Resumo: A Consolidação das Leis Trabalhistas, diploma legal que regula as relações laborais no Brasil, foi publicada em 1943, sob a transição de modelos de Estado, especialmente as primeiras construções do intervencionismo. Passados sessenta anos da sua vigência, embora bastante modificada em caráter estrutural, sob o ponto de vista do empregador, se faz necessária uma modificação da regulação das relações trabalhistas brasileiras, visando aumentar a capacidade de empregabilidade do empresariado brasileiro. A legislação vigente permanece onerando os empregadores restando a opção da flexibilização uma saída para a manutenção da competitividade no mercado nacional. Ao que parece, a partir dos marcos conceituais que formam uma orientação liberal no desenvolvimento econômico brasileiro, o crescimento do Brasil dependem também substancialmente da desoneração do empregador afim de que sua capacidade empregatícia possa aumentar.[1]
Palavras-chave: Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. Burocracia. Flexibilização.
Sumário: Introdução. 1. Alguns recortes históricos da organização do trabalho. 1.1 O Surgimento do Direito do Trabalho. 1.2 Organização Sindical. 2. Flexibilização. 2.1. Conceitos. 2.2 Discursos sobre a Flexibilização. 2.3 A Constitucionalidade da Flexibilização. 2.4 A Polêmica Sobre o Artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho. 3. Alternativas ao mundo do trabalho que podem beneficiar o trabalhador via melhoria da competitividade entre empregadores. 3.1. Flexibilização da Jornada de Trabalho. 3.2 Redução dos Custos Trabalhistas. 3.3 Terceirização. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Direito, como todas outras ciências sociais, é dinâmico, ou seja, está sempre em constante evolução, reagindo às alterações sociais do meio em que se vincula. Afinal, o Direito foi criado a uma realidade social e se esta mudou, o direito deve mudar também. Com o Direito do Trabalho não é diferente. Há vezes que essas mudanças acontecem através de revoluções, traumáticas ou não, outras por manifestações pacíficas, da massa, não revolucionárias. Porém, a grande maioria das mudanças acontece de maneira natural, sendo adaptações das regras para lhes dar eficácia e proporcionar àqueles aos quais se aplicam maior participação social.
De forma paralela a isto, há de se ressaltar a importância do regramento das relações sociais trabalhistas e sua evolução intermitente com o intento da subsistência formal dos direitos do trabalhador, e ainda a sobrevivência do modelo econômico capitalista, comprovado pela história ser o mais eficaz, tendo em vista o fato de que a função social do modelo capitalista de economia é a submissão dos assalariados às forças econômicas e produtivas daqueles que detém o capital.
Atualmente, tem-se um mundo altamente globalizado e competitivo, onde as empresas precisam cortar seus gastos ao máximo para continuarem vivas. No Brasil, grande parte dos gastos do setor empresarial vem da folha de pagamento.
Temos como legislação trabalhista a Consolidação das Leis do Trabalho, que não vem sendo cumprida. O referido diploma legal não acompanha o ritmo das negociações dos dias atuais, burocratizando demais as relações trabalhistas, além de onerar e muito tanto os empregadores quanto empregados.
O poder público brasileiro arrecada quantias proporcionais às arrecadadas em países como Suécia e Noruega, onde se tem o chamado estado do bem estar social. Porém, no Brasil, os serviços prestados à população são mínimos, muito aquém do que deveria ser prestado por um país que arrecada tamanha carga tributária.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, houveram avanços do ponto de vista da proteção à livre iniciativa, abrindo algum espaço para negociações entre empregados e empregadores.
Porém, para que se contrate mais, diminuindo assim os índices de desemprego, se torna necessária uma maior flexibilização das normas laborais, buscando aproximar os empresários de seus trabalhadores.
Há autores, como José Pastore, que entendem que uma maior mobilidade para as empresas contratarem melhoraria a economia como um todo. Especialmente no que tange a acordos e negociações coletivas, fazendo com que os mesmos tenham validade de lei, algo que já vem ocorrendo desde a década de 90.
Porém, antes de partir para uma análise mais profunda dos conflitos nas relações trabalhistas, se torna necessário um levantamento histórico e evolutivo das relações de trabalho, já que quando se fala de flexibilização das normas trabalhistas remete-se a fatores históricos que emanam de crises sociais, políticas, culturais e econômicas pertinentes a própria história humana.
1 ALGUNS RECORTES HISTÓRICOS DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
O trabalho faz parte da natureza a da história da humanidade. Nos primórdios, o homem trabalhava apenas para sua subsistência, caçava e produzia apenas o que ele e sua família fossem consumir. Porém, com o passar dos anos, ele foi percebendo que podia se juntar com outros homens e viver em sociedade, de maneira que cada um se especializaria em determinada tarefa, dando início a certa organização social e divisão do trabalho, facilitando a vida de todos, era o que se chamou de comunismo primitivo. Como evolução desta situação, essas pequenas comunidades começaram a acumular determinado produto abundante na sua região e utilizá-lo como moeda de troca com outras comunidades. Por consequência, foram surgindo indivíduos que se destacavam frente aos outros que começaram a comandar essas comunidades, tomando frente da organização e negociação das riquezas produzidas. Assim, foi surgindo, de maneira muito primitiva ainda, o capitalismo.
Na história da sociedade o trabalho passou por várias situações, tais como a escravidão, que teve origem na Roma antiga quando os guerreiros perceberam que era mais interessante explorar os serviços dos derrotados nas guerras do que matá-los.
Sobre a escravidão, escreve Amauri Mascaro Nascimento (1996, p.41) ”predominou a escravidão que fez do trabalhador simplesmente uma coisa sem possibilidades sequer de se equiparar a sujeito de direito. O escravo não tinha, pela sua condição, direitos trabalhistas”.
Outra fase que se tem foi o Cristianismo, que dignificou o trabalho. A palavra de Cristo deu ao trabalho um alto sentido de valorização, que ganha justa e inegável sublimação, com o reconhecimento expresso da dignidade humana de todo e qualquer trabalhador. O Cristianismo trouxe um novo conceito de dignidade humana ao pugnar pela fraternidade entre os homens, condenando a acumulação de riquezas e a exploração dos menos afortunados, algo como um embrião do Direito do Trabalho, pois já trazia alguns conceitos que seriam utilizados posteriormente.
Tais ensinamentos eram revolucionários pra a época, tendo em vista o fato de que os gregos e romanos, dominantes na época, eram favoráveis a escravidão e contrários aos princípios da dignidade do trabalho e das ocupações. A Igreja passou a exercer grande influência civilizadora, disseminando as artes, o saber e exaltando as virtudes.
A verdade cristã foi ainda determinante para mudar o pensamento lógico que se tinha na época sobre a escravidão entre os homens, pois criou um conceito de que o trabalho era um meio de elevação do homem a uma posição de dignidade, o diferenciando dos demais animais.
Porém, há consenso doutrinário de que a formalização dos direitos dos empregados e empregadores nas relações laborais privadas, o que se conhece por Direito do Trabalho, foi consequência e produto dos novos modelos de relações existentes na sociedade durante a revolução industrial, ocorrida primeiramente na Inglaterra.
Para Fábio Ferraz[2], a Revolução Industrial:
“Foi um fenômeno de mecanização dos meios de produção. Consistiu num movimento de mudança econômica, social, política e cultural. O trabalho artesanal foi substituído pelas máquinas, que passaram a produzir em grande quantidade, aquilo que antes era fabricado em pequenas quantidades. A Revolução Industrial representa o momento decisivo da vitória do capitalismo. Houve a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado em larga escala. A manufatura cedeu lugar à fábrica. Foi na Inglaterra, antes de qualquer outra região, que surgiram as primeiras máquinas, as primeiras fábricas e os primeiros operários.
Antes da indústria, não apenas os nobres não trabalhavam de fato, como até os operários e os escravos se limitavam a trabalhar não mais de quatro ou cinco horas por dia. Os camponeses ficavam inativos muitos meses por ano. Posteriormente, por volta do fim do século XVIII, com a chegada da indústria, milhões de camponeses e artesãos se transformaram em trabalhadores “subordinados”, os tempos e os lugares de trabalho passaram a não depender mais da natureza, mas das regras empresariais e dos ritmos da máquina, dos quais o operário não passava de uma engrenagem. O trabalho, que podia durar até quinze horas por dia, passou a ser um esforço cruel para o corpo do operário e preocupação estressante para sua mente. Quando existia, deformava os músculos e o cérebro; quando não existia, reduzia os trabalhadores a desocupados e estes a “sub-proletariado”: trapos ao vento, como diz Marx.
Percebe-se nas palavras de Ferraz que anteriormente à citada revolução o trabalho era regrado pela natureza, fazendo com que os camponeses não trabalhassem mais que quatro ou cinco horas diárias, além de ficarem por meses inativos. Com a indústria, o trabalho passou a ser regrado única e exclusivamente pelas leis do capital, sempre visando lucro máximo, fazendo com que os trabalhadores se submetessem a jornadas desumanas, trazendo muitos males para sua saúde.
Vivia-se uma época de muitas descobertas na ciência, principalmente de máquinas para facilitar a vida do homem, que também vieram a contribuir para o surgimento das indústrias. Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento, temos:
“A principal causa econômica foi a Revolução Industrial do Séc. XVIII, conjunto de transformações decorrentes da descoberta do vapor como fonte de energia e de sua aplicação nas fábricas e meios de transportes. Com a expansão da indústria e do comércio, houve a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado em larga escala, do mesmo modo que a manufatura cedeu lugar à fábrica e, mais tarde, à linha de produção”. (1996, p.42)
Juntamente com essa revolução surge uma nova ideologia, tanto cultural quanto econômica, o liberalismo. Esta ideologia é a que melhor expressa as aspirações da nova ordem burguesa. Liberdade de empresa, liberdade de contrato e liberdade individual são os objetos. A não intervenção do Estado na esfera econômica e social é uma das principais características do liberalismo clássico.
Segundo as idéias liberais, o homem, em conjunto com suas virtudes, foi eleito como responsável pelo progresso material e técnico e pelo fato de que a liberdade de viver e pensar fosse o lema desse novo caminho, de maneira que o se humano teria liberdade para alcançar seus objetivos. A liberdade surgiu como uma afronta ao Absolutismo Monárquico. Os pensadores atacavam duramente as instituições do Antigo Regime. O Mercantilismo, que imperava antes do liberalismo, pregava a intervenção do Estado. As novas idéias opunham-se verticalmente à intervenção, sugerindo que a economia se faz por si mesmo, de maneira a rejeitar o Direito Divino dos Reis e a Religião do Estado. Pregaram a separação dos poderes e a insurreição. Destacaram-se Adam Smith, Jean-Jacques Rousseau, Locke, Montesquieu e Voltaire, entre outros.
Surgiram novas idéias, difundidas por todos esses pensadores, porém recaí em Adam Smith o status de ser o maior teórico dessa nova economia impregnada de Iluminismo e da nascente sociedade industrial marcada pela mecanização. Foi decretada, definitivamente, a superioridade da indústria sobre a agricultura, do lucro e da mais-valia sobra a renda, da moeda sobre a troca, do egoísmo sobre a caridade.
Através do Iluminismo, a nova classe industrial pode sistematizar seus interesses, na forma de teoria “científica”. A burguesia já possuía força suficiente pra fazer com que representantes políticos defendessem seus interesses na prática política, já entrando nos aparelhos do Estado. Porém, com essa sistematização, achou uma forma de legitimar a imposição de seus interesses visando à expansão em busca de novos mercados para suas fábricas.
Muitas críticas foram feitas diretamente na base ideológica desse novo projeto de sociedade, norteado pelo direito natural e pela liberdade, indo de encontro à qualquer forma de vantagem que não fosse em consequência da avaliação da ação produtiva dos homens. Essa nova sociedade deveria se desprender da religião e do Estado. Pretendia-se liberdade social. O Século das Luzes inaugurou uma nova forma de ver a humanidade, primando pela associação entre razão e liberdade, de maneira que igualdade foi a reação ao domínio aristocrático das sociedades. A igualdade levava a um afastamento do Estado também no plano econômico. Ao Estado competia somente resguardar a ordem pública. O papel do Estado deveria ser passivo, de mero espectador da luta pela vida entre sociedade.
A liberdade para trabalhar era considerada talvez a maior forma de liberdade para o indivíduo. Todavia, o operário não tinha como recusar trabalho, que muitas vezes se estendia a jornadas de até quinze horas por uma quantia pífia, pois era a única maneira de o operário conseguir algum sustento, mesmo que mínimo. Na prática, o operário era cada vez mais dependente do empregador. Assim foi surgindo uma concepção de direito contrária aos interesses do proletariado.
Na idéia da criação de Estado temos que ele não serve somente para as finalidades individuais, muito pelo contrário, deveria ser dado realce ao interesse social, deixando o individualismo em segundo plano. Cabia ao legislador medidas que garantissem uma igualdade jurídica, que desaparecia diante da desigualdade econômica. Feria-se a dignidade humana com essa opressão econômica.
Com o advento das indústrias, a relação empregado-empregador se formava em detrimento da situação daquele que se submetia às condições de trabalho desfavorável. Estas condições desfavoráveis podem ser analisadas por três aspetos.
Primeiramente temos o aspecto fisiológico, que é muito importante, tendo em vista o fato de que cada indivíduo tem o seu limite físico que interfere diretamente na sua produtividade. Antes da regulamentação os trabalhadores se submetiam a jornadas muito intensas e longas para produzir mais, o que acarretava sérios problemas de saúde.
Foi então que começaram a surgir reivindicações por jornadas de trabalho mais brandas, os fisiologistas estudaram os efeitos da fadiga no corpo humano. O legislador se viu obrigado a interferir, determinando a duração diária da jornada, descanso semanal, férias, entre outros benefícios.
Outro aspecto discutido na época foi o moral, no sentido do respeito que se deve ter pela dignidade humana. O homem necessita de um bom relacionamento social, que depende de sua vida profissional, do desenvolvimento do seu intelecto e da participação na sociedade. Não existia nenhum respeito por essa dignidade, pois os empregadores só pensavam em “sugar” seus empregados, com a regulamentação das relações trabalhistas houveram melhoras, porém nos dias atuais ainda há empresas que não se preocupam com o bem estar dos seus empregados.
O terceiro aspecto é o econômico, pois, além de ter de trabalhar por muitas horas seguidas, o trabalhador era muito mal remunerado por isso. As leis trabalhistas vieram para mudar isso, o que realmente ocorreu, hoje se tem uma série de garantias ao trabalhador, tais como FGTS, férias remuneradas e verbas rescisórias no caso de demissão. Justamente essa série de garantias que incomodam muito os empregadores, a ser discutido posteriormente.
Com todas essas situações incomodando muito os trabalhadores, começaram a aumentar as lutas e a criminalidade, como em qualquer lugar onde haja concentração de massas e exploração de classes. Foi então que a classe operária começou a reunir-se, associar-se, para reivindicar melhores condições de trabalho e de salários, diminuição das jornadas excessivas e contra a exploração de menores e de mulheres. Muitas pessoas com necessidades comuns se revoltaram contra o empregador e contra a máquina.
A situação era insustentável e os trabalhadores começaram a se unir e perceber que podiam lutar por melhorias. Como se percebe nas palavras de Fábio Ferraz[3]:
“As lutas de classes – clamando pela ação do Estado na regulação da vida econômica – provocam comoção social. Assim, a sociedade começou a despertar para a necessidade do Estado regulamentar as novas relações. A idéia de justiça social é cada vez mais difundida como reação contra a questão social.
Provocavam-se greves, criavam-se organizações proletárias, travavam-se choques violentos entre essas massas e as forças policiais ainda movimentadas pela classe capitalista. Na política, a voz dos trabalhadores já era ouvida nos parlamentos.”
Percebia-se que o poder público ia começando a reconhecer a força e a importância da classe laboral. Os governos, com a necessidade de manter a tranquilidade e a ordem, foram forçados a fazerem, ainda que de forma tímida, concessões aos trabalhadores. Novamente Ferraz[4] diz:
“Os trabalhadores passaram a reivindicar seus direitos através dos sindicatos. O direito de associação passou a ser tolerado pelo Estado. Os governos, com a necessidade de manter a tranqüilidade e a ordem, faziam concessões à medida que as reivindicações eram apresentadas e reconheciam a importância do trabalho operário.
Começaram a ser tecidas normas no próprio ambiente de trabalho. As classes se antecipavam ao Estado. Algumas categorias se auto regulamentavam, criando verdadeiras normas coletivas de trabalho. Os esforços da burguesia em negar a legitimidade às organizações operárias foram violentos. Tentaram mostrar que a existência de entidades operárias com poder de pressão era uma ameaça não só ao funcionamento dos estabelecimentos fabris, mas também aos próprios fundamentos do Estado.”
Nesse cenário de fortalecimento da classe operária, onde os governos começavam a ceder espaço às organizações dos trabalhadores. Marx e Engels, com a publicação do conhecido Manifesto Comunista, vieram a corroborar a tese operária, visando melhores condições em todos os aspectos para as classes laborais. Mais uma vez nas palavras de Fabio Ferraz[5], tem-se uma boa ilustração, agora do movimento comunista:
“Com a publicação do Manifesto Comunista de Marx e Engels em 1848, houve uma preocupação ainda maior com os trabalhadores, pois a obra criticava as condições de trabalho da época e exigia mudanças em benefício do mundo obreiro. O Manifesto teve grande relevância nas lutas proletárias, do espírito de luta do proletariado contra o capitalismo. Ajudou a despertar a consciência dos trabalhadores, a lutar pelos seus direitos. Seu lema básico era: “Trabalhadores de todos os países, uni-vos”.
Karl Marx procurou estudar as instituições capitalistas e compreendeu que o capitalismo se baseia na exploração do trabalho pelos donos dos meios de produção. Propõe a Revolução como única saída: a classe trabalhadora revolucionária implantaria o Socialismo, derrubando, pela força, todas as condições sociais existentes. Pregava a união dos trabalhadores para a construção de uma ditadura do proletariado, para suprimir o capital, com uma passagem prévia pela apropriação estatal dos bens de produção, e posteriormente, uma sociedade comunista. O ponto fundamental do programa do comunismo era a abolição da propriedade privada burguesa, base da exploração capitalista. E se faria através da Revolução Proletária.
Os socialistas pretendem substituir a ordem social fundada na liberdade individual, na propriedade privada e na liberdade contratual, por outra ordem, baseada no primado social, quando a prosperidade e o controle dos meios de produção devem estar nas mãos do Estado.”
Fica evidente a idéia revolucionária no manifesto, buscando legitimação das aspirações trabalhistas. Fundava-se na diminuição da liberdade individual, primando pelo interesse social, onde o controle dos meios de produção deveriam ficar a cargo do Estado. Pregava-se a implementação do Socialismo, largamente discutido no Século XX e ainda nos dias atuais.
Karl Marx, citado por Fábio Ferraz[6], afirmava que a nova revolução celebra a vitória dos industriais na pele dos trabalhadores, reduzidos a mercadorias:
“Esses operários, que são obrigados a vender-se por minuto, são uma mercadoria como qualquer outro artigo comercial. (…) Com a difusão do uso das máquinas e a divisão do trabalho, o trabalho proletário perdeu todo o caráter independente e com isso todo o atrativo para o operário, que passa a ser um simples acessório da máquina e ao qual se pede apenas uma operação manual simplíssima, extremamente monótona e facílima de aprender. (…) Operários concentrados em massa nas fábricas são organizados militarmente e dispostos como meros soldados da indústria, sob a vigilância de toda uma hierarquia de suboficiais e oficiais”. O trabalho, que deveria ser a mais alta expressão do homem, o reduz à mercadoria da indústria capitalista, faz regredir cada trabalhador ao nível de classe subalterna. O remédio está na eliminação da divisão entre produtores e proprietários dos meios de produção. Só quando os trabalhadores se tiverem apropriado das fábricas terminará a sua transformação em mercadoria. Para que isso aconteça, é preciso que os proletários se reconheçam como portadores de interesses comuns, unam-se a nível mundial, organizem-se em classe antagonista e cumpram a sua revolução proletária, fundando uma nova sociedade finalmente sem classes e sem Estado.”
Para fortalecer ainda mais essa idéia de melhores condições de trabalho, em 15 de maio de 1891, o Papa Leão XIII, publica a encíclica Rerum Novarum, que proclamou necessidade da união entre as classes do capital e do trabalho. Foi considerada uma fase de transição de um completo desregramento do trabalho para a justiça social, traçando regras para a intervenção estatal na relação entre empregado e empregador. O Papa dizia que “não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital”.
Ferraz[7] diz em sua obra que o Papa Leão XIII surpreendeu a todos, pois a Igreja sempre esteve ao lado dos burgueses, desde o seu surgimento, como maneira de legitimar a ação da burguesia. Porém, a partir da referida encíclica, o Vaticano passou a tomar partido pelas classes menos favorecidas, como claramente descreve no trecho abaixo:
“O trabalho deve ser considerado, na teoria e na prática, não mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana. Sua remuneração não pode ser deixada à mercê do jogo automático das leis de mercado, deve ser estabelecida segundo as normas de justiça e eqüidade.
Falava das condições dos trabalhadores. A questão social (falta de garantias aos trabalhadores) mereceu consideração. Condenou a exploração do empregado, a especulação com sua miséria e os baixos salários. O Estado não poderia apenas assistir àquela situação, agora era indispensável a sua presença para regular, mesmo que de forma mínima, as relações de trabalho.
A propriedade privada é um direito natural que o Estado não pode suprimir. Ao Estado compete zelar para que as relações de trabalho sejam reguladas segundo a justiça e a eqüidade. A Encíclica condena a influência da riqueza nas mãos de pequeno número ao lado da indigência da multidão. Nela se apontou o dever do Estado de zelar pela harmonia social. A classe indigente, sem riquezas que a protejam da injustiça, conta principalmente com a proteção do Estado.
A palavra do sacerdote impressionou todo o mundo cristão, incentivando o interesse dos governantes pelas classes trabalhadoras, dando força para sua intervenção nos direitos individuais em benefício dos interesses coletivos.”
Como a Igreja exercia grande influência em todos os ramos da sociedade, o que até hoje exerce em menor escala, os governantes se viam cada vez mais pressionados a legislar em favor dos trabalhadores, dando origem ao que se tem por Direito do Trabalho.
1.1 O Surgimento do Direito do Trabalho
O que se chama de direito do trabalho não nasceu de uma hora para outra. Ocorria uma larga discussão quanto a valores, idéias até que o direito surgisse. Esse novo ramo do direito foi sendo criado de forma lenta, em etapas. Não se podia mais adiar a criar esse direito, derrubando as muralhas do individualismo da sociedade burguesa, harmonizando as relações entre capital e trabalho. Esse novo ramo do direito tem uma tendência profundamente tutelar, protegendo os interesses do trabalhador, dando maior valor ao coletivo. Já era pleiteado de maneira explícita o estabelecimento de uma legislação trabalhista e até a criação de um Ministério visando proteger os interesses do proletariado. Assim, o Estado começa a limitar, a destruir a diferença entre classes e grupos, a fazer sobressair o interesse coletivo, tornando relativo o direito individual, limitando o seu exercício quando ele contraísse o interesse da sociedade.
Os governos começaram a legislar sobre o assunto, impondo obstáculos a liberdade de contratação. O individualismo contratual dá lugar ao dirigismo contratual, à intervenção jurídica do Estado, limitando a autonomia da vontade. O Estado passou a buscar um equilíbrio entre os sujeitos do contrato, deixando de ser mero espectador do drama social para impor regras conformadoras da vontade dos contratantes. Protege economicamente o mais fraco para compensar a desigualdade econômica, para que a relação se torne mais igualitária. O Direito do Trabalho vem para igualar juridicamente a diferença econômica.
Aos poucos, o Estado começa a exercer a sua verdadeira missão, para a qual foi constituído, conforme está previsto desde a sua concepção, que é buscar o bem coletivo, satisfazer a maioria e não uma minoria burguesa que já tem uma situação favorável frente aos menos abastados. Nesse sentido Fábio Ferraz[8] comenta:
“O intervencionismo vem para realizar o bem-estar social e melhorar as condições de trabalho. O trabalhador passa a ser protegido jurídica e economicamente. A lei começa a estabelecer normas mínimas sobre condições de trabalho, que o empregador deve respeitar.
Assim, passa o Estado a exercer sua verdadeira missão, como órgão de equilíbrio, como orientador da ação individual, em benefício do interesse coletivo.”
Primeiramente, em 1802, se tem a criação da Lei de Peel, por um industrial inglês, que se viu sensibilizado com as precárias condições de trabalho dos menores em suas fábricas. Passou a adotar várias práticas humanitárias em seus estabelecimentos fabris, com o propósito de diminuir a exploração da mão de obra de menores, proibindo o trabalho noturno e diminuindo a jornada diurna. Peel lançava os fundamentos de um direito novo, mais humano.
Nascimento, fala diretamente sobre os principais motivos da normatização do trabalho na Europa:
“As primeiras leis trabalhistas na Europa foram motivadas pela necessidade de coibir os abusos perpetrados contra o proletariado e, mais diretamente, a exploração do trabalho dos menores e das mulheres. A falta de leis permitiu a utilização de menores de 8, 7 e até 6 anos de idade nas fábricas e jornadas de trabalho excessivas para as mulheres. Desse modo, surgiram leis sobre idade mínima para trabalho na indústria e duração diária do trabalho. Leis de previdência e assistência social também foram elaboradas iniciando a área do direito social hoje denominada seguridade ou segurança social, abrangendo previdência e assistência social”. (1996, p. 45)
Alguns anos após a lei de Peel, é publicado o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, já citado anteriormente. Esta obra despertou a consciência de classes, a conscientização dos trabalhadores. Estes passaram a perceber que seu trabalho agrega valor a mercadoria, logo passaram a reivindicar, resistir. O Manifesto serviu de base para a resistência, para a luta operária.
Após o Manifesto ainda temos a Encíclica Rerum Novarum, também já citada anteriormente. Surpreendentemente, a Igreja, que sempre esteve a favor dos nobres, surge com um discurso a favor dos trabalhadores. Tal iniciativa fortalece ainda mais a idéia de uma regulamentação do trabalho, tendo em vista a influência da Igreja no mundo.
Em 1919, com a assinatura do Tratado de Versailles, cada país signatário se comprometeu a criar normas em sua legislação interna reguladoras do Direito do Trabalho, seguindo métodos e princípios. O Tratado deu ênfase à questão social, convencendo seus signatários a regulamentar a questão. Criou a OIT, com o objetivo de lutar por condições dignas de trabalho no âmbito internacional, expedindo convenções e recomendações nesse sentido. Significou a humanização das condições de trabalho, auxiliando na busca pela paz social. O tratado foi um sopro estimulante em matéria de legislação trabalhista. Ele cristaliza o novo espírito, que contribuiu para o aceleramento do processo de regulamentação do trabalho.
O Direito do Trabalho tornou-se disciplina autônoma e foi se aperfeiçoando. A partir do Tratado começaram a surgir em muitos países legislações trabalhistas.
No Brasil, podemos dizer que duas situações deram origem a História do Direito do Trabalho, primeiramente na abolição da escravatura, em função da proibição do uso da mão de obra escrava, que já foi uma forma de regulamentação e na imigração de trabalhadores europeus, esses por sua vez com tradição sindicalista, que passaram a reivindicar medidas de proteção legal.
A política trabalhista brasileira começa a surgir com Getúlio Vargas em 1930, quando foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que passou a expedir decretos, a partir de então, sobre as profissões, sobre o trabalho das mulheres em 1932, sobre o salário mínimo em 1936, sobre a Justiça do Trabalho em 1939, etc.
A primeira Constituição a tratar de Direito do Trabalho foi a de 1934, garantindo a liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas (art. 121).[9]
Cabe chamarmos a atenção no tocante a Proteção ao Trabalhador, posto que a Legislação Trabalhista e a Justiça do Trabalho surgiram, no Brasil, como conseqüência de longo processo que se desenrolava no exterior, sob forte influência dos princípios de proteção aos trabalhadores expostos pelo Papa Leão XIII em sua encíclica Rerum Novarum, de 1891, já comentada anteriormente.
No Brasil, as primeiras normas regulamentadoras do direito do trabalho começaram a surgir antes da virada do século passado, como é o caso do Decreto nº 1.313, de 1891, que regulamentou o trabalho dos menores de 12 a 18 anos. Em 1907, uma lei tratou da sindicalização rural. Em 1917 foi criado o Departamento Nacional do Trabalho como órgão fiscalizador e informativo.
A partir de então, a legislação trabalhista foi tomando força em regramentos variados dentro do território brasileiro. Foram criados tribunais, varias leis regulamentando situações específicas. Na Constituição Federal de 1934 se dá pela primeira vez a designação de Justiça do Trabalho. Fábio Ferraz[10] retrata essa evolução anterior à Consolidação das Leis do Trabalho em seu texto:
“Em 1922, foi criado órgão especializado em resolver divergências nas relações de trabalho. A lei estadual nº 1.869, de 10/10/22, criou, em cada comarca de São Paulo, um Tribunal Rural para conhecer e julgar as questões, até o valor de quinhentos mil réis, decorrentes da interpretação e execução dos contratos de locação de serviços agrícolas.
O Tribunal compunha-se do Juiz de Direito da comarca onde estivesse situada a propriedade agrícola e de dois outros membros designados um pelo locador e outro pelo locatário. O interessado que levasse a questão ao Tribunal já indicava um dos membros. O juiz pedia a outra parte que fizesse igual indicação. Se os membros chegassem a acordo, o juiz o homologava. Se não, ele próprio decidia a questão.”
Com todo esse movimento acontecendo no cenário brasileiro, era questão de tempo que surgissem órgãos trabalhistas hoje conhecidos, como o Ministério do Trabalho, o Conselho Nacional do Trabalho e a Justiça do Trabalho, o que acabou realmente ocorrendo. Mais uma vez Ferraz[11] retrata todo esse cenário efervescente da época:
“A partir da Revolução de 1930, acelerou-se esse processo, iniciando-se então o que o ministro Mozart Victor Russomano classifica de fase contemporânea do Direito do Trabalho no Brasil. Naquele mesmo ano criou-se o Ministério do Trabalho. O Conselho Nacional do Trabalho, de 1923, passou, em 1931, a ter competência para opinar em matéria contenciosa e consultiva e, em 1934, para julgar. Começava a nascer a atual Justiça do Trabalho, mas como órgão administrativo, vinculado ao Ministério do Trabalho, cujo titular podia reformar as suas decisões.
A designação de Justiça do Trabalho surge pela primeira vez na Constituição de 1934 (“primeira Constituição social-democrática do País”, nas palavras do primeiro presidente do TST, ministro Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes), tendo sido mantida na Carta de 1937. Ela só foi criada, porém, no dia 1 de maio de 1939 e instalada dois anos depois, no dia 10 de maio de 1941. Estava dividida em três instâncias – Juntas de Conciliação, Conselhos Regionais e Conselho Nacional do Trabalho – e ainda tinha caráter administrativo.
A Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937 é decorrente do golpe de Getúlio Vargas. Era uma Constituição corporativista, inspirada na Carta dei Lavoro, de 1927, e na Constituição polonesa.
O artigo 140 da referida Carta era claro no sentido de que a economia era organizada em corporações, sendo consideradas órgãos do Estado, exercendo função delegada de poder público. Instituiu o sindicato único, imposto por lei, vinculado ao Estado, exercendo funções delegadas de poder público, podendo haver intervenção estatal direta nas suas atribuições. Foi criado o imposto sindical, sendo que o Estado participava do produto da sua arrecadação. Estabeleceu-se a competência normativa dos tribunais do trabalho, que tinham por objetivo principal evitar o entendimento direto entre trabalhadores e empregadores. A greve e o “lockout” foram considerados recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os interesses da produção nacional (art. 139)”.
Fica claro em uma analisa que o governo foi cada vez mais cedendo às pressões dos operários e concedendo benefícios a esta classe, porém era muito esparsa a legislação trabalhista da época.
De qualquer forma, a Legislação Trabalhista Brasileira, lançada em 1936, no Estado Novo aí está, como um enorme e imponente edifício, antes, ao ser lançada, sem o acabamento necessário, mas hoje, aperfeiçoada.
Com a Constituição de 1946, a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário, como órgão especializado, assim como o são a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar.
Em 10 de maio de 1943, através do Decreto-Lei nº 5.452, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pelo fato de haver várias normas trabalhistas esparsas, tornando-se necessária sua sistematização, por sua vez, a CLT não é um código, pois não traz um conjunto de regras novas, mas apenas a reunião das normas já existentes de forma sistematizada.
Podemos considerar que a Consolidação das Leis do Trabalho reúne e ordena sistematicamente todas as leis reguladoras do trabalho, assistência social e respectivos aparelhos.
Naquela ocasião, verificava-se que, por falta de divulgação, as leis trabalhistas eram desconhecidas, em sua grande parte, por muitos colegas de lutas forenses.
O Brasil passou a possuir uma legislação trabalhista das mais adiantadas e, em certas instituições, tornou-se verdadeiro pioneiro das inovações sociais. A CLT, buscando abranger o maior número de situações possíveis, de maneira a proteger o trabalhador de todas práticas que ocorriam à época, estava dividida em quatro partes principais, um título preliminar e um apêndice, assim descritas por Fábio Ferraz[12]:
“No titulo preliminar, foram transcritos alguns artigos da Constituição Federal pertinentes às questões do trabalho e cujo conhecimento era indispensável para a boa interpretação das leis trabalhistas.
Na primeira parte: “Contratos de Trabalho, Conflitos e órgãos Julgadores” teve primazia a Lei de Sindicalização, base de toda a legislação trabalhista, por consequência surgiu a lei que instituiu as “Carteiras Profissionais”, complemento da Lei de Sindicalização. Seguem a “Convenção Coletiva”: a Lei que regula a estabilidade dos empregados; as Leis sobre “Nacionalização”; “Juntas de Conciliação e Julgamento”; “Comissões Mistas de Conciliação” e “Conselho Nacional do Trabalho”.
Naquela ocasião o Conselho, pela sua organização tinha diversas funções: julgava os conflitos de trabalho, fiscalizava as Caixas de Aposentadoria e Pensões e Institutos Congêneres e é órgão administrativo propriamente dito, de modo que o desdobramento do Decreto nº 24.784, nessas subdivisões, era matéria muito complexa, pelo que a sua reprodução na parte referente à Organização administrativa”, era uma necessidade evidente.
A segunda parte: “Condições de trabalho” – (duração, repouso e segurança) era constituída pela lei geral reguladora do trabalho no comércio, suas modificações e as leis especializadas em referência às barbearias, farmácias, casa de diversão, casa de penhores, bancos e casas bancárias, armazéns e trapiches, hotéis e pensões e transportes terrestres; a lei reguladora do trabalho na industria e as leis especiais sobre padarias, frigoríficos, telegrafia e radio telegrafia e ferroviários, lei que regulava a profissão de leiloeiros; as leis reguladoras das profissões liberais; agrônomos, engenheiros, arquitetos e agrimensores, químicos, e do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura; lei reguladora do trabalho de mulheres e menores; acidente de trabalho e salário mínimo. A lei de seguro contra acidente no trabalho foi incluída na parte referente à Previdência e Assistência Social, visto ser, como é uma lei previdenciária.
Terceira parte: “Previdência e Assistência Social” – era assim formada: lei geral de Caixa de Aposentadoria e Pensões e suas modificações; leis reguladoras dos diversos serviços peculiares às referidas Caixas, leis especiais que regulam as Caixas de Aposentadorias e Pensões da Imprensa Nacional, Trapiches e Armazéns de Café, dos Estivadores; leis especiais referentes aos Institutos dos Marítimos, Comerciários e Bancários e lei sobre Seguro de Acidente de Trabalho.
A quarta parte: “Organizações Administrativas” continham os regulamentos do Conselho Nacional do Trabalho, Departamento Nacional do Trabalho, Inspetorias Regionais, Delegacias do Trabalho Marítimo e a lei relativa á Fiscalização das leis trabalhistas.”
A CLT se ocupou de regulamentar todas as questões possíveis em relação ao trabalho, ao menos as existentes à época. Falou de questões contratuais, situações coletivas do trabalho, das condições de trabalho, como duração repouso e segurança, além da previdência e assistência social, entre algumas outras situações pontuais. Por esse motivo, a Consolidação das Leis Trabalhistas ocorrida no Brasil foi considerada uma das mais completas e modernas do mundo na época em que foi instituída.
Fábio Ferraz[13] ainda faz interessantes comentários no que tange aos conceitos de trabalho, primeiramente sob um sentido técnico, após no conceito de economia pública:
“O “Trabalho” é, no sentido técnico geral, o desenvolvimento de energia, a transformação de uma forma de utilidade em outra; no sentido restrito, trabalho é o esforço desenvolvido por um homem com a finalidade de produção.
No conceito de economia pública, trabalho é a atividade produtiva que vai associada ao emprego de determinada quantidade de energia; na economia comercial representa a forma de atividade lucrativa.
Quando essa atividade tem lugar em benefício de terceiro, ou para exploração de uma empresa, e mediante uma remuneração, há, então, a relação de trabalho.
Para os vernaculistas, examinada como contrato, essa relação é a “convenção ou acordo pelo qual uma ou mais pessoas se obrigam a dar, a fazer, ou a não fazer, alguma coisa.” (Aulette), é o acordo em que uma ou mais pessoas transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação“. (Cândido Figueiredo).
“Para Griolet e Vergé, em seu dicionário jurídico, é a “convenção ou acordo de duas ou mais pessoas em torno de um interesse jurídico, dando nascimento a uma ou mais obrigações.”
Ainda Ferraz[14], sempre citando renomados autores, continua comentando conceitos, agora sob uma visão de juristas e vernaculistas:
“Os juristas, o definem, como Clovis, como “acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”. Para Dyonisio Gama é o “ato jurídico, em virtude do qual duas ou mais pessoas se obrigam, por consentimento recíproco, a dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Jorge Giorgi o declara como “figura jurídica destinada a criar uma obrigação.”, e Carvalho de Mendonça o entende como a fonte mais fecunda, mais comum e mais natural dos direitos de crédito.”
Se assim entende vernaculistas e juristas o contrato, sob um aspecto geral, ou melhor, sob seu aspecto no direito privado, em face do Direito Trabalhista ele tem que ser considerado de maneira especial, porque é, como bem afirma Gaete o “contrato do qual depende a subsistência de 99% dos homens, para não dizer de 100%”.
Desprezado a ponto de não merecer uma distinção especial entre os individualistas, o contrato de trabalho tinha essa posição, – ou melhor dizendo, bem tinha posição -, porque o velho direito vinha fundamentado nos princípios do direito romano, quando o trabalho era obrigação dos escravos, era apenas “coisa”, pelo que se assimilava á locação de coisas ou à compra e venda.”
1.2 A Organização Sindical como primeira mediação entre o capital e o trabalho
Outra situação muito importante é o Direito Coletivo do Trabalho, que pressupõe uma relação coletiva de trabalho, na qual os sujeitos figuram em função de um grupo social. Os interesses que estão em jogo são os de um grupo, deixando um pouco de lado aspirações individuais.
Temos como instituições do direito coletivo do trabalho a liberdade de coalizão, a associação profissional, a convenção coletiva e os dissídios coletivos de trabalho.
A liberdade de coalizão é tida como um dos fundamentos do direito coletivo do trabalho, pois é a maneira de o trabalhador se insurgir contra seus comandantes. Foi proibida por muito tempo no Mundo todo, mas ainda no Século XIX foi sendo criada uma idéia de permitir essas manifestações em países como Alemanha, França e Inglaterra.
A associação profissional é a organização permanente de empregados, ou empregadores, em defesa dos interesses de suas respectivas categorias.
A convenção coletiva, como o nome sugere, ocorre quando os trabalhadores de uma mesma classe estabelecem normas sobre condições e serem seguidas no trabalho deles mesmos. Muito similar à convenção coletiva temos a figura do acordo coletivo que se difere daquela basicamente no que se refere aos sujeitos envolvidos, enquanto que o acordo coletivo é feito entre uma ou mais empresas e o sindicato de uma categoria profissional, a convenção se dá entre o sindicato da categoria profissional e o sindicato da categoria econômica.
Dissídios coletivos nada mais são que o reconhecimento por parte do direito de que os conflitos entre interesses abstratos, de grupos, podem ser, processualmente, resolvidos.
No Brasil, como na Europa, houve uma forte luta sindical, passando por várias fases, tais como a pluralidade sindical da Constituição de 1934 que nunca foi regulamentada e, portanto, caiu no vazio.
Com o golpe de 1937, partiu-se para o sindicato único, sendo permitida a intervenção estatal nos sindicatos, a greve era proibida, tida como crime. Já nas Constituições de 1946 e 1969, o direito de greve foi reconhecido, porém na prática era um pouco diferente, pois seu exercício foi disciplinado ao máximo.
Com o advento da Constituição de 1988, passou-se de um regime de grande interferência estatal para um sistema que consagra a autonomia das entidades sindicais, sem entretanto adotar a liberdade sindical.
O artigo 8º da Constituição de 1988 prevê:
“art. 8º – É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente a contribuição prevista em lei;
V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
VII – o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo e direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um no após o final do mandato,salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único: As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.”
O caput do artigo mencionado deixa nítida impressão de que seria assegurada a liberdade sindical. Porém, em seus incisos, condiciona o exercício do direito, contrariando a idéia de liberdade sindical.
2 FLEXIBILIZAÇÃO
Já faz algum tempo que se fala na idéia de se flexibilizar as leis trabalhistas, porém, é nos últimos 15 ou 20 anos que essa idéia foi tomando força. Com a crise econômica da década de 80, resultado da crise do petróleo, a necessidade de se estabelecer novas maneiras de manter a relação de emprego ou criar novos mercados consumidores para, dessa forma, aumentar a demanda formando novas fontes mercantis para a superação da crise era extremamente necessária.
Assim, com o advento da globalização dos meios econômicos e sociais e aparecimento das organizações mundiais de proteção aos lados antagônicos da realidade laboral – empregado e empregador – (Organização Mundial do Comércio, Organização Internacional do Trabalho, Organização das Nações Unidas, etc.) e também com o surgimento dos tratados internacionais de proteção à vida e à dignidade humana, aos direitos sociais dentre outros (como os direitos humanos, etc.), e ainda com o intuito de amenizar as mazelas causadas pelas crises de 29 e do petróleo é que as normas que regram o Direito do Trabalho passam por uma série de transformações com o intento de torná-las eminentemente eficaz, tratando dos novos modelos de organização laboral e das novas formas contratuais das demandas sociais e trabalhistas. Amauri Mascaro Nascimento destaca em sua obra a desatualização da Consolidação das Leis do Trabalho, em relação à realidade atual:
“Ressalte-se a importância da CLT na história do direito do trabalho brasileiro pela influência que exerceu e pela técnica que revelou. Porém, com o tempo, cada vez mais mostraram-se desatualizadas as suas normas para corresponder às novas idéias, diferentes dos princípios corporativistas que a informaram, especialmente os seus dispositivos sobre organização sindical. A CLT, embora um marco em nosso ordenamento jurídico, tornou-se obsoleta. Surgiu a necessidade de modernização das leis trabalhistas, especialmente para promover as normas sobre direito coletivo, dentre as quais as de organização sindical, negociação coletiva, greve e representação dos trabalhadores na empresa, setores que a CLT não valorizou”.(1996, p. 50)
Vivendo em um ambiente altamente turbulento e onde as transformações acontecem de maneira cada vez mais rápida, a flexibilização da Consolidação das Leis Trabalhistas surge como uma maneira de minimizar a crise causada pelas mudanças econômicas, políticas e culturais que provocou uma reestruturação nas organizações e aumentou o nível de desemprego no país.
Em linhas gerais, os pontos defendidos pelos especialistas giram em torno de um mesmo tema, a desburocratização do mercado de trabalho como forma de combater o desemprego e, principalmente, tentar reverter a trajetória crescente de informalidade. Falta flexibilidade a legislação atual, o que inviabiliza novos investimentos e contratações. As empresas têm dificuldade de se adequar às mutações do mercado, diante de uma legislação trabalhista que impões uma série de condições.
É consenso entre os defensores da flexibilização que as leis e negociações coletivas muito abrangentes, em nível de indústrias ou setores, que estabelecem regras horizontais válidas para todas as empresas de todos os setores, reduzem a agilidade das empresas e, por vezes, impõem custos que, se suportáveis para algumas, são severamente restritivos para muitas outras.
Essa falta de flexibilidade já tem início logo na assinatura do contrato, a legislação trabalhista brasileira é muito intrincada. Diferentemente do que ocorre na maioria dos países, no Brasil é direito do trabalhador, além do salário recebido mensalmente pelos serviços prestados, uma série de benefícios, como décimo terceiro salário, férias remuneradas, ajuda em dinheiro para transporte, alimentação e plano de saúde, entre outros. Além disso, o funcionário tem direito a uma quantia extra, paga pelo governo em caso de demissão sem justa causa.
Não obstante à isso, o empregador ainda é obrigado a recolher mensalmente uma quantia que forma o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Trata-se de um dinheiro extra a que o empregado tem direito a receber ao sair da empresa ou pode retirá-lo ainda em outra situações previstas em lei, tais como para compra de imóvel e situações de doenças graves – quanto mais tempo de trabalho, mais dinheiro tem a receber. Alguns economistas brasileiros defendem que um trabalhador custa três vezes mais para uma empresa do que o valor registrado na carteira de trabalho – o documento oficial de um contrato trabalhista no Brasil. Alguns deles, como José Pastore, falam em um aumento de encargos que superaria os 100%. E nesse bolo não constam as obrigações contratuais básicas que a empresa deve fornecer (os já citados décimo terceiro salário, férias, transporte e alimentação).
Há muitos problemas também no que tange aos impostos pagos pelo contratante, como o INSS (Imposto Nacional de Serviço Social) e outras contribuições sociais, que são muito onerosas. Sabe-se que no outro pólo da relação também há problemas, embora a maioria dos especialistas entendam que a legislação brasileira é completamente pró-trabalhador. Um dos exemplos é o desconto do Imposto de Renda direto na fonte, que chega a 27,5% em boa parte dos casos.
Concordando com a necessidade de se flexibilizar a CLT, Rodrigo Ramos Carnieli[15], acadêmico de direito, que fez um interessante apanhado de importantes autores trabalhistas diz:
“Por isso, hoje, a discussão a respeito da flexibilização das normas laborais é cada vez mais freqüente e importante, já que a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), promulgada na década de 40, já não satisfaz totalmente as necessidades sociais e práticas dos conflitos existentes entre empregado e empregador.”
2.1 Conceitos
Etimologicamente, a palavra flexibilização é um neologismo, não sendo encontrada em dicionários. Neles, são encontradas apenas as palavras flexibilidade, do latim flexibilitate, significando a qualidade de ser flexível, e ainda elasticidade, destreza, agilidade, flexão, flexura, facilidade de ser manejado, maleabilidade, bem como a palavra flexibilizar, definido como o ato de tornar flexível.
O termo em questão não pertence ao vocabulário mais tradicional da língua portuguesa, porém vem se incorporando com o passar do tempo a fala de mais e mais pessoas. A flexibilização parece ser termo que se refere a uma mudança de paradigmas no mundo do trabalho, porém sem que haja quebra. A palavra leva a entender que algo será modificado, mas que essa não ocorrerá de forma extremamente profunda, pois não provoca a troca de um padrão por outro, visa apenas um aprimoramento da situação atual.
O verbo flexibilizar, utilizado em seu sentido genérico tem como significado tornar flexível, que por sua vez, é algo que se pode dobrar ou curvar, maleável, dócil, complacente, submisso. Ao pretender flexibilizar as normas trabalhistas, busca-se possibilitar que os direitos por ela trazidos sejam “dobráveis”, “moldáveis” aos interesses das partes. Sergio Pinto Martins expõe em uma de suas obras excelente conceito de flexibilização das normas trabalhistas:
“a flexibilização do direito do trabalho vem a ser um conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho.” (1997, p. 25)
O Direito do Trabalho nasceu em uma época de prosperidade econômica, caracterizada por certa estabilidade nas relações jurídicas. Para tanto a intervenção do Estado serviu como meio para a elaboração um regulamento detalhado das condições de trabalho, a fim de forçar as partes a buscarem a solução de seus conflitos.
Rodrigo Ramos Carnieli[16] retrata a necessidade de novas formas de contratos trabalhistas, de maneira a se adaptar as novas realidades de mercado, em um mundo cada vez mais competitivo e globalizado:
“Assim, dessa intervenção estatal surgiu uma nova modalidade, ou melhor, uma nova forma de tratar e pensar o direito dos trabalhadores e a relação casuística existente que emana das relações de trabalho, o Direito do Trabalho.
No entanto, com as crises sociais decorrentes de problemas econômicos mundiais e a adaptação das relações de trabalho à nova realidade econômica existente nesse “admirável mundo novo” é que se fez (ou foi obrigado a sê-lo) necessário uma nova regulamentação das leis trabalhistas de forma a adaptá-las aos novos moldes sócio-econômicos decorrentes dessa transformação social.
Nesse contexto, surgem então novas formas de contratos trabalhistas, como os contratos temporários, aprendizagem, estágio, empresas terceirizadas, dentre várias outras formas de manutenção das modalidades trabalhistas com o intento de dirimir os conflitos resultantes das crises sociais e econômicas mundiais.”
Percebe-se claramente nas palavras acima citadas que muitos autores já falam da necessidade de regulamentação de novas formas de contratos trabalhistas, como os temporários, aprendizagem, estágios, terceirização, entre outros.
No que tange a utilização da mão-de-obra dos operários, a flexibilização tem como principal objetivo aproximar os interesses do empregado dos empregadores, aumentando a oferta de empregos no mercado.
Trata-se de um processo de quebra da rigidez das normas, tendo por objetivo, segundo seus defensores, conciliar a fonte autônoma com a fonte heterônoma do direito do trabalho, preservando, com isso, a saúde da empresa e a continuidade do emprego.[17]
Para os estudiosos, o direito do trabalho passa por três fases diferentes, a conquista, a promoção e a adaptação a realidade atual. Muitos consideram que a realidade da norma brasileira já está na terceira fase, quando já se torna nociva em uma sociedade em crise e em desemprego.
É preciso advertir, que flexibilização não se confunde com desregulamentação. Nesta, o Estado se omite tanto quanto possível, a fim de que as condições de emprego sejam ditadas, preponderantemente, pela autonomia privada, segundo as leis do mercado; na flexibilização, o Estado impõe algumas normas de ordem pública, admitindo, em relação a diversas regras gerais, sua adaptação ou complementação pela autonomia privada, especialmente por meio da negociação coletiva.
2.2 Discursos sobre a Flexibilização
Atualmente, existem vários discursos sobre a flexibilização, porém, já na década de 40, o austríaco Friedrich August Von Hayek, ainda que não com o nome flexibilização, defendeu em seu livro chamado O Caminho da Servidão a concorrência, que os governos deviam priorizar o individualismo. Hayek descreve o individualismo como:
“Por enquanto podemos dizer que o individualismo, que a partir de elementos fornecidos pelo cristianismo e pela filosofia da antiguidade clássica pôde desenvolver-se pela primeira vez em sua forma plena durante a Renascença e desde então evoluiu e penetrou na chamada civilização ocidental, tem como características essenciais o respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e a convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes e inclinações pessoais.” (1992, p. 42)
É fato que se vivia em um mundo em final de guerra, onde os direitos humanos estavam sendo difundidos muito intensamente. Porém, já se percebia uma tendência a favor do liberalismo, onde as leis de mercado ditariam os caminhos a serem seguidos.
Tal liberalismo favorece o desenvolvimento, da chance ao homem pensar e chegar a próprias conclusões, incentivando o homem a descobrir inovações tecnológicas e outras maneiras de sobreviver no mercado.
Ainda não se falava em flexibilização das normas trabalhistas, até porque tais regramentos nem tinham surgido em grande parte dos países. Mas já era uma reação dos capitalistas, frente a um modelo de economia planificada, cada vez mais presente no leste europeu. Já era uma maneira de insurgência a um modelo de economia engessada, onde o governo dita o que pode ser feito, proibindo a iniciativa do particular.
A partir da década de 70 temos o surgimento do Neoliberalismo, que teve como um de seus principais idealizadores Milton Friedman. Esse movimento foi uma reafirmação dos ideais defendidos por Hayek, como por exemplo, a pouca intervenção do governo no mercado de trabalho, diminuição ou até extinção de tributos e a diminuição do tamanho do Estado, visando torná-lo mais eficiente.
O termo flexibilização, quanto às Leis Trabalhistas ainda era pouco utilizado, mas as idéias defendidas atualmente pelos autores pro flexibilização já eram largamente reivindicadas pela grande maioria dos setores empresariais, especialmente no que tange a uma menor participação do Estado na economia e a redução da carga tributária.
Já nos anos 90, o professor brasileiro José Pastore[18] usou várias vezes o termo flexibilização, entendo que seria uma boa solução para as dificuldades vividas por empregados e empregadores brasileiros. O conhecido professor, já em 1996, em um artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, falava da tão discutida informalidade de empregos, devido aos altos custos trabalhistas:
“O excesso de rigidez da Constituição, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e Justiça do Trabalho está provocando uma reação selvagem por parte do mercado. Mais de 55% da nossa força de trabalho já está à margem da lei, sem nenhuma proteção lembrando-se que, nesse caso, o Estado nada arrecada, ficando apenas com ônus de socorrer essas pessoas na doença e na velhice. A “flexibilização selvagem” é o resultado da combinação de pouco investimento com muita rigidez.
O grande problema do Brasil, portanto, é transferir uma parte dessa mão-de-obra desprotegida para o mercado formal. Mas, para se fazer essa travessia, a lei atual “cobra” um pedágio de 102%, o que inviabiliza a viagem. O grande problema dos 102% de encargos sociais é que eles são todos compulsórios e inegociáveis. Isso torna o nosso sistema de relações de trabalho muito rígido e dificulta a entrada no mercado formal. Trata-se de um quadro legal que não admite meio-termo.”
Percebe-se nas palavras de Pastore o impacto que a rigidez das normas trabalhistas tem no mercado de trabalho. Faz com que mais da metade dos postos de trabalho sejam informais, fato que se deve em boa parte ao custo de 102% sobre a folha de um empregado.
Pastore, contrariamente à Hayek e Friedman, não prega a completa liberdade antes defendida, até porque vive em um momento histórico diferente. Entende que o Estado deve intervir para garantir condições dignas para os trabalhadores. Porém, defende que o Estado permita uma maior aproximação entre trabalhadores e empresários, visando melhores condições para ambos, o que resultaria em um crescimento como um todo.
2.3 A Constitucionalidade da Flexibilização
A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, foi econômica no que tange a distribuição de direitos, não se preocupando muito com a adequação das normas à realidade econômico-social, ao estatuir, apenas nos incisos VI, VIII e XIV, que, respectivamente, a redução de salários, a redução e compensação de jornada de trabalho e a prorrogação da jornada máxima de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento processem-se mediante acordo ou convenção coletiva.
Doutrinariamente, no sistema jurídico-positivo brasileiro têm-se estabelecido limites legais e constitucionais ao poder de modificação do arcabouço normativo trabalhista, diferenciando-se as posições e idéias no que tange ao maior ou menor grau de limitação ao poder de reforma.
Os direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Brasileira são, por Alexandre de Moraes, normas de ordem pública, com a característica de imperativas, invioláveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista. Moraes conclui citando Arnaldo Süssekind,
“essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho, uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal; mas sem violar as respectivas normas. Daí decorre o princípio da irrenunciabilidade, atinente ao trabalhador, que é intenso na formação e no curso da relação de emprego e que se não confunde com a transação, quando há res dubia ou res litigiosa no momento ou após a cessação do contrato de trabalho.” (apud Moraes, 1999, p. 186)
Portanto, às normas trabalhistas elencadas no artigo 7º da Constituição foi dado o mesmo “peso” dos direitos individuais conferidos aos cidadãos. A inserção dessas normas no título Dos Direitos e Garantias Fundamentais fez com que adquirissem o status de direitos fundamentais.
È passível de registro, ainda, que os direitos sociais enumerados no referido artigo da Carta Constitucional constituem rol exemplificativo, não esgotando os direitos fundamentais constitucionais dos trabalhadores, que encontram-se previstos também de forma difusa pelo próprio texto constitucional.
É consenso de quase todos doutrinadores trabalhistas no Brasil de que não se poderá flexibilizar direitos mínimos assegurados na Constituição Federal, salvo se permitido na própria Carta Magna, conforme previsão expressa nos incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º. Nos referidos incisos, há previsão de redução de salário em caso de convenção ou acordo coletivo, compensação de horários e redução de jornada também em caso de convenção ou acordos coletivos, bem como jornada de seis horas em caso de trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo, novamente, convenção coletiva.
Cabe salientar que a Constituição determina a impossibilidade de redução de salários e não da remuneração. Conforme previsão do art. 457 da CLT a remuneração é composta de salário mais gorjeta, sendo o salário tudo aquilo que é pago diretamente pelo empregador ao empregado e gorjeta tudo aquilo que é pago ao empregado pelo cliente. Assim, não há nenhum óbice à redução das gorjetas, que não é salário. Já o que for proveniente do empregador, que é salário, não poderá ser reduzido, salvo por negociação coletiva.
Há entendimento na doutrina que não é admitida a flexibilização de normas de higiene e segurança do trabalho, pois são fundamentais à saúde do trabalhador.
Outro ponto que cabe frisar é a situação dos acordos derrogatórios, os mesmos devem observar o direito adquirido, em razão do disposto no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Pátria.
Ainda quanto aos obstáculos constitucionais à flexibilização, temos o inciso VI do artigo 8º da Lei Maior, que prevê a presença obrigatória do sindicato nas negociações coletivas. A interpretação se dá, entretanto, no sentido de que a exigência de participação é do sindicato da categoria dos trabalhadores, pois nos acordos coletivos só participam o sindicato da categoria profissional e uma ou mais empresas.
2.4 A Polêmica Sobre o Artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho
Em outubro de 2001 foi encaminhado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5483/2001, que altera o disposto no artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho. O referido dispositivo esta disposto, atualmente, assim:
“Art. 618. As empresas e instituições que não estiverem incluídas no enquadramento sindical a que se refere o art. 577 desta Consolidação poderão celebrar Acordos Coletivos de Trabalho com os Sindicatos representativos dos respectivos empregados, nos termos deste Título.”
O Projeto de Lei entrou na Câmara dos Deputados propondo a seguinte redação:
“Art. 618. As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho.”
Porém, o projeto foi aprovado com algumas mudanças em sua redação, chegando ao Senado da seguinte forma:
“Art. 618. Na ausência de convenção ou acordo coletivo firmados por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho.
§1º A convenção ou acordo coletivo, respeitados os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, não podem contrariar lei complementar, as Leis nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e nº 7.418, de 16 de dezembro de 1995, a legislação tributária, a previdenciária e relativa ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço- FGTS, bem como as normas de segurança no trabalho.
§2º Os sindicatos poderão solicitar o apoio e o acompanhamento da central sindical, da confederação ou federação a que estiverem filiados quando da negociação de convenção ou acordo coletivo previstos no presente artigo.”
As discussões sobre o artigo em tela têm sido muito acaloradas na ultima década, tendo em vista a importância da matéria que o mesmo trata. Fica claro que o projeto traz uma revolução para o direito do trabalho brasileiro, visto que inverte a hierarquia das normas, ou seja, faz com que o acordo coletivo se sobreponha às leis, ressalvadas as garantias constitucionais.
Destarte, já se percebe a intenção do legislador, neste caso, que é dar maior flexibilidade aos contratos de trabalho, permitindo às partes integrantes destas relações jurídicas, transigirem acerca dos deveres e direitos a serem observados.
Partindo-se do princípio de a convenção ou acordo coletivo ser superior à lei, poderá se relativizar várias garantias estabelecidas, ficando-se a mercê do poder de barganha do sindicato ou da classe em questão no caso concreto. É sabido que no Brasil poucos sindicatos profissionais possuem grande poder de discussão junto aos respectivos sindicatos patronais. Por esse motivo, se tornaria difícil manter suas garantias frente às propostas dos patrões, e , principalmente, à constante ameaça do desemprego.
Um exemplo do quão temerário é esse projeto, apenas a título de ilustração, é que, se aprovado o projeto em questão, empregados e empregadores, por meio de uma negociação coletiva, poderão estabelecer o período de duração das férias. Haja vista que o artigo 7º da Constituição, em seu inciso XVII, apenas garante o gozo deste direito:
“Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […]
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal;”
É necessário muito cuidado para a flexibilização, pois a partir do momento em que se permite uma relativização de direitos, é trilhado um caminho onde se torna muito fácil o não cumprimento do que está previsto em lei. Corre-se o risco de que esse caminho leve a uma nova realidade ainda pior do que se vive atualmente: uma desregulamentação do direito do trabalho, ou seja, uma revogação das normas de proteção ao trabalhados, deixando a cargo dos sindicatos e entidades representativas de classe a negociação e disponibilidade dos direitos, conquistados a duras batalhas.
Portanto fica evidente o exagero na redação proposta para o artigo 618, pois, se aprovado, permitiria que se agisse com negligência em vários direitos fundamentais aos trabalhadores.
A flexibilização das leis do trabalho, tendo em vista apenas as leis de mercado, não cabe de forma alguma. Não se pode esquecer a escravidão, ou do trabalho infantil, entre outras condições desumanas de emprego. Porém, não se pode acreditar que a flexibilização seja a saída pra todos os problemas trabalhistas existentes.
Existem muitos problemas que seriam resolvidos caso o poder público fosse mais ativo na sua fiscalização. Isso significaria a intervenção do Estado nas relações de trabalho, e não há dúvida de que ela deve existir. Uma intervenção humanista, visando garantir as condições mínimas para o trabalhador.
Porém, existem muitas situações que poderiam ser flexibilizadas, de maneira a diminuir o desemprego e a informalidade, tão presentes nos dias atuais. Muito se discute acerca de mudanças nas jornadas de trabalho, buscando uma melhor adequação das mesmas conforme o caso concreto, se adequando também as oscilações de mercado, respeitando um limite legal estabelecido em lei. Outra situação muito discutida é o alto custo trabalhista no Brasil, onde muitas vezes um trabalhador custa mais em encargos suportados pelo seu empregador do que pelos salários que recebe.
3 ALTERNATIVAS AO MUNDO DO TRABALHO QUE PODEM BENEFICAR O TRABALHADOR VIA MELHORIA DA COMPETITIVIDADE ENTRE EMPREGADORES
Muitas mudanças podem ocorrer visando melhorar as relações trabalhistas. Com contratos trabalhistas mais flexíveis, tende-se a aumentar a proximidade entre empregado e empregador, facilitando, assim, um entendimento entre as partes. As partes conhecem melhor e mais de perto as relações que administram, sabem, melhor que ninguém, o que lhes interessa. Não havendo afronta à lei, a direitos que o trabalhador não pode abrir mão, se torna muito necessária uma maior valorização à negociação.
O principal objetivo é proteger o trabalho, ou seja, não só manter no posto de trabalho quem já está empregado, como aumentar a quantidade de vagas. Com menores custos e burocracia as empresas ficam estimuladas a contratarem mais. Assim, se protege o empregado e se fortalecem as empresas.
Sabe-se que a rigidez de nossa atual legislação trabalhista impede que os empresários firmem mais contratos empregatícios e que, por esse mesmo motivo, passam a desempregar mais, por terem receio dos encargos decorrentes da formalização do contrato, das vultosas indenizações decorrentes das rescisões, da demora nas decisões judiciais quando posta a questão perante a Justiça do Trabalho, etc.
A seguir serão discutidas algumas idéias de como facilitar as relações entre empresários e a classe operária.
3.1 Flexibilização da Jornada de Trabalho
Uma das grandes razões da existência do Direito do Trabalho é controlar a jornada dos trabalhadores, pois durante muito tempo se abusou dos operários com jornadas excessivas, desrespeitando por completo os empregados. Nesse sentido, Gisele Mascarelli Salgado[19], advogada e professora universitária diz:
“O Direito do Trabalho sempre buscou controlar a jornada de trabalho, pois essa durante muito tempo foi excessiva, causando diversos danos à saúde do trabalhador. O aumento das horas da jornada inicialmente foi justificável pela necessidade de se reduzir os custos na produção. Trabalhadores anteriores ao sistema capitalista industrial tinham um ritmo de trabalho árduo, porém esse era pautado por intervalos e pela não existência de uma utilização racional do tempo.”
Surge então, a partir de uma nova concepção de trabalho, norteada por um novo conceito de duração do trabalho, o horário flexível, que objetiva proporcionar ao empregado certa flexibilidade quanto aos horários de trabalho, não tendo o mesmo o compromisso de chegar na hora certa e assinar o ponto. As empresas não seriam tão rígidas quanto ao cumprimento de horários, mas sim quanto ao cumprimento de metas, contribuindo para uma melhor qualidade de vida dos operários.
O horário flexível, dinâmico e elástico, é a inovação mais radical introduzida nos últimos anos sobre a disposição do tempo de trabalho, ao menos é o que diz a Organização Internacional do Trabalho. Observa que, a partir da última década, sua distribuição se diversifica e adquire mais flexibilidade não só no curso da jornada diária, mas também da semana, do mês, do ano, como decorrência do progresso tecnológico, da estrutura demográfica e das aspirações da população ativa, alem dos imperativos de ordem econômica e de competitividade.[20]
A partir dessa nova concepção de horário de trabalho, o operário pode ter uma certa liberdade nos horários de entrada e de saída, desde que não venha a prejudicar o andamento de seu trabalho, adequando o seu horário laboral aos seus horários pessoais, familiares e sociais. É importante frisar que não se pode confundir horário flexível com horário livre. Mesmo com a flexibilização do horário, o empregado se compromete a estar presente em determinadas horas do dia, além de respeitar limites mínimos e máximos de jornada, desde que no final de cada dia, de cada semana, de cada mês ou de cada ano sejam proporcionais a jornada diária legal.
Nos últimos anos, houveram muitos avanços tecnológicos, fazendo com que trabalhos de repetição, antes realizados por homens, passassem a ser realizados por máquinas. Assim, tornou-se necessário novos empregados, com aptidão pra lidar com linhas de produção cada vez mais automatizadas e em horários flexíveis. Nesse sentido, Gisele Mascarelli Salgado[21]:
“Grande parte do trabalho anteriormente realizado por trabalhadores com atividades de repetição, foi substituído por máquinas e equipamentos sofisticados, fazendo que o empregador não necessite muito desse tipo de mão de obra. Por outro lado surgiu necessidade de trabalhadores que soubessem utilizar esse tipo de tecnologia, soubessem realizar múltiplas tarefas com alto grau de complexidade, etc. Assim novos tipos de trabalhadores foram requisitados ao mercado de trabalho, e estes não precisariam ou não queriam os padrões dos antigos contratos de trabalho.”
Nessa situação descrita surge o que se chamou de “acumulação flexível”, descrita como um confronto direto com a rigidez do fordismo, se apoiando na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desiguais tanto entre setores como regiões geográficas.[22]
Existem os mais diversos tipos de trabalhos, cada um com suas peculiaridades. Ocorre que a Consolidação das Leis Trabalhistas representou um movimento de padronização dos direitos trabalhistas, que estavam espalhados em leis esparsas. O padrão escolhido foi o fabril. Na época até surtiu um efeito positivo.
Atualmente, se propõe uma volta à especialidade de direitos. A fragmentação da classe trabalhadora levou a uma heterogeneidade, decorrente dos salários, objetivos, ramos de atuação, faixa etária, enfim, tudo acaba diferenciando as classes trabalhadoras. Nesse sentido é que a legislação poderia se adequar, permitindo a existência de uma jornada compatível com a necessidade das empresas e as possibilidades dos trabalhadores. Tal situação já existe no Brasil, mas ainda de forma muito tímida, como previsto no artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, especialmente em seu §2º, in verbis
“Art. 59. A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.
§1.º Do acordo ou do contrato coletivo de trabalho deverá constar, obrigatoriamente, a importância da remuneração da hora suplementar, que será, pelo menos, 20% (vinte por cento) superior à da hora normal.
§2.º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de 1 (um) ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 (dez) horas diárias.
§3.º Na hipótese de rescisão de contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do parágrafo anterior, fará o trabalhador jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.
§4.º Os empregados sob o regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras.”
A Constituição Federal estabelece contrariamente ao previsto no §1º do dispositivo acima, em seu artigo 7º, inciso XVI, que a remuneração do serviço extraordinário será superior em, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento), à do serviço normal.
Quanto a compensação de horas, prevista no §2º, temos a Súmula 85 do Tribunal Superior do Trabalho que a regulamenta
“85. Compensação de jornada.
I – A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.
II – O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário.
III – O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.
IV – A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto a compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário.”
Já é algum avanço, permitindo uma maior negociação entre empregados e empregadores visando melhorar as condições tanto para estes quanto para aqueles. Entretanto, muito ainda tem que ser feito para que as empresas possam enfrentar a concorrência cada vez mais predatória que existe em um mercado cada vez mais globalizado.
Os próprios empregadores, em sua grande maioria, não sabem como flexibilizar a jornada, caberia a governo, através de seus representantes, esclarecer os interessados, ou seja, empregados e empregadores. Nesse sentido, Anielson Barbosa da Silva:
“Esse novo conceito de duração do trabalho não está muito claro para empresas, sindicatos e empregados. Existem muitos pontos, que precisam ser esclarecidos e o governo, através de seus representantes, parece ser o mais indicado para preencher essas lacunas que tornam a legislação um pouco confusa, e porque também são variáveis decorrentes de mudanças a nível mundial, e como vivemos numa “aldeia global”, essas mudanças interferem no ambiente organizacional.”
3.2 Redução dos Custos Trabalhistas
È reclamação freqüente dos empregadores os altíssimos custos para se empregar alguém no Brasil. Para se despedir um empregado então, maiores ainda são os encargos. Situação que faz com que as empresas deixem de contratar mais mão-de-obra, que muitas vezes está sendo de suma necessidade.
Na realidade atual, o mercado sofre muitas oscilações, algumas já previsíveis, por datas comemorativas, outras nem tanto, devido às crises econômicas mundiais como a que assolou o nosso planeta a partir do ano de 2008. Todas essas oscilações fazem com que os empresários tenham que se adaptar rapidamente buscando a sua sobrevivência no mercado.
Uma grande fatia dos custos de uma empresa é com seu quadro de empregados e, com a legislação atual, fica muito difícil a diminuição destes custos. Resultado desse panorama acaba sendo a crescente informalidade no mercado de trabalho do Brasil. Muitas empresas acabam recorrendo a esse tipo de vínculo, que na realidade nem pode ser considerado um vínculo por não haver nenhum contrato assinado, para desviar dos altos custos e da burocracia que se tem pra contratar e, caso necessário, despedir.
Os trabalhadores acabem se sujeitando a tal situação, pois precisam de dinheiro, seja para seu sustento, ou para o de sua família.
Além do salário recebido mensalmente pelos serviços prestados, uma série de benefícios, como décimo terceiro salário, férias remuneradas, ajuda para transporte, alimentação e saúde, entre outros. Todas essas verbas ainda não incluem os tributos.
O empregador ainda tem que arcar com verbas para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, para o Instituto Nacional de Seguridade Social, o conhecido INSS, contribuições para o sistema “s”, tais como SESI, SESC, SENAC. Há ainda o recolhimento de contribuições sociais, tais como a COFINS. Isso sem falar no Imposto de Renda retido na fonte que chega a 27,5% na maioria dos casos.
Há economistas que dizem que se gasta mais com outras verbas do que com a remuneração líquida paga aos trabalhadores. Talvez não se chegue a tal patamar, mas é fato que as verbas que vêm junto com um contrato de trabalho oneram demais os empresários, de maneira a inviabilizar a contratação de mais mão-de-obra.
Já vem se discutindo em várias esferas do governo mudanças na legislação no que tange aos encargos suportados pelos empregadores. Mas muito pouco foi feito. Uma das mudanças foi a aprovação da lei n.º 9.601/98, que institui o contrato de trabalho por tempo determinado. A lei reduz alguns encargos, como o FGTS, que foi reduzido de 8% para 2 %; redução, em 50 %, das contribuições sociais, salário-educação e seguro de acidente de trabalho; e desobriga o contratante, ao demitir um empregado contratado por tempo determinado, de pagar aviso prévio e multa de 40% sobre o FGTS. Esse tipo de contrato reduz os encargos em cerca de 19 % e tem uma duração máxima de 2 anos. Outra mudança se refere às horas extras. Com a aprovação da lei do contrato de trabalho temporário, as empresas podem compensar as horas extras dos funcionários com a diminuição da jornada de trabalho. Essas horas não podem ultrapassar 10 horas semanais e um período máximo de 120 dias.
Portanto, muitos estudiosos no assunto entendem que, antes de uma reforma trabalhista, deve ser feita a reforma tributária, de maneira a racionalizar tanto o recolhimento quanto a aplicação do tributo. Muitos tributos são criados no Brasil cheios de “boas” intenções, mas sabe-se que a realidade do que ocorre é muito diferente do que é proposto para a criação dos tributos. Entretanto, não cabe maiores delongas sobre o assunto.
Após seria necessária também uma reforma sindical. É um absurdo os empregados serem obrigados a contribuir que não lutam por seus interesses. A maneira mais acertada seria que os mesmos tivessem liberdade para se filiar, contribuir e receber seus benefícios. Porém, a realidade atual é a de sindicatos que só servem para recolher dinheiro de seus filiados e pouco fazerem em prol das classes que os sustentam. Há previsão na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 579, da obrigatoriedade da contribuição
“Art. 579. A contribuição sindical é devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do Sindicato representativo da mesma categoria ou profissão, ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591.”
Percebe-se por uma simples leitura do dispositivo que, mesmo quando não houver sindicato da categoria, o empregado tem de contribuir, conforme disposto no artigo 591 do mesmo diploma legal
“Art. 591. Inexistindo sindicato, os percentuais previstos na alínea c do inciso I e na alínea d do inciso II do caput do art. 589 desta Consolidação serão creditados à federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, os percentuais previstos nas alíneas a e b do inciso I e nas alíneas a e c do inciso II do caput do art. 589 desta Consolidação caberão à confederação.”
3.3 Terceirização
Tem-se por terceirização como uma moderna técnica administrativa e competitiva que consiste no repasse de atividades secundárias a empresas especializadas, concentrando-se a contratante em sua atividade principal.[23]
Os primeiros indícios de terceirização nos moldes em que se tem hoje surgiram no mundo na época da Segunda Guerra Mundial. As indústrias de armamentos estavam sobrecarregadas e necessitavam de alguma solução para atender a demanda. Logo, perceberam a possibilidade de delegar serviços a terceiros, com o intuito de dar suporte ao aumento na produção de armamentos.
No Brasil, a idéia de terceirização foi trazida por volta de 1950, através de multinacionais. Encontram-se seus primeiros passos nos decretos-leis 1.212 e 1.216, de 1966, que autorizavam os bancos disporem de serviços de segurança bancária prestados por empresas particulares.
Na própria Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo antes dos decretos-leis acima citados, em seu artigo 455, já havia sinais de terceirização ao ser responsabilizado o empreiteiro principal pelas obrigações inadimplidas resultantes do contrato de trabalho que o subempreiteiro celebrava com pessoas contratadas para execução do contrato de subempreitada.[24]
“Art. 455 – Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
Parágrafo único – Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.”
A partir de então foi se tornando cada vez mais freqüente a utilização desse tipo de serviços no Brasil. Em 1973, Ísis de Almeida, citado por Sérgio Pinto Martins[25], notou que a locação de mão-de-obra já era muito frequente, aproximando-se de cinquenta mil operários terceirizados somente na Cidade de São Paulo, prestando serviços a dez mil pessoas.
Porém, ainda havia muitas lacunas na legislação trabalhista acerca da terceirização. Para suprir esse espaço, o Tribunal Superior do Trabalho sumulou a jurisprudência sobre o assunto com os enunciados 239, 256,257 e 331. Através dessas citadas súmulas do TST, percebe-se o atual estágio da terceirização no Brasil, sendo acolhida ou repelida, conforme a conveniência.
Com a terceirização, as empresas contratantes podem concentrar seus esforços para a sua atividade fim, deixado atividades meio a cargo de prestadoras de serviços, como assevera Rafael Mosele[26]:
“A terceirização é, portanto, um fenômeno recente no Brasil, utilizada em larga escala, visando à concentração de esforços para a atividade fim da empresa, deixando a cargo de terceiros atividades meio, como as mais terceirizadas limpeza e segurança.”
Para melhor compreensão do tema, torna-se necessária maior explanação acerca de atividade meio e atividade fim.
O inciso III da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho reza que, para que não haja vínculo de emprego com a empresa tomadora de serviços, só admite a terceirização na sua atividade meio. Em tese, entende-se que atividade meio seria todo aquele serviço auxiliar que daria suporte para a realização da atividade fim, sendo esta a atividade para qual a empresa existe, isto é, na qual é especializada.
Entretanto, não há como se diferenciar as duas atividades de maneira absolutamente segura, chegando-se ao ponto de o critério tornar-se determinante no que tange à responsabilização das empresas na intermediação de mão-de-obra.
Ocorre que essa diferenciação muito tênue possibilita que maus empresários, classificando como serviços essenciais como auxiliares, fraudam a aplicação das normas tutelares do direito do trabalho. Fica bastante difícil estabelecer especificamente o que é atividade meio e o que é atividade fim, quer pela gama de atividades existentes dentro de uma empresa, quer pela dinâmica empresarial de novas técnicas produtivas, de bens e serviços.
Rafael Mosele[27] cita em seu trabalho um exemplo de atividade empresarial em que não se consegue afirmar claramente quais são as atividades meio e fim das empresas, o que acaba dando muita margem para que as empresas escapem da responsabilização por parte dos empregados:
“Um bom exemplo disto são as montadoras de veículos, em que não é possível determinar com clareza quais são os serviços essenciais (atividade fim) e quais são os serviços acessórios (atividade meio) à implementação dos fins da empresa.”
A doutrina formulada em compasso com a orientação consagrada no enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho tem procurado elucidar o assunto diferenciando as atividades fim das atividades meio segundo a essencialidade ou não dos serviços da empresa tomadora dos serviços terceirizados. Ou seja, as atividades que integram o objeto social da empresa indicam sua atividade fim, ao passo que as atividades que não integram o objeto social são consideradas atividades meio.
Na teoria, nos parece que os conceitos suprem todas dificuldades em se diferenciar atividade meio e atividade fim, porém na prática se torna bem complicada esta diferenciação, conforme Rafael Mosele[28], novamente, diz:
“Teoricamente, os conceitos parecem suprir todas as dificuldades na diferenciação de atividade meio e atividade fim. Porém, na prática das relações de trabalho a atividade meio, considerando-se o grau de especialização atingido pelos novos métodos e tecnologias, nem sempre é de fácil conceituação”.
Pelo exposto acima se percebe que o tema terceirização não é, nem de longe, já bem esclarecido e definido por doutrina, jurisprudência e até a legislação não é clara nesse assunto. Porém, há uma série de vantagens para o empresário que adota esse sistema de contratação em algumas atividades de sua empresa, que não sejam as do objeto social da empresa.
As vantagens encontram-se nos níveis econômico e administrativo, visto que objetiva a redução do custo final do produto, evitando a dispersão da empresa daquilo que é considerado seu foco ou atividade fim, Sérgio Pinto Martins corrobora essa idéia:
“[…] a empresa poderá concentrar seus recursos e esforços na sua própria área produtiva, na área em que é especializada, melhorando a qualidade do produto e sua competitividade no mercado. A empresa irá buscar especialização e centralização de seus esforços na área para a qual tem vocação específica. Pode-se dizer que o objetivo a ser alcançado será o incremento da produtividade e também da qualidade do produto ofertado ao cliente, reduzindo, inclusive, perdas no processo produtivo.” (2003, p. 43)
Dessa maneira, buscando a melhoria da produtividade e a qualidade do produto, têm-se custos mais baixos e, consequentemente, preço menor. A empresa, através do processo de terceirização, sofre uma reestruturação, suprimindo ambientes ociosos, diminuindo custos fixos e eliminando desperdícios, podendo direcionar seus recursos para geração de novos produtos.
Outra vantagem da terceirização e a geração de novas empresas, as prestadoras de serviços para empresas tomadoras. Por consequência, criam-se mais empregos, aumentando arrecadação de impostos e tudo mais que vem em conjunto com novas empresas e empregos. Por esse motivo o governo também é a favor da terceirização, respeitadas as garantias fundamentais dos trabalhadores.
Há ainda a possibilidade do ex-empregado poder trabalhar em seu próprio negócio, deixando de ser empregado para tornar-se patrão. Na terceirização o prestador de serviços tem independência, situação que não ocorria quando era empregado, o motivando para produzir e desenvolver seu lado empreendedor.
É inegável que em um primeiro momento existirá uma supressão de empregos, porém, proporcionando bons resultados para a empresa, haverá melhoria geral para sociedade, inclusive com a geração de vantagens sociais. Aumentando-se a competitividade são gerados novos postos de trabalho, formando-se inclusive novas categorias, contribuindo também para a geração de novas categorias.
A terceirização traz grandes vantagens para os empresários, fazendo com que se diminuam os custos de uma maneira geral, aumentando-se a produtividade, visando o sucesso econômico, conforme assevera o já citado Rafael Mosele[29]:
“Nesse contexto, constata-se que há muitas vantagens para o setor empresarial, como redução de custos, aumento da produtividade, maior competitividade, maiores lucros, tudo para obter o sucesso econômico. É também uma grande vantagem para as indústrias, comerciantes e para os consumidores finais, que são beneficiados com preços mais baixos.”
Porém, muitos cuidados devem ser tomados ao se terceirizar algum serviço nas empresas. Ainda é escassa a legislação em torno do assunto e um pouco delimitada a possibilidade de contratação desse tipo de serviço.
Há importantes aspectos para que a terceirização seja plenamente válida, principalmente no que tange ao elemento subordinação. O empregado terceirizado não pode ter relação de dependência com a empresa terceirizante, deve ser subordinado à empresa terceirizada. Rafael Mosele[30] descreve de maneira clara tal situação:
“Para que a terceirização seja plenamente válida no âmbito empresarial, não podem existir elementos pertinentes a relação de emprego no trabalho do terceirizado, principalmente o elemento subordinação. O terceirizante não poderá ser considerado como superior hierárquico do terceirizado, não poderá haver controle de horário e o trabalho não poderá ser pessoal, do próprio terceirizado, mas realizado por intermédio de outras pessoas. Deve haver total autonomia do terceirizado, ou seja, independência, inclusive quanto aos seus empregados. Na verdade, a terceirização implica a parceria entre empresas, com divisão de serviços e assunção de responsabilidades próprias de cada parte. Da mesma forma, os empregados da empresa terceirizada não deverão ter nenhuma subordinação com a terceirizante, nem poderão estar sujeitos a seu poder de direção, caso contrário existirá vínculo de emprego.”
Define o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Trata-se, então, a pessoalidade na prestação dos serviços como um dos elementos caracterizadores do vínculo de emprego. Nesse aspecto, vê-se que o elemento pessoalidade é incompatível com a terceirização.
Portanto, a pessoalidade também se torna elemento essencial para se ter o vínculo empregatício, ou seja, o citado elemento não pode existir entre a empresa terceirizante e o empregado terceirizado para não haver vínculo empregatício, ainda que o serviço seja prestado por qualquer dos empregados da empresa terceirizada.
Porém, os empresários devem ter cautela quando contratarem serviços terceirizados, especialmente no que tange à confiança na saúde financeira da empresa que estão contratando para realizar algum serviço. Em caso de inadimplemento de obrigações trabalhistas, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, a empresa tomadora do serviço terceirizado tem responsabilidade subsidiária juntamente com a empresa contratada, mesmo não tendo o empregado terceirizado nenhum vínculo trabalhista direto com a empresa tomadora do serviço. Há até entendimento do Tribunal Superior do Trabalho nesse sentido, contido na já referida súmula 331, inciso IV, in verbis:
“Súmula 331. Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade.
[…] IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do titulo executivo judicial.”
Têm-se, na situação descrita no inciso acima, uma espécie de benefício de ordem. Não pagando o devedor principal, a empresa prestadora de serviços, passa a ser responsável o devedor secundário, a empresa tomadora de serviços.
A terceirização é uma das formas de flexibilização das regras tradicionais que a realidade está impondo ao direito. Em outras palavras, o modelo tradicional de trabalho, do empregado estável, dependente e por conta própria, está sendo colocado em xeque pelo surgimento de circunstâncias que não se amoldam ao Direito do Trabalho clássico, mas sim, caminham no sentido de sua transformação.[31]
Convém destacar que as medidas aqui apresentadas foram exigências do mercado e o próprio Governo Atual utilizou-se dos referidos expedientes naquilo que foi possível. A terceirização, flexibilização e redução de custos, aliados ao Estado Forte, no melhor modelo genuinamente de Estado Social, foi alternativa de diversos paises ao longo das últimas décadas.
O que se quer defender é que as medidas ocorreram em maior ou menor grau nas piores crises do emprego das décadas de 80 e 90.
CONCLUSÃO
O trabalho sempre fez parte da história da humanidade, desde os primeiros registros, o ser humano, por conclusão lógica, tinha que correr atrás de seu alimento e proteger sua família. Portanto, os primeiros ofícios do homem foram para sua estrita sobrevivência.
Porém, com o tempo, o homem percebeu que era melhor viver em sociedade, se unindo com seus semelhantes para conseguir mais alimento e melhor proteger suas famílias. Foi o que se chamou de comunismo primitivo. Em consequência disso, foram surgindo naturalmente líderes que acabavam comandando os grupos.
Tais grupos começaram a acumular riquezas e trocar com comunidades próximas, dando origem, ainda que de forma muito primitiva ao capitalismo. E, aos poucos, os líderes desses grupos começaram a ser, logicamente que de maneira muito diferente da atual, os “patrões” do resto do povo de sua comunidade, pois comandavam e organizavam tudo em seu grupo.
Passou-se também pela escravidão, que teve origem na Roma antiga, passando pelos tempos de Brasil colônia e que até hoje ocorre de maneira ilegal em solo brasileiro.
Porém, foi com a Revolução Industrial do Século XVIII, que se tornou necessária a regulamentação do trabalho, tendo em vista a situação precária à que os trabalhadores eram expostos, incluindo nesse grupo de trabalhadores crianças que começavam o ofício ainda com seis anos.
Os trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho muito intensas, que chegavam a dezesseis horas, em condições muito precárias de higiene e proteção. Isso tudo com remuneração pífia, que permitia com muito esforço que o trabalhador permanecesse vivo para continuar trabalhando.
Os trabalhadores insatisfeitos começaram a protestar, a própria Igreja, tão importante na história da humanidade, que sempre esteve ao lado dos mais ricos, através da encíclica Rerum Novarum, clamou pela união entre o capital e o trabalho. Nessa mesma época também ocorreu a publicação do Manifesto Comunista, por Marx e Engels.
Todo esse movimento que vinha ocorrendo culminou com o surgimento do que se chama de Direito do Trabalho, com normas que regulamentavam novas e melhores condições de trabalho, melhor remuneração, assistência social, entre tantas outras situações que foram normatizadas.
No Brasil, como sempre ocorre, alguns anos depois se tornou necessária essa mesma normatização do trabalho ocorrida na Europa. Existiram algumas leis esparsas, mas o grande marco do Direito do Trabalho Brasileiro é o nascimento da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, por Getúlio Vargas, Presidente do país na época.
O referido diploma foi considerado moderno e muito importante. Não repercutiu só no Brasil, mas no mundo todo. Regulou todas as situações existentes à época, sendo de grande utilidade.
Entretanto, o tempo foi passando, o Brasil passou por várias fases, várias cartas constitucionais, o mundo foi mudando e o Direito do Trabalho pátrio continuou a ser regrado pela conhecida Consolidação das Leis do Trabalho, já não mais moderna e cada vez menos de acordo com a realidade da sociedade.
Atualmente, se vive em uma sociedade capitalizada, de mercado, cada vez mais globalizado, competitivo e voraz. A legislação tem que acompanhar isso, do contrário se torna inviável a sobrevivência em um mundo dominado por multinacionais cada vez maiores.
A CLT, como é chamada pela grande maioria, está muito em desacordo com essa realidade, afinal, já fazem mais de quarenta anos que foi criada e da sua criação até os dias atuais, muito pouco ou quase nada mudou.
As empresas se vêem presas a uma burocracia muito grande para contratar mais empregados, devido a altos custos trabalhistas. E para, quando necessário, encerrar um contrato de trabalho, são obrigadas a suportar uma série de encargos que acabem intimidando novas contratações.
Outra situação que incomoda os empresários é a falta de flexibilidade nos horários de trabalhos, pois a maioria dos ramos de atuação sofre oscilações, por inúmeros motivos, tais como safras, que podem ser boas ou ruins, crises mundiais, como a ocorrida em 2008, que abalou as finanças do globo, ou até por datas comemorativas. Assim, muitas vezes se torna necessário que trabalhadores produzam mais pro certo período e em outros podem trabalhar menos.
Há ainda as inúmeras peculiaridades de cada ramo de atuação, que necessitam de regramentos diferentes, respeitando as diferenças existentes em cada trabalho. A nossa CLT, já obsoleta, muito pouco diferencia os tipos de trabalho apenas fazendo menção a algumas situações, tais como a insalubridade, de resto acaba tratando todos trabalhadores e empregadores de forma igualitária.
Muito vêm se discutindo nos últimos vinte ou trinta anos acerca de uma flexibilização das normas trabalhistas no Brasil. Algumas melhoras já ocorreram, visando facilitar a contratação de mão-de-obra.
Temos a Lei 9.601/98, que instituiu o contrato de trabalho por tempo determinado, reduzindo critérios para a rescisão contratual e as contribuições sociais. Surgiu também a Medida Provisória nº 1709/98, instituindo o contrato de trabalho por jornada parcial, estabelecendo jornada de até 25 horas semanais, com salário e demais direitos proporcionais e sem participação se sindicatos na negociação. Outra medida que facilitou a relação entre empregador e empregado foi a lei 9061/98, que, juntamente com a Medida Provisória 1709/98, regulamentou o banco de horas que define a jornada organizada no ano para atender flutuações dos negócios e prazo de até um ano para sua compensação, através de acordo ou convenção coletiva.
Nota-se pelo exposto no parágrafo acima que algo já foi feito para dar mais mobilidade às relações entre empregados e empresários, mas ainda existem muitas reclamações, pois se tem encargos muito altos onerando o setor empresarial que fazem com que um funcionário chegue a custar o dobro do que realmente ganha, tornando inviável novas contratações e entravando assim o crescimento da economia como um todo.
Uma nova tendência que tem se notado em muitos estabelecimentos e a terceirização. Tal tipo de contratação chegou em território brasileiro através das multinacionais que já utilizavam esse tipo de serviços, principalmente para serviços de limpeza e vigilância.
Já há até súmula do Tribunal Superior do Trabalho tratando do assunto, porém os empresários devem ter cuidado ao terceirizar serviços, pois há situações em que podem ser responsabilizados por verbas trabalhistas devidas aos empregados terceirizados, quando não pagas pela empresa contratada.
Ainda assim, a terceirização se mostra uma boa maneira de reduzir custos trabalhistas, fazendo com que as empresas tenham mais verbas para investir em outras situações, como mais contratações, novos produtos, enfim, um crescimento em geral.
Com a terceirização se tem ainda a criação de inúmeras novas empresas, as prestadoras de serviços. Ex-empregados se tornam donos de empresas, fazendo surgir novas empresas, mais empregos e fomentando a economia.
Desde o nascimento das normas trabalhistas no Brasil, há mais de sessenta anos, sempre se procurou proteger ao máximo o empregado, visando lhe garantir condições decentes de trabalho e um salário condizente com os serviços prestados. Muitas garantias foram afirmadas na Consolidação das Leis Trabalhistas, tais como décimo terceiro salário, férias remuneradas, fundo de garantia por tempo de serviço, entre outras.
Desde o seu surgimento, a legislação trabalhista sempre se ocupou apenas de proteger o trabalhador, tratando os empregadores como pessoas que só visam o lucro sem a mínima preocupação com as condições de seus colaboradores.
Realmente, no princípio era o que ocorria, foi muito importante a normatização do trabalho, para obrigar os empregadores e dar condições para seus empregados desempenharem bem suas tarefas, além de poder ter tempo para viver, ou seja, poder descansar e ter lazer com sua família.
Ocorre que nos dias atuais, os trabalhadores, em sua grande maioria, já têm todas as garantias prestadas, ou seja, a grande maioria das empresas age de acordo com a CLT, respeitando seus empregados. A empresa que por ventura agir de maneira contrária é devidamente penalizada.
Existem muitos empregadores que querem contratar mais, visando aumentar seus negócios, gerando mais empregos. Porém, se deparam com uma legislação extremamente intrincada que em nenhum momento estimula os empresários a contratarem mais.
Muitos dizem que os empreendedores que resolvem investir no Brasil são verdadeiros heróis, devido à sua coragem. E de certa forma são mesmo, pois, mesmo se deparando com tamanha carga tributária, com tamanha burocracia para começar um negócio, por menor que seja, resolvem colocar seu capital em risco visando gerar empregos, tributos e crescimento para uma nação.
Empregados e empregadores não são inimigos, como muitas vezes se entende. Uma classe deve colaborar com a outra, pois são interdependentes. Muitas empresas já utilizam o termo colaborador para designar seus funcionários, justamente com essa idéia, de que os empregados dependem da empresa para sua sobrevivência e esta depende de seus empregados para continuar operando. O ideal seria aproximar mais estas classes, pois empregados satisfeitos trabalham mais e melhor, fazendo a empresa onde trabalham crescer e contratar mais, tornando-se um ciclo, em que todos têm muito a ganhar.
Uma boa maneira de se aproximar as classes é através das negociações coletivas, onde o objetivo é aproximar o máximo possível os interesses de empregados e empregadores. Dessa maneira a economia teria um crescimento sustentável.
Informações Sobre o Autor
Vinícius Ongaratto
Acadêmico de Direito na FURG/RS