Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar as diversas teorias existentes sobre as isenções tributárias, bem como abordar algumas questões controvertidas, como a relação entre isenção tributária e alíquota zero e isenção tributária e imunidade.
Palavras-chaves: Isenções Tributárias. Fenomenologia. Teorias existentes. Controvérsias relevantes.
Abstract: The aim of this study is to analyze the several theories about tax exemptions. Also, to analyze issues as the relation between tax exemption and zero rate, as well as tax exemption and tributary immunity.
Keywords: Tax Exemptions. Phenomenology. Actual Theories. Controversies.
Sumário: Introdução. 1. Teorias sobre isenções. 1.1. Isenção como dispensa legal do pagamento. 1.2. Isenção como norma não-juridicizante. 1.3. Isenção como norma de estrutura que mutila um dos critérios da regra-matriz de incidência tributária. 1.4. Isenção como norma de comportamento. 2. Questões controvertidas. 2.1. Isenção e imunidade. 2.2 alíquota zero e isenção. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo expor as principais teorias que se propuseram a descrever o fenômeno jurídico da isenção, acompanhadas das críticas que lhe foram dirigidas.
Começa-se pela mais tradicional delas, que enxerga na isenção uma dispensa legal do pagamento do tributo, seguida da teoria da isenção como norma não-juridicizante e da teoria de Paulo de Barros Carvalho, que vê na isenção uma norma de estrutura, que mutila parcialmente algum critério da regra-matriz tributária. Finalmente, expõe-se a teoria de Pedro Lunardelli, que compreende a isenção como uma norma de comportamento que estabelece uma relação jurídica entre o fisco e contribuinte.
O trabalho também apresenta algumas questões controvertidas. Nesse sentido, compara o fenômeno da isenção com o fenômeno da alíquota zero, bem como diferencia as normas de imunidade das normas de isenção.
1. TEORIAS SOBRE ISENÇÕES
1.1. ISENÇÃO COMO DISPENSA LEGAL DO PAGAMENTO
Para essa teoria, cujo defensor principal fora Rubens Gomes de Souza, coautor do anteprojeto do Código Tributário Nacional, o fato jurídico ocorre, nascendo normalmente o vínculo obrigacional. Em seguida, por razões de ordem ética, econômica, política, financeira, entre outras, desonera-se o sujeito passivo da obrigação tributária de cumprir o dever jurídico de recolher o gravame, mediante dispositivo expresso em lei[1].
Portanto, para essa doutrina, num primeiro momento há a incidência da norma tributária, para só depois ocorrer a incidência da norma de isenção. São essas as palavras do próprio Rubens Gomes de Souza, para quem “a isenção pressupõe a incidência da norma tributária, porque é claro que só se pode dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido”[2]
Não há duvidas de que essa teoria influenciou de sobremodo o código tributário, que arrolou a isenção como hipótese de exclusão do crédito tributário, como se verifica no artigo 175 do CTN. Contudo, isso não impede a formulação de críticas, porque como adverte Paulo de Barros Carvalho, o legislador em vários momentos emite suas proposições normativas sem levar em consideração lições que podem ser recolhidas da Teoria Geral do Direito e da Lógica Jurídica[3].
Portanto, se por um lado a autoridade legislativa pode imputar efeitos aos fatos sociais que escolha, por outro lado esse domínio encontra limites no campo da associação imputativa, que se rege por imposições lógicas que escapam à vontade do político investido de competência legiferante[4]. É, pois, com base nessas ponderações que se fazem críticas a essa compreensão doutrinaria, sob o fundamento de que ela iria de encontro à dinâmica normativa.
De fato, não existe cronologia na atuação das normas jurídicas, razão pela qual não parece correta a concepção adotada pela teoria da dispensa legal do pagamento do tributo, que atribui à regra-matriz de incidência tributária uma maior velocidade que a norma jurídica de isenção. Aquela chegaria primeiro ao evento, juridicizando-o; esta chegaria apenas em momento posterior, para extinguir uma obrigação tributária que já se encontraria formalizada.
Nesse sentido, na visão de muitos doutrinadores essa tese fere concepções elementares de como se processa a normatização dos fatos sociais, conferindo às normas jurídicas predicados que elas não possuem[5], ou seja, conferindo a determinada norma jurídica a qualidade de ser mais veloz que outra norma jurídica.
Além disso, a teoria da dispensa legal do pagamento do tributo tem dificuldades de diferenciar a isenção da remissão, que é hipótese de extinção do crédito tributário. Na fenomenologia da remissão há, de fato, a incidência de duas normas distintas, que se sucedem temporalmente, sem que se tenha, nesse caso, qualquer ofensa a postulados da teoria geral do direito, porque os fatos previstos na norma isentiva e na norma de remissão são distintos, operando-se em momentos diversos.
Primeiro, incide a regra-matriz de incidência tributária, que prevê na sua hipótese a descrição de um evento futuro, e no seu consequente, o estabelecimento da relação jurídica tributária entre o fisco e contribuinte.
Em seguida, incide a norma de remissão, que prevê no seu antecedente um fato passado, ou seja, relação jurídica tributária decorrente da regra-matriz; e no seu consequente, a extinção desta referida relação tributária.
Assim, a teoria da isenção como dispensa legal do pagamento de um tributo é criticada por duas circunstâncias: primeira, de conferir às normas jurídicas o predicado de possuírem diferentes velocidades; segunda, de não conseguir diferenciar a isenção do fenômeno jurídico da remissão.
1.2. ISENÇÃO COMO NORMA NÃO-JURIDICIZANTE
O primeiro a criticar a teoria tradicional, da isenção como dispensa legal do pagamento, foi Alfredo Augusto Becker. Esse autor, com base na divisão das normas jurídicas em juridicizantes, desjuridicizantes e não juridicizantes, cunhada por Pontes de Miranda, defendeu que a lógica da tese da dispensa legal do pagamento do tributo só encontra guarida no plano pré-jurídico, da política fiscal, mas não quando se trabalha com os postulados da teoria geral do direito[6].
Para esse autor, uma regra juridicizante é aquela cuja incidência leva como consequência a juridicização da hipótese de incidência realizada, que se transfigura em um fato jurídico. Regra desjuridicizante total, ao revés, ocorreria quando a incidência da regra desconstituísse um ato jurídico nulo ou anulável, expulsando-o do mundo jurídico; por fim, haveria a regra não-juridicizante, que se configuraria em uma espécie de regra cuja incidência não transmudaria a hipótese de incidência em fato jurídico. Sua função, portanto, seria unicamente deixar claro que aquele evento ocorrido não acrescentaria ou diminuiria nada que existisse no mundo jurídico[7].
Para melhor explanação do que seja a regra não-jurdicizante, ou regras negativamente formuladas, transcrevemos trechos da obra de Pontes de Miranda[8]: “Advirta-se em que há regras jurídicas, cujo suporte fático, colorindo-se com a incidência, nem por isso entra no mundo jurídico. Assim, essas regras jurídicas, em vez de serem regras juridicizantes (isto é, que tornam fatos jurídicos os suportes fáticos), exatamente se formulam em termos de negação: não dizem que o suporte fático A é suficiente; dizem que o suporte fático, ou porque algo lhe falte, ou algo haja ocorrido que o desfalque, não é suficiente para a entrada no mundo jurídico. Não são, porém, tais regras jurídicas senão formulações negativas de regras jurídicas de suficiência: há sempre uma regra jurídica, explícita ou implícita, que diz qual o suporte fático suficiente”.
Para Alfredo Augusto Becker, portanto, a norma de isenção não é uma norma desjuridicizante, porque não existe uma relação jurídica tributária anterior, que atribua ao sujeito passivo a obrigação de pagar o tributo. Para que pudesse existir uma relação tributária anterior, seria imprescindível que tivesse ocorrido a incidência da regra jurídica de tributação, a qual não teria ocorrido porque um dos elementos da sua composição teria faltado ou excedido. Assim, esse elemento faltante ou excedente é que comporia a regra de isenção e que a diferenciaria da regra de tributação. Desse modo, a regra de isenção desencadearia como único efeito a negação da existência da relação jurídica tributária, ou seja, a regra jurídica de isenção incidira para que a de tributação não incidisse[9].
Em que pese essa teoria tenha afastado a tese de que a norma de tributação incidiria antes da norma de isenção, ela não ficou isenta de críticas. Na verdade, critica-se essa teoria sob o fundamento de que ela teria incorrido no mesmo equívoco da teoria da dispensa legal do pagamento do tributo, só que em um sentido inverso. Ao asseverar que a regra de isenção incide para que a de tributação não incida, acabou por outorgar maior celeridade ao preceito isencional, em detrimento da norma do tributo. Alterou-se, pois, a dinâmica de juridicização do evento que, ao invés de receber primeiro a incidência da regra de tributação, receberia a incidência da norma isentiva.[10]
1.3. ISENÇÃO COMO NORMA DE ESTRUTURA QUE MUTILA UM DOS CRITÉRIOS DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
Trata-se de uma das teorias que mais goza de prestígio na doutrina. Foi desenvolvida por Paulo de Barros Carvalho, após o autor fazer uma análise profunda das teorias até então existentes, e refletir a respeito da diferença entre normas de comportamento e normas de estrutura.
Para esse jurista, a regra de isenção é uma norma de estrutura, que investe contra um ou mais de um dos critérios da regra-matriz de incidência tributária, mutilando-os de maneira parcial. O que o preceito de isenção faz é, portanto, subtrair parcela do campo de abrangência de alguns dos critérios do antecedente ou do consequente, não podendo essa subtração ser total, porque isso implicaria na inutilização da regra-matriz como norma válida no sistema[11].
Nesse sentido, a regra de isenção pode inibir o funcionamento da regra-matriz de oito maneiras distintas, sendo quatro pelo antecedente e quatro pelo consequente: na hipótese, pode desqualificar o critério espacial, o critério temporal e o critério material, este último pela supressão parcial do verbo ou do seu complemento. No consequente, pode atingir o critério pessoal, mutilando o sujeito passivo ou sujeito ativo; e o critério quantitativo, pela supressão da base de cálculo ou da alíquota[12].
Exemplifiquemos cada uma dessas hipóteses, para melhor visualização da operacionalidade da regra de isenção na perspectiva de quem adota essa teoria.
O critério material da regra-matriz pode ser afetado tanto pelo verbo quanto pelo seu complemento. O primeiro caso ocorre, a título de exemplo, com a lei que afirma que não se considera industrialização a montagem de óculos, mediante receita médica. Ao invés de declarar que estavam isentos os óculos, o legislador preferiu optar por desqualificar o verbo desindustrializar, determinando que a montagem dos óculos não se enquadra no conceito de industrialização. A segunda hipótese, de supressão de parte do complemento do verbo, ocorre quando a lei afirma que estão isentos do IPI vários produtos, como queijo minas e a rede de dormir[13].
O critério espacial é afetado quando há uma diminuição da área de incidência do imposto, como acontece quando a lei afirma que os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, em princípio, são isentos do IPI. O critério temporal é mutilado quando a lei manipula o fator tempo, nas hipóteses de suspensão do imposto de que goza determinados produtos isentos do IPI[14].
No critério pessoal, a regra-matriz pode ser afetada tanto no que diz respeito ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo. A primeira hipótese ocorria com as isenções heterônomas, que permitiam à União conceder isenções de impostos estaduais e municipais. Em que pese o legislador utilizasse o termo isenção, o que se tinha era a revogação temporária da regra-matriz tributária, como será exposto adiante. A segunda hipótese ocorre quando uma porção do universo dos possíveis sujeitos passivos é excluída do consequente da norma, como ocorre com a legislação do imposto sobre a renda, que proclama a isenção de determinados rendimentos para os servidores diplomáticos de governos estrangeiros[15].
Por fim, pode o critério quantitativo da regra-matriz ser afetado, tanto na base de cálculo quanto na alíquota, nos casos dos produtos em que uma delas ou ambas são reduzidas ao valor zero.
Assim, vislumbra-se que há oito maneiras para paralisar a regra-matriz de incidência tributária, evitando-se o nascimento da relação jurídica entre o fisco e o contribuinte. Algumas advertências adicionais são, contudo, necessárias.
Como fora dito anteriormente, a supressão dos critérios da regra-matriz de incidência tributária deve ser sempre parcial. Se o legislador desqualificar todos os verbos, subtrair os complementos, suprimir todo critério temporal e especial, retirar todos os sujeitos passivos ou ativos; ou, ainda, reduzir todas as bases de cálculo ou alíquotas ao valor zero, não surgirá relação jurídica alguma daquele tributo, porque a regra-matriz terá sido revogada do sistema jurídico[16].
Em razão disso, é necessário frisar que o exemplo dado anteriormente, de supressão do sujeito ativo em razão da autorização vigente na Constituição anterior, que autorizava que a União concedesse isenções de impostos de outros entes federativos mediante lei complementar, se consubstanciava na verdade não numa isenção, mas numa hipótese de revogação temporária do tributo. De fato, como a redução de um critério da regra-matriz tem de ser parcial, e sendo o sujeito ativo o elemento único de um conjunto, seu suprimento resulta em um conjunto vazio, que implica na inexistência de sujeito ativo no polo da relação, levando à ab-rogação da norma[17].
1.4. ISENÇÃO COMO NORMA DE COMPORTAMENTO
A presente teoria, desenvolvida por Pedro Lunardelli, vislumbra ser possível, a partir de enunciados do direito positivo, descrever a norma de isenção como uma norma que estabelece diretamente uma relação jurídica entre o fisco e o contribuinte, ou seja, reputa-se que seja possível construir uma regra-matriz isencional.
Essa regra matriz tem a mesma estrutura formal que qualquer outra norma jurídica, porque sua hipótese descreve de maneira abstrata a concretização de um evento; e o seu consequente contém uma prescrição, igualmente abstrata, de uma relação jurídica, que no caso específico dessa regra se trata de uma relação jurídica isencional[18].
Há, assim, semelhança sintática entre a regra-matriz tributária e a regra-matriz isencional, posto que esta última também possui um antecedente, composto pelos critérios material, espacial e temporal; e um consequente, composto pelos critérios pessoal e quantitativo.
Todavia, diferenças surgem entre elas quando se analisa o aspecto semântico. Na norma tributária, a incidência da regra-matriz enseja o nascimento de uma relação jurídica entre o fisco e o contribuinte, em que aquele tem o direito subjetivo de exigir o débito tributário deste último, e este o dever subjetivo de cumprir a prestação[19].
Na norma isencional ocorre o inverso, porque a sua incidência provoca uma relação jurídica entre o contribuinte e o fisco, em que este tem o dever subjetivo de não exigir a prestação (débito isencional), e aquele tem o direito subjetivo de não ser exigido (crédito isencional)[20].
Para melhor compreensão da fenomenologia da isenção segundo essa perspectiva, tomemos como exemplo o seguinte enunciado: estão isentos do IPI a montagem de óculos, mediante apresentação de receita médica.
Nesse caso, o critério material é a montagem de óculos; o critério espacial, o território nacional, porque a norma isencional pode irradiar efeitos em qualquer parte do país; e o critério temporal é a saída da mercadoria do estabelecimento. O sujeito ativo é o contribuinte, e o sujeito passivo é a União Federal. Por fim, a base de cálculo é o valor da operação, e a alíquota é de 100%, porque a isenção é total.
Feitas essas observações, analisar-se-á agora como se dá a relação entre a norma de isenção e a regra-matriz, para demonstrar que essa teoria não incorre no equívoco de atribuir diferentes velocidades às regras do sistema jurídico.
De fato, o que ocorre na dinâmica normativa não é uma relação cronológica entre a regra-matriz tributária e a regra-matriz isencional, mas uma relação entre o conjunto de antecedentes e o conjunto de consequentes de ambas.
Suponha-se uma norma tributária, cujo antecedente aponte as propriedades 1, 2, 3, 4; e o consequente a previsão de uma relação jurídica entre o fisco e contribuinte, em que este estará obrigado a cumprir a prestação a aquele[21]
Imagina-se agora a norma isencional, cujo antecede aponte a propriedade 1 e o consequente também uma relação jurídica entre o fisco e contribuinte, consubstanciada no direito deste último de não ser exigido por prestação alguma, e no dever do fisco de não cobrar[22].
Por força da relação que há entre esses conjuntos de antecedentes, a regra tributária passa a conotar apenas os eventos cujos critérios não se identifiquem com os da propriedade “1”, pois este passou a integrar o conjunto normativo da hipótese da regra de isenção. Está-se diante, pois, de um cálculo relacional. No caso, de uma relação de intersecção entre a classe de antecedente da norma tributária e a classe de antecedente da norma de isenção[23].
Esse cálculo relacional também ocorre entre os consequentes da norma tributária e da norma isencional, provocando uma alteração na composição dos sujeitos passivos. Por conta da concretização do evento conotado pela propriedade “1”, o sujeito passivo não mais comporá a relação jurídica tributária, mas sim a relação jurídica isencional, na qualidade de credor, com o direito subjetivo de estar permitido a não cumprir a prestação[24].
Dessa forma, vê-se que essa teoria diverge do pensamento de Paulo de Barros Carvalho porque enxerga de maneira diversa o encontro da norma-matriz com a norma de isenção. Para esse jurista, o cálculo relacional imporia limites em alguns dos critérios da regra-matriz-tributária. Dito de outra forma, para esse autor os enunciados que estabelecem as isenções somente permitiram construir significações que formassem conjuntos isolados, vocacionados ao exclusivo relacionamento com a regra-matriz[25].
A teoria de Pedro Lunardelli, ao revés, defende que é possível, com base nos enunciados prescritivos que estabelecem as isenções, construir significações em uma estrutura normativa típica de comportamento, relacionando-a com a norma-matriz da forma como fora descrita anteriormente, desde que haja nos enunciados elementos suficientes que permitam saturar os categoremas de uma proposição hipotética condicional.
Por fim, cumpre afirmar que essa concepção acaba levando a uma compreensão bastante peculiar a respeito do que seja a exclusão do crédito tributário, sobretudo quando cotejada com as demais teorias analisadas.
De fato, para a teoria da dispensa legal do pagamento, o termo exclusão do crédito tributário equivale à extinção do crédito tributário, em razão da ideia de que a norma isencional incide apenas depois de já constituída a obrigação.
Para a teoria da isenção como norma não-juridicizante e para a teoria da isenção como norma que mutila um ou mais critérios da regra-matriz de incidência, o termo exclusão do crédito tributário deve ser interpretado não como sua extinção, mas no caso da isenção, como uma situação que faz evitar inclusive o próprio surgimento da obrigação tributária.
Situação bastante distinta ocorre com a teoria da isenção como norma de comportamento, em virtude do pressuposto adotado, de que há uma norma isentiva que estabelece uma relação jurídica tributária entre o fisco e o contribuinte.
Tal qual toda relação jurídica obrigacional, a relação isencional se apresenta da forma exposta no item 3.1, ou seja, com a existência de um sujeito ativo, de um sujeito passivo, de um objeto, de um direito subjetivo e de um dever jurídico.
No caso do exemplo anteriormente referido, de isenção do IPI nas operações que tenham por objeto óculos montados mediante receita médica, o sujeito ativo é o contribuinte, e o sujeito passivo, a União. O objeto é justamente o direito atribuído pela norma, que confere a isenção. O direito subjetivo é aquele de que dispõe o contribuinte, de não ser obrigado a cumprir a prestação; e o dever jurídico, aquele ao qual é obrigado à União, de não exigir do contribuinte o pagamento da prestação.
Nota-se que, ao comparar a regra isencional com a regra-matriz, percebe-se a inversão dos polos da relação jurídica. A União, que na regra-matriz do IPI é sujeito ativo, passa a ser sujeito passivo; e o contribuinte, que na regra-matriz é sujeito passivo, passa a ser sujeito ativo da regra de isenção. Por consequência, aquela passa a ter um dever jurídico de não exigir a prestação; e este, um direito subjetivo de não cumpri-la. O termo exclusão do crédito tributário deve, pois, ser compreendido justamente neste último sentido, como o direito subjetivo de que dispõe o contribuinte em não cumprir a prestação.
2. QUESTÕES CONTROVERTIDAS
2.1. ISENÇÃO E IMUNIDADE
Diversos doutrinadores debruçaram-se para descrever o instituto jurídico da imunidade, tendo ganhado força a teoria que a enxergava como uma hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada e a teoria que a compreendia como uma exclusão ou supressão do poder de tributar.
A teoria da não-incidência constitucionalmente qualificada tem contra a si a crítica de que a imunidade é uma regra jurídica; logo, em sendo norma, irá incidir, caso ocorram os fatos descritos no seu antecedente.
Também se formulam críticas consistentes à teoria que vislumbra na imunidade uma exclusão ou supressão do poder de tributar. Paulo de Barros Carvalho, por exemplo, afirma que ela pressupõe a existência de uma prévia competência impositiva, que em um segundo momento é suprimida por outra norma jurídica[26]. Nesse sentido, essa teoria também atribuiria diferentes velocidades às normas, numa descrição incompatível com o fenômeno jurídico.
Assim, para o referido jurista, as imunidades são normas jurídicas constitucionais de estrutura, que, portanto, não se voltam imediatamente à regulação da conduta humana, mas disciplinam outras normas jurídicas.
Elas prescrevem uma vedação que impede os entes federativos de exercerem o direito subjetivo de legislar, proibindo-lhes de desencadear processo legislativo para inserir no ordenamento jurídico enunciados a partir dos quais se possa construir uma norma tributária[27].
Dessa forma, isenção e imunidade são fenômenos distintos. Apesar de se assemelharem do ponto de vista sintático (porque ambas apresentam estrutura hipotético-condicional) diferem-se porque a imunidade está no nível constitucional, ao passo que as isenções estão no plano infraconstitucional[28]. Além disso, para quem adota a teoria de Pedro Lunardelli, aquela é norma de estrutura, que representa vedação ao direito subjetivo de legislar; e esta norma de comportamento, fruto do próprio exercício do poder legiferante.
2.2. ALÍQUOTA ZERO E ISENÇÃO
Para aqueles que enxergam na norma de isenção uma norma que mutila algum dos critérios da regra-matriz de incidência, não há diferença entre isenção e alíquota zero, porque esta é apenas uma das técnicas possíveis de que o legislador dispõe para mutilar a regra-matriz, impedindo sua operacionalidade. Assim, afigurar-se-ia irrelevante o nome utilizado pela lei – se isenção ou alíquota zero – porque o fenômeno seria o mesmo.
De fato, em razão de a alíquota zero significar uma classe nula de objetos, ainda que se pudesse verificar a ocorrência do evento, não se poderia constatar o nascimento da relação jurídica tributária. O antecedente é condição-suficiente do consequente; e este condição necessária do primeiro. Assim, se não ocorre o consequente – porque a relação não tem avaliação econômica – também não ocorre o antecedente[29].
Ainda que se adote a compreensão de que a isenção é uma norma de comportamento, também não existira diferença entre o fenômeno da alíquota zero e o fenômeno da isenção. Tal qual aquela, esta também é uma regra-matriz de comportamento, que estabelece uma relação entre o contribuinte e o fisco.
A diferença reside apenas nos enunciados do direito positivo por conta dos quais o intérprete inicia a busca das significações jurídicas que irão compor os categoremas da regra-matriz de isenção.[30] Dito de outro modo, ao invés de se referir à isenção, o texto utiliza a palavra alíquota zero. Contudo, a norma construída pelo interprete é a mesma, porque se é vedado ao fisco cobrar qualquer valor pela ocorrência do evento previsto no antecedente, o contribuinte tem o direito subjetivo de não pagar a prestação.
A única distinção que se entende cabível em relação a tais fenômenos refere-se ao processo de produção dos enunciados. A isenção só pode ser inserida no ordenamento mediante lei. Os enunciados que estabelecem a alíquota zero, ao revés, podem ocorrer por um ato do Poder Executivo, no caso dos impostos em que a Constituição expressamente autorizou essa prática[31]. Nesse último caso, há a necessidade de a lei fixar os parâmetros em que o executivo poderá variar o percentual da alíquota.
Portanto, a diferença não está no fenômeno em si, mas nas normas que regem o processo de produção dos enunciados referentes à isenção e à alíquota zero. No caso da isenção, a norma prevê como antecedente a atuação do órgão legislativo do ente da federação competente; no caso da alíquota zero, a hipótese prevê um ato do poder executivo, que pode modificar a alíquota dentro dos limites estipulados pela legislação[32].
CONCLUSÃO
Intentou-se demonstrar as diversas teorias sobre isenções formuladas no país e a repercussão que a adoção de uma ou outra gera na compressão a respeito dos enunciados de direito positivo que disciplinam esse instituto jurídico.
De início, expôs-se as críticas doutrinárias feitas à concepção tradicional, ainda adotada pelo Supremo Tribunal Federal, de que a isenção se configuraria em uma dispensa legal do pagamento do tributo. Dentre as principais objeções existentes, mencionou-se o fato de essa teoria pressupor uma cronologia na atuação das normas jurídicas, o que não é compatível com o que ocorre na dinâmica normativa. Além disso, ressaltou-se que a adoção dessa ideia dificulta a diferenciação entre o instituto jurídico da isenção e o instituto jurídico da remissão.
Também se afirmou que a teoria da isenção como norma não-juridicizante, formulada por Alfredo Augusto Becker, também acaba atribuindo diferentes velocidades às normas jurídicas; nesse caso, seria a norma de isenção que seria mais rápida que a regra-matriz, e que incidira para que a outra não incidisse.
Após a exposição das duas primeiras teorias, debruçou-se sobre aquela formulada por Paulo de Barros Carvalho, que vislumbra na norma de isenção uma norma de estrutura, que mutila parcialmente algum dos critérios da regra-matriz de incidência tributária. Aduziu-se que o referido autor compatibilizou a teoria das isenções com os postulados da teoria geral do direito, descrevendo o fenômeno sob o ângulo puramente normativo, sem misturar a linguagem do direito positivo com a realidade social, e respeitando igualmente o princípio da simultaneidade da dinâmica normativa.
Após, expôs-se a teoria de Pedro Lunardelli, para quem é possível construir, a partir dos enunciados do direito positivo, uma regra-matriz de isenção, que estabeleça uma relação jurídica entre o fisco e o contribuinte.
Essa regra-matriz de isenção seria uma norma de comportamento, que incide nos casos previstos no seu antecedente não porque é mais rápida que a regra-matriz tributária – porque não há cronologia entre ambas – mas por decorrência do cálculo relacional que ocorre entre o conjunto de antecedentes e consequentes de ambas as normas jurídicas.
Por fim, comparou-se o instituto jurídico da isenção com as normas de imunidade e com a alíquota zero, de acordo com alguns dos referenciais teóricos abordados.
Informações Sobre o Autor
Mateus Benato Pontalti
Juiz Federal Substituto do TRF da 1 Região. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET