Figuras semelhantes à dupla tributação internacional

Resumo: Trata-se de capítulo extraído da monografia intitulada “conseqüências negativas da pluritributação internacional: tratados internacionais como solução bilateral para a questão”, apresentado pelo autor como exigência para a conclusão do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, sob a orientação da Prof.ª MSc. Luciani Coimbra de Carvalho, com as devidas alterações, tratando sobre as figuras semelhantes à dupla tributação internacional, a exemplo da dupla tributação internacional econômica, bitributação interna, bis in idem e dupla não tributação, mostrando suas similitudes e distinções, a fim de evidenciar com maior precisão os fenômenos tributários em questão.[1]


Palavras-chaves: dupla; tributação; internacional; bitributação; semelhança.


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Abstract: This is a chapter excerpted from the monograph entitled “NEGATIVE CONSEQUENCES OF INTERNATIONAL PLURI TAXATION: INTERNATIONAL TREATIES AS A BILATERAL SOLUTION FOR THE ISSUE” presented by the author as a requirement for graduation in Law School of the Federal University of Mato Grosso do Sul – UFMS, under the guidance of Prof.ª MSc. Luciani Carvalho Coimbra, with appropriate amendments, dealing with figures similar to the double taxation, such as the economic double taxation, internal double taxation, bis in idem and double non-taxation, showing their similarities and differences in order to demonstrate more precisely the tax phenomena that are being treated.


Keywords: double; taxation; international; double taxation; similarity.


Sumário: 1. Introdução; 2. Bitributação interna; 3. Bis in idem tributário; 4. Dupla tributação internacional econômica; 5. Dupla não-tributação; 6. Conclusão.


1 INTRODUÇÃO


Aventurando-se no estudo da dupla tributação internacional, é comum se deparar com figuras afins àquela, que podem causar confusão em uma primeira análise superficial, mas que, quando analisadas com um pouco mais de esmero, demonstram seus elementos – ou a falta destes – diferenciadores. São dignas de atenção as figuras da bitributação interna, do bis in idem tributário, da dupla tributação internacional econômica e da dupla não-tributação.


O mister do estudo das referidas figuras, que serão mais bem vergastadas a seguir, repousa na busca por um entendimento uniforme da dupla tributação internacional, não podendo haver espaço para que pairem dúvidas sobre qual fenômeno está ocorrendo quando há o confronto com uma situação concreta.


Logo, somente confrontando espécies semelhantes, atacando justamente os pontos diferenciadores, pode-se compreender a amplitude de um fenômeno de caráter multidisciplinar como é a dupla tributação internacional.


Primeiramente, cumpre trazer à baila, ainda que de sorte perfunctória e sem adentrar as diversas doutrinas e polêmicas que cercam a matéria, a definição de dupla tributação internacional mais aceita na doutrina. A questão pode ser aclarada trazendo o estudo da dupla tributação internacional para uma composição de dois requisitos: a identidade do fato e a pluralidade de normas. Assim, como pluralidade ou concurso de normas tem-se quando o ‘mesmo fatose integra na previsão de duas normas diferentes. De outra banda, a identidade de fato seria a análise de quatro elementos – ou as quatro identidades -, que seriam: sujeito passivo, elemento material, elemento temporal e tributo.


Assim, a conceituação da dupla tributação internacional – entendida como fenômeno tributário pautado na licitude – pode ser extraída, em termos gerais, do contido no próprio modelo de convenção sobre dupla tributação editado pelo Comitê Fiscal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico — OCDE[2], que discrimina aquele fenômeno tributário como sendo “a imposição de impostos comparáveis em dois (ou mais) Estados sobre o mesmo contribuinte a respeito da mesma matéria subjetiva por idênticos períodos”.[3]


2 BITRIBUTAÇÃO INTERNA


A primeira figura que se deve apontar como semelhante à dupla tributação internacional diz respeito à bitributação interna.[4]


A bitributação interna possui os mesmos caracteres que seu paradigma internacional, merecendo destaque a colisão de sistemas tributários distintos. Sérgio Pinto Martins explica que na “bitributação, há identidade de tributos concorrentes. O contribuinte é o mesmo. Duas entidades tributantes diversas exigem o tributo do contribuinte”.[5]


Logo, o diferencial entre a dupla tributação internacional e a interna é que enquanto o confronto dos sistemas tributários ocorridos no fenômeno internacional é concernente a Estados soberanos diferentes, na bitributação interna a colisão daqueles ocorre dentro do mesmo Estado.


Exemplificando a questão, Vittorio Cassone traz à baila o caso brasileiro, onde o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o caso de incidência do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) sobre os chamados “salvados de sinistros” por seguradoras, em medida cautelar, entendeu que teria havido uma concorrência de competência do Estado Federado do Rio de Janeiro, tendo em vista que a operação denominada “seguro” já estaria sujeita à aplicação do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações relativas a Título de Valores Mobiliários (IOF), de competência da União[6], havendo, in casu, na análise daquele autor, a ocorrência da bitributação interna.[7]


Percebe-se, portanto, na sobredita situação narrada, a presença dos mesmos elementos da dupla tributação internacional, contudo, o choque entre sistemas tributários deu-se no âmbito interno do Estado, porquanto se chocaram o estado e a União.


Conquanto o entendimento prestado por Vittorio Cassone, acima transcrito, que entende ter havido um exemplo de bitributação interna no caso narrado, mostre-se pertinente, ele não remanesce unânime.


Quando da Constituição Brasileira de 1969, Bernardo Ribeiro de Moraes já entendia que frente à rígida repartição de competências tributárias[8] atribuídas aos entes políticos naquela Carta, não seria possível ocorrer a bitributação, havendo, na verdade, a invasão de competência, sendo a denominada bitributação uma mera conseqüência.[9]


Ora, respeitante a discriminação de rendas tributárias, a atual Constituição de 1988 manteve a mesma linha que sua antecessora, permanecendo, em regra, uma estrita divisão de competências, em especial os tributos de competência privativa. Logo, para os que entendiam ter sido eliminada a bitributação interna na Constituição de 1969, dita regra aplicar-se-ia na hodierna Lei Maior.


Outra diferenciação sobre os aludidos fenômenos análogos – bitributação interna e dupla tributação internacional -, trazida à tona pela doutrina, em particular por Antônio de Moura Borges[10], repousa nos métodos para ilidir seus efeitos negativos. Enquanto na dupla tributação internacional verifica-se principalmente a ocorrência de medidas bilaterais para tratar a questão, precipuamente por meio de convenções, a bitributação interna é resolvida por normas constitucionais ou pela própria legislação infraconstitucional.[11]


Sob este pórtico pode-se utilizar como exemplo a própria Constituição brasileira, onde, via de regra, a bitributação é vedada, porquanto, segundo Leandro Paulsen, aquele fenômeno não tem lugar no sistema tributário pátrio “em função, principalmente de que a competência relativa aos impostos é distribuída de forma privativa a cada poder tributante”.[12]


Contudo, deve-se destacar há ocorrência de situações que configurariam, em tese, a bitributação, não havendo, porém, óbice a sua ocorrência, porquanto seriam situações em que a própria CF, ao dispor sobre as nuances de certos tributos, acabou autorizando a verificação da “bitributação” para certos tributos já estabelecidos. Clássico exemplo seria a observância da incidência do IPI e do ICMS – o primeiro sendo imposto de competência da União, e o segundo dos Estados – na saída dos produtos do estabelecimento, sendo que haveria uma pequena sutileza no fato gerador dos impostos em voga – saída de produtos industrializados e saída de mercadorias –[13], mas que não alteraria a hipótese de uma bitributação autorizada pela Constituição.


3 BIS IN IDEM TRIBUTÁRIO


Outra situação que muito se assemelha à dupla tributação internacional é o chamado bis in idem tributário.


A expressão de origem latina indica na tradução lato “duas vezes a mesma coisa”.[14] É justamente a dupla cobrança que aproxima as figuras ora estudadas, mas seu diferencial repousa na ausência de elemento fundamental à existência da dupla tributação internacional, isto é, a ocorrência de múltiplas Soberanias fiscais.


O bis in idem tributário pode ocorrer quando “o ‘mesmo fato jurídico’ é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política”.[15] Portanto, no bis in idem há uma múltipla tributação de um idêntico fato jurídico tributário, contudo, a pluralidade de gravames fiscais é imposta por um só ente soberano, restando imerso dentro do ambiente interno do Estado.


Sobre o bis in idem tributário interessante notar a divergência existente sobre a legalidade ou constitucionalidade do fenômeno. Autores como Bernardo Ribeiro de Moraes[16] e Vittorio Cassone[17] firmam posicionamento que, a priori, o bis in idem seria constitucional, pois constituiria a figura em questão uma pluralidade de exigências tributárias perfeitas pelo mesmo poder tributante, sendo que seria ínsita ao poder fiscal a possibilidade de majorar os tributos instituídos, logo “O segundo imposto, sendo idêntico ao primeiro, não é senão o mesmo imposto aumentado. E quem pode decretar uma vez, ‘pode decretar duas ou mais vezes’”.[18]


Contudo, mesmo os filiados à tese da legalidade do bis in idem tributário entendem que haverá inconstitucionalidade se a incidência das múltiplas exigências fiscais possuírem caráter de confisco – vedado pela Constituição brasileira de 1988 – ou afetarem a capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação.


De outra banda, a jurisprudência brasileira é repleta de julgados que expõe a prevalência do princípio da vedação do bis in idem, contudo, ocorre que, ante a imprecisão terminológica muitas vezes utilizada, porquanto os juízes brasileiros fazem uso dos termos bis in idem e dupla ou bi tributação concomitantemente para se referirem a mesma situação[19], resta difícil o entendimento de qual das figuras não é permitida a ocorrência.


Novamente, conforme já exposto no item 1.4.1, ao tratar da bitributação interna, percebe-se a existência de hipóteses do bis in idem permitido pela CF, no caso de impostos já estipulados, como acontece com o IPI e o Imposto de Importação (II).


Os esposados impostos, ambos de competência da União, no caso de importação de produtos – “operação complexa que envolve atos e fatos ocorridos desde o desembarque desses produtos até a sua entrada no estabelecimento do importador […]”[20] – possuem fatos geradores que só podem ser diferenciados buscando-se singelas nuances, mas sendo, na verdade, fatos de extrema similitude. Logo, estar-se-ia diante de uma hipótese de bis in idem tributário, porquanto o mesmo ente exige dois impostos, com o mesmo fato gerador, do mesmo sujeito passivo, sendo, no entanto, referida situação resguardada pela Constituição Federal do Brasil.


4 DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL ECONÔMICA


A figura semelhante à dupla tributação internacional que mais desperta fervorosas discussões na doutrina, isto é, a dupla tributação internacional econômica ou indireta, merece alguns apontamentos.


A diferenciação entre ambas as figuras repousa no fato de que a dupla tributação internacional econômica não exige a identidade de sujeitos passivos, onde, a dupla tributação internacional, também chamada de jurídica ou direta, por sua vez, mostra-se dependente do referido elemento subjetivo.


Acolhendo a dicotomia firmada majoritariamente pela doutrina, os Comentários ao Modelo OCDE, no artigo 23, “a” e “b” fazem também a distinção entre a dupla tributação econômica e jurídica.[21] A econômica ocorreria quando duas pessoas diferentes fossem tributadas com relação à mesma renda ou ao mesmo capital, onde na jurídica, deve haver a identidade de sujeitos passivos.


Luiz Maria Romero Flor[22] traz a dupla tributação internacional econômica a uma situação palpável, dando como exemplo o caso da tributação dos dividendos[23] de uma empresa e de seus acionistas em Estados distintos:


“A dupla imposição econômica pode surgir, naqueles casos em que uma sociedade distribui dividendos a seus sócios (pessoas físicas ou jurídicas) ou outras entidades dependentes da mesma (residentes em outro território), sendo ditos dividendos gravados novamente no Estado de residência do sócio ou da entidade”.[24]


Ainda que o critério subjetivo seja o de maior aceitação na doutrina, Antônio de Moura Borges aponta outros dois caracteres trazidos por estudiosos para separar os fenômenos em comento.[25]


Tem-se afirmado que o que distingue a dupla tributação jurídica da econômica seria o aumento da carga fiscal. Havendo a referida majoração, estar-se-ia diante da econômica; inexistindo elevação da carga fiscal suportada pelo sujeito passivo, estar-se-ia falando da jurídica.


Outro interessante ponto distintivo, por vezes vislumbrado, diz respeito à causa jurídica da dupla tributação internacional. Ao analisar o caso concreto, a depender da causa jurídica que deu ensejo à dupla tributação internacional, poder-se-ia classificá-la como jurídica ou econômica.


Não obstante as esposadas distinções trazidas à baila, elas não merecem acolhimento pleno. Quanto à carga fiscal suportada, esta não pode ser utilizada como elemento caracterizador, seja da dupla tributação jurídica, seja da econômica[26]. A elevação da carga fiscal suportada pelo sujeito passivo não é causa, mas sim conseqüência do fenômeno da dupla tributação internacional.


A causa jurídica como elemento distintivo também não se mostra acertada. Antônio de Moura Borges explica que “o critério causa pode gerar dificuldades, dada a imprecisão do conceito de causa”.[27]


Há, ainda, doutos que negam a existência da chamada dupla tributação internacional econômica, como por exemplo Heleno Torres. Para este autor há uma série de equívocos ao se aceitar este suposto fenômeno.[28]


Primeiramente a terminologia mostra-se por demais confusa[29]. O vocábulo “econômica” aparenta qualificar o gênero dupla tributação internacional, contudo, para que isto fosse possível, seria necessário que ela contivesse os mesmos elementos da dupla tributação internacional – concurso de pluralidade de normas e identidade fática -, o que de fato não ocorre, havendo, portanto, uma ambigüidade contraditória, que não tem lugar no mundo jurídico. Logo, para que a dupla tributação econômica fosse uma espécie ou qualificadora da dupla tributação internacional, não poderia lhe faltar qualquer dos elementos constituintes desta.


Outro problema ventilado pelos contrários à aceitação da dupla tributação econômica é a apreciação do quadro fático preponderantemente sob o ponto de vista das conseqüências econômicas, o que desvaloriza sobejamente o aspecto jurídico que deveria ser analisado. Heleno Torres explana que:


“Apreciar os tipos relativos a tal manifestação sob a égide das conseqüências econômicas relevantes faz privilegiar uma análise economicista em detrimento dos aspectos jurídicos, por valorizar a conseqüência, a afetação econômica da ocorrência do fenômeno sobre a riqueza produzida, haja vista a diversidade de sujeitos passivos, e suas influências na neutralidade fiscal”.[30]


Um exemplo que aclara o entendimento da chamada dupla tributação internacional econômica, e que, para os que negam sua existência, demonstra de sorte patente a sua não ocorrência, ocorre quando há a tributação da produção do rendimento pelo Estado da fonte e, em seguida, há uma transferência do aludido rendimento a outro sujeito sito em outro Estado, decorrente de uma situação jurídica que não acarreta a tributação da própria transferência. Por fim, o Estado de residência do destinatário tributa a aquisição dos rendimentos deste.[31]


Para a doutrina majoritária, ao encarar a sobredita exemplificação, se estaria diante da figura da dupla tributação internacional econômica, pois haveria a ocorrência dos elementos precípuos da dupla tributação internacional, com exceção da identidade do sujeito passivo. Por sua vez, a doutrina que prega a inexistência da dupla tributação internacional econômica enxerga o exemplo supra transcrito com um mero duplo pagamento de impostos distintos entre si, não havendo qualquer concurso de normas.


5 DUPLA NÃO-TRIBUTAÇÃO


Merecedora de atenção, a dupla não-tributação possui similitude com a dupla tributação internacional no aspecto terminológico, mas, de fato, figura como um fenômeno diametralmente oposto[32].


Quem melhor explica o conceito da dupla não-tributação (double non-taxation) é o jurista Alberto Xavier, que assevera que aquele termo concerne “ao fenômeno pelo qual, nas relações entre dois ou mais Estados, cujas leis tributárias são potencialmente aplicáveis a uma certa situação da vida, esta não é efetivamente abrangida por nenhuma delas”.[33]


A dupla não-tributação pode ocorrer em duas situações, sendo por meio da existência de tratados internacionais tributários, ou pelo exercício da Soberania fiscal de cada Estado.


Havendo acordos tributários, pode existir a expressa concordância entre os signatários de que certas situações jurídicas não serão passíveis de imposição tributária por nenhum dos contratantes.[34] Cite-se como exemplo o tratado firmado entre Brasil e Holanda, onde as bonificações (bonus shares)[35] não são tributáveis nem pelo Estado da fonte nem pelo da residência.[36][37]


Ademais, como esclarece Manuel Pires, além dos acordos tributários que intencionalmente prevêem hipóteses de dupla não-tributação, também ocorre a chamada dupla não-tributação não intencional ou não querida, onde a vontade das partes não se encontra expressamente clara nas negociações, ocorrendo casos de reserva mental, ocasionando futuramente situações que acabam não tributadas por nenhum dos entes contratantes.[38]


Por sua vez, quando da inexistência de convenções internacionais, há a dupla não-tributação quando, embora a renda ou capital pudesse ser tributado, tendo em vista o sistema jurídico tributário dos Estados, não há normas tributárias aplicáveis àquela situação jurídica aferida. Tal situação pode se dar por meio da completa inexistência de normas tributárias, ou ainda pela aplicação de imunidades[39] ou isenções[40].


Conclui-se, portanto, que enquanto na dupla tributação internacional há um concurso de normas que sujeitam o mesmo sujeito passivo a ser multiplamente gravado de sorte fiscal pela ocorrência do mesmo fato gerador material em Estados distintos, na dupla não-tributação ocorre o oposto, onde o sujeito passivo não sofre imposições fiscais, ainda que, em tese, fosse possível haver a tributação pelos Estados onde teria ocorrido o fato gerador material, seja pela faculdade do exercício da competência tributária dos Estados, seja pela ocorrência de tratados internacionais que intencionalmente, ou não, geram esta situação.


6 CONCLUSÃO


O estudo da dupla tributação internacional, por ser tema de natureza interdisciplinar e ainda pouco explorado pela doutrina (em especial a brasileira), invariavelmente despertará dúvidas e imbróglios, práticos ou teóricos, seja a especialistas, seja a iniciantes na esfera do Direito Tributário Internacional.


Assim, compreender as figuras que se assemelham ao fenômeno tributário internacional em comento constitui medida imperiosa aos que não querem se encontrar presos em um enredar de situações fáticas que, a um observador desatento, pareçam todas iguais.


Conhecer os traços característicos da dupla tributação internacional econômica, dupla não-tributação, bitributação interna e bis in idem tributário, é o primeiro passo para se começar a resolver as diversas conseqüências negativas advindas de todas aquelas figuras, buscando assim combatê-las, com especial ênfase na luta contra as resultantes contraproducentes da dupla tributação internacional.


 


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Notas:

[1] Artigo que tem como base a monografia apresentada pelo autor sob a orientação da Profª. MSc. Luciani Coimbra de Carvalho.

[2] OECD: Organisation for Economic Co-operation and Development: Comitte on Fiscal Affair. Model tax convention on income and on capital: condensed version,17July 2008. p.7.

[3] Tradução livre: “the imposition of comparable taxes in two (or more) States on the same taxpayer in respect of the same subject matter and for identical periods”.

[4]Bernardo Ribeiro de Moraes (Curso de direito tributário: Sistema tributário da constituição de 1969. p.510) explica que a palavra “bitributação” é formada pela abreviação do prefixo latino bis, que significa dois ou duas vezes e por “tributação”, que é sinônimo de imposição, lançamento.

[5]Sérgio Pinto Martins. Manual de direito tributário. p.124.

[6]Confira-se a ementa do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal do caso esposado, contido na medida cautelar, referente à ação direta de inconstitucionalidade n. 1.332: “EMENTA: – Direito Constitucional e Tributário. I.C.M. em operação de venda de bens salvados de acidente, por seguradoras. Ação Direta de Inconstitucionalidade das expressões ‘e a seguradora’, contidas no inciso 10 do parágrafo único da Lei nº 1.423, de 27.01.1989, do Estado do Rio de Janeiro. I – Legitimidade ativa da Confederação Nacional do Comércio (art. 103, I, IX, da C.F.). II – Alegação de ofensa ao art. 22, ‘caput’, e seus incisos I e VII, 153, V, 155, I, ‘b’, e 145, § 1º, 155, § 2º, I, ‘b’, da C.F. 1. A autora justificou satisfatoriamente sua legitimidade para a propositura da ação. Embora as seguradoras não estejam a ela filiadas, na verdade, como sociedades por ações, são consideradas, por lei, empresas mercantis (artigos 2º, § 1º, da Lei n. 6.404, de 15.12.1976), ou seja, operam no comércio. Além disso, há entre os comerciantes, propriamente ditos, os que adquirem veículos para reforma e revenda, inclusive os envolvidos em sinistros, cobertos pelas seguradoras. E um dos objetivos institucionais da C.N.C. é ‘representar, no plano nacional, os direitos e interesses do comércio brasileiro’ (C.F., art. 8 , III), como está expresso em seu Estatuto. Ademais, esta Corte já admitiu sua legitimidade ativa para a A.D.I. n 1.003, em que se impugnava norma relativa, também, a seguradora. 2. São juridicamente relevantes os fundamentos da presente A.D.I. (‘fumus boni iuris’) e está presente, também, o requisito relativo ao ‘periculum in mora’, sobretudo depois que o Superior Tribunal de Justiça, por sua Seção competente, passou a considerar devido o I.C.M., pelas Seguradoras, nas operações de venda de bens salvados de acidentes por elas cobertos. 3. Medida cautelar deferida para suspensão, ‘ex-nunc’, da eficácia das expressões ‘e a seguradora’, constantes do inciso 10 do parágrafo único do art. 18 da Lei nº 1.423, de 27.01.1989, do Estado do Rio de Janeiro” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal pleno. Medida cautelar na ação de inconstitucionalidade n. 1.390-SP. p.7201).

[7]Vittorio Cassone. Interpretação no direito tributário: Teoria e prática: Interpretações adotadas pelo STF: Interpretações constitucionais do direito tributário: Critério de interpretação no CTN: Doutrina nacional e estrangeira: Estudo de casos práticos. p.118.

[8]Sobre as competências tributárias, o tributarista Luciano Amaro (Direito tributário brasileiro. p.99) aduz que “A Constituição não cria tributos; ela outorga ‘competência tributária’, ou seja, atribui ‘aptidão para criar tributos’”. E também que “Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos aos critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição” (Idem, p.93).

[9]Bernardo Ribeiro de Moraes. op. cit., pp. 511-512.

[10]Antônio de Moura Borges. Convenções sobre dupla tributação internacional. p.74.

[11]Alberto Xavier (Direito tributário internacional do Brasil. p.38) ao estudar a questão concluiu que em Estados com planejamento tributário já há previsão de limites à competência tributária de seus entes políticos, sendo ocasião rara a ocorrência de bitributação, sendo que “se o Estado, unitário ou federal, puder delimitar antecipadamente o poder tributário de cada um dos ordenamentos que o compõe, atribuindo a cada um o direito exclusivo de tributar certos fatos pela fixação precisa de elementos de conexão, o problema da dupla tributação nem chega a suscitar-se”.

[12]Leandro Paulsen. Direito tributário: Constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. p.329.

[13] Dávio A. Prado Zarzanna. Bitributação. In: Enciclopédia saraiva do direito. p.447.

[14]Heraclides Batalha de Camargo. Expressões latinas no fórum. p.13.

[15]Roque Antônio Carraza. Curso de direito constitucional tributário. p.573.

[16]Bernardo Ribeiro de Moraes. op. cit., p.513.

[17]Vittorio Cassone. op. cit., p.117.

[18]Bernardo Ribeiro de Moraes. op. cit., p.513.

[19] Segundo Seabra Fagundes (apud Walter Barbosa Corrêa. “BIS IN IDEM” (Direito tributário). In: Enciclopédia saraiva do direito. p.433) o bis in idem seria uma espécie da bitributação, chamada bitributação genérica, diversa da chamada bitributação específica, que seria a dupla exigência de tributos, sobre o mesmo fato imponível, por sujeitos diferentes.

[20] Dávio A. Prado Zarzanna. op. cit., p.445.

[21] OECD: Organisation for Economic Co-operation and Development: Comitte on Fiscal Affair. op. cit., p.258.

[22]Luis Maria Romero Flor. Doble imposición internacional: concepto, medidas e mecanismo. IUS Revista Jurídica. s/p.

[23]Dividendo pode ser definido como o “Valor distribuído aos acionistas, de acordo com a quantidade de ações possuídas, como participação nos resultados” (Freitas Newton. Dicionário Oboé de finanças. p.74).

[24]Tradução livre: “La doble imposición económica, puede surgir, en aquellos casos en los que una sociedad distribuye dividendos a sus socios (personas físicas o jurídicas) o otras entidades dependientes de la misma (residentes en otro territorio), siendo dichos dividendos gravados nuevamente en el Estado de residencia del socio o de la entidad”.

[25]Antônio de Moura Borges. op. cit., p.76.

[26] Autores como J. Van Hoorn Jr. (Bitributação – uma tentativa de definição. In: Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. pp.309-310), ainda que minoritariamente, utilizam a carga fiscal como definidora da dupla tributação. Para aquele autor haveria a “dupla tributação” em duas hipóteses: a) se dois ou mais Estados exigissem o mesmo tipo de tributo; b) se dois ou mais Estados cobrassem diferentes tipos de tributos, suportando o contribuinte uma carga fiscal adicional com uma restrição excessiva nas suas possibilidades econômicas.

[27]Antônio de Moura Borges. op. cit., p.76.

[28]Heleno Torres. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. pp.254-256.

[29]Antônio de Moura Borges (Considerações sobre a dupla tributação internacional. Jus Navigandi. s/p) também põe em cheque a terminologia usada na denominada “dupla tributação internacional econômica”, mas não enxerga prejuízos em utilizá-la, assentando que “Efetivamente, a terminologia adotada para indicar os casos de dupla tributação em que há diversidade de sujeitos passivos não é a mais correta. No entanto, não se vê inconveniência em mantê-la, dada a sua maior aceitação por aqueles que lidam com o assunto”.

[30]Heleno Torres. op. cit., p.255.

[31]Idem, p.256.

[32]Para o jurista Luis Dias Martins Filho (O federalismo fiscal brasileiro sob a ótica da integração econômica internacional. Caderno de finanças públicas. p.64) outra semelhança encontrada entre a dupla tributação internacional e a dupla não-tributação reside na preocupação dos Estados perante as conseqüências trazidas por ambos os fenômenos, merecendo o devido estudo, e quando necessário, combatidas. Alude o autor (idem) que “É interessante observar que, hoje, Estados e países preocupam-se também com os efeitos da dupla não-tributação internacional, ou seja, com a antítese da dupla tributação internacional, a qual já tem sido feita com considerável sucesso”. Contudo, tem-se entendido que a dupla não-tributação a ser evitada pelos Estados resta restrita àquelas hipóteses em que a ausência de tributação pelos países é considerada abusiva ou inapropriada, havendo, contrario sensu, casos legítimos de dupla não-tributação (Agostinho Toffoli Tavolaro. O Brasil ainda precisa de Tratados de dupla tributação? s/p).

[33]Alberto Xavier. op. cit., p.269.

[34] Manuel Pires (Dupla não tributação. In: Estudios en homenaje al profesor Pérez de Ayala. p.1018) esclarece que a dupla não-tributação intencional tem por característica, precipuamente, a natureza extrafiscal, tendo por fins mediatos a promoção, ou o não impedimento das relações econômico-financeiras, bem como o da aproximação cultural.

[35] As bonificações ou bônus podem ser entendidos como um pagamento extra de dividendos por uma empresa a seus acionistas, decorrente, a priori, de uma margem de lucro auferida muito superior à esperada. Os bônus podem ser pagos tanto em dinheiro como em ações. No segundo caso tem-se o chamado bonus shares.

[36]Alberto Xavier. op. cit., p.269.

[37] Fundamental compreender que embora alguns Estados estipulem em suas convenções a ocorrência da dupla não-tributação, tal fato constitui uma completa exceção à regra. Luc de Broe (International tax planning and prevention of abuse: A study under domestic tax law, tax treaties and EC law in relation to conduit and base companies. pp.357-361) explica que existe uma comum expectativa e até uma intenção dos Estados ao firmaram um tratado internacional sobre dupla tributação internacional de que haverá a tributação do rendimento por pelo menos um dos Estados. Contudo, apesar da expectativa dos Estados, entende aquele autor que, quando não expresso de sorte explícita a indigitada intenção, a dupla não-tributação não constituirá um dos objetivos da convenção celebrada, podendo vir a ocorrer eventualmente.

[38] Manuel Pires. op. cit., p.1018.

[39]A natureza jurídica e a conceituação de imunidades tributárias podem ser mais bem conferidas nas palavras de Yoshiaki Ichihara (Imunidades tributárias. p.183): “Imunidades tributárias são normas da Constituição Federal, expressas e determinadas, que delimitam negativamente, descrevendo os contornos às normas atributivas e dentro do campo das competências tributárias, estabelecendo e criando uma área de incompetência, dirigidas às pessoas jurídicas de direito público destinatárias, com eficácia plena e aplicabilidade imediata, outorgando implicitamente direitos subjetivos aos destinatários beneficiados, não se confundindo com as normas fundamentais, vedações ou proibições expressas, com as limitações que decorrem dos princípios constitucionais, nem com não-incidência”.

[40]O instituto da isenção tem causado polêmica entre os estudiosos da matéria, em especial quanto a sua natureza jurídica. Roque Antônio Carazza (Princípios constitucionais tributários e competência tributária. pp.216-217) explica, por exemplo, que a doutrina mais clássica tendia a definir isenção tributária como a dispensa legal do pagamento do tributo, sendo que para os adeptos deste entendimento haveria o surgimento do fato jurídico tributário – fato imponível -, havendo a obrigação tributária, porém, o pagamento do tributo seria dispensado por lei. Todavia, a doutrina mais moderna postula, sem se embrenhar em profundidade sobre o tema, que a isenção seria “norma impeditiva do exercício da competência tributária em certas situações, em razão da mutilação de um ou de alguns aspectos da hipótese de incidência” (Vladimir Passos de Freitas et al. Código tributário nacional comentado: Doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS (LC 85/1996 e LC 114/2002) e ISS (LC 116/2003). p.176).

Informações Sobre o Autor

Flávio Garcia Cabral

Acadêmico de Direito


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Equipe Âmbito Jurídico

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