa para a formação do indivíduo, ao qual o amor ao próximo é atributo fundamental para uma boa convivência e um bom desenvolvimento psicossocial de seus membros. Assim, por intermédio de revisão literária e uso da metodologia lógica dedutiva, pretende-se comprovar a importância da valorização dos vínculos afetivos, na qual esse princípio constitucional é considerado atualmente como requisito imprescindível para análise em decisão judicial, prevalecendo os princípios fundamentais que resguardam a composição da família socioafetiva. Nesse sentido, conclui-se que quando a lide judicial versar sobre essa questão deverá ser priorizado o princípio constitucional da afetividade, protegendo e resguardando direitos inerentes do infante e resguardando consequentemente o princípio da dignidade humana.

Palavras chaves: Família Socioafetiva. Princípio da Afetividade. Princípio da Dignidade da pessoa humana.

Abstract: The family is the foundation of society and therefore deserves and has special protection of the state, after all is through the ethical and moral values ​​offered by that organization familiar to its participants that contribute significantly to the formation of the individual to whom the love the next attribute is critical for good living and a good psychosocial development of its members. Thus, through literature review and methodology use deductive logic, intended to demonstrate the importance of valuing the affective bonds, in which this constitutional principle is currently regarded as a prerequisite for analysis in judicial decision, prevailing principles that enshrine the family composition socioaffective. Accordingly, we conclude that when the court deal be about this issue should be prioritized the constitutional principle of affection, protecting and safeguarding the rights inherent in infant and consequently protecting the principle of human dignity.

Keywords: Family socioaffective. Principle of Affection. Principle of Dignity of the human person.

Sumário: Introdução. 1. Do direito de família. 1.1. A constante busca pela felicidade e a importância dos vínculos afetivos. 2. Princípios Constitucionais e a família socioafetiva. 3. Família socioafetiva. 3.1 Família socioafetiva e as lides judiciais. 5. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O ser humano está constantemente buscando sua felicidade, que inclui os vínculos afetivos de amor e respeito entre as pessoas. Ademais, esses vínculos são objetos e norteadores de conflitos desde a antiguidade, na qual o amor ao próximo é tido como conduta suprema para a conquista da felicidade de uma sociedade justa e pacífica. Nesse sentido, é manifesta a importância dado aos vínculos de afeto na vida e conduta da sociedade, sobretudo quando o assunto em questão é família (RUSSEL, 2005).

E isso não é diferente nas lides judiciais decorrentes das relações oriundas do direito de família, na qual no caso concreto é visível a importância do magistrado basear-se no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a qual está diretamente interligada com o princípio da afetividade, oferecendo para solução do conflito a norma abstrata, tendo como norteador para resolução, o resguardo a afetividade de seus participes, para que surta os efeitos e justiça almejada (DIAS, 2010).

Dessa forma, o trabalho ora proposto tem como pretensão identificar a importância do princípio constitucional da afetividade como norteador das relações de família, que prioriza o envolvimento afetivo e os laços agregados de amor e respeito, uma vez que uma família desestruturada afetivamente poderá causar danos por vezes irreversíveis não só ao indivíduo e aos membros dessa entidade, mas a toda a sociedade.

Ademais, essa nova importância dada o direito de família, dá inicio a um novo modelo familiar, na qual os laços afetivos de amor e segurança gerados pela convivência são utilizados como direção nas lides judiciais, denominadas dessa forma de família socioafetiva (LENZA, 2012).

Tem-se que a Constituição Federal de 1988 foi a precursora a reconhecer e priorizar a importância da aplicabilidade do princípio da afetividade no âmbito familiar, concedendo e resguardando a entidade familiar, como base da sociedade e que merece e possui proteção especial do Estado, conforme disposição expressa do artigo 226, em seu caput.

Nesse sentido, os vínculos afetivos são priorizados na solução de lides judicial que trata dos direitos e deveres da paternidade e maternidade, bem como de filiação, agasalhando diretamente aos sentimentos de amor e confiança existente entre os familiares, buscando que a decisão proferida pelo tribunal seja a mais próxima de justiça possível, resguardando cláusulas pétreas, protegendo direitos fundamentais e constitucionais da afetividade e da dignidade da pessoa humana.

Surge assim, o desígnio de valorizar a aplicação dos princípios constitucionais da afetividade e dignidade humana, nesse novo modelo de entidade familiar, isto é, a família socioafetiva, devolvendo ao caso concreto a segurança e correta aplicação jurídica.

1. DO DIREITO DE FAMÍLIA

Não é de hoje que o direito de família vem passando por intensas transformações. Estas modificações são visíveis, principalmente quando analisado o fato de que até meados do século passado, este termo família no sentido jurídico era reconhecido apenas como aquela exclusivamente decorrente do casamento, modelo este exercido de maneira hierarquizada e patriarcal (GONÇALVES, 2013).

Entretanto, devido a essas varias mudanças ocorridas na sociedade, a nossa legislação necessitou adequar-se, criando normas jurídicas para atender as demandas judiciais e amoldar-se a necessidades de toda a sociedade. 

Ademais, tem-se que o grande marco dessas mudanças para nosso ordenamento jurídico ocorreu com a promulgação de nossa Carta Magna de 1988, que reconheceu a família de forma ampla, definindo-a como entidade familiar e base da sociedade, considerada ainda como o alicerce do desenvolvimento psicológico, social e emocional do individuo e que, portanto merece e possui especial proteção do Estado, conforme texto expresso da Constituição Federal.

Dessa forma, colabora o aludido pela autora Beatrice Marinho Paulo (2009):

Diversos estudiosos, pertencentes às mais distintas áreas do saber, atualmente se debruçam sobre o tema “Família”, buscando entender e delimitar essa que continua sendo a célula básica da sociedade, merecedora de uma “Proteção Especial do Estado”, mas que se apresenta, hoje, pluriforme, adotando variados arranjos e configurações. Conceituar família parece ser um dos grandes desafios do mundo contemporâneo”.

Tem-se ainda que o fator determinante, agora assegurado constitucionalmente, foi o reconhecimento do direito da igualdade entre homens e mulheres, sobretudo nas relações familiares, onde agora ambos estão em pé de igualdade em direitos e deveres em relação ao poder familiar (DINIZ, 2011).

Aliás, a Carta Magna, resguardar e protege o interesse do menor e dispõe sobre os direitos e deveres dos pais em relação aos seus filhos, devendo ser exercida de forma responsável e solidária.

Do mesmo modo, salutar é o juízo de Bertrand Russel (2004, p. 171) que menciona sobre os direitos e deveres do pai em relação a seus filhos:

“[…] a relação entre pais e filhos será harmoniosa do princípio ao fim, […] Mas para isso é necessário que os pais, desde o princípio, respeitem a personalidade do filho, um respeito que não deve ser simples questão de princípios morais ou intelectuais, mas sim algo que sintam na alma, com convicção quase mística, de tal modo que seja totalmente impossível mostrarem-se possessivos ou opressores”.

Colabora para esse entendimento o mencionado pelo jubilado doutrinador Pedro Lenza (2012, p. 1.213) sobre a Constituição Federal de 1988 e o seu amparo a entidade familiar, dispondo que: “[…] prioriza-se, portanto, a família socioafetiva à luz da dignidade da pessoa humana, com destaque para a função social da família, consagrando a igualdade absoluta entre os cônjuges (art. 226, § 5º.) e os filhos (art. 227, § 6º)”.

Ademãos, salutar são as palavras da doutrinadora Maria Berenice Dias (2010, p. 42):

“Nos dias de hoje, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vinculo afetivo a unir as pessoas com a identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo” (grifo do autor).

Assim, tem-se mais que comprovado que a nossa Carta Magna foi a pioneira a romper com o modelo tradicional de família, que consequentemente acabou reconhecendo também, como família constitucional, a monoparental e a união estável, conforme texto do artigo 226, em seus § § 3º e 4º, respectivamente. Além do mais, os incisos seguintes do artigo 226 da Constituição Federal trazem ainda um rol exemplificativo e não exaustivo dessa entidade familiar.

Tem-se ainda que nem todas as demais denominações de famílias estão expressas no texto constitucional, mas nem por isso são menos importantes e são igualmente protegidas e asseguradas pela Carta Magna.

Desse modo, perfeito são os ensinamentos da autora Maria Helena Diniz (2011, p. 31) que conceitua família como: “Família é o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção”.

Logo, é presente na norma constitucional a prioridade que dá ao termo família e aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da afetividade, cabendo ao ordenamento jurídico intervir nas relações familiares sempre que necessário.

Assim, quando uma lide judicial envolver relação de pais e filhos menores, está deverá ter prioridade, cabendo ao magistrado, após ouvir a manifestação do Ministério Público, intervir, concedendo efetividade e celeridade ao processo, a qual terá como norteador os princípios constitucionais da dignidade humana, da afetividade e do melhor interesse da criança e do adolescente.

Contribui com esse juízo, o aludido pela autora Beatrice Marinho Paulo (2009, p. 27):

“Nas novas configurações familiares, novos vínculos se formam entre pessoas que não são biologicamente ligadas e não tem vinculo jurídico reconhecido. Muito além sobretudo de laços biológicos ou adotivos, a família contemporânea é constituída, sobretudo, por ligações socioafetivas. Cada vez mais, as pessoas desenvolvem vínculos que não encontram regramento em nenhum texto legislativo: unem-se por laços que nem sempre são reconhecidos – e sequer nomeados! – pelo Estado, mas que não podem mais ser desprezados, na medida em que exercem enorme influencia no desenvolvimento da pessoa humana, e que fazem surgir questões às quais a Justiça é constantemente chamada a responder (grifo nosso)”.

Ainda sobre esse tema a autora Ana Cristina Silveira Guimarães (2010, p. 436) aduz: “É necessário esclarecer que a paternidade diz respeito a vínculos, a laços que se constroem e que têm uma representação estruturante na vida psíquica da criança”.

Portanto, é visível que o intuito do nosso ordenamento jurídico é buscar proteger e resguardar, e quando necessário devolver as relações familiares o sentimento de segurança e felicidade as partes envolvidas, concedendo aos membros dessa família direito ao convívio aos laços afetivos de amor e respeito.

Consoante ao mencionado, interessante é o apontamento feito por Luiz Flavio Gomes (2011-2012): “Desse modo, os tribunais valorizam o elemento afetivo como instrumento determinante da filiação visando à proteção dos interesses da criança e do adolescente”. 

Nesse mesmo sentido, conveniente é o mencionado pela autora Beatrice Marinho Paulo (2009, p. 31):

“Fato é que, apesar de todas as mudanças, a família continua sendo a célula básica da sociedade, e a organização social responsável pela socialização e pelo pleno desenvolvimento de cada um de seus membros. Por isto mesmo, questões dela advindas devem ser pensadas, refletidas, debatidas e decididas sempre com muito cuidado, de forma a alcançar soluções as mais possíveis justas e em conformidade com os valores fundamentais do ordenamento”.

Logo, é manifesto que o nosso ordenamento jurídico baseia-se não só aos laços biológicos e consanguíneos para conceder um direito a um indivíduo, todavia também deverão estar presente sim, os princípios constitucionais supracitados, respeitando e resguardando os laços afetivos gerados pela convivência diária de amor.

1.1. A busca pela felicidade e a importância dos vínculos afetivos

A felicidade sempre foi alvo de muita discussão e desejo de conquista de todo indivíduo e sociedade. Todavia, ser feliz é um termo considerado amplo demais, devendo o individuo para buscar essa felicidade aliar-se a pratica do amor, do afeto e de realizar o bem ao próximo, sobretudo se essa relação for oriunda da entidade familiar (RUSSEL, 2004).

Desse modo, os vínculos afetivos têm papel fundamental para a estrutura familiar, a qual os sentimentos de amor, solidariedade, respeito e confiança devem ser práticas e cultivadas diariamente, sendo consideradas como pilares norteadores para a solução de lide judicial.

Concernente ao tema, salutar é a colocação de Bertrand Russel (2004, p. 157): “[…] o amor dos pais pelos filhos e dos filhos pelos pais pode ser uma das principais fontes de felicidade”.

Dessa forma, a entidade familiar é identificar em nosso ordenamento jurídico como aquela em que as pessoas estão ligadas por laços plenos de comunhão de vida, amor e afeto, considerando e respeitando a igualdade, liberdade, solidariedade e responsabilidade de cada partícipe dessa família (DIAS, 2010). 

Dessa forma, notório é, que esses vínculos afetivos gerados pela convivência familiar, por vezes se sobrepõem aos laços biológicos, sendo, portanto elementos importantíssimos e constitucionalmente protegidos, na qual a violação a esses sentimentos são considerados transgressão a direitos fundamentais resguardados pelos princípios constitucionais da dignidade humana e da afetividade. 

2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUTIONAIS E A FAMILIA SOCIOAFETIVA

Os princípios constitucionais são o alicerce do nosso ordenamento jurídico, e indispensável a análise desses para a solução do deslinde da norma abstrata a efetiva e ponderada aplicação a realidade.

A utilização desses princípios nos conflitos judiciais está regulamentada na Lei n. 12.376/2010 – Lei de introdução às normas do direito brasileiro – LINDB, mais especificamente no artigo 4º que preceitua: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Os princípios são empregados como escape para saída nos casos de dúvidas e divergências de interpretações doutrinárias, sendo considerados como direitos fundamentais e devidamente resguardados e protegidos pela Constituição Federal.

Ressalta-se que nesse contexto, serão destacados os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, sendo que também esta interligada a esses os princípios da paternidade responsável e do melhor interesse da criança e do adolescente.

Tem-se desse modo que o princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 1º, III, no artigo 5º, I, artigo 226, § 6º, e o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, nomeado como uma garantia do desenvolvimento da comunidade familiar (DINIZ, 2011).

Sobre ele a professora Maria Helena Diniz (2011, p. 37) leciona: “[…] constitui base da comunidade familiar (biológica ou afetiva), garantido, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227)”.

Nesse sentido, tem-se considerado-o como alicerce da família, sucedido dele os sentimentos de respeito, compreensão, amor e proteção, apresentada como direito fundamental aplicado a toda a sociedade.

Quanto ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem-se denominado como garantia dos direitos da personalidade do menor, utilizado como direção para saída de conflitos de família.

À luz de tal princípio, tem-se que para a dissolução de conflitos existentes onde crianças ou adolescentes façam partes, a saída oferecida deverá ser a que melhor garantir o bem estar do infante (DINIZ, 2011).

Já o princípio da paternidade responsável está preceituado no artigo 226, § 7º da Constituição Federal, competindo ao Estado prover recursos para o efetivo exercício desse direito.

Em referência os autores José Osmir Fiorelli e Rosana Cathya Ragazzoni Mangini (2001, p. 316-317) mencionam:

“[…] a assunção da paternidade responsável é fundamental para o desenvolvimento emocional da criança, com a prática dos deveres materiais e afetivos inerentes à relação pai e filho. […] É pacifico o entendimento de que a paternidade não se resume à prestação de assistência material. As emoções que unem pais e filhos são fundamentais no desenvolvimento emocional, social e cognitivo destes últimos”.

Logo, esse princípio tem como desígnio fazer cumprir a paternidade com absoluta responsabilidade, resguardando e protegendo a entidade familiar.

Por fim, mas não menos importante, tem-se o princípio da afetividade que é tido como bússola das relações familiares, uma vez que o afeto é nas relações familiares o alicerce para uma boa convivência e desenvolvimento de seus participes, sendo, portanto merecedor de tutela constitucional (DIAS, 2010).

Com a proteção do afeto como direito fundamental, a Constituição Federal destaca que a relação existente de afetividade seja indício significativo para definição da guarda. É por intermédio desse princípio que se tem a formação e proteção dos novos modelos familiar, como a família eudemonista, socioafetiva, anaparental, união estável, monoparental, homoafetivas, apontando dessa forma que a afetividade é capaz de unir e modificar o ser humano (DIAS, 2010).

Daí se nota a importância da aplicação do princípio da afetividade nas relações familiares, uma vez que ele prioriza a convivência gerada pelos vínculos afetivos.

3. A FAMÍLIA SOCIOAFETIVA

Diante de todo o texto já citado, é visível que o intuito do nosso ordenamento jurídico é buscar devolver as relações familiares o sentimento de segurança e felicidade as partes envolvidas.

Ademais, visível é a preocupação do legislador e perfeita foi sua colocação ao promulgar em nossa Carta Magna, um rol exemplificativo e não exaustivo do conceito família, abrangendo dessa forma, o conceito da família eudemonista, bem como da socioafetiva.

Sobre este termo eudemonismo, conveniente se faz mencionar a explicação de José Renato Nalini (2006, p. 49): “Eudemonismo deriva de eudemonia, em grego felicidade. Incluem-se nessa ramificação as doutrinas que fazem da ventura o valor supremo. Para elas, a tendência à felicidade é inata ao homem e, […] ela é o bem supremo”.

Assim, tem-se que família eudemonista é aquela formada por pessoas que estão ligadas por laços de amor e afeto, na qual os laços afetivos existente entre os membros desta relação familiar independem de vínculos biológicos. Nesse sentido, concedeu-se o nome a essa nova entidade familiar, como família socioafetiva, na qual os laços de amor se sobrepõem aos laços biológicos.

Sobre o tema família socioafetiva, perfeita ainda é a explicação de Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 177): “A filiação socioafetiva constitui-se pelo relacionamento entre um adulto e uma criança ou adolescente, que, sob o ponto de vista das relações sociais e emocionais, em tudo se assemelha à de pai ou mãe e seu filho”.

Já a jubilada doutrinadora Beatrice Marinho Paulo (2009, p. 27) menciona:

“Nas novas configurações familiares, novos vínculos se formam entre pessoas que não são biologicamentes ligadas e não tem vínculo jurídico reconhecido. Muito além de laços biológicos ou adotivos, a família contemporânea é constituída, sobretudo, por ligações socioafetivas”.

Assim, diante dessa nova forma de família, tem-se que nas lides judiciais envolvendo a relação familiar, deverá ser valorizada os vínculos afetivos, principalmente nas relações que envolva filhos menores dos conflitantes, protegendo e resguardando o princípio da afetividade e o melhor interesse da criança e do adolescente.

Colabora para isso o aludido pela doutrinadora Ana Cristina Silveira Guimarães (2010, p. 434): “[…] a verdadeira paternidade ou maternidade decorre mais de amar e servir do que fornecer material genético. […] Cada vez mais o judiciário reconhece que a paternidade socioafetiva deve ser considerada”.

A autora menciona ainda:

“Nesse vértice, fica evidente que o afeto nas relações familiares nasce dos sentimentos de amor, segurança, respeito entre seus membros, sentimentos esses construídos da convivência, influenciando diretamente na formação e desenvolvimento da criança e ou adolescente. Daí a importância do respaldo constitucional a família socioafetiva” (GUIMARÃES, 2010, p. 434) (grifo nosso).

Nesse sentido, não resta dúvida quanto à importância do reconhecimento do princípio da afetividade nas relações familiares, na qual a decisão da questão judicial deverá resguardar os princípios interligados da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente.

O que se busca assim é valorizar essa nova concepção de entidade familiar denominado família socioafetiva, valorizando os vínculos afetivos gerados pelos sentimentos compartilhados de amor, respeito e segurança.  

3.1. As lides judiciais e a família socioafetiva

É provinda dessa nova prioridade dada ao afeto no direito de família, decorrente das constantes lides judicial levadas ao Poder Judiciário para pronunciar-se sobre essa questão e sua importância para a família e a sociedade.

Com efeito, ao mencionado ao autor Miguel Reale (2007, p. 701), trata da importância da aplicação das normas do direito de acordo com os valores e fundamentos constitucionais:

“Realizar o Direito é, pois, realizar os valores de convivência, não deste ou daquele individuo, mas da comunidade concebida de maneira concreta, ou seja, como uma unidade de ordem que possui valor próprio, sem ofensa ou esquecimento dos valores peculiares às formas de vida dos indivíduos e dos grupos”.

Já a autora Beatrice Marinho Paulo (2009, p. 29) alude sobre os novos paradigmas e a importância do acompanhamento do sistema judiciário a realidade da sociedade:

“Vivemos um momento de incertezas, em que há uma crise de antigos paradigmas. O modelo jurídico vigente mostra-se em descompasso com a realidade social, pois relações continuam a se estabelecer, independente da sua aceitação legal. […] Sem duvida, a realidade é muito mais dinâmica do que a capacidade legislativa humana”.

Desse modo, é necessário que nossos operadores de direito não se prenda exclusivamente a norma abstrata, todavia basear-se e extrair dos princípios constitucionais, e aí sim aplicar a norma de acordo com o caso concreto.

Sobre, interessante se faz mencionar os ensinamentos da autora Ana Cristina Silveira Guimarães (2010, p. 434): “O novo Código Civil considera textualmente as relações de afinidade e afetividade como determinantes para a atribuição de guarda”.

Logo, na falta da norma especifica, o magistrado deverá priorizar os princípios constitucionais outrora mencionados, como o da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável, do melhor interesse da criança e do adolescente e principalmente o da afetividade.

De outra maneira, perfeita é a colocação da autora Beatrice Marinho Paulo (2009, p. 27):

“Demandas originais, não previstas em nosso Ordenamento Jurídico, resultantes das mudanças ocorridas em nossa sociedade e na própria constituição das famílias, vem surgindo dia a dia nos tribunais. Exercer o Direito ou a Psicologia sem parar para pensar nessas novas formas de famílias e nesses vínculos é insustentável. Exige-se um maior conhecimento e uma maior compreensão sobre essas novas estruturas, para que se consiga conduzir de maneira mais adequada os casos que nos são confiados”.

Ainda sobre essa questão menciona:

“[…] É o exercício efetivo dessas funções, muito mais do que uma molécula de DNA ou a letra fria de uma lei, que deve ser reconhecido e protegido pelo Direito e pelo Estado. Baseado nisto, venho propor o seguinte modo de conceituar família: “Grupo de pessoas a quem o individuo é vinculado por laços afetivos e sentimento de pertencimento, que lhe servem de referencia primeira na construção de sua personalidade, e a quem se pressupõe que ele possa recorrer, em caso de necessidade material ou emocional (PAULO, 2009, p. 34)”.

Ora, é nítido que os vínculos afetivos nem sempre estão conectados aos vínculos consanguineos. Um exemplo clássico da aplicação do princípio da afetividade que está expresso é nos casos da adoção, onde o amor gerado pela convivência com essa nova família é um direito garantido por lei.

Outro ponto a destacar é referente a valorar a aplicação do princípio da afetividade, principalmente nos casos de separação do casal e processos de guarda dos menores. Na qual deverá o julgador da lide priorizar o princípio interligado ao da afetividade e da dignidade humana, isto é, deverá valorar o princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente.

Para Edgard de Moura Bittencourt (2010, p. 486):

“[…] Nos conflitos relativos à guarda de crianças, a jurisprudência, usando do amplo poder se disciplina conferido pela lei, tem atendido exatamente a essas situações de fato já referidas, procurando resguardar o ambiente de felicidade em que possam viver”.

Desse modo, tem-se confirmado a importância da família para nosso ordenamento, na qual ela é a base nuclear, sendo que o afeto é o norteador das decisões judiciais, decorrente do princípio constitucional da afetividade, além dos princípios que também estão interligados como o da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável e do melhor interesse da criança e do adolescente.

CONCLUSÃO

O tema família socioafetiva é matéria de muita divergência e discussão, na qual não deve ser tratada como contratos, locações ou acordos, todavia, deve ser vista como um direito que está diretamente interligado com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, bem como o da afetividade.

É manifesto que quando se menciona amor e afeto, não há como mensurar ou quantificar esses sentimentos, principalmente tratando-se das relações familiares. Ademais, já esta comprovada que os vínculos afetivos vão além dos laços consaguíneos ou biológicos, uma vez que esses sentimentos nascem da convivência harmoniosa e afável, transcendendo a genética e por vezes desconhecidas pela lei e pela ciência.

Dessa forma, tem-se comprovado que a família socioafetiva vai muito além do termo pai ou mãe e filhos, vez que esse novo modelo familiar versa sobre o direito de amar incondicionalmente, de zelar pela segurança, desenvolvimento e formação de seus participes, almejando sempre o melhor a cada integrante dessa entidade familiar. 

Assim, o desígnio ora almejado é que os nossos tribunais continuem a valorizar o princípio constitucional da afetividade nas lides judiciais nas questões de família, na qual o papel dos operadores de direito é de priorizar no deslinde os vínculos afetivos gerados pela entidade familiar.

É muito importante a avaliação do princípio constitucional da afetividade no caso concreto, sendo papel do Estado intervir sim nas relações familiares, não ficando inerte, concedendo celeridade e efetividade ao processo, além de conceder direitos fundamentais aos envolvidos, principalmente ao infante, devolvendo a ele o sentimento de segurança e amor gerados por esse novo modelo de entidade familiar, denominado de família socioafetiva.

 

Referências
BITTENCOURT, Edgard de Moura. Controle judicial na guarda de filhos: capítulo XLVII. In: ZIMERMAN, David; COLTRO, Antonio Carlos Mathias (Org.). Aspectos psicológicos na pratica jurídica. 3. ed. Campinas, Millennium, 2010.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: família – sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. v. 5.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 5.
FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 6.
GOMES, Luiz Flavio. O que se entende por família eudemonista?  LFG, 2011-2012. Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/492747/o-que-se-entende-por-familia-eudemonista>. Acesso em: 28 dez. 2012.
GUIMARAES, Ana Cristina Silveira; GUIMARAES, Marilene Silveira. Capitulo: XLIII: guarda: um olhar interdisciplinar sobre casos judiciais complexos. In: ZIMERMAN, Davi; COLTRO, Antonio Carlos Mathias (Org.) Aspectos psicológicos na pratica jurídica. 3.ed. Campinas: Millennium, 2010.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
PAULO, Beatrice Marinho. Família: uma relação socioafetiva. In: Psicologia na prática jurídica: a criança em foco. Niterói: Impetrus, 2009.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
RUSSEL, Bertrand. A conquista da felicidade. Tradução: Luiz Guerra. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. v. 6. 

Informações Sobre o Autor

Marta de Aguiar Coimbra

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Anhanguera – Campus Leme.


logo Âmbito Jurídico