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Filosofia do direito

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1) Do direito como ciência, sobre a imperatividade do direito positivo e sobre a vertente do direito alternativo e do uso alternativo

A classificação doutrinária do Direito como ciência é aceita majoritariamente nos dias atuais, sobretudo após a influência do Positivismo de Kelsen, com sua teoria purista do Direito. O Direito Positivo, na concepção do renomado mestre, exige dos operadores do Direito uma postura amoral na aplicação da norma jurídica, em prol de uma segurança jurídica e social. A justiça adquire, então, conceito duvidoso, pois deixa de ser o fim a que se pretende o Direito.

A definição de Direito como Ciência certamente foi um dos tópicos que mais gerou controvérsia entre os pensadores jurídicos da História Contemporânea.

Muito embora, no passado, não se tenha valorizado essa posição doutrinária, após o notável esforço do inconteste mestre do pensamento jurídico, Hans Kelsen (1881-1973), sobretudo quando da publicação de sua obra “Teoria Pura do Direito“, restou majoritária a corrente que reconhece o Direito como Ciência.

Com efeito, o mentor do positivismo jurídico, naquela inestimável obra, buscou constituir uma Ciência do direito livre de toda ideologia e da intervenção de considerações estranhas ao Direito, expondo a “pureza jurídica do Direito em seu aspecto tipicamente científico “.

Para tanto, afirmou que a Ciência do direito, enquanto conhecimento do direito positivo, deve eliminar todas as considerações que são essencialmente alheias ao seu objeto, visando sempre a purificação do pensamento jurídico, sem nenhuma pretensão a fundamentações sociológicas, políticas ou filosóficas.

Se o Direito constitui-se efetivamente em Ciência ou se seria apenas o objeto de uma Ciência não é o cerne da questão em comento, pois o que realmente merece destaque é o fato de que, atualmente, poucos são os que vêem o Direito como forma não-científica. Para estes, a classificação do Direito como Ciência desobedeceria o rigorismo terminológico, segundo o qual a Ciência pressupõe a existência de princípios de validez universal; ou ainda, tal classificação restaria equivocada, pois a Ciência do Direito estaria voltada para o campo comportamental, e não para a inteligência.

Nesse diapasão, cumpre delimitar o conceito de Ciência e aplicá-lo efetivamente na classificação doutrinária de uma Ciência Jurídica, ou Ciência do Direito. Mister destacar ainda que, muito embora seja comum a utilização de ambas as expressões por sinonímia, a expressão mais correta seria “Ciência do Direito“, uma vez que o Direito não se limita apenas ao conteúdo jurídico, mas extrapolando estes limites valorativos para compreender fenômenos metajurídicos.

A Ciência, propriamente dita, representa a busca da verdade, indefinida e permanentemente. Seu compromisso é tão-somente explicar os fenômenos naturais e sociais, visando satisfazer a necessidade humana de conhecer e de entender o mundo em que vive.

O objetivo prático da atividade científica não é o de descobrir verdades absolutas ou ser uma compreensão plena da realidade, mas, sim, o de fornecer um conhecimento que, ainda que provisoriamente, facilite a interação com o mundo.

Ainda assim, definir a Ciência não é tarefa fácil e de pronta solução, pois não se lhe pode traduzir por verdade absoluta – eis que tal não existe -, mas apenas por uma busca incansável pela verdade em sua acepção plena, em consonância com a mutabilidade evolutiva dos princípios e pressupostos científicos. Por tal fundamentação é que se insere o conceito de verdade relativa no estudo científico, como uma alternativa – senão a única – à inatingível verdade universal.

Essa busca pela verdade absoluta – sabe-se, inacessível – representa o desenvolvimento científico humano, limitado apenas por sua própria capacidade de conhecer e conceber verdades, no então denominado raciocínio binário humano. Por conseguinte, toda produção científica e inteligível humana restringiu-se ao modo cognitivo delineado pelo binarismo. Em virtude dessa limitação, o desenvolvimento científico-jurídico seria melhor amparado pelo modelo triangular do conhecimento: as notórias tríades que compõem o estudo do Direito como Ciência – a trilogia básica do processo (ação-jurisdição-processo), a trilogia da relação processual (juiz-autor-réu), etc. – são a forma mais expressiva que norteiam o pensamento jus-filosófico.

A Ciência passou, então, a ser classificada entre Ciências naturais e sociais, e estas, por sua vez, em Ciências do macrocosmo e do microcosmo, e Ciências hermenêuticas e não-hermenêuticas, respectivamente.

Nesse contexto, a Ciência do Direito seria corretamente classificada como uma Ciência social hermenêutica, transcendendo, porém, a simples interpretação da realidade para, ainda, projetar um mundo ideal (meta do dever-ser), através da valoração factual intrínseca aos fenômenos naturais ou sociais. E é essa projeção comportamental o cerne dos debates jusfilosóficos que pretendem, desde épocas passadas, classificar ou não o Direito como Ciência.

Como se viu supra, o neopositivismo baseado nas idéias de Kelsen, pressupõe um Direito puro, livre de interferências morais e éticas efetivamente estranhas aos conteúdos jurídico e metajurídico. A diferenciação entre os campos da moralidade e da juridicidade, para Kelsen, simbolizam a tão visada autonomia da Ciência jurídica.

Sendo o Direito positivo, pode este ser moral ou imoral, independentemente do que se considere mais justo ou socialmente adequado. Com efeito, ainda que determinada norma contrariasse um preceito de justiça, esta permaneceria eivada de validade jurídica. O Direito Positivo seria, pois, o direito inserido (positum ) pelo ente legiferante, dotado de validade e legitimidade, por obedecer a formalismos pertencentes a um determinado sistema jurídico.

O Direito, portanto, não precisa curvar-se à moral para ser definido e aceito como tal, pois sua natureza não pressupõe nada além do valor jurídico. A ordem jurídica será, então, válida mesmo que contrarie os alicerces morais, não importando a definição de justiça ou de injustiça:

Um Direito Positivo pode ser justo ou injusto; a possibilidade de ser justo ou injusto é uma conseqüência essencial do fato de ser positivo.

Dessa forma, conclui-se que o conceito de justiça não se vincularia à moralidade do resultado final de aplicação e interpretação do ordenamento jurídico, mas ao efetivo cumprimento das normas juspositivistas elaboradas pelo Poder Legislativo. Assim, um comportamento seria considerado injusto quando há uma transgressão das normas jurídicas, pelo que se impõe uma sanção previamente definida pelo Direito positivo, e não por se contrapor ao conceito filosófico ou ético de justo.

Nessas condições, a justiça restringir-se-ia ao fiel cumprimento das normas jurídicas, seja por sua aplicabilidade, seja por sua interpretação. Tal sujeição pode ser comparad como uma “prisão” e “conseqüente servidão” a que se vinculam os membros do Poder Judiciário.

Com efeito, aos magistrados não compete aplicarem a Justiça – em sua acepção moralista –, mas serem justos no sentido de obedecerem à norma jurídica, concretizando única e exclusivamente uma ordem juspositivista. Ademais, cabe-lhes a prestação da tutela jurisdicional do Estado, não lhes sendo permitido deixar de aplicar uma norma jurídica com base em ideologias e critérios pessoais. Sua condição particular implica afastar convicções políticas, quando da aplicação da lei objetiva ao caso concreto, independentemente de convicções próprias, ainda que resultando em injustiça decorrente de um juízo de valor personalíssimo.

Trata-se, por conseguinte, de verdadeira limitação jurídico-política, pois, uma vez elaboradas e vigentes as leis, estas serão impostas erga omnes, ainda que moralmente injustas. E, a partir de então, deverão ser cumpridas inquestionavelmente pelo magistrado, pois, apesar de injustas, estarão amparadas pelos pilares da legalidade e juridicidade, prevalecendo sua validade e imperatividade.

Tais características – validade jurídica e imperatividade – atingem não apenas os magistrados, mas todos os entes integrantes da trilogia jurídica (juizes-advogados-membros do Ministério Público), da tríade política do Estado (Poderes Executivo-Legislativo-Judiciário) e dos cidadãos de um mesmo País. São esses elementos que ensejam e fortalecem uma segurança jurídica livre da subjetividade e da inconstância individual ou, o Direito é uma coisa que gera ordem, e não necessariamente justiça, sendo esta possível de ser atingida pelo exercício do poder, ainda que não obrigatoriamente.

Portanto, parece-nos razoável conceber a noção de segurança social e jurídica a partir de uma obediência irrestrita ao ordenamento jurídico, uma vez que o interesse maior da coletividade não pode ser jamais considerado em detrimento de anseios individuais. Dada a pluralidade de indivíduos e de suas respectivas personalidades, além da inquestionável instabilidade das relações humanas, não poderia o Estado curvar-se a tais intempéries, visando a satisfação plena, pessoal e individual de cada jurisdicionado, mesmo porque tal realização não é possível. Assim, a perseguição do Bem Comum pressupõe sacrifício individual em benefício de uma coletividade, o que recai também sobre o Direito, sobretudo na concepção positivista.

O Direito Alternativo é uma das saídas para a amplificação normativa, em conseqüência da inércia do Estado. É, de fato, uma realidade, defendida por uns, combatido por outros, mas sempre presente nos debates jurídicos da atualidade, não podendo o poder judiciário ser confundido como um órgão incentivador de cunho social.

Há entre os alternativistas uma unanimidade de crítica ao positivismo jurídico, que é entendido como uma postura jurídica técnica-formal-legalista, de apego irrestrito à lei. Os juristas alternativos denunciam que o Direito tem sido excessivamente formal, incoerente e incompleto, deixando várias contradições e lacunas.

O uso alternativo do Direito tem suas raízes fincadas na magistratura democrática italiana do final dos anos 60. Ocorre dentro do sistema já positivado. Utiliza as contradições, ambigüidades e lacunas numa ótica democrática, buscando os textos de uma forma diversa da usual, extraindo um novo texto, mais compatível com as necessidades sociais. Corresponde ao instituído relido de Arruda Júnior, tendo como atores principais os juízes, promotores, advogados, professores e doutrinadores.

O Direito Alternativo em sentido estrito, correspondente ao instituinte negado, emerge do pluralismo jurídico, sendo um Direito paralelo, emergente e insurgente, que coexiste com o estatal.

Constata-se, logo, que há inúmeras definições e formulações para o Direito Alternativo. Há os que buscam o lado da justiça; outros defendem as forças sociais; outros ainda enxergam Direito Alternativo em um sentido amplo, dentro inclusive do ordenamento estatal. Importa, principalmente, saber que acima de tudo, visa a ser um Direito ético, pois, mesmo sendo uma alternativa ao estatal, deve obedecer aos princípios gerais consagrados pelo Direito.

Nesse sentido não podemos ver o Direito Alternativo como tentativa de desvirtuar o Direito Dogmático. Não é uma tentativa de impedir a modernização, a completa dogmatização do Direito. Pelo contrário, é algo que surge espontaneamente, como necessidade face à ineficácia do Direito Estatal em solucionar as lides existentes na realidade social.

2) Do sobre norma jurídica

Para alguns doutrinadores norma jurídica é uma regra de conduta social imposta coercivamente pela autoridade pública. É esta característica que a distingue de toda e qualquer norma de conduta.

Inúmeros enfoques foram desenvolvidos na tentativa de uma conceituação precisa do que é norma e mais especificamente do que é norma jurídica. De todos, alcançou particular repercussão o ofereci­do por Carlos Cóssio, discípulo e depois enfrentador de Kelsen, que inverteu a idéia do professor vienense, transmudando a norma primá­ria (a sanção) em perinorma e elegendo a norma secundária da teoria kelseniana (a instrumental) em endonorma. Para Cóssio, o privilégio seria do aspecto orientador e pedagógico da norma, secundado pela coercibilidade da regra.

E continua dizendo que enquanto Kelsen “valoriza o ilícito e sua consequência jurídica – a sanção -, Cóssio, sem excluí-la, inclui tam­bém, o lícito, na estrutura normativa, o que propicia apresentar as duas situações do comportamento humano frente à regra: o compor­tamento aceito, contido na endonorma e o não aceito, existente na perinorma”.

Em conclusão, sine embargo dos entendimentos contrários, te­m-se a norma jurídica como um ser lógico, que independentemente de ser positivada, traça pauta de comportamento dos súditos do Estado ou da entidade que a proclama, para esses prevendo uma sanção em caso de desobediência (ainda que principiológica). Mesmo na hipóte­se de configuração das ditas “normas programáticas”, o elemento co­ercitivo se fará presente na cadeia normativa imprescindível, mais precisamente no elo denominado de “norma complementar”.

Buscando elucidar a estrutura do ordenamento jurídico, partindo de uma definição de caráter geral, pela qual “o ordenamento jurídico é um conjunto de normas”, NORBERTO BOBBIO refere-se a modalidades normativas ou deônticas de regras de conduta, traduzidas no “obrigatório”, no “proibido” e no “permitido”.  Assim, tem-se que, segundo a forma, as normas jurídicas podem ser imperativas, proibitivas ou permissivas.

As normas jurídicas representam imperativos hipotéticos e, como tais, expressam comandos com maior ou menor grau de determinação, têm um conteúdo sintático heterônomo de observância obrigatória

No ordenamento jurídico nacional, a validade de uma norma jurídica depende do critério adotado pelo titular do Poder Constituinte, seja originário ou derivado, não pelo jurista que representa apenas um agente interpretador dos critérios de validade adotados pela norma jurídica, sem qualquer poder real de criação do Direito. Os que têm uma visão do Direito como linguagem afirmam que o jurista tem um papel fundamental no preenchimento do conteúdo semântico de uma norma, mas, ainda assim, o mesmo não tem o poder de criar, pois ninguém nega que o Direito, hodiernamente, se origina basicamente do Estado.

A validade da norma jurídica pode ser vista como o vínculo estabelecido entre a proposição jurídica, considerada na sua totalidade lógico-sintática e o sistema de Direito posto, de modo que ela é válida se pertencer ao sistema, mas para pertencer a tal sistema dois aspectos devem ser observados: a adequação aos processos anteriormente estabelecidos para a criação da proposição jurídica (exceto no caso da recepção pela Constituição) e a competência constitucional do órgão criador. Por isso, o jurista não tem o condão de criar uma norma jurídica válida.

Outro aspecto do modelo Kelseniano de aferição de validade de uma proposição jurídica é a dedutibilidade. Assim, oportuna se faz a invocação de alguns aspectos da dinâmica jurídica, vez que a dedução acontece quando o sistema atesta a validade de uma proposição jurídica quando aquela é conseqüência lógica das normas hierarquicamente superiores. Tal método tem sempre como parâmetro final de validade a norma fundamental hipotética ou a regra de reconhecimento.

A reiterada violação de uma norma jurídica não caracteriza a sua ineficácia, vez que tanto a sociedade, quanto o titular do direito em questão, não podem atestar a eficácia da norma. A violação gera a conseqüência descrita pela norma ou pelo ordenamento jurídico, pois a sua produção tem como escopo obrigar, permitir ou atribuir competência, estabelecendo um dever ser baseado nos valores positivados pelos legitimados. Logo, por ser uma prescrição, um imperativo hipotético, não é facultado ao cidadão o cumprimento ou não de determinada ordem. Já o titular do direito tem a faculdade de exercer ou não o seu direito, mas a sua inércia jamais poderia atestar a ineficácia de uma norma positivada.

A corrente magistral do positivismo analítico, muito bem defendida pelo italiano Norberto Bobbio, ilustra que a validade de uma norma prescinde do fato da mesma ser ou não efetivamente aplicada na sociedade, vez que na definição de um Direito posto pelo Estado, atualmente tido como legítimo, não se induz o elemento eficácia.

A validade não se confunde com a vigência, posto que pode haver uma norma jurídica válida sem que esteja vigente, isso ocorre claramente quando se vislumbra a vacatio legis ou quando o dispositivo legal é revogado, embora continue vinculante para os casos pretéritos.

A vigência representa a característica de obrigatoriedade da observância de uma determinada norma, ou seja, é uma qualidade da norma que permite a sua incidência no meio social.

A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro trata da vigência da lei, estabelecendo de forma pragmática os critérios que determinam o início da vigência. Afirma que, salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o território nacional quarenta e cinco dias após a sua publicação. Observe-se que, nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada.

A maioria das leis, porém, traz em seu texto a data em que passará a viger. Em geral, o início da sua vigência coincide com a data da sua publicação.

Por vezes, faz-se necessária a concessão de um período de adaptação, para que os destinatários da nova disposição legal possam conhecer e compreender o que fora disciplinado.

A norma jurídica perde a vigência quando outra a modifica ou a revoga, salvo nos casos em que a norma se destina à vigência temporária, estipulada no próprio texto legal ou em uma norma de hierarquia superior.

3) Da interpretação da norma jurídica

A interpretação da norma jurídica é a atividade mental desenvol­vida pelo jurista, mirando traçar uma ligação entre o texto normativo abstrato, inerte, e o fato que se apresenta cru, à espera de uma roupa­gem produzida nos lindes da Ciência do Direito. Não raro a via da subsunção tem mão dupla, e quão mais delicado e questionável for o percurso pelo seu leito, mais apurada e dotada de cientificidade há que ser a missão do operador.

Valer-se adequadamente dos processos de interpretação que lhe são postos à mão pela ciência jurídica, não guardando escrúpulos de adentrar com profundidade na investigação e na confecção de novas técnicas, sempre objetivando o aclaramento e a vivificação das nor­mas jurídicas, é o papel reservado ao exegeta na seara do Direito. Da sua sensibilidade dependerá o sucesso perseguido na arte de interpre­tar as normas de natureza jurídica.

Ensina Miguel Reale que a regra ou a norma é o resultado da tomada de posição de uma lei cultural, perante a realidade, “impli­cando o reconhecimento da obrigatoriedade de um comportamento”.

A dito conselho chegou o respeitável doutrinador, após dissecar as leis, para ele dicotomizadas em leis físico-matemáticas (ou natu­rais) e leis culturais. Nestas últimas, agrupa a norma, sob suas varia­das manifestações (moral, política, religiosa, jurídica, etc).

Vê-se assim, forte influência kelseniana na formulação concep­tual do professor paulista, quando destaca a obrigatoriedade do com­portamento como nuclear para a eclosão (ou o fabrico) de uma nor­ma. E não está sozinho, vez que incontáveis bastiões da jusfilosofia destacam a coercibilidade (ou a coercitividade) como o elemento identificador da norma, quiçá da proposição jurídica.

A norma jurídica, quer tenha sido fabricada intencionalmente (a lei em sentido formal e em sentido material), quer tenha sido apurada pelos cultores e aplicadores do Direito (a jurisprudência, os tratados, as convenções, etc), exige uma fase de burilamento e adequação ao momento histórico e social da sua aplicação. Enquanto texto frio e latente, espelha tão-só o instante da sua confecção ou do seu incorporamento ao conjunto normativo. Cabe ao intérprete vivificá-­la e dar-lhe a destinação adequada às exigências sócio-culturais dos seus súditos, assim entendidos pela submissão gerada pela coercibili­dade das normas. Destacando a missão do exegeta, diz Caio Mário da Silva Pereira que “só o esforço hermenêutico pode dar vida ao nosso Código Comercial, publicado em 1850, diante da complexida­de da vida mercantil de nossos dias; só pela atualização do trabalho do intérprete é possível conceber-se o vigor do Código de Napoleão, que vem de 1804, ou a sobrevivência dos cânones da Constituição americana, que é de 1787”.

Com efeito, a interpretação é a tarefa desenvolvida pelos estudiosos, mirando alcançar o exato senti­do da norma, perquirindo, inclusive a mens Iegislatoris e outros da­dos que sirvam à correta subsunção do fato à regra. Já a hermenêutica “é a teoria da interpretação das leis. A hermenêutica é que fornece os elementos ou os métodos para a interpretação”.’ A hermenêutica instrumentaliza o exegeta, para que este proceda a interpretação.

Volvendo ao tema mater, é sabido que várias são as espécies de interpretação classificadas pelos doutrinadores, também chamados de processos de interpretação. E clássica a enumeração de Tito Fulgên­cio, ordenando ditos processos quanto à origem e quanto aos elementos.

Quanto à origem, a interpretação pode ser:

a) Autêntica, quando operada por intermédio de um novo diplo­ma, editado posteriormente ao texto obscuro, ao qual visa dar a clare­za originariamente omitida, vezes por despreparo intelectual do confeccionador da norma. Nessas hipóteses, lembra Caio Mário da impossibilidade da explicação ser dada por um diploma hierarquica­mente inferior à norma explicada.

b) Judicial, quando proferida por órgão judicante, independente­mente de nível, assim sendo entendida tanto a manifestação de um Juízo monocrático como o decisum de um Tribunal. A adequação do caso sub judice à norma eleita como a ele aplicável (ou a operação inversa), finda por exigir do julgador a demonstração do entendimen­to que este hauriu da norma aplicada. Mais das vezes tal exigência é imperativo legal, inarredável, como é o caso brasileiro (CPC, art. 458, incs. II e III e art. 131; CPP, art. 381, incs. III e IV). As decisões da justiça só se impõem às pessoas que forem parte na demanda; mas a interpretação reiterada da lei num mesmo sentido constitui a jurisprudência, que tem relevante valor para a decisão de casos análogos.

c) Doutrinária ou doutrinal, desde que feita pelos doutores do direito, ou seja, os jurisconsultos, em seus escritos e opinamentos, detalhando o texto da norma em conjugação com os conceitos que inspiraram a edição desta.

Quanto aos elementos, a interpretação é considerada:

a)      Gramatical, em razão do intérprete recorrer a elementos pura­mente filológicos do texto analisado, deste extraindo o sentido após acurada apreciação do emprego das palavras, da significação dos vo­cábulos. Exemplifica Amoldo Wald que “quando se declara na lei que todos os homens têm capacidade jurídica e o intérprete quer sa­ber se o texto estabelecido visa não apenas ao homem, mas também à mulher, vamos estudar qual o sentido da palavra homem utilizado pelo legislador… Veremos, assim, que a intenção do legislador, ao empregar a palavra todo homem era de usar o masculino, abrangendo tanto o masculino como o feminino, quer dizer, dando a capacidade jurídica não só ao homem como também à mulher”.

A interpretação gramatical é também denominada literal, farisáica e especiosa e foi introduzida na ciência jurídica pelos adep­tos da Escola de Exegese, movimento cultural contemporâneo do Código Napoleônico de 1804, e cujo fundamento-mor era a desneces­sidade de analisar o diploma sob outros prismas, já que segundo Demolombe, a lei era tudo competindo ao intérprete apenas “extrair o sentido pleno dos textos, para apreender-lhes o significado, ordenar as conclusões parciais, e, afinal, atingir as grandes sistematizações.

b)      Lógica  consistindo na ênfase oferecida à analise do texto da norma, em lugar das palavras qu~ compõem o mesmo. Busca des­cobrir o sentido e o alcance da lei independentemente do auxílio de elementos exteriores, aplicando ao dispositivo regras tradicionais e preci­sas, tomadas de empréstimo à lógica geral. Pode ser fracionada em três subespécies: analítica, sistemática e jurídica.

A interpretação analítica é lógica por excelência, contradizendo a interpretação gramatical, afirmando o espírito do texto sobre as pa­lavras do texto. Para os seus defensores, cabe ao intérprete analisar a obra em si, e não a intenção de quem a fez.

Na interpretação sistemática, todas as normas devem ser analisa­das tendo em conta as suas inter-relações com outras normas do ordenamento.

Já a interpretação jurídica, para efeito didático, é desdobrada em três campos de perquirição: a ratio legis (qual a razão da existência da norma); a vis legis (qual o grau de vigor da norma. Se é de jus cogens ou não, etc.); e o ocasio legis (a conjuntura sócio-histórico-cultural que serviu de contorno à criação da norma).

c) Normas de caráter excepcional, quais aquelas geradas em mo­mento de crise política ou institucional, bem assim as que excetuam determinados indivíduos ou entidades da órbita da sua abrangência. Também são assim havidas aquelas normas carregadas de especifici­dade tal, que são imprestáveis à tutela de outros casos que não aque­les norteadores da criação da regra. Exemplo: o decreto de utilidade pública de certo bem, para fins de desapropriação.

Vê-se, destarte, a impossibilidade de eleição de um só processo de exegese, quando se cuida de matéria constitucional. Pela largueza nela própria encerrada, e considerando a sua natureza publicística, aplica-se ao tema a lição de Kelsen, para quem”… a interpretação jurídica científica tem de evitar, com máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação, a interpretação correta”.

4) Da capacidade subjetiva do julgador

A soberania, por efeito conseqüente, caracteriza o Estado, atribuindo-lhe um direito interno ou, em outras palavras, dotando-o de instrumentos de regulação inerentes à vida de seus diversos integrantes, muitas vezes representados pelo poder judiciário, em princípio de forma legítima (consensual), ainda que, em sua ação prática, de modo compulsório.

De fato, muito embora o Direito forjado pela função legislativa do Estado seja consensual, ou seja, resultado da vontade geral manifestada através dos representantes do povo em assembléia, ele também é obrigatório (uma vez concebido), independentemente da vontade de cada indivíduo, em face da prevalência, que passa a existir, da comunidade estatal sobre os seus componentes, individualmente considerados. Uma vez que o Magistrado tem o poder de usar a analogia para, quando ausente em lei, julgar de acordo com o seu entendimento.

Todavia, como a soberania também se constitui, em última análise, em uma abstração, o direito estatal, representado pelo estado na figura do Juiz, que dela deriva para realmente valer, de maneira genérica e obrigatória, necessita de algum tipo de elemento concreto, que tenha a capacidade de viabilizar, sob o ponto de vista efetivo, a indispensável concreção do chamado poder de império – poder sobre todas as coisas no território estatal – e do denominado poder de dominação – poder sobre todas as pessoas no território estatal -, inerentes ao poder político derivado da soberania. Este elemento de efetivação se traduz, em última análise, pela sinérgica existência de uma força coerciva de natureza múltipla (política, econômica, militar e/ou psicossocial), mas que, de modo derradeiro, se perfaz por meio de uma inexorável existência de capacidade política no sentido amplo da expressão, representado é claro nesse sentido pelo poder judiciário na figura do magistrado.

Desta feita, é sempre lícito concluir, neste diapasão, que a soberania (e o Direito dela decorrente), embora inicialmente estabelecida por consenso, somente se efetiva, de modo amplo e pleno, com o necessário respaldo em uma capacidade de força efetiva, em mãos do Estado, que seja facilmente perceptível pelos diversos indivíduos que compõem a comunidade social, seja eles operadores do direito ou não, transformando a inicial abstração da soberania em uma acepção concreta e a percepção ficcional do direito em uma realidade universal e visível, a ponto do magistrado ter a autonomia que a lei lhes confere para dirimir situações analogicamente.

Não é por outro motivo que, nos Estados desprovidos de instrumentos de força coativa real, onde inexiste a garantia derradeira da imposição do direito estatal interno, é sempre possível (embora indesejável) que grupos de indivíduos se estabeleçam de forma marginal (e paralela ao Estado), tornando refém de sua vontade (não legítima) toda a sociedade organizada, independentemente da natural contrariedade que tal fato necessariamente acarreta. Fatos estes que convivemos diariamente de corrupções no âmbito do judiciário, donde o magistrado com a sua autonomia para preencher lacunas na Lei, usa da analogia para supri-las.

Assim, de modo objetivo, é possível analisar didaticamente a anatomia da soberania do julgador, desvendando os seus variados graus de exteriorização (desde o sentido mais abstrato até o mais concreto) e caracterizando conceitualmente as expressões poder como elemento teórico de exteriorização da soberania abstrata, em que a mesma é revestida de autoridade, faculdade e possibilidade de ação, forjando a sua concepção teórica e força na qualidade de elemento efetivo de concreção do poder, em que o mesmo é dotado de vigor e robustez em termos práticos, forjando a concepção da soberania em termos efetivos.

Referências Bibliográficas:
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Revista Forense, 2000.
FRIEDE, Reis. Ciência do direito, norma, interpretação e hermenêutica jurídica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. 4.ed., p. 1.
KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da ciência. Martins Fontes, 1998. Trad. Luís Carlos Borges, p. 364
Cf. Pedro Lessa apud Reis Friede, op. cit.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Cristiano Júlio Silva Xavier

 

Acadêmico de Direito da UNIP/ Brasília – DF
Assessor Jurídico do Escritório de Advocacia Borges de Resende e Ferreira Advogados Associados S/C.

 


 

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