Flexibilização nas relações de trabalho e negociação coletiva

Resumo: O presente artigo analisa a flexibilização da normas de direito do trabalho, especialmente em razão de fenômenos recentes das últimas décadas, como as crises econômicas a partir da década de 70, o neoliberalismo e a globalização. Através de pesquisa bibliográfica, analisa-se a flexibilização trabalhista e o problema da proteção de direitos mínimos do trabalhador, origem do próprio Direito do Trabalho, apresentando-se a Negociação Coletiva como um instrumento adequado a essa flexibilização.

Palavras-chave: Negociação coletiva; Flexibilização da legislação trabalhista, Direito do Trabalho.

Abstract: This article analyzes the relaxation of rules labor law, especially given recent phenomena the last few decades, as the economic crises from the 70s, neoliberalism and globalization. Through literature review, we analyze the problem of labor flexibility and protection of minimum rights of the worker's own origin Labour Law, presenting collective bargaining as an instrument for doing this flexibility.

Key-words: Collective negotiation; Flexibilization labor rights, labor law.

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Sumário: 1. Introdução; 2. As transformações das relações de trabalho na pós-modernidade; 3. Flexibilização; 4. Negociação; 5. Conclusão; 6. Referências.

1. Introdução

A partir das últimas décadas do século XX, começou a passar por transformações sociais e econômicas, que culminou também por modificar a face das relações de trabalho.

Assim, o modelo regulatório tradicional das relações de trabalho passou a se mostrar insuficiente para regulamentação das mesmas no novo contexto em que esta passou a se apresentar.

No sentido de apresentar uma solução para o problema surge a Flexibilização do Direito do Trabalho, numa tentativa de amoldá-lo à nova realidade. No entanto, tal instituto deve ser estudado com cautela, em função das consequências negativas que o mesmo pode ter para o Direito Laboral, provocando mesmo a sua completa transformação, desde sua finalidade até a efetividade.

2. As transformações das Relações de Trabalho na pós- modernidade.

O Direito do Trabalho é o ramo do direito que cuida das relações laborais empregatícias. Na conceituação de Maurício Godinho Delgado é o “complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam, no tocante às pessoas e matérias envolvidas, a relação empregatícia de trabalho, além de outras relações laborais normativamente especificadas” (DELGADO, 2005, 51).

Interessante observar que, historicamente, as poucas disposições que existiam a cerca das relações de trabalho se encontravam dentro do Direito Civil, não existindo este ramo do Direito, hoje um ramo autônomo. No entanto, tratando-se as relações de trabalho, de relações de natureza bem diversa das demais relações econômicas de que cuida o Direito Privado, principalmente em função da disparidade entre o empregado dono da atividade e dos meios de produção e o empregador, fornecedor da mão de obra, subordinado àquele. Assim, afastando-se do Direito Civil, cuidou o Direito do Trabalho de organizar as relações de trabalho subordinadas e mais algumas situações específicas, proteger os trabalhadores e organizar a vida associativa dentro das relações de trabalho (direito coletivo do trabalho). A desigualdade da relação de emprego teve repercussões sociais que fez necessária a intervenção do Estado nessa relação, como forma de preservar os interesses sociais envolvidos e proteger o trabalhador.

No entanto, depois da fase de consolidação e institucionalização de Direito do Trabalho, temos um novo contexto histórico mundial. Uma fase de crise e transição, que se iniciou no final do século XX, mais precisamente no fim da década de 1970 e início da de 1980. Uma conjunção de fatores se verificou nessa época. Primeiramente uma crise econômica iniciada em 1973, a chamada crise do Petróleo, que não obteve uma resposta eficaz e rápida por parte das forças políticas então dirigentes e que terminou por abalar a estabilidade do sistema econômico, acentuando a concorrência empresarial e as taxas de desocupação no mercado de trabalho. A par disso, agrava-se o déficit fiscal do Estado, colocando em cheque o seu papel de provedor de políticas sociais intensas e generalizantes.

Em segundo lugar, um processo de profunda renovação tecnológica, envolvendo a microinformática, microeletrônica e a robotização, que agravaram a redução dos postos de trabalho em vários segmentos econômicos, especialmente na indústria.

E ainda, extremamente ligado a essa revolução tecnológica, temos o processo eliminador das antes impermeáveis barreiras do espaço e do tempo, extremando a competição capitalista no plano das diversas regiões do globo: O processo de globalização da economia. Nesse processo, os Estados Nacionais perdem a força que antes tinham, cedendo espaço para a autonomia das relações internacionais, tendo por base o livre mercado.

O processo de globalização da economia vem deixando marcas profundas nos sistemas jurídicos. Vários fenômenos podem ser verificados no campo do Direito e especificamente no campo do Direito do Trabalho. O estímulo à criação de variados de variados centros de produção normativa, relativamente independentes do poder estatal, uma vez que a vontade muitas vezes, as relações jurídicas que ultrapassam as fronteiras nacionais tendem a se pautar por normas outras que não as de um ordenamento jurídico específico. Ao enfraquecimento do Direito nacional corresponde, por conseguinte, o fortalecimento da atividade de criação do Direito na esfera infra-estatal (corporações, particulares, onde se inserem as convenções e os acordos coletivos de trabalho) e no contexto transnacional (organismos internacionais e blocos econômicos). Como informa Maria Cristina Irigoyen Peduzzi ao analisar o fenômeno

“É o fenômeno do deslocamento da produção da jurisdicidade dos foros legislativos para os meios tecnocráticos. A lei, cuja legitimidade sempre se fundou na deliberação pública, admitindo portanto, o dissenso, tem cedido espaço a formas mais flexíveis, céleres e unilaterais de produção de normatividade. A produção do Direito no contexto da globalização tem sofrido, nesse passo, uma forte despolitização, priorizando-se a racionalidade econômica.” (PEDUZZI, 2003, 31)

Ainda dentro do processo de globalização emerge o desvirtuamento da concepção de direitos sociais, já que se fala em ajustes estruturais necessários à globalização, amparando-se na desregulamentação da economia, na redução do aparato estatal e na adesão irrestrita ao livre mercado.

Arraigado aí, tem-se o desmantelamento do Welfare State (o Estado Social), que buscava intervir na economia para coibir crises econômicas e discrepâncias sociais.

Nesse contexto, observa-se que o sistema tradicional das relações de trabalho vem sofrendo questionamentos e transformações de diversas origens. Não é fácil distinguir quais provêm diretamente da globalização e quais resultam de outros fenômenos mais ou menos autônomos, mas mesmo assim concorrentes.

Os reflexos que podem ser percebidos dentro das relações de trabalho, em substituição ao sistema tradicional tem as seguintes características:

(a) a priorização do capital sobre o trabalho e a substituição crescente de mão-de-obra por tecnologia; (b) a flexibilização ou desregulamentação do Direito do Trabalho; (c) a instabilidade no emprego; (d) a individualização das relações de trabalho em diversas dimensões; e (e) a precarização do custo do trabalho.

3. Flexibilização

Para que o Direito do Trabalho se adapte a esse novo contexto fala-se constantemente em Flexibilização. Flexibilizar, em um sentindo amplo, seria se promover a adequação das legislações à nova realidade.

A questão da flexibilização tem ocupado lugar de destaque nos debates travados no âmbito do Direito do Trabalho. Uns admitindo e outros negando a sua inevitabilidade. Dentre os que admitem sua inevitabilidade, a ainda um desentendimento a respeito dos objetivos da flexibilização, sobre a forma como a mesma ocorreria e sobre os efeitos que provocariam nas relações de trabalho. Assim a flexibilização pode ser entendida como o processo natural de acomodação do Direito do Trabalho à globalização econômica, com vistas a sua permanência como área de regulamentação das relações de trabalho e, porque não, de sua sobrevivência como campo fértil ao exercício da cidadania, ou como a passagem do estágio de reconhecimento da necessidade de intervenção estatal direta, destinada a minar a discrepância existente entre empregado e empregador na contratação, para o paradigma do contrato civil fundado na livre negociação das partes envolvidas.

Primeiramente, há que se distinguir flexibilização de desregulamentação. Desregulamentar significa revogar, ignorar, abandonar, deixar de lado a legislação vigente. A flexibilização tem outro sentido. Flexibilização, no ensinamento de Martins Catharino, pode ser dividida em flexibilização em sentido amplo, que é a maneira de adaptar normas jurídicas à economia contemporânea, e flexibilização em sentido restrito, que é a maneira de adaptar normas trabalhistas à economia "neoliberal" (CATHARINO, 1996). Flexibilizar não é desregular, é regular de modo diferente. É regulamentação substitutiva. Flexibilizar significa, na acepção correta de palavra, tornar maleável, elástico, é o antônimo de rígido. Tornar a legislação flexível é torná-la maleável, adaptável às novas realidades. A ideia geral que se tem acerca de flexibilização é que a finalidade da mesma é a busca do equilíbrio entre a proteção do trabalhador e da empresa, a fim de assegurar ocupação ao primeiro e garantir a sobrevivência da segunda, por intermédio do uso de técnicas derrogatórias das normas legais do Direito do Trabalho, procurando dar aos que trabalham o que é possível e, em contrapartida, aos que empresariam, o que é necessário. Nos dizeres de Francisco Meton Marques de Lima, “trata-se da precarização do trabalho, levada a efeito pelo neoliberalismo, sob o argumento de compatibilizar e preservar o mínimo de garantia dos trabalhadores com a sobrevivência das empresas.”(LIMA, 2003, 30)

Assim a flexibilização pode ser entendida como o processo natural de acomodação do Direito do Trabalho à globalização econômica, com vistas a sua permanência como área de regulamentação das relações de trabalho e, porque não, de sua sobrevivência como campo fértil ao exercício da cidadania, bem como a passagem do estágio de reconhecimento da necessidade de intervenção estatal direta, destinada a minar a discrepância existente entre empregado e empregador na contratação, para o paradigma do contrato civil fundado na livre negociação das partes envolvidas.

Dentre da doutrina que examina o tema da flexibilização como resposta do Direito do trabalho às mudanças contemporâneas decorrentes do processo de globalização segue a dualidade referida retro, acerca da finalidade e natureza e efeitos da flexibilização. Para que se tenha uma ideia da divergência das posições observe-se que um grupo admite restritivamente a redução do grau de intervenção na lei nas relações de trabalho (SUSSEKIND apud SOUZA, 2003, 125) afirmando que

a)    Os sistemas legais se constituam de regras indisponíveis, que estabeleçam um mínimo de proteção a todos os trabalhadores, abaixo do qual não se concebe a dignidade do ser humano;

b)    Esses sistemas abram espaço para a complementação do piso protetor irrenunciável ou para flexibilizar a aplicação das normas gerais de nível superior, mediante a negociação coletiva, isto é, com a participação dos correspondentes sindicatos, aos quais cumpre assegurar a liberdade sindical, tal como prevista na Convenção da OIT n.º 87.

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c)    A flexibilização deve ter por objetivo: 1) o atendimento a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais; 2) a implementação de nova tecnologia ou de novos métodos de trabalho; 3) a preservação da saúde econômica da empresa e dos respectivos empregos.

Ainda segundo o prof. Sussekind, essas proposições, que reduzem o espaço da flexibilização dos preceitos reguladores das relações de trabalho, sempre sob a tutela sindical, respeitariam a tradição do direito brasileiro, cujas raízes são romano-germânicas, de direito escrito, baseado em leis, homenageando ao mesmo tempo a defesa da empresa e os legítimos interesses dos trabalhadores.

Por outro lado, tem-se a posição de um segundo grupo, cujo pensamento pode ser sintetizado através do que alvitra o prof. Arion Sayão Romita:

“Não é função do Direito do Trabalho proteger o empregado. Função do Direito do Trabalho é regular as relações entre empregador e empregado, tout court. Afirmar a priori a função protecionista do direito do trabalho em benefício do empregado é desconhecer a bilateralidade da relação de emprego (…)

Para exercer sua função social, ao reconhecer a inicial posição de desvantagem em que se encontra o trabalhador enquanto celebra o contrato subordinativo, o direito do trabalho equilibra as posições econômicas dos respectivos sujeitos por meio de concessão de garantias ao mais fraco, com intuito não de protegê-lo, mas de realizar o ideal de justiça. Repugna ao ideal de justiça a proteção de um dos sujeitos de certa relação social. O ideal de justiça se realiza quando o direito compensa as desigualdades iniciais pela outorga de garantias aptas a igualar as posições (ou, pelo menos, atenuar a desigualdade inicial).

O direito do trabalho, como ramo do direito que é, não pode ‘proteger’ o empregado. Deve- isto sim – regular a relação de trabalho para realizar o ideal de justiça mediante a previsão de garantias que compensem a inicial desigualdade social e econômica entre os sujeitos da relação.(…) Segundo uma quarta maneira de encarar a proteção – modo realista, de índole democrática -, a proteção dos trabalhadores representa uma conquista do Estado social e democrático de direito. A proteção visa à eliminação da desigualdade social e econômica entre o empregado e o empregador e a substituição da noção de igualdade meramente jurídica (formal) por uma igualdade material. Longe de desconfiar dos atores sociais, o Estado democrático neles deposita confiança e vê no entendimento direto das classes a melhor maneira de compor os recíprocos interesses”. (ROMITA, 2003, 125)

 

A solução apresentada para se definir a polêmica questão pode ser encontrada dentro da própria Constituição Federal, podendo-se assim, definir qual a flexibilização possível nas relações de trabalho no Brasil, servindo seus princípios e normas como eixo norteador a apontar qual caminho escolhido pelo legislador constituinte originário em tal matéria. Segundo Leonardo Barros Souza,

“O estudo do texto constitucional permite ainda dizer se esse caminho tem como um dos seus objetivos a flexibilização como desregulamentação das relações de trabalho, com gradativa diminuição da intervenção estatal até a passagem final para um modelo de contrato civil, ou como acomodação do Direito do Trabalho aos efeitos da globalização econômica, com preservação de um núcleo mínimo de direitos trabalhistas, processo esse, em última análise, entendido como consequência necessária, gradativa e permanente acomodação da Constituição às transformações históricas que inevitavelmente ocorrem com o curso da linha do tempo e, por conseguinte, à realidade social.” (SOUZA, 2003, 130)

Constituem-se princípios fundamentais da República Federativa do Brasil arrolados no art. 1.º, o princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III) e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV).

No título VII, que trata da ordem econômica e financeira temos a disposição do art. 170, caput, que dispõe que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social…”

Ora, assim como o princípio da dignidade da pessoa humana serve de princípio orientador da relações sociais em geral, também servirá às relações de trabalho. Embora não tenha seus contornos bem definidos, visto que a doutrina até hoje não chegou a um consenso sobre seu núcleo, sendo o debate bastante acirrado a respeito de sua extensão, isso não afasta a possibilidade de sua aplicação efetiva, uma vez que é facilmente perceptível a sua violação.

É ainda nesse sentido de dignidade da pessoa humana que a Constituição Federal prevê, inclusive em normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, uma série de direitos sociais cuja ausência de observância pode violar o princípio referido. Nesse caso, o processo de flexibilização encontra um limite intransponível.

Quando se fala em valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social do trabalho, em sua interação com as demais normas contempladas no texto constitucional, esses princípios expressam a prevalência dos valores do trabalho na conformação da ordem econômica. Mais ainda conforme ensina José Afonso da Silva significa que “embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.” (SILVA, 2004, 788).

Observando-se a sistemática adotada pela Constituição Federal, observe-se que o art. 7.º, que trata de Direitos dos Trabalhadores encontra-se inserido num âmbito maior, o capítulo II “Dos Direitos Sociais”, que, por sua vez, insere-se num âmbito ainda maior, o do Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, havendo que ser analisados com base nos princípios fundamentais. Assim é forçoso concluir que a flexibilização admitida pelo constituinte originário é aquela sinônimo de acomodação do direito do trabalho ou das relações de trabalho às mudanças que ocorrem ao longo do tempo, nesse caso específico, aos efeitos da globalização econômica, com preservação de um núcleo mínimo de direitos do trabalho (direitos esse considerados pelo constituinte originário como essenciais a preservação e garantia da dignidade da pessoa humana), expressamente previsto na Constituição Federal.

Finalmente, ainda observando-se o texto constitucional, há a expressa previsão da possibilidade de alteração de direitos dos trabalhadores via negociação coletiva (por convenção ou acordo coletivo), mas tão somente em casos de quantum do salário (art. 7.º, VI), duração da jornada de trabalho (art. 7.º XIII), e ainda no sentido de que essa negociação deve ter como finalidade única a emancipação dos trabalhadores. Como o próprio caput do art. 7.º prescreve, os direitos sociais ali previstos não excluem outros “outros que visem à melhoria de sua condição social”, numa clara indicação de que, a intenção do constituinte originário ali não foi outra senão a de assegurar no texto constitucional um mínimo consentido de direitos do trabalho, vislumbrando-se ainda a possibilidade de emancipação, com a conquista de outros via negociação coletiva.

A negociação coletiva constitucionalmente admitida assim o é apenas como mecanismo hábil para a busca de uma melhora nas condições de trabalho em benefício da emancipação dos trabalhadores.

O prof. Arion Sayão Romita, ao defender posicionamento favorável à flexibilização das relações de trabalho, trabalha a idéia de que a ampliação da negociação coletiva serve para a democratização das relações de trabalho e que a Constituição Federal representa a vitória do retrocesso, uma vez que se mostra apegada a concepções retrógradas e impede a democratização das relações de trabalho no Brasil. O entrave deve ser afastado: o ingresso da democracia no campo das relações sociais é inevitável. A prática tem demonstrado que os obstáculos opostos pela Constituição de 1988 são inoperantes. Segundo ele,

“O método democrático repousa no elemento confiança: o Estado confia em que trabalhadores e empresários, que têm interesses antagônicos, mas não inconciliáveis, encontrem por meio da negociação coletiva as melhores soluções para a composição das respectivas pretensões. O rumo da democratização afasta-se da influência maciça do Estado, vale dizer, preconiza a redução da presença deste.” (ROMITA apud SOUZA, 2003, 136)

4. Negociação Coletiva

Admitindo-se a idéia de que a flexibilização afasta a tutela do Estado, tem-se o foco naquele que naturalmente seria o “substituto tutelar” das partes envolvidas na relação de trabalho: os sindicatos.

No direito comparado, a autora italiana Riva Sanseverino ressalta toda a crescente importância do contrato coletivo (denominação equivalente à convenção coletiva do direito brasileiro), consignando a respeito:

“o contrato coletivo constitui característica manifestação da tendência contemporânea dos grupos econômicos a outorgarem-se leis, isto é, a substituírem a vontade real do Estado pela própria vontade, quando não o seja pela vontade dos produtores individualmente considerados. E esta progressiva afirmação de formas intermediárias, tas como os contratos normativos, associa-se à certa crise da lei e do contrato, considerados como fonte exclusiva, do ponto de vista objetivo e subjetivo. Semelhante circunstância assumiu especial relevo face à categoria de relações econômicas, que corresponde à relação de trabalho subordinado, em vista do fim econômico de realizar-se a uniformização nas condições que disciplinam determinadas iniciativas ou determinadas relações, e, portanto, com o fito de normalizar a concorrência e estabelecer um mínimo de condições sociais em favor do contraente que, entre os dois, é considerado, em princípio, economicamente mais fraco. Revela ressaltar em suma, que os motivos de natureza econômica aliados aos de natureza social tornam mais saliente a tendência do contrato coletivo de operar como se fora a própria lei no âmbito de determinada categoria.” (SANSEVERINO apud FREITAS, 1988, 313)

Outro doutrinador italiano, Giuliano Mazzoni, destaca o aspecto negocial do contrato coletivo, que, ao lado da faceta normativa, revela toda a grandeza da autonomia sindical. Ressalta o referido autor que a contratação coletiva traduz o “empenho de uma trégua” ou um “pacto provisório de paz”, mediante o qual as partes se comprometem coletivamente a não provocar um conflito do trabalho durante a duração do contrato coletivo ou, pelo menos, subordinam o exercício do direito de greve a procedimentos convencionais de conciliação respeitantes à interpretação e aplicação das cláusulas coletivas. (MAZZONI apud FREITAS, 1988,  313).

“O autor americano Ernest G. Green vai mais longe, pois além de ver o valor filosófico intrínseco de uma forma democrática de auto-governo, vê também a utilidade prática. O contrato coletivo além de tornar possível aos trabalhadores se organizar e negociar coletivamente através de representantes de sua própria escolha, ajuda empregadores a resolver problemas específicos”. (GREEN apud FREITAS, 1988, 314).

Inegável realmente a importância do instituto que, por ser resultado de negociação direta entre as partes interessadas, contempla o interesse de ambas, assegurando a uma condição mínima de dignidade e a outra estabilidade e tranquilidade durante certo tempo.

A decrescente intervenção do Estado nas relações trabalhistas e a velocidade com que estas se desenvolvem e evoluem, se comparadas com o dinamismo da legislação, têm alterado o quadro das relações coletivas, aumentando cada vez mais a autonomia negocial.

A excessiva tutela da lei é sem dúvida, um dos fatores cerceadores da utilização da negociação coletiva no Brasil e, especialmente, da maior amplitude da estipulação contratual. No entanto, é inegável a tendência em assegurar, no plano do Direito Coletivo do Trabalho a ampla liberdade contratual, desde que observadas as garantias mínimas estabelecidas constitucionalmente, respeitando-se a real vontade das partes.

No entanto, é consenso entre a doutrina a constatação da necessidade de se repensar a estrutura e atuação dos sindicatos, diante do atual contexto, principalmente no Brasil, sob pena do movimento se esvaziar, perdendo espaço numa sociedade cada vez mais habitada por novos movimento sociais. Alguns autores inclusive, já observam a redução do índice de sindicalização decorrente da própria crise estrutural gerada pela globalização e pelo desemprego.

O movimento sindical deverá reformular-se para atuar na realidade dos efeitos da globalização. Os efeitos da globalização da economia projetam-se também sobre o movimento sindical, restringindo e reduzindo o poder que o sindicalismo combativo tradicionalmente exercia no mundo das relações de trabalho. Como afirma o prof. Romita,

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“contrariamente às aspirações do movimento operário do século XIX, foram os capitalistas de todo o mundo que se uniram, e não os operários. Pelo contrário, enquanto o capital se globalizou, o operariado localizou-se e segmentou-se. O movimento sindical terá que reestruturar profundamente, de modo a apropriar-se da escala local e da escala transnacional pelo menos com a mesma eficácia com que no passado se apropriou da escala nacional. Da revalorização das comissões de trabalhadores e de comissões sindicais com funções alargadas à transnacionalização do movimento sindical, desenha-se um processo de destruição e reconstrução institucional necessário e urgente.” ( ROMITA apud SOUZA, 2003, 138).

5. Conclusão

Ante as transformações porque passa a sociedade moderna, as relações de trabalho tem dificuldades em se comportarem dentro do modelo regulatório tradicional proposto pelo Direito do Trabalho, exigindo a Flexibilização. Diferente da desregulamentação, quando se fala em flexibilizar, fala-se em adaptar, tornar maleável, flexível. Assim, o caminho que se vê possível é a acomodação do Direito do Trabalho aos efeitos da vida econômica contemporânea e da globalização, sem no entanto, deixar de proteger um núcleo mínimo de direitos do trabalhador, constitucionalmente previstos.

Uma das formas de se tornar possível essa flexibilização é através da negociação coletiva, que poderia garantia uma participação democrática e efetiva das partes diretamente envolvidas nas relações de trabalho na produção normativa que lhes diriam respeito. No entanto, será necessário repensar uma reconstrução de toda a estrutura sindical para que se possa falar em um sindicato realmente forte e representativo dentro do papel a ser desempenhado nesse novo cenário que se coloca.

 

Referências
CATHARINO, José Martins. Flexibilização normativa do direito do trabalho constituído. Repertório IOB de Jurisprudência. v. 02, n. 16, ago. 1996.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 4.ª ed., São Paulo: LTr, 2005.
GREEN, Ernest G. apud FREITAS, Manoel Mendes de. Convenção e acordo coletivos. IN: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1988.
LIMA, Francisco Meton Marques de. Manual sintético de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Globalização, integração de mercados, repercussões sociais, prespectivas do direito do trabalho no brasil. Revista da academia nacional de direito do trabalho. São Paulo, n. 11, 2003.
SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004.
SUSSEKIND, Arnaldo apud SOUZA, Leonardo Barros. Constituição, flexibilização e outras questões pertinentes ao debate. Revista de direito do trabalho. São Paulo, n. 112, out-dez 2003.

Informações Sobre o Autor

João Emilio de Assis Reis

Mestre em Direito Privado pela UNIFLU-RJ, Doutorando em Direito pela PUC-SP, Professor de Direito Civil no UNASP-SP


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